Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | ANTÓNIO SOBRINHO | ||
| Descritores: | RECURSO FALTA DE CONDIÇÕES PARA RECORRER ARGUIDO E ADVOGADO EM CAUSA PRÓPRIA ARGUIDO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 11/15/2022 | ||
| Votação: | DECISÃO SINGULAR | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | RECLAMAÇÃO | ||
| Decisão: | RECLAMAÇÃO ATENDIDA | ||
| Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
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| Decisão Texto Integral: | I - Relatório AA veio reclamar do despacho do Sr. Juíz da Comarca de Viana do Castelo – Juízo Local Criminal de Ponte de Lima, datado de 07.07.2022, que não lhe admitiu o recurso por si interposto, cujo conteúdo é o seguinte: «Inconformado com a sentença condenatória proferida nos autos, veio o arguido dela interpor recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães. Fá-lo enquanto arguido, invocando a sua qualidade de Advogado e o pretenso direito de auto-representação. Ora, conforme já se encontra explanado e decidido no despacho proferido a 01.10.2021, também nós, e aderindo na íntegra aos fundamentos aí explanados, entendemos que o arguido não pode representar-se a si próprio, estando-lhe vedada a interposição de recurso sem a intervenção da Il. Defensora nomeada. Desse modo, por legalmente inadmissível, não se admite o recurso interposto e subscrito pelo arguido. Notifique o arguido, Ministério Público e Defensora, sendo esta com cópia do requerimento de recurso apresentado pelo arguido, para os fins tidos por convenientes». Segundo o reclamante o recurso deveria ter sido admitido, apresentando, para tanto e resumidamente, os seguintes fundamentos: «O despacho reclamado é nulo de pleno direito, porquanto releva da aplicação, decisivamente, de normativo inconstitucional, a saber: a) a norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 61.º do CPP, interpretada no sentido de que o direito do arguido a constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor é antes o dever do arguido a constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor; b) a norma da alínea do n.º 1 do artigo 64.º do CPP, interpretada no sentido de que a obrigatoriedade de assistência do defensor consiste na dispensa e supressão da actuação do próprio arguido; c) a norma do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição Portuguesa, interpretada no sentido de que a mesma não assegura todas as garantias de defesa, designada e concretamente, a defesa propria persona, garantida pelo direito internacional e supranacional europeu; d) a norma do n.º 1 do artigo 3.º da Directiva 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22-10-2013, interpretada no sentido de que o direito de acesso a um advogado em processo penal «de forma a permitir ao arguido exercer efectivamente os seus direitos de defesa» consiste na obrigação do arguido de ser representado e defendido por um advogado ou defensor sem direito à própria defesa; e) a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º da Directiva 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22-10-2013, interpretada no sentido, revogatório, de que a mesma não garante ao arguido o direito de renunciar ao direito de acesso a um advogado». Pede que se revogue o despacho reclamado e substituído por outro que ordene o seguimento do recurso interposto pelo arguido. Decidindo: As incidências fáctico-processuais a considerar são as constantes do Relatório I supra e ainda o seguinte: 1 - O reclamante foi condenado por sentença, na sua parte dispositiva, deste modo: a) Condenar o arguido, AA, pela prática, como autor material, de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos arts. 180º, nº1 e 184º, por referência ao art. 132º, nº2, al.l), todos do C.Penal, na pena de 05 (cinco) meses de prisão; b) Tendo em conta a imagem global dos factos, afigura-se que a simples censura do facto e a ameaça de prisão serão suficientes para dissuadir o arguido da prática de futuros crimes, pelo que se decide substituir a pena de 05 (cinco) meses de prisão aplicada por uma pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz um montante total de €1.000,00 (mil euros) (cfr. art.º 45º do C.Penal); c) Julgar o pedido de indemnização civil deduzido por BB totalmente procedente, e consequentemente, condenar o demandado cível no pagamento da quantia de €2.000,00 (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da presente sentença, e até integral pagamento». * Os fundamentos da presente reclamação alicerçam-se essencialmente no pressuposto de que deve ser atendida a reclamação por haver violação das subsequentes normas: « a) a norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 61.º do CPP, interpretada no sentido de que o direito do arguido a constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor é antes o dever do arguido a constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor; b) a norma da alínea do n.º 1 do artigo 64.º do CPP, interpretada no sentido de que a obrigatoriedade de assistência do defensor consiste na dispensa e supressão da actuação do próprio arguido; c) a norma do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição Portuguesa, interpretada no sentido de que a mesma não assegura todas as garantias de defesa, designada e concretamente, a defesa própria pessoa, garantida pelo direito internacional e supranacional europeu; d) a norma do n.º 1 do artigo 3.º da Directiva 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22-10-2013, interpretada no sentido de que o direito de acesso a um advogado em processo penal «de forma a permitir ao arguido exercer efectivamente os seus direitos de defesa» consiste na obrigação do arguido de ser representado e defendido por um advogado ou defensor sem direito à própria defesa; e) a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º da Directiva 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22-10-2013, interpretada no sentido, revogatório, de que a mesma não garante ao arguido o direito de renunciar ao direito de acesso a um advogado». Vejamos: Como preceitua o artº 405º, nº 1, do Código de Processo Penal (CPP), a reclamação para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige destina-se apenas contra despacho que não admitir ou que retiver o recurso. Não visa conhecer do mérito do recurso. No caso sub judice, a questão reclamanda para a rejeição do recurso (com base na falta das condições necessárias para o arguido recorrer) entronca directamente na questão preliminar imanente a tal recurso, qual seja a de auto-representação do arguido, sendo advogado, por não reunir as condições necessárias para se defender por si, sem ser assistido pelo respectivo defensor oficioso, estando em causa, desde logo, o exercício do direito (ou não) à renúncia de acesso a defensor. É este estrito fundamento - de não admissibilidade de o arguido se ‘auto-representar’, renunciando ao direito de acesso a um defensor em processo penal - que alicerça ab initio quer a questão (prévia) no recurso interposto, quer o despacho reclamado, quer ainda a reclamação apresentada. E este encadeamento vicioso não foi, aliás, ignorado pelo tribunal a quo, aquando da prolação do despacho sobre a reclamação, apresentada apenas pelo arguido em causa própria, abrindo a porta à sua admissibilidade. Ora, não se ignorando - bem pelo contrário - a tendência maioritária quer da doutrina, quer da jurisprudência, designadamente de índole constitucional, no sentido de refutar essa ‘auto-representação’ do arguido-advogado em processo penal (ainda que não se descure também a posição oposta inerente ao voto de vencido do Exmº Cons. Guilherme da Fonseca no Acórdão do TC nº 578/2001, de 18.01.2001, Processo nº 58/2001 e também o clausulado no artº 9º da Diretiva 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Outubro de 2013) – certo é que, no caso presente, tendo em vista esse estrito motivo de a possibilidade ou não de o arguido se fazer representar por si em processo penal (e afinal no pressuposto de lhe não assistir a renúncia ao direito de acesso a advogado em processo penal) ter servido viciosamente de suporte para o indeferimento da pretensão do arguido de impugnação da decisão recorrida, tendemos a admitir a reclamação, já que et por cause tal fundamento constitui o cerne da questão prévia suscitada no próprio recurso interposto. Em suma, em matéria desta natureza, relativa a direitos de defesa do arguido, importa não cercear a apreciação pelo tribunal ad quem de questão recursiva que constitui um dos fundamentos do recurso interposto, sendo a razão da rejeição deste precisamente a mesma que serviu de base à tramitação processual que desembocou na decisão recorrida. Caso contrário, salvo melhor opinião, a reclamação não deixaria de configurar uma abordagem desta questão de mérito, extrapolando os contornos da previsão normativa ínsita ao artº 405º, nº 1, do CPP. Traduzir-se-ia, assim, numa forma enviesada de se afastar o direito ao recurso, imiscuindo-se na decisão de mérito, pelo menos parcialmente. Fica prejudicado o conhecimento das questões de inconstitucionalidade e de reenvio prejudicial suscitados. Concluindo, atende-se a reclamação pelos motivos aduzidos. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, atende-se a reclamação apresentada, devendo o Tribunal de 1ª instância proferir despacho de admissão do recurso, se não houver outros fundamentos que obstem à admissibilidade dos mesmos. Sem custas. Guimarães, 15 de Novembro de 2022 O Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães, António Júlio Costa Sobrinho |