Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANA CRISTINA DUARTE | ||
Descritores: | GARANTIA DAS OBRIGAÇÕES AVALISTA PENHOR SUBROGAÇÃO DIREITO DE REGRESSO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/10/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. As garantias das obrigações podem ser pessoais e reais. Pelas primeiras, ficam vinculados ao cumprimento da obrigação, garantindo-a, outros patrimónios, além do do devedor; pelas segundas, o credor adquire o direito de se pagar, de preferência a quaisquer outros credores, pelo valor ou pelos rendimentos de certos e determinados bens. 2. Uma pessoa que tem uma quantia depositada num banco e que, nessa medida, é titular do crédito à sua restituição, pode constituir um penhor sobre esse crédito a favor de um terceiro ou do próprio banco, tornando-se o banco titular de um penhor sobre um crédito de que é ele próprio devedor, sendo que, em caso de incumprimento da obrigação garantida, o banco satisfaz-se, de forma rápida e eficaz, pela própria quantia aí depositada – isto é o penhor de conta bancária. 3. O terceiro que paga uma dívida alheia fica sub-rogado na posição jurídica até aí atribuída ao credor da relação obrigacional. Os seus direitos exercem-se, não só contra o devedor, mas também contra os terceiros que tenham garantido a dívida, pois, tal como na cessão, as garantias e demais acessórios acompanham a dívida transmitida. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO P… intentou acção declarativa com processo ordinário contra C… pedindo que se reconheça que à autora, na qualidade de avalista, cabe o direito de regresso sobre o co-avalista aqui réu no tocante a 50% do valor da dívida de € 151.811,43 por si paga ao Banco …, SA no interesse da devedora «P…, Lda.» de que ambos são sócios únicos e detentores de igual quota social e, assim, condenar o réu no pagamento à autora da quantia de € 75.905,72, acrescida dos juros moratórios contados desde a data da sua citação até efectivo e integral pagamento. Alegou que o Banco concedeu crédito em conta corrente à sociedade de que ambos são sócios, tendo a sociedade subscrito uma livrança como garantia do pagamento, livrança essa avalizada por autora e réu com autorização de preenchimento. Como garantia adicional foi constituído um penhor sobre um depósito bancário titulado pela autora, sua mãe e sua irmã, no montante de € 150.000,00. Tendo sido resolvido por incumprimento o contrato de crédito, não tendo a sociedade quaisquer bens e mostrando-se o réu indisponível, a autora pagou ao Banco a quantia de € 151.811,43, procedendo à total amortização dos montantes devidos pela sociedade, tendo o Banco emitido declaração de quitação e sub-rogação e entregue à autora a livrança avalizada por si e pelo réu. Contestou o réu para dizer que a autora pagou ao Banco a referida quantia em execução extraprocessual da garantia emergente do contrato de penhor sobre depósito a prazo, contrato esse no qual o réu não foi parte, não tendo a livrança chegado a ser preenchida. Requereu a intervenção provocada passiva da sociedade «P…, Lda.», por ser a devedora principal e para acautelar eventual direito de regresso sobre a mesma. Replicou a autora, mantendo o já alegado na petição inicial. Admitida a intervenção principal provocada da sociedade «P…, Lda.», foi considerada a mesma prejudicada, em função da sua insolvência decretada por sentença. Foi elaborado despacho saneador e, de seguida, sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo o réu dos pedidos formulados pela autora. Discordando da decisão, dela interpôs recurso a autora, tendo formulado as seguintes Conclusões: 1. Se os dois sócios, em partes iguais, de uma sociedade por quotas, avalizam uma livrança para garantia de uma obrigação da sociedade face ao banco credor, ambos garantem, com o seu património, o cumprimento da obrigação da sociedade, independentemente de outras garantias que possa haver, designadamente um penhor de depósito ou de outras aplicações financeiras; 2. Se um dos avalistas, que também prestou esse penhor, se vir desapossado desse depósito, em execução do penhor pelo banco credor, ele fica sub-rogado nos direitos desse banco credor. Em todos os direitos e com todas as garantias, ou seja e no caso, com a garantia do património do outro garante do banco, o seu sócio e também avalista. Deste modo, o crédito anteriormente pertencente ao credor pago ou indemnizado transmite-se para o sub-rogado que, assim, ingressa e fica colocado na posição jurídica que o credor inicial antes detinha; 3. Para operar a sub-rogação em todos os direitos do banco credor, pouco importa que o pagamento tenha sido obtido pela execução do aval ou do penhor, ou de outra garantia, como decidiu, e bem, o Tribunal da Relação de Lisboa, em processo em que em causa estava um penhor em paralelo – em Acórdão de 2 de Julho de 2009, disponível em [www.dgsi.pt] com a referência Processo n.º 1077/06.0TVLSB.L1-6; 4. Por outro lado e como se decidiu já em casos em que um dos garantes pagou em execução de aval por si prestado a par de outros, o garante que cumpre a obrigação fica com direito de regresso sobre os outros avalistas. É que, apesar da inexistência de relações cambiárias entre os co-avalistas, não deixa de haver entre eles relações de direito comum, que possibilitam que aquele que pague a livrança accione não cambiariamente os seus co-avalistas para com eles repartir a parte não cobrada dos devedores principais; 5. Tal obriga a que se recorra, para resolução do problema, às normas reguladoras do instituto da fiança, por serem as que se apresentam mais próximas da figura do aval, devendo recorrer-se às regras definidas pelo Código Civil para a pluralidade de fiadores - Neste sentido, vide Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, datados, respectivamente, de 2002.02.26 e 2007.11.15, sob os processos n.os 02A2976 e 07B1296 e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 2007.02.22, sob o processo n.º 42/07-2, todos publicados no portal electrónico www.dgsi.pt; 6. Ora, como se sustentou nas invocadas decisões em aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 650.º, artigo 524.º e 516.º, todos do Código Civil, havendo vários fiadores (ou avalistas) e respondendo cada um pela totalidade da prestação, o que tiver cumprido fica sub-rogado nos direitos do credor contra o devedor e contra os outros fiadores (ou avalistas), de quem pode exigir a parte que lhes compete, a qual se presume igual, «sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito.» Como também é naquelas decisões anotado, e como ensina Vaz Serra – in Revista de Legislação e Jurisprudência, 103.º, página 108 – «se, entre os devedores solidários, houve uma relação de sociedade, nesta se baseando a dívida, o encargo da obrigação solidária deve repartir-se entre eles na proporção das suas quotas sociais ou da sua responsabilidade pelas perdas, já que é de presumir ter cada um dos devedores querido, na relação interna, assumir o encargo tão somente nessa proporção»; 7. Ora, apesar de a sub-rogação dos autos ter operado, como vimos, por via da cobrança em execução de penhor, e havendo, para além desta garantia [e antes dela], uma livrança subscrita pela sociedade e avalizada pelos dois sócios, que participavam em partes iguais no capital social daquela, sempre a Autora, aqui Recorrente, tem direito de regresso contra o Recorrido; 8. Não fazendo sentido, no âmbito desta relação de direito comum, exigir que a Recorrente preenchesse a livrança [porque a pode preencher pois, como se viu, está sub-rogada nos direitos do Banco, em todos os direitos e, por isso, também no direito de preencher a livrança], para, só depois, demandar o seu sócio no que respeita a metade do que ambos garantiram e só a Autora/Recorrente pagou; 9. É que estamos no âmbito de uma relação de direito comum, entre os dois únicos sócios de uma sociedade por quotas, que garantiram uma obrigação dessa sociedade, sendo esta a causa de pedir e não uma qualquer relação cambiária caracterizada pela literalidade e abstracção; 10. Por todas as razões vindas de expor, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação dos artigos 669.º, n.º 1, do Código Civil, 30.º e 77.º da LULL e 589.º a 593.º igualmente do Código Civil, bem como deixou de aplicar, como deveria, os artigos 582.º ex vi do artigo 594.º; 650.º, n.º 1, 524.º e 516.º, também estes do Código Civil; 11. Assim, deverá ser concedido provimento ao presente recurso de apelação, alterando-se a decisão que julgou improcedente a acção intentada pela aqui Recorrente P…, nos precisos termos vindos de referir. O réu não contra-alegou. O recurso foi admitido como de apelação com efeito meramente devolutivo. Foram colhidos os vistos legais. A única questão a resolver traduz-se em saber se a autora, em virtude da sub-rogação nos direitos do credor, pode exigir do réu o pagamento de metade daquilo que pagou ao Banco em execução de um penhor de depósito bancário por si titulado, por ambos serem sócios em partes iguais da sociedade devedora e terem assinado livrança subscrita pela devedora, na qualidade de avalistas. II. FUNDAMENTAÇÃO Na sentença foram considerados os seguintes factos: 1. A sociedade P…, Ldª, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Guimarães sob o nº 504 130 552, tem o capital de € 50.000 (doc. de fls. 14 a 16). 2. O capital referido em 1) encontra-se dividido em duas quotas de € 25.000 pertencentes à Autora e ao Réu (doc. de fls. 14 a 16). 3. Por escrito de 16 de Agosto de 2001, denominado “Contrato - CC 23824”, assinado pelos representantes da sociedade referida em 1) e do Banco…, S.A., foi declarado que o segundo concedia à primeira um financiamento sob a forma de “abertura de crédito em conta corrente” até ao montante de Esc. 30.000.000$00, destinado a ser aplicado em apoio à tesouraria, por seis meses, automaticamente renovável/prorrogável por períodos semestrais, vencendo-se juros à taxa de 5,7% (doc. de fls. 17 a 20). 4. Por escrito de 14 de Maio de 2008, assinado pela gerência da sociedade referida em 1), pelo representante do Banco , S.A., que invocou a incorporação, por fusão, do Banco , S.A. e ainda, por Autora, Réu, Dr.ª A… e M… foi declarado que, em primeiro aditamento ao contrato aludido em 3): a) os dois primeiros alteravam diversas cláusulas, designadamente: aa) o prazo de financiamento era de três meses, automaticamente renovável/prorrogável por períodos trimestrais; bb) o saldo em dívida vencia juros, a favor do Banco, à taxa nominal fixa de 5%; cc) [cláusula 13 I] para garantia do bom pagamento de todas as responsabilidades do não cumprimento pontual e integral de qualquer obrigação nomeadamente, e entre outras, o reembolso do capital, o pagamento de juros remuneratórios e moratórios, despesas judiciais ou extrajudiciais, honorários de advogados e custas, bem como saldos devedores de quaisquer contas bancárias de que a primeira fosse titular ou contitular que tivesse como origem obrigações resultantes para o contrato, a sociedade entregara ao Banco uma livrança subscrita por si e avalizada pela Autora e pelo Réu, podendo o segundo accioná-la ou descontá-la caso se verificasse o incumprimento das obrigações assumidas, ficando autorizado a preenchê-la nos seguintes termos: - data de vencimento: posterior ao vencimento de qualquer obrigação ou obrigações garantidas; - valor: qualquer quantia devida pela sociedade que fosse objecto da garantia nos termos referidos em cc); b) Autora e Réu declararam aceitar o acordo de preenchimento e avalizar a livrança nos seus precisos termos; c) [cláusula 13 II] para garantia do bom pagamento de todas as responsabilidades do não cumprimento pontual e integral de qualquer obrigação nomeadamente, e entre outras, o reembolso do capital, o pagamento de juros remuneratórios e moratórios, despesas judiciais ou extrajudiciais, honorários de advogados e custas, bem como saldos devedores de quaisquer contas bancárias de que a sociedade fosse titular ou contitular que tivesse como origem obrigações resultantes para o contrato, a Autora, Dr.ª A… e M… declararam dar em penhor ao Banco, livres de anteriores ónus ou encargos os direitos para si emergentes do depósito bancário DP normal nº 1000 5242 1124, no montante de € 150.000, pelo prazo de 183 dias, renováveis por iguais períodos; ca) o Banco declarava que nessa data havia registado a constituição do penhor no competente registo ficando as pessoas referidas em c) impossibilitadas de movimentar o depósito; cb) os contraentes acordavam em que os frutos do depósito seriam depositados na correspondente conta, aumentando, nessa medida, o valor do penhor; cc) as pessoas referidas em c) conferiam ao Banco os poderes para, em seu nome e representação, movimentar a referida conta, imputando ao reembolso do capital e ao pagamento de juros vencidos ou qualquer outra quantia devida pela sociedade, quaisquer quantias nela existentes (doc. de fls. 24 a 32). 4. Com data de 7 de Dezembro de 2008, E… Recuperação de Crédito, ACE comunicou à sociedade referida em 1) que o contrato encontrava-se naquela data com um montante em incumprimento, incluindo juros e penalizações de € 166,08 e solicitou o pagamento até 15 de Dezembro de 2008 (doc. de fls. 33). 5. Com data de 16 de Dezembro de 2008, Banco… comunicou à sociedade identificada em 1) o vencimento antecipado do contrato referido em 3), pelo montante actual de € 149.639,37, informando que a declaração em causa produziria os seus efeitos três dias após a data nele aposta, dispondo de cinco dias úteis para liquidar a quantia, acrescida de juros vencidos e não pagos à data da liquidação (doc. de fls. 34). 6. Com data de 16 de Dezembro de 2008, Banco… comunicou à Autora o vencimento antecipado do contrato referido em 3), pelo montante actual de € 149.639,37, com fundamento na cláusula 13 ponto II do primeiro aditamento do contrato de abertura de crédito em conta corrente nº CC 23824; informava que a declaração em causa produziria os seus efeitos três dias após a data nele aposta, dispondo de cinco dias úteis para liquidar a quantia, acrescida de juros vencidos e não pagos à data da liquidação (doc. de fls. 35). 7. Com data de 23 de Dezembro de 2008, Banco … comunicou à sociedade identificada em 1) que nessa data procedera à liquidação total da conta corrente caucionada do contrato de abertura de crédito nº CC 23824, conforme carta de resolução de contrato datada de 16 de Dezembro de 2008 no montante total de € 151.811,43 (doc. de fls. 36). 8. Com data de 11 de Maio de 2009, Banco… declarou: a) ter recebido em 30 de Dezembro de 2008, da Autora, a quantia de € 151.811,43 em execução extrajudicial do penhor do depósito a prazo constituído por esta para garantia das obrigações emergentes do contrato de abertura de crédito em conta corrente nº CC 23824, celebrado entre aquele e a sociedade identificada em 1) em 16 de Agosto de 2001, aditado em 14 de Maio de 2008 e denunciado em 16 de Dezembro de 2008; b) o cumprimento das obrigações pecuniárias assumidas pela sociedade identificada em a) encontrava-se garantido por penhor do depósito a prazo e por uma livrança de caução avalizada pela Autora e pelo Réu; c) em consequência do pagamento da mencionada dívida por força do penhor constituído dava expressa quitação à Autora ficando, consequentemente, a dadora de penhor subrogada nos direitos que assistiam ao Banco nos termos dos artigos 592º e 593º do Código Civil (doc. de fls. 45). 9. O impresso da livrança referida em b) contém assinaturas dos gerentes da sociedade referida em 1) na parte inferior do rosto e no verso as assinaturas da Autora e do Réu acompanhadas da expressão “Bom com aval ao subscritor” (doc. de fls. 46). 10. Os restantes espaços do impresso referido em 9) encontram-se em branco (doc. de fls. 46). 11. Na ocasião referida em 7), a sociedade identificada em 1) não tinha meios para proceder ao pagamento da quantia em dívida ao Banco…, S.A.. Vejamos, então. Como é sabido, as garantias das obrigações podem ser pessoais e reais. Pelas primeiras, ficam vinculados ao cumprimento da obrigação, garantindo-a, outros patrimónios, além do do devedor; pelas segundas, o credor adquire o direito de se pagar, de preferência a quaisquer outros credores, pelo valor ou pelos rendimentos de certos e determinados bens, ainda que posteriormente esses bens hajam sido alienados e tenham, em consequência disso, ingressado no património de terceiro. A sentença é clara e bastante completa, com recurso a várias anotações jurisprudenciais e doutrinárias, na distinção entre os dois tipos de garantias em presença nestes autos: o penhor, como direito real de garantia, designadamente, o penhor de aplicações financeiras como uma modalidade de penhor de direitos (executado através da cativação do saldo em conta) e o aval, como garantia pessoal, cujo fim específico é o de garantir o cumprimento pontual do direito de crédito cambiário, mais propriamente, da obrigação cartular do avalizado e que apresenta os traços da fiança por se tratar de uma garantia pessoal. Relativamente ao tipo de penhor aqui em causa, refere L. Miguel Pestana de Vasconcelos, in «Direito das Garantias», Almedina, 2010, pág. 287, 288: «Uma figura que se desenvolveu no âmbito da prática bancária foi a de penhor de uma conta bancária. Assim, um sujeito que tem uma quantia depositada num banco e que, nessa medida, é titular do crédito à sua restituição, pode constituir um penhor sobre esse crédito a favor de um terceiro ou mesmo do próprio banco, devedor da referida quantia. O banco torna-se, dessa forma, titular de um penhor sobre um crédito de que é ele próprio devedor. Em caso de incumprimento da obrigação garantida, o banco satisfaz-se pela própria quantia aí depositada. O procedimento é simples, tudo se faz rápida e eficazmente através de um sistema de débito do valor em dívida na referida conta». Há até quem entenda, como é o caso de Menezes Cordeiro, in «Manual do Direito Bancário», pág. 612, citado por Pestana de Vasconcelos, na nota 798 da obra citada que não estamos aqui perante um verdadeiro penhor, mas “antes, duma garantia pessoal dobrada pela autorização para debitar, na conta garante, determinadas importâncias”. No caso dos autos, quem pagou a dívida da sociedade devedora, foi a autora, ou seja, um terceiro, que havia constituído a favor do banco credor o tal penhor sobre conta bancária. Ora, parece não haver dúvidas que se opera a sub-rogação quando um terceiro, que cumpre uma dívida alheia (ou que para tal empresta dinheiro ou outra coisa fungível), adquire os direitos do credor originário em relação ao respectivo devedor. Dispõe o artigo 589.º do Código Civil que «o credor que recebe a prestação de terceiro pode subrogá-lo nos seus direitos, desde que o faça expressamente até ao momento do cumprimento da obrigação». Ou seja, a validade da sub-rogação pelo credor exige uma declaração expressa de vontade nesse sentido, manifestada no acto do cumprimento da obrigação ou anteriormente. Resulta dos factos assentes que, no acto do pagamento por parte da autora, o banco credor emitiu a declaração de sub-rogação nos seus direitos, pelo que está cumprido o requisito formal da mesma. Cabe referir que a sub-rogação é restrita a terceiro que cumpra a obrigação. Pela sub-rogação transmite-se um direito de crédito existente, ao passo que o direito de regresso significa o nascimento de um direito novo na titularidade da pessoa que, no todo ou em parte, extinguiu uma anterior relação creditória (artigo 524.º do CC), ou à custa de quem esta foi extinta (artigo 533.º do CC). Como refere António Maria Pinheiro Torres, in «Noções Fundamentais de Direito das Obrigações», 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 343: «O direito de regresso “maxime” na solidariedade passiva, traduz-se num direito de reintegração do devedor que, sendo obrigado com outros, cumpre para além do que lhe cabe na perspectiva das relações internas». Ora, precisamente, a diversa configuração dos dois institutos – sub-rogação e direito de regresso – justifica uma diferença de regimes. Assim, no caso de direito de regresso, salvo convenção em contrário, não se transmitem as garantias e demais acessórios da dívida extinta. Já o mesmo não se verifica em matéria de sub-rogação, como resulta do disposto no artigo 582.º, aplicável por força do disposto no artigo 594.º, ambos do Código Civil. Vemos, portanto, que a sub-rogação é a substituição do credor na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento – cfr. Antunes Varela, in «Das Obrigações em Geral», vol. II, 2.ª edição, pág. 294. E, melhor explicando, nas palavras do ilustre Professor, «a sub-rogação, sendo uma forma de transmissão das obrigações, coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito que pertencia ao credor primitivo, enquanto o direito de regresso é um direito nascido “ex novo” na titularidade daquele que extinguiu (no todo ou em parte) a relação creditória anterior ou daquele à custa de quem a relação foi considerada extinta». O principal efeito da sub-rogação é, assim, a transmissão do crédito que pertencia ao credor satisfeito para o terceiro que cumpriu em lugar do devedor. É, precisamente, o caso dos autos. A questão que se impõe é a de saber que crédito é que se transmite. Também aqui parece não haver dúvidas e aquilo que resultaria já do que supra dissemos sobre a diferente configuração da sub-rogação e do direito de regresso, impõe-se, agora, na análise mais profunda das consequências da sub-rogação. É que, juntamente com o direito à prestação, transmitem-se para o sub-rogado, quer as garantias (pessoais ou reais), quer os acessórios do crédito, que não sejam inseparáveis da pessoa do primitivo credor – doutrina válida para a cessão de créditos (artigo 582.º n.º 1), que o artigo 594.º do CC torna extensível à sub-rogação. O sub-rogado fica, por consequência, investido na posição jurídica até aí atribuída ao credor da relação obrigacional. Os seus direitos exercem-se, não só contra o devedor, mas também contra os terceiros que tenham garantido a dívida, pois, tal como na cessão, as garantias e demais acessórios acompanham a dívida transmitida – veja-se, de novo, Pinheiro Torres, obra citada, pág. 344. Veja-se o exemplo dado por Antunes Varela, na obra citada, pág. 309: «Assim, se o crédito que o terceiro satisfez, estiver garantido por algum penhor, hipoteca, consignação de rendimentos, privilégio (não inseparável da pessoa do credor), fiança ou outra providência análoga, quer a garantia tenha sido constituída pelo devedor, quer por terceiro, o respectivo direito aproveita ao sub-rogado». E ainda Antunes Varela, na obra citada, mas agora no seu 1.º volume, 10.ª edição, pág. 787: «se alguém satisfaz a dívida de outrem, porque afiançou o devedor ou porque quer desonerar-se da hipoteca, do penhor, do privilégio, etc. que incide sobre os seus bens, é justo que se lhe concedam todas as garantias e acessórios que asseguravam o crédito». Ora, é esta exactamente a situação em análise nos presentes autos. A autora, terceira em relação à dívida da sociedade, satisfez a dívida desta para se desonerar do penhor que incidia sobre os seus bens, pelo que, tendo ficado sub-rogada nos direitos do credor, ficou investida na posição jurídica que até aí era detida pelo credor inicial e pode exercer os seus direitos, não só contra o devedor, mas também contra terceiros – o réu – que tenham garantido a dívida, uma vez que as garantias acompanham a dívida transmitida. Assim, sendo a autora e o réu sócios em partes iguais da sociedade devedora e tendo ambos avalizado uma livrança para garantia da obrigação da referida sociedade perante o banco credor, obrigação essa cujo incumprimento conduziu ao pagamento da totalidade da dívida feito pela autora em execução do penhor de conta bancária que havia prestado, está o réu obrigado perante a autora a suportar metade daquela quantia, pois tendo pago ao credor, a autora ficou sub-rogada nos direitos deste, aí incluídas as garantias de que beneficiava a dívida transmitida – nomeadamente, o aval prestado por autora e réu, que, como já vimos supra, é uma garantia pessoal que apresenta os traços da fiança (cfr. artigo 650.º do Código Civil quanto à sub-rogação do fiador que cumpre, nos direitos do credor, contra os outros fiadores). Nem se diga, em contrário, que o facto de o aval garantir o cumprimento da obrigação cartular do avalizado, deixa o réu imune à dívida da sociedade, quando apreciada do ponto de vista comum e não cambiário, pois, como já vimos, temos aqui que nos socorrer das normas que regulam o instituto da fiança por serem as que se apresentam mais próximas da figura do aval, pelo que, havendo vários fiadores/avalistas e tendo um pago a totalidade da dívida, fica sub-rogado nos direitos do credor contra os outros fiadores/avalistas, de harmonia com as regras das obrigações solidárias – artigo 650.º do CC. Pelo que haverá que dar razão à apelante, revogando a sentença recorrida e substituindo-a por outra que condene o réu no pagamento da quantia peticionada. Sumário: 1. As garantias das obrigações podem ser pessoais e reais. Pelas primeiras, ficam vinculados ao cumprimento da obrigação, garantindo-a, outros patrimónios, além do do devedor; pelas segundas, o credor adquire o direito de se pagar, de preferência a quaisquer outros credores, pelo valor ou pelos rendimentos de certos e determinados bens. 2. Uma pessoa que tem uma quantia depositada num banco e que, nessa medida, é titular do crédito à sua restituição, pode constituir um penhor sobre esse crédito a favor de um terceiro ou do próprio banco, tornando-se o banco titular de um penhor sobre um crédito de que é ele próprio devedor, sendo que, em caso de incumprimento da obrigação garantida, o banco satisfaz-se, de forma rápida e eficaz, pela própria quantia aí depositada – isto é o penhor de conta bancária. 3. O terceiro que paga uma dívida alheia fica sub-rogado na posição jurídica até aí atribuída ao credor da relação obrigacional. Os seus direitos exercem-se, não só contra o devedor, mas também contra os terceiros que tenham garantido a dívida, pois, tal como na cessão, as garantias e demais acessórios acompanham a dívida transmitida. III. DECISÃO Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida que se substitui por decisão que condena o réu no pagamento à autora da quantia de € 75.905,72, acrescida dos juros moratórios, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento. Custas em ambas as instâncias pelo réu/apelado. *** Guimarães, 10 de Maio de 2011 Ana Cristina Duarte Maria Rosa Tching Espinheira Baltar |