Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2831/12.0TBVCT-B.G1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
DESLOCAÇÃO PARA O ESTRANGEIRO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADO O DESPACHO
Sumário: O superior interesse da criança exige que não se autorize a sua mãe a levá-la para o estrangeiro, ainda que provisoriamente, afastando-a do convívio com o pai, avós paternos, tios e primos, por razões económicas não demonstradas nos autos.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I - RELATÓRIO

Apelante: P… (requerido).
Apelados: Ministério Público e B… (requerida).

Tribunal Judicial de Viana do Castelo - 1.º Juízo

1. Foi proferido nestes autos, em 27.12.2013, o seguinte despacho que se transcreve:
Aderindo na íntegra aos argumentos aduzidos pela digna magistrada do Ministério Público, e sem prejuízo de ulteriormente se apurar da veracidade dos argumentos levantados pelo progenitor da criança em requerimento que antecede (no que respeita à falta de estabilidade da progenitora quer em termos de fixação de residência, quer em termos laborais) e da possibilidade da alteração da residência da criança para junto do progenitor conforme por este requerido, entendemos que face à precariedade das condições económicas da progenitora e à oportunidade de trabalho que agora surgiu na Alemanha, tendo em conta a idade da criança (que ainda não se encontra em idade escolar), e atento o superior interesse da mesma, ao abrigo do disposto no art.º 157.º da OTM, decido provisoriamente alterar o regime de regulação das responsabilidades parentais nos termos promovidos (fim de transcrição).

2. Inconformado, o requerido pai veio apelar daquele despacho e apresentou as seguintes conclusões:
I - Atenta a enorme importância assumida pela decisão provisória, que se consubstancia numa alteração radical quanto ao regime de visitas e convivência do pai com a menor, que se perpetuará por tempo indefinido até à decisão final, é imperioso que o tribunal, sem descurar o caráter do regime instituído pelo art.º 157.º da OTM, decida com base em todos os elementos de facto, cautela e especial ponderação, em vista à prossecução do bem jurídico que o legislador visou tutelar – o superior interesse do menor.
II - Ao abrigo deste normativo, no despacho ora recorrido é omitida totalmente a fundamentação destinada à aferição da motivação do tribunal e quanto à ponderação dos concretos interesses da menor, tanto mais que se funda exclusivamente numa promoção do Ministério Público, também ela desprovida de qualquer fundamentação.
III - A carência de fundamentação afigura-se incompatível com o dever geral de fundamentação de todas as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo, consagrado no n.º 1 do art.º 154.º do C.P.Civil e que é completado pelo seu n.º 2 que dispõe que a justificação não pode consistir na mera adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.
IV - O art. 615.º, n.º 1 al. b) que prescreve a nulidade da sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão, o que é aplicável às decisões proferidas em incidentes cautelares (art.º 613.º n.º 3 do C. P. Civil).
V - Pelo que a decisão proferida deve ser revogada, assim não se alterando o regime da regulação das responsabilidades parentais nos termos requeridos, conferindo-se efeito suspensivo ao presente recurso e assim se obstando à emigração da menor, até decisão final (fim de transcrição).

3. O Ministério Público respondeu do seguinte modo: o MP, em representação da menor B…, de 5 anos de idade, veio requerer a alteração das responsabilidades parentais a fim de permitir à progenitora da menor ausentar-se com esta para a Alemanha, país onde alegadamente teria encontrado trabalho.
O progenitor opôs-se, conforme teor de fls. 11 e 12, alegando instabilidade frequente da progenitora da menor, com várias mudanças de residência, peticionando a guarda da menor.
Realizou-se uma conferência de pais, onde consta que cada um expôs os seus argumentos, mantendo-se as vontades contrárias, solicitando o tribunal com urgência a realização de relatórios sociais com vista a poder-se pronunciar sobre o acompanhamento da menor com a progenitora para a Alemanha, com vista a proferir decisão provisória.
Mais foi conferida natureza urgente aos presentes autos e determinada a sua tramitação em férias judiciais.
Juntos os relatórios sociais, o MP, de turno, pronunciou-se no sentido favorável a ser proferida decisão provisória que autorizasse ainda que provisoriamente a regulação das responsabilidades parentais, com autorização de deslocação da menor com a progenitora e fixação de um regime de visitas livre. Fundamentou, em síntese, nas conclusões dos relatórios sociais que referem que a menor tem como figura de referência a progenitora e que sendo o progenitor um pai presente o contacto poderia ser mantido pelos meios informáticos atuais.
Por douto despacho de fls. 42, foi proferira decisão judicial provisória nesse sentido, aí se consignando, “aderindo na íntegra aos argumentos aduzidos pela digna magistrada do Ministério Público, sem prejuízo de ulteriormente se apurar da veracidade dos argumentos levantados pelo progenitor da criança em requerimento que antecede (no que respeita à falta de estabilidade da progenitora quer em termos de fixação de residência, quer em termos laborais) e da possibilidade de alteração da residência da criança para junto do progenitor conforme por este requerido, entendemos face à precariedade das condições económicas da progenitora e à oportunidade de trabalho que agora surgiu na Alemanha, tendo em conta a idade da criança (que ainda não se encontra em idade escolar), e atento o superior interesse da mesma, ao abrigo do art.º 157.º da OTM, decido provisoriamente alterar o regime de regulação das responsabilidades parentais nos termos promovidos”.
Vem o progenitor recorrer desta decisão alegando basicamente falta de fundamentação quer da promoção do Ministério Público quer da decisão judicial, entendo que esta última está ferida de nulidade, por falta de fundamentação e que não pode meramente aderir aos fundamentos aduzidos na promoção, que entende também ser infundada, pelo que estarão violados os artigos 154.º n.º 1 e 2 e 615.º n.º 1, al. b) do CPC.
Salvo o devido respeito, entendemos que não assiste razão ao recorrente. Assim, independentemente da posição pessoal da magistrada signatária quanto à posição e cautelas a tomar em casos semelhantes, o certo é que a decisão a quo fundamentou, embora sinteticamente, a sua razão de ser. Fundamentou de facto, alegando que a oportunidade de trabalho para a mãe da menor na Alemanha e a idade não escolar da menor justificavam que provisoriamente fosse autorizada a alteração da residência, pois, em termos de direito, no superior interesse desta, conforme promoção do Ministério Público, e relatórios sociais juntos, é a progenitora a sua figura parental de referência.
É certo, também, que no relatório social elaborado à progenitora esta indicou a morada para onde vai (de uma irmã) e que vai trabalhar para uma empresa, que indicou o nome, onde alegadamente trabalhará o marido da irmã. Mas é certo também que não juntou comprovativos documentais quer da residência quer da entidade patronal, o que, a nosso ver, deveria ter sido comprovado.
De qualquer forma, a própria decisão é provisória, nos termos do art.º 157.º da OTM e a situação a ser regulada de modo definitivo carece de ulteriores diligências, sem esquecer que o progenitor se ausentou com a menor para parte incerta, em claro desrespeito pela decisão judicial, o que também cumpre averiguar nos autos, nos quais já se promoveu diligências.
Em conclusão, entende-se, pois, que não foi violado o art.º 154.º n.º 1 e 2, do CPC, já que a douta decisão judicial não se limitou a remeter para a promoção, conforme supra-referido, nem se verifica qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, cfr. art.º 615.º n.º 1, al. c) do mesmo diploma legal.
Pelo exposto, entendemos que negando provimento ao recurso se fará justiça (fim de transcrição).

4. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre decidir.
5. Do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações formuladas pelo apelante, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
A questão a decidir resume-se a apurar se o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação e se estão apurados factos concretos suficientes para autorizar a mãe a levar provisoriamente a criança para a Alemanha.
II - FUNDAMENTAÇÃO
A) Os factos
Os factos a considerar são os que constam do despacho recorrido e das alegações, já transcritos.
Resulta ainda dos autos que:
1. Foram elaborados dois relatórios sociais (fls. 26 a 35 deste apenso) relativos aos pais da criança.
2. Resulta desses relatórios que a criança tem 5 anos de idade; o pai sempre a acompanhou desde o nascimento e tem-na consigo duas vezes por semana, um fim de semana de quinze em quinze dias e nas férias; paga-lhe uma prestação de alimentos mensal de € 125 e metade do ATL no valor de € 7; está desempregado desde 24.11.2013 e vive atualmente com o dinheiro da indemnização por ter sido despedido pela entidade patronal; reside numa casa com uma sala, cozinha e quarto de banho; mudou-se do Porto para a atual residência em Viana do Castelo para estar perto da filha e pelo facto da mãe ter mudado para esta cidade, perdendo a filha o contacto com os avós paternos, tios e primos; não concorda que a mãe leve a filha para a Alemanha, pois tal constitui em seu entender a impossibilidade de convívio, dificuldades de socialização e do seu desenvolvimento. O relatório relativo ao pai conclui que são genuínos os motivos que o levam a opor-se à ida da filha com a mãe para a Alemanha e a separação dá mostras de o afetar emocionalmente.
3. Resulta do relatório relativo à mãe que: esta referiu que havia atritos permanentes entre os pais da criança. Todavia, a técnica que a acompanha no âmbito do rendimento social de inserção, refere que a mãe lhe verbalizava que a relação com o pai da filha assentava numa base de grande compreensão e apontava o pai como muito presente na vida da filha. As qualidades da progenitora como mãe são elogiadas pela referida técnica. A mãe tem tido dificuldade em encontrar trabalho; referiu o nome de uma empresa na Alemanha para onde iria trabalhar, mediante o salário de € 1 400 e por ser mãe divorciada o Estado alemão pagar-lhe-ia mais € 300 por mês; vai viver com a irmã e um cunhado que já trabalham no referido país e que, diz, lhe garantem apoio e indicou a residência; o relatório conclui que poderão existir vantagens económicas na ida da mãe com a filha para a Alemanha na medida em que poderá viver mais desafogadamente, mas há as desvantagens inerentes aos contactos com o pai.

B) Apreciação de Direito

O apelante começa por concluir que o despacho recorrido é nulo, pois não contém factos e remete para a promoção do Ministério Público.
O despacho recorrido pronunciou-se sobre o mérito da questão relativa à autorização provisória concedida à mãe para levar consigo para a Alemanha a filha em oposição à vontade do pai. Trata-se de um despacho que aborda uma questão de importância vital para o bem-estar da criança, pelo que a sua complexidade e consequências mereciam um despacho mais fundamentado (art.º 154.º do CPC).
Todavia, embora muito sumária, a fundamentação existe, pelo que não ocorre a nulidade prevista no art.º 615.º n.º 1 alínea b) do CPC).
Questão diferente é apurar se a decisão vai ao encontro do superior interesse da criança.
O juiz pode, em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, decidir a título provisório matérias que devam ser apreciadas a final e para o efeito procederá às averiguações sumárias que tenha por bem (art.º 157.º da OTM).
Os factos existentes nos autos, à data da prolação do despacho recorrido, são os que resultam dos relatórios sociais e das declarações dos pais. Os relatórios sociais têm por base o que os pais disseram, os elementos em poder da segurança social e elementos fornecidos pela técnica do protocolo do rendimento social de inserção.
Não existiam nos autos, à data da prolação do despacho, elementos factuais credíveis sobre o alegado pela mãe da criança. Indica o nome de uma empresa na Alemanha, uma residência, um salário e um hipotético subsídio de que iria usufruir por ser mãe divorciada. Trata-se apenas de meras intenções, não de factos concretos demonstrados minimamente nos autos.
O superior interesse da criança exige que não se autorize a sua mãe a levá-la para o estrangeiro, afastando-a do convívio com o pai, avós paternos, tios e primos, por razões economicistas. A criança tem o apoio do pai, da mãe e da segurança social. Autorizar provisoriamente a mãe a levar a criança para a Alemanha e dessa forma cortar bruscamente os liames afetivos concretos com o pai e família, exige mais profunda indagação.
É necessário que existam nos autos elementos seguros de que a criança vai ser feliz no país de destino. Esses elementos não existiam nos autos na data em que foi proferido o despacho recorrido.
Neste contexto, entendemos que não estão reunidos os pressupostos necessários para que se possa conceder a autorização provisória para a mãe levar consigo a filha para a Alemanha. Fazê-lo, seria colocar a criança numa situação de insegurança por falta de cautelas mínimas quanto à sua real e efetiva realização como pessoa humana no país para onde a mãe a quer levar. Não é possível dizer que tal autorização, embora provisória, seria benéfica para a criança. A autorização para a criança sair do país só pode assentar no seu próprio interesse, o qual sobreleva o dos pais. O superior interesse da criança assim o exige. Ela é o centro nuclear da questão e tudo deve girar em torno da concretização do seu desenvolvimento feliz e harmonioso.
Nesta conformidade, concede-se a apelação e revoga-se o despacho recorrido, que decidiu alterar provisoriamente o regime de regulação das responsabilidades parentais.
Sumário: o superior interesse da criança exige que não se autorize a sua mãe a levá-la para o estrangeiro, ainda que provisoriamente, afastando-a do convívio com o pai, avós paternos, tios e primos por razões económicas não demonstradas nos autos.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível desta relação, em conceder a apelação e, em consequência, revogar o despacho recorrido.
Custas pelo vencido a final.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Guimarães, 20 de março de 2014.

Moisés Silva (Relator)

Jorge Teixeira

Manuel Bargado