Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
119/08.0TMBRG.G1
Relator: MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
GUARDA DE MENOR
DIREITOS DO MENOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. O poder paternal (responsabilidades parentais na terminologia mais actual) é um poder-dever, estando o seu exercício submetido, altruisticamente, ao interesse da criança.
2. Tal princípio funciona como critério e limite do mesmo, não só nas situações que determinam a sua inibição, mas também na aplicação de providências que o limitam.
3. Ao regular o exercício do poder paternal /responsabilidades parentais o tribunal deve proferir a decisão que lhe pareça a mais conveniente e oportuna , a que melhor serve os interesses em causa.
4. O objectivo das normas sobre a regulação do poder paternal não é promover a igualdade entre os pais ou a alteração das funções de género, mas sim garantir à criança a continuidade da relação afectiva com a pessoa de referência.
5. Os pais devem sentir-se os “ responsáveis” pelo bem estar dos filhos, pelo que devem ser sensatos e equilibrados respeitando quer o acordo feito ou a decisão proferida no interesse dos filhos
Decisão Texto Integral: Relatório
Na qualidade de progenitora da menor A.., veio R.., divorciada, residente na Rua de.., Braga, intentar a presente acção de alteração de regulação do exercício das responsabilidades parentais contra C.., divorciado, residente na Rua.., Póvoa de Lanhoso pedindo no que respeita à guarda da menor que a mesma lhe seja confiada, fixando-se o regime de visitas e de alimentos ao requerido nos mesmos termos até agora para si determinados.
Alega para o efeito que no seu entender, tem melhores condições e competências para exercer a guarda da menor A.., confiada aos cuidados e guarda do pai, aqui requerido, por acordo celebrado e homologado em Novembro de 2007.
Descreve a requerente os anos de casada com o requerido e bem assim as condições em que este fugiu “com a menor para Portugal, em finais de Março de 2007”, altura a partir da qual alega exercer aquele “enorme chantagem sobre a requerente, utilizando a menor como arma de arremesso”.
Acrescenta que desde que voltou a Portugal – em finais de 2007 – luta pela filha, enfrentando sempre a resistência do requerido, que vem obstaculizando os contactos e convívios.
Pugna assim pela atribuição da guarda e fixação de um regime de visitas ao requerido.
O requerido, citado, contestou impugnando todos os factos aduzidos pelo requerente e pugnou pela improcedência do pedido formulado nos autos.
Designada e realizada conferência de pais, não se logrou obter qualquer acordo.
Foi fixado regime provisório no âmbito do qual, além do mais, a guarda da menor foi confiada ao pai – cf. fls. 63 e segs.
As partes alegaram, reiterando as respectivas posições, e foram juntos relatórios e informações de fls. 81 e segs.
Foi ordenada a avaliação psicológica aos progenitores e menor, assim indirectamente ouvida pelo Tribunal, mostrando-se o competente relatório pericial junto a fls. 253 e segs.
Procedeu-se à realização de audiência de julgamento.
No final foi proferida a seguinte sentença
1- Julgar improcedente o pedido da requerente, mantendo-se a guarda da menor A.. atribuída ao pai, com exercício conjunto das responsabilidades parentais, no que concerne às questões de maior relevo para a vida da menor.
2- Fixar o seguinte regime convivial da menor com a mãe não guardiã:
A. A mãe poderá contactar livremente a menor, desde que previamente avise o pai guardião e respeite os seus horários escolares e de repouso.
B. A mãe poderá ter consigo a menor, de quinze em quinze dias, desde o final das actividades escolares de sexta-feira até ao início das actividades escolares de segunda feira, ficando incumbida de para o efeito ir buscar/entregar a menor ao/no respectivo estabelecimento de ensino.
C. Nos períodos em que o pai guardião estiver ausente do país em trabalho, a mãe terá a menor na sua companhia nos 1º, 2º e 3º fins de semana do mês, desde o final das actividades escolares de sexta-feira até ao início das actividades escolares de segunda feira, ficando incumbida de para o efeito ir buscar/entregar a menor ao/no respectivo estabelecimento de ensino.
D. A mãe poderá ainda ter a menor na sua companhia desde o final das actividades escolares de quarta-feira até ao início das actividades escolares de quinta feira, ficando incumbida de para o efeito ir buscar/entregar a menor ao/no respectivo estabelecimento de ensino.
E. A mãe poderá ter a menor na sua companhia durante uma semana nas férias de Páscoa e de Natal, a combinar previamente com o pai-guardião.
F. Nas férias de verão, a menor passará um período de três semnas, seguidas ou interpoladas, na companhia da mãe, a combinar com o pai guardião com pelo menos um mês de antecedência.

Inconformada a progenitora e requerente veio interpor recurso da sentença no qual apresenta as seguintes conclusões
I. A recorrente, mãe da menor A.., não se conforma com a douta sentença a quo porquanto não acautela a decisão recorrida os reais interesses da menor, ao manter a guarda entregue ao pai, actualmente emigrado, na Suíça, estando a menor aos cuidados da avo paterna, que e quem de facto cuida da menor, impedindo a mãe de exercer as suas obrigações parentais, contribuindo assim para o estreitamento dos laços de sangue e o desenvolvimento de mecanismos de identificação natural da menor.
II. A sentença recorrida enferma de verdadeiro erro de julgamento, sendo injusta a decisão de impedir a menor de ser criada pela sua mãe, violando o artº 180º da OTM que determina «1 - Na sentença, o exercício do poder paternal será regulado de harmonia com os interesses do menor, podendo este, no que respeita ao seu destino, ser confiado à guarda de qualquer dos pais, de terceira pessoa ou de estabelecimento de educação ou assistência.»
III. O Tribunal não decidiu com base nos interesses da menor, caso contrario não privilegiaria a entrega da menor a uma avo (paterna) idosa (pois o pai esta emigrado) por mais dedicada que seja, em detrimento de uma mãe jovem, presente, capaz, e com todas as condições, provadas nos autos, e bem patentes no relatório de perícia psicológica, violando-se claramente o Principio VI da Declaração Universal dos Direitos da Criança Proclamada pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas no 1386 (XIV), de 20 de Novembro de 1959, que consagrou que: «A criança precisa de amor e compreensão para o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade. Deve, tanto quanto possível, crescer sob a protecção dos pais, e, em qualquer caso, numa atmosfera de afecto e segurança moral e material; a criança na primeira infância não deve, salvo em circunstâncias excepcionais, ser separada da mãe».
IV. O Tribunal ad quem deve alterar a decisão sobre a matéria de facto, com base no no 1 do art.º 712o do CPC, ampliando-a e adicionando a mesma: a) os diversos incumprimentos, por parte do progenitor/recorrido, relatados nos autos pela mãe da menor, em diversos requerimentos, datados de 12.06.2008; 07.01.2009; 22.01.2009; 01.07.2010; 05.11.2010; 31.01.2011; b) E a avo paterna quem trata da menor A.., quem a veste, quem lhe da banho, quem a leva e vai buscar a escola, quem a alimenta, quem a leva ao medico, quem lhe presta todos os cuidados.
V. Para tal devera o Tribunal ter em consideração, para alem da extensa prova documental, os depoimentos da testemunha, e avo paterna da menor, M.., cujo depoimento foi gravado digitalmente, com duração de 33 minutos e 51 segundos, no dia 9 de Novembro de 2011 e de B.., avo materna, cujo depoimento foi gravado digitalmente, com duração de 31 minutos e 27 segundos, no dia 18 de Outubro de 2011.
VI. Apesar de a menor se encontrar a guarda do pai quem lhe prestou sempre todos os cuidados foi a avo paterna pelo que e incompreensível a manutenção da situação actual em detrimento do contacto permanente com a progenitora, sendo a decisão do Tribunal contraditória, errada e injusta.
VII. Não obstante a prova nos autos e na matéria de facto assente de que a mãe se mostra motivada pela parentalidade, de que demonstra adequadas competências para a prestação de cuidados a menor e conhecimentos favoráveis a sua educação e de que a menor evidencia grande proximidade afectiva com ambos os progenitores, por que razão nega o Tribunal a progenitora o exercício pleno as suas obrigações parentais?
VIII. O Tribunal a quo ignora a extensa prova produzida nos autos e os constantes alertas da mãe sobre a situação “precária” da menor, o seu deficiente desenvolvimento intelectual e de aprendizagem e outros problemas físicos e de foro emocional, bem ilustrados pela tendência para o isolamento social e o discurso pouco fluente e infantil, que numa criança com oito anos de idade são absolutamente preocupantes, mas a que ninguém parece querer dar importância.
IX. Ignora, igualmente, o Tribunal as conclusões da perícia psicológica que refere expressamente ter a mãe mais competências adequadas de prestação de cuidados e conhecimentos favoráveis à condução da educação de uma criança, sendo que a menor não tem um vínculo afectivo tão consolidado com a mãe, pois tem sido constantemente impedida de conviver com a sua filha, sucedendo-se ao longo do processo os incidentes de incumprimento que nunca chegaram a ser analisados em tempo útil e também nunca foram punidos em termos legais e dissuasores., o que legitima o comportamento do pai.
X. Apesar dos inúmeros incidentes de incumprimento relatados nos autos, das ameaças e violência do pai para com a ora recorrente, o Tribunal não se importou em alterar a regulação das responsabilidades parentais ou averiguar da profundidade e das lesões provocadas na menor. O que será preciso para acontecer para se perceber que a menor não esta bem, ou que poderia, ainda assim, estar muito melhor?
XI. Numa decisão tímida e pouco criativa, importou, antes de mais, manter tudo como estava, propugnando-se pela continuidade: não se provaram os alegados maus tratos a menor; não há abusos físicos; os outros tipos de abuso não se vêem; e a menor, alegadamente, e uma criança “globalmente ajustada”. A mãe continua convencida do contrario pois a menor tem comportamentos desajustados em determinadas situações, mente, possui um discurso formatado em moldes que não são adequados a sua idade (mas isto sao pormenores que nao interessam ao Tribunal).
XII. O Tribunal a quo não teve em consideração o superior interesse da A.., sendo premente em função do seu bem-estar permitir a menor ser criada pelos progenitores, neste caso pela mãe, por estar melhor colocada para satisfazer as suas necessidades, e ter melhores aptidões educacionais, devendo o Tribunal procurar que a menor seja entregue ao progenitor que mais garantias de valorizar o desenvolvimento da personalidade do filho e que lhe possa prestar mais assistência e carinhoi sendo inevitável a alteração da decisão a quo.
XIII. Uma situação que perdura durante algum tempo não pode servir de justificativo para não arriscar uma outra situação, uma forma mais criativa de fortalecer a convivência da filha com um dos pais e que poderá ser uma mais-valia na vida da menor. Se com a convivência com o pai a menor tem estes problemas que estão relatados nos autos por que razão não se dá oportunidade à mãe de fazer diferente e com grande probabilidade melhor? Veja-se, com grande interesse, Helena Gomes de Melo e outros, Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, e o Acordao da Relacao de Lisboa, de 12.11.2009, Proc. No 10411/06.2TMSNT.L1-8.
XIV. Para além do mais com manifestas evidencias nos autos de que a mãe tem sido impedida de ver e conviver e participar na vida da menor o Tribunal estabelece um regime convivial em que deixa as partes a consagração/concretização do suposto alargamento dos contactos entre a mãe a filha. A mãe não consegue ver a filha nem com tudo determinado e horas estabelecidas; vai consegui-lo através da máxima ≪a mãe poderá contactar livremente a menor≫.
XV. Quando muito, de forma mais criativa, pois tem esses poderes, o Tribunal a quo poderia ter optado por uma solução de guarda partilhada, ja mais compreensível, podendo-se equacionar, a luz da nova lei, a possibilidade de determinação de duas residências para o menor, permitindo que se estreitem os laços com ambos os progenitores de igual forma.
XVI. Deve assim a sentença recorrida ser alterada determinando-se que a menor A.. seja entregue aos cuidados da sua mãe, ficando com esta a residir e estabelecendo-se uma regime convivial para o progenitor não guardião, o pai, em igualdade de circunstancias do actualmente estabelecido para a mãe.
XVII. Caso assim, não se entenda, o que por mera hipótese académica se equaciona devera ser ainda mais alargado o regime de convívio com a mãe e participação na vida da menor, A.., determinando-se um regime de guarda partilhada da menor, semanalmente, passando a menor a ter duas residências estabelecidas.

Contra-alegando, o requerido pugnou pela manutenção da decisão recorrida.
Contra-alegou o MP, em 1.ª instância, sustentando, igualmente, que é de manter a sentença recorrida, por conforme com os preceitos aplicáveis e é a que melhor serve os interesses da criança em causa.
Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:
A. Incorrecto julgamento da matéria de facto
B. Guarda da criança.

Fundamentação
OS FACTOS
Na 1ª instância consideraram-se provados os seguintes factos
1- No dia 25.08.2004 nasceu A..;
2- Do assento de nascimento da mencionada A.. encontram-se inscritos, como pai, o requerido C.. e como mãe, a requerente R...
3- O casamento de requerente e requerido foi dissolvido por divórcio decretado por decisão proferida e transitada em 22.11.2007, na Conservatória do Registo Civil de Braga.
4- No âmbito do processo referido em 3, foi homologado o acordo do exercício das responsabilidades parentais relativo à menor A.. e firmado por requerente e requerido, nos termos do qual, além do mais, se estabeleceu que:
Primeiro – A menor fica confiada à guarda e cuidados do Pai, a quem competirá o exercício do poder paternal.
Segundo – A mãe encontra-se a trabalhar em França pelo que a avó materna poderá privar e conviver com a menor aos fins de semana, quinzenalmente, sendo que para o efeito a avó maternal poderá levar a menor para sua casa e privar com ela desde as 14.00 horas de sábado até às 18.00 horas de domingo. A recolha assim como a entrega da menor efectuar-se- á na casa do pai.
Terceiro – o direito que assiste à avó materna, nos termos da cláusula anterior, passará a ser exercido pela requerente mãe, logo que esta volte a residir em Portugal.
Quarto – Durante o período de férias de Verão em que a mãe se encontre em Portugal, a menor passará quinze dias completos com a mãe, devendo esta avisar o pai das datas pretendidas para o efeito, com pelo menos trinta dias de antecedência do início do seu gozo efectivo (…).
5- Em 11.02.2008, a requerente apresentou o presente pedido de alteração.
6- Em Julho de 2008 foi fixado regime provisório de exercício das responsabilidades parentais em que, além do mais, se atribuiu a guarda da menor ao pai, com exercício conjunto do poder paternal, regime livre de vistas da mãe à menor; convívio da menor com a mãe das 20.00 horas de sexta feira às 20.00 horas de domingo, de quinze em quinze dias; e um dia por semana, das 19.30 às 21.30 horas.
7 - Em 08.11.2010 foi alterado o regime aludido em 6, fixando-se novo regime provisório de exercício das responsabilidades parentais da menor, mantendo-se a atribuição da guarda da menor ao pai, fixando-se um regime de convívio da menor com a mãe “de quinze em quinze dias, desde o final das actividades escolares de sexta-feira até segunda feira”; um período de cinco dias úteis seguidos nas férias escolares de Natal e Páscoa e metade do período das férias de Verão; ainda um convívio semanal desde o final das actividades escolares de quarta-feira até ao início das mesmas na quinta-feira.
8 – Desde Março de 2007 que a menor vive com o pai e avós paternos, na casa destes, composta por três quartos.
9 – Em 2008, o requerido exerceu a actividade profissional de calceteiro, auferindo cerca de € 500,00 mensais.
10 – Em 2011, na sequência da sua situação de desemprego, o requerido emigrou para a Suíça.
11 – O requerido contacta diariamente com a menor, por telefone.
12 – O requerido já se deslocou a Portugal cerca de quatro vezes para visitar a menor.
13 – A requerente vive com os seus pais, operário e costureira, em casa própria destes, composta por três quartos.
14 – A requerente trabalha na empresa Bosh, em horário nocturno.
15 – A menor frequenta o 2º ano de escolaridade na Escola de S. Martinho do Campo.
16 – Pelo menos em Novembro de 2010, a menor realizava sessões de fisioterapia, duas vezes por semana.
17 – A menor revela-se uma criança tímida e introvertida mas globalmente ajustada.
18 – A menor evidencia dificuldades de expressão verbal, com discurso pouco fluente e infantil.
19 – A menor considera o pai como principal figura de suporte e referência, demonstrando grande proximidade e afecto para com este.
20 – Requerente e requerido mostram-se motivados para a parentalidade.
21 – A requerente demonstra adequadas competências para a prestação de cuidados à menor e conhecimentos favoráveis à condução da sua educação.
22 – A menor evidencia grande proximidade afectiva com ambos os progenitores.

O DIREITO
Entende a recorrente que a decisão recorrida não deu como provados factos que se encontram assentes e que fixou regime quanto á guarda que não defende o interesse da menor.
São, assim colocadas questões de facto e de direito.
.Questão de facto
No seu requerimento de interposição de recurso começa a apelante por questionar a apreciação da prova que foi levada a cabo pelo Tribunal dizendo que O Tribunal ad quem deve alterar a decisão sobre a matéria de facto, com base no no 1 do artº 712o do CPC, ampliando-a e adicionando a mesma: a) os diversos incumprimentos, por parte do progenitor/recorrido, relatados nos autos pela mãe da menor, em diversos requerimentos, datados de 12.06.2008; 07.01.2009; 22.01.2009; 01.07.2010; 05.11.2010; 31.01.2011; b) E a avo paterna quem trata da menor A.., quem a veste, quem lhe da banho, quem a leva e vai buscar a escola, quem a alimenta, quem a leva ao medico, quem lhe presta todos os cuidados.
Tudo indica, por isso, que a apelante pretenderia questionar a matéria de facto que foi julgada assente.
No entanto, verificamos que a mesma não observa, como lhe competia, o disposto no art. 685-B do C.P.C., aqui aplicável (como os demais mencionados do mesmo Código) por força do art. 161 da OTM. Com efeito, de acordo com aquele normativo, ao recorrente que impugne a matéria de facto caberá indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (aos quais deve aludir na motivação do recurso e sintetizar nas conclusões), e especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que, em seu entender, impunham decisão diversa quanto a cada um desses factos. A não satisfação destes ónus implica a rejeição imediata do recurso.
"O ónus imposto ao recorrente que impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto traduz-se, deste modo, na necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento -o ponto ou pontos da matéria de facto - da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento - Lopes do Rego, Código de Processo Civil Anotado, 2.ª Edição, Vol. I, pág. 584, referindo-se à redacção que o artigo 690-A n.º 1 a) tinha antes da reforma introduzida pelo Decreto-Lei 303/2007 de 24 de Agosto, que era praticamente igual à do actual artigo 685.º-B n.º 1 a) Estas "exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, próprio de um instrumento processual que visa pôr em causa o julgamento da matéria de facto efectuado por outro tribunal em circunstâncias que não podem ser inteiramente reproduzidas na 2.ª instância"- Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, pág. 142.
É, pois, certo que se impõe "ao recorrente um ónus rigoroso"- Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, 2.ª Edição, Vol. III, pág.61.
Por outro lado, "a fim de desincentivar claramente possíveis manobras dilatórias, este preceito não previu o convite ao aperfeiçoamento da alegação que versa sobre a matéria de facto que se pretende impugnar e que, desde logo, não satisfaça minimamente, o estipulado nos n.ºs 1 e 2"Lopes do Rego, obra citada, pág. 585. Neste sentido pode ver-se também Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 141, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, pág. 181, nota 357 e o Ac. STJ de 8-3-06 acima citado.
Então, salvo melhor juízo, há que, não sendo elaborada base instrutória, especificar o artigo dos articulados cuja matéria de facto se considera mal julgada, pois é aí que o facto alegado, efectivamente, se encontra e é esse o facto que se entende ter sido objecto de erro de julgamento.
No caso dos autos, a recorrente não faz qualquer identificação dos concretos factos que impugna nos termos legalmente exigidos, o que implica portanto a rejeição do recurso quanto à matéria de facto.
Diga-se aliás que, os factos que a recorrente pretende que se considere provados em articulado algum junto ao processo estão alegados.
De facto não encontramos alegados os diversos incumprimentos, por parte do progenitor/recorrido, relatados nos autos pela mãe da menor, em diversos requerimentos, datados de 12.06.2008; 07.01.2009; 22.01.2009; 01.07.2010; 05.11.2010; 31.01.2011;
E que a avo paterna quem trata da menor A.., quem a veste, quem lhe da banho, quem a leva e vai buscar a escola, quem a alimenta, quem a leva ao medico, quem lhe presta todos os cuidados.
Pelo contrário, o que a recorrente alega é que a avó paterna é pouco cuidadosa e sem paciência para cuidar da menor (ver facto 18 da petição inicial).
Depois, a circunstância de a requerente dar entrada em tribunal de requerimentos a denunciar situações de incumprimento, não significa que se considere desde logo verificado incumprimento antes deve ser feita prova dos mesmos, sendo certo que no caso em apreço, o progenitor sempre impugnou as situações relatadas nos diversos requerimentos.
É porém verdade que neste tipo de processos “o tribunal pode, (…), investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, conforme permite o nº 2 do art. 1409º do CPC, complementado pelo art. 147º-B da OTM . Já Alberto dos Reis, in “Processos Especiais”, vol. II, 1982, pg. 399, a propósito do art. 1448º do CPC então vigente, correspondente ao nº 2 do art. 1409º do actual Código, ensinava que “na jurisdição voluntária o princípio da actividade inquisitória do juiz prevalece sobre o princípio da actividade dispositiva das partes”, e acrescentava que “o material de facto, sobre que há-de assentar a resolução, é não só o que os interessados ofereçam, senão também o que o juiz conseguir trazer para o processo pela sua própria actividade”; idem, Acs. da Relação do Porto de 29.11.2011 im www.dgsi.pte jurisprudência aí citada.
E se os requerimentos a invocar eventuais incumprimentos são irrelevantes para o caso em apreço pois nada provam nos termos já assinalados, a questão de quem cuida da menor cuja guarda está confiada ao pai é relevante, sobretudo nesta altura em que o pai emigrou e a menor ficou , sendo certo que sobre esta situação na decisão impugnada nada consta dos factos provados.
Para apreciar a questão fomos revisitar a prova produzida e a conclusão a que se chegamos é a que de facto é a avó paterna quem trata da menor A.., quem a veste, quem lhe da banho, quem a leva e vai buscar a escola, quem a alimenta, quem a leva ao medico, quem lhe presta todos os cuidados.
Tal como nos contou a avó paterna M.. e a recorrente aceita.
Factualidade esta que se deve acrescentar aos factos provados com o nº 11.A.
.Questão de direito
Nesta parte o recurso prende-se com a questão do destino da menor, não objectando a requerente, mãe da menor quaisquer outros aspectos da decisão recorrida, ou seja, pretende sobretudo que a guarda da menor lhe seja entregue, em lugar do pai conforme foi decidido.
Caso assim, não se entenda, o que por mera hipótese académica se equaciona devera ser ainda mais alargado o regime de convívio com a mãe e participação na vida da menor, A.., determinando-se um regime de guarda partilhada da menor, semanalmente, passando a menor a ter duas residências estabelecidas.
Como fundamento para este pedido alega a factualidade que descreve na petição.
Factualidade impugnada pelo progenitor na oposição que apresentou.
Importava assim nestes autos aferir se a alegada factualidade que justificava o pedido de alteração da regulação do poder paternal se verificava.
Ora produzida a prova e fixados os factos provados concluiu-se que , a factualidade alegada pela requerente não se provou e portanto julgou-se improcedente o seu pedido.
Decisão esta com a qual se concorda.
De facto o conteúdo do poder paternal é-nos facultado pelo artigo 1878.º, n.º 1 do CC, de acordo com o qual:
“Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover aos seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.”.
Não será demais acentuar o carácter funcional do poder paternal (responsabilidades parentais na terminologia mais actual), que é um poder-dever, estando o seu exercício submetido, altruisticamente, ao interesse da criança, de tal modo que esse princípio funciona como critério e limite do mesmo, não só nas situações que determinam a sua inibição, mas também na aplicação de providências que o limitam.
Conforme refere de forma lapidar o STJ: “Por mais que aceitemos a existência de um “direito subjectivo” dos pais a terem os filhos consigo, é no entanto o denominado “interesse superior da criança” - conceito abstracto a preencher face a cada caso concreto - que deve estar acima de tudo
Se esse “interesse subjectivo” dos pais não coincide com o “interesse superior” do menor, não há outro remédio senão seguir este último interesse. AC. STJ, de 04.02.2010, proc. 1110/05.3TBSCD.C2.P1, em www.dgsi.pt
A lei, porém, não define o que entende por superior interesse da criança. Trata-se de um conceito aberto, que só em concreto se concretiza, com a consciência que qualquer decisão tomada com base nesse critério reside na valoração – que tem sempre um resquício de subjectividade – que o julgador faça da realidade provada.
Daí ser pertinente a indicação de critérios objectivos e funcionais que presidam à decisão, englobando-se nos primeiros, as necessidades físicas, intelectuais, religiosas e materiais da criança, a sua idade, sexo e grau de desenvolvimento físico e psíquico, a continuidade das relações da criança, a sua adaptação ao ambiente escolar e familiar, bem como relações que vai estabelecendo com a comunidade onde se integra e nos segundos a capacidade dos pais para satisfazer as necessidades dos filhos, tempo disponível para cuidar deles, afectos, estilos de vida, estabilidade, etc. – neste sentido, Maria Clara Sottomayor,, in Exercício do Poder Paternal, Publicações Universidade Católica, Porto, 2003, de pág.s 100 a 103.
Como esta autora sintetiza, na sua obra, Exercício do Poder Paternal, a pág. 167: “O objectivo das normas sobre a regulação do poder paternal não é promover a igualdade entre os pais ou a alteração das funções de género mas sim garantir à criança a continuidade da relação afectiva com a pessoa de referência.”.
Citando ainda o referido acórdão do STJ
"Critério orientador, na regulação do poder paternal é o superior interesse do menor, conceito aberto que carece de concretização, por parte do Juiz, devendo tomar-se em linha de conta a disponibilidade afectiva demonstrada pelos progenitores, ou terceira pessoa, a capacidade, ou não, dos progenitores em promoverem o harmonioso desenvolvimento do menor e de se adaptar ás suas necessidades.
(..) e, modernamente, tem-se entendido que o factor relevante para determinar esse interesse é constituído pela regra da figura primária de referência, segundo a qual a criança deve ser confiada é pessoa que cuida dela no dia-a-dia".
Como refere a Drª Clara Sottomayor, "esta regra permite, por um lado, promover a continuidade da educação e das relações afectivas da criança e por outro, atribuir a guarda dos filhos ao progenitor com mais capacidade Casos de Divórcio, 3ª edição, página 46, Almedina, 2000.
Por outro lado, este critério está em harmonia com as orientações legais acerca do conteúdo do poder paternal - arts. 1885°, 1918° - e com as que consideram a vontade da criança como um factor decisivo na resolução de questões que dizem respeito á sua vida - cf. artigos 1878°, nº2 e 1901°, nº2, ambos do Código Civil.
A regra da figura primária de referência é um critério objectivo e funcional, relacionado, como se disse, com o dia-a-dia da criança, ou seja, com a realização de tarefas concretas prestadas ao menor, no quotidiano.
Segundo a ponderação feita pela Sra Juiz
"Na verdade, e não estando em causa amores, nomeadamente o amor de mãe que seguramente a requerente nutre pela filha, que lhe retribui em igual medida, entendemos que o interesse desta menor passa pela manutenção da situação em que vive desde os seus dois anos idade, altura a partir da qual passou a construir e reter memórias.
Com efeito, desde Novembro de 2007 que, não apenas de facto mas também de direito, o requerido assume a guarda da A.. e fá-lo seguramente com dificuldades (por certo colmatadas pela ajuda dos avós paternos da menor), mas com empenho, tanto assim que ao longo destes mais de quatro anos assegurou o bem estar da menor que, apesar de “tímida e introvertida” se mostra “globalmente ajustada”; o pai assegurou a satisfação de todas as suas necessidades básicas, a sua educação e o necessário acompanhamento médico especializado para vencer possíveis limitações da criança. Mais: confrontado com o desemprego, o requerido emigrou para a Suíça em busca de trabalho, que encontrou, mantendo dários contactos com a menor, que considera à sua guarda".
Como se salienta na douta sentença
"Apesar de motivada para o exercício da parentalidade e de reunir condições físicas e apoio familiar para o efeito (tal como o requerido), entendemos que retirar a menor da guarda do pai e do meio em que sempre viveu e cresceu, sem que nenhuma falha haja resultado provada na conduta do requerido, só seria possível se afirmássemos uma prevalência do direito da mãe à guarda de um filho. Não o fazemos nem a lei reconhece tal direito de “preferência”.
Nestes autos afigura-se-nos, da matéria provada, que pai e mãe reúnem idênticas condições para o exercício da parentalidade, nutrindo idêntico amor pela menor; com a diferença de a vida desta estar estabalizada, há quase cinco anos, com a guarda atribuída ao pai.
Entendemos portanto, como já antes antecipáramos, que a guarda da menor deverá continuar atribuída ao requerido, conferindo-se embora à requerente um regime convivial que fomente o fortalecimento da relação mãe/filha, em especial nos períodos em que o pai se encontre ausente do país, em trabalho".
Antes uma mudança perante todo o lastro de hábitos e rotinas já adquiridos pela menor ao longo dos anos em que por força das circunstâncias ficou envolvida pela solicitude paterna é que não vemos nós também que possa ser para ela benéfica ou proveitosa, particularmente do ponto de vista emocional, sobretudo nesta altura quando manifesta sentimentos de ambivalência quanto á progenitora, nos termos relatados no relatório da perícia psicológica (fl. 263 dos autos).
O desrespeito pela continuidade dos cuidados prestados à criança e da relação afectiva recíproca, afastando-a da “pessoa de referência” provoca na criança o dano da separação, que os psicólogos não hesitam em qualificar como dano psicológico para a sua saúde (neste sentido deve ser interpretada a noção de perigo constante dos artigos 3.º, 4.º, alíneas a) e g) da Lei n.º 147/99, de 01/09, aplicáveis à regulação do exercício das responsabilidades por via do artigo 147.º-A da OTM).
É este o dano a evitar, que radica no corte com as relações de afectividade com a pessoa de referência – que a menor identificou como sendo o progenitor( fl. 263 do já referido relatório) e que cria instabilidade na vida da criança, colidindo com o superior interesse da mesma.
Não será, assim, definitivo nesta análise, a questão da mudança de local de residência ou das circunstâncias que possam rodear essa alteração mas o corte com o universo afectivo da criança que a prejudica no seu são desenvolvimento pisico-afectivo, gerando sentimentos de perda e de dor, que colocam em perigo a sua saúde e desenvolvimento.
Ora, no caso em apreciação, a matéria de facto provada evidencia à saciedade que a mãe da menor não é a pessoa com quem a mesma mantêm uma relação afectiva mais profunda, nem constitui a sua figura de referência. Essa pessoa é respectivamente, para a menor o pai (cfr. Ponto 19 dos factos provados) figura paterna que a menor mais procura e com quem o vínculo afectivo está mais consolidado (ver relatório da perícia psicológica junto aos autos).
É verdade que actualmente o progenitor não se encontra junto da menor, mas a menor desde a separação dos progenitores sempre viveu com o progenitor e avós paternos na casa arrendada por estes e estabeleceu com a avó paterna uma forte relação afectiva (ver relatório da segurança social de fls 103 dos autos), sendo que a menor percepciona os avós paternos de forma positiva (gosto muito dos avós), ver neste sentido relatório da perícia psicológica ( fl 263) já referenciado.
Menciona a mãe as circunstâncias que determinaram esse afastamento e que a serem prevalecentes, a discriminam. Mas não são essas as circunstâncias que determinam a decisão assim como não deve ser a procura de uma decisão inovadora e criativa, muito menos arriscar decisões como pretende a recorrente. O que subjaz à decisão, é a maior consolidação dos laços afectivos prevalecentes com o pai do que com a mãe, o que se percebe dada a que desde a separação do casal tem sido o progenitor a cuidar da menor.
E não se veja nisto qualquer censura ou menor consideração pela requerente, do que se trata apenas é de resolver no melhor interesse da menor e mesmo tomando em conta a sua idade e o seu sexo, a áspera disputa entre os progenitores sobre o exercício do poder paternal, privilegiando-se a estabilidade dos seus vínculos afectivos e das suas rotinas de vida que sofreriam, por certo, forte abalo se, de momento, outra solução fosse encarada.
Tem a requerente de perceber, ou pelo menos deve tentar, que os direitos dos pais não incluem o poder de desintegrar as crianças do seu ambiente e das suas relações afectivas principais.
Por essa razão é que hoje em dia, em vez de "poder paternal", fala-se, preferencialmente, em "responsabilidades parentais", para acentuar que estamos perante "não um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e de exercício livre, ao arbítrio dos respectivos titulares, mas um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral" - nas palavras do Sr. Juiz Conselheiro Armando Leandro, “in” Poder Paternal: natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões de prática judiciária, p. 119.

A segunda via deste recurso passa pela guarda alternada; neste caso, a menor passaria alternadamente vários períodos do ano ora com um ora com outro progenitor, tendo ambos iguais direitos no tocante à educação dos filhos, sendo que as decisões imediatas do dia-a-dia pertencerão ao progenitor com que a criança resida em dado momento.
Parece-nos fácil de perceber que a opção por este último modelo exija à partida o preenchimento de um certo número de requisitos e que a Jurisprudência seja particularmente prudente na adopção do mesmo. Assim é de notar que a guarda conjunta ou mesmo alternada supõem que os desentendimentos entre os progenitores sejam eliminados ou minimizados, colocando os interesses da criança acima dos mesmos; pressupõe uma convivência estreita entre ambos os progenitores e a possibilidade de tomada de decisões em comum. Aquando da guarda alternada é necessário que a mesma não se traduza em sucessivas metodologias educacionais, antes permaneça incólume o rumo de orientação traçado quanto ao projecto educativo. Se não estão garantidas estas (exigentes) condições, a criança será a maior parte das vezes o alvo indirecto do ressentimento dos pais e não raro vítima dos seus objectivos desviadamente egoístas.
Perante este entendimento parece-nos que dúvidas inexistem de que a guarda conjunta da menor é desaconselhável.
Efectivamente este é um daqueles casos em que a regulamentação por mais detalhada que seja acerca do modo de exercício conjunto das responsabilidades parentais, viria sempre a revelar-se incompleta e fonte de conflito entre ambos os progenitores, com as nefastas consequências que daí adviriam para a menor.
Note-se que, no caso em apreço, tal como decorre dos autos foi efectuado um acordo de regulação do poder paternal aquando do divórcio alterado por dois acordos provisórios de regulação das responsabilidades parentais efectuados neste processo, sempre causadores de conflitos entre ambos, tal como decorre dos requerimentos juntos aos autos pela requerente acusando o requerido de incumprimento.
Neste contexto, norteados pelo princípio do “melhor interesse da criança” nas relações parentais, ponderando a proximidade física ou actualmente telefónica diária entre pai e filha, os fortes laços afectivos que naturalmente se criaram com o pai e avós paternos com quem vive diariamente desde pelo menos os dois anos, entendemos que a situação de facto existente não deve ser alterada. A proposta do recorrente, sem dúvida bem intencionada, de a filha residir alternadamente com cada um dos progenitores iria criar certamente uma instabilidade na vida da criança e aumentar o conflito parental. Não descurando que ambos os pais são idóneos e que a menor nutre por ambos afecto importa reter que a menor tem convivido diariamente com o pai há anos e com os avós paternos “aonde se mostra “globalmente ajustada”.
Como nos diz a Segurança Social ( fl. 104 destes autos) por forma a evitar rupturas bruscas com eventual mudança da responsabilidade parental, que certamente teriam prejuízos para o equilíbrio emocional da menor, sugerimos que a guarda da menor se mantenha à responsabilidade do pai, mas com a promoção de contactos regulares entre ambas por forma a se fortalecerem os vínculos afectivos .
A requerente tem, pois que ter paciência pese a sua boa vontade e aproveitar o larguíssimo espaço de visitas que lhe foi judiciosamente concedido para consolidar os seus laços afectivos, não deixando tanto ela como o requerido que o seu passado comum possa reflectir-se negativamente no ambiente de tranquilidade e de paz de que a filha tem jus, Dir-se–á em conclusão que em salvaguarda da estabilidade emocional e do equilíbrio psíquico da menor que vê indiscutívelmente no pai o sua figura primária de referência e na casa onde com ele coabita, o seu mundo a douta sentença bem andou, dadas as particularidades do caso, em atribuir ao mesmo a sua guarda e confiança.
E esta decisão só foi proferida porque o Tribunal, ao contrário do afirmado pela recorrente teve em consideração e atenção toda a prova produzida, quer testemunhal quer pericial que relevou no seu todo – e não apenas partes da perícia como faz a recorrente que só cita a parte que lhe interessa.
E foi produzida tendo em atenção a prova feita e não feita. E se a requerente não fez prova da factualidade alegada como fundamento do seu pedido de alteração e essa prova não resultou também da actividade do Tribunal , não pode pretender que o Tribunal decida com base apenas no seu convencimento, uma vez que o Tribunal decide com base em factos concretos e não meros convencimentos.
Na procura de conseguir o seu objectivo “ataca” a requerente a decisão em causa alegando "Apesar de a menor se encontrar a guarda do pai quem lhe prestou sempre todos os cuidados foi a avo paterna pelo que e incompreensível a manutenção da situação actual em detrimento do contacto permanente com a progenitora, sendo a decisão do Tribunal contraditória, errada e injusta".
Esquece também a requerente que se provou que o seu trabalho é nocturno, o que significa que se lhe fosse entregue a guarda da menor seria a avó materna a tomar conta dela pois se a progenitora trabalha de noite descansará de dia – aliás como confirmou a avó materna no seu depoimento e assim se a filha chama pela mãe de noite ou está doente à noite será a avó materna que terá de cuidar dela assim como durante o dia ou a parte do dia em que a progenitora descansará.
Aliás a avó materna B.. contou-nos vários episódios em que é ela e não a filha que trata da menor (por ex levou-a à escola, ás urgências, foi saber da neta ao infantário). Portanto não se percebe tanta crítica pela avó paterna cuidar da menor.
Também não terá atentado no teor completo do acórdão que citou, uma vez que uma das causas para a retirada da guarda da menor ao pai foi a circunstância de o trabalho deste ser nocturno, como acontece com o da requerente.
Mostra-se também a recorrente descontente com o regime aberto de visitas estabelecidos, um regime convivial em que deixa as partes a consagração/concretização do suposto alargamento dos contactos entre a mãe a filha.
Trata-se de um regime aberto e não vemos qualquer razão para o condicionar a regras rígidas, nem a requerente sugeriu quais fossem as regras a estabelecer.
Acresce ponderar que, na normalidade das situações, e nada permite considerar se verifiquem a esse título circunstâncias excepcionais, a qualidade de convívio no tempo livre do fim-de-semana é superior à possível nos tempos dos afazeres quotidianos, no caso em apreço, mais premente trabalhando a mãe como trabalha à noite.
Seguramente será um convívio diferente daquele que existia quando viviam na mesma casa, mas nada autoriza se conclua, que terá menor qualidade ou que apenas a partilha da residência possibilita um convívio adequado.
O que se realça, apelando ao sentido de responsabilidade da requerente, do requerido e das pessoas que cuidam da sua filha (avós maternos e paternos) é a necessidade de defenderem o interesse da menor, sendo que esse interesse melhor será salvaguardado se se verificar uma pacificação das relações dos adultos relativamente aos assuntos relacionados com a criança e deixarem de usar a A.. como uma bola de pingue pongue entre as famílias ( nos termos relatados pela educadora nestes autos a fls 112).
Por outro lado, uma situação de pais separados (divorciados), por mais difícil de gerir, sobretudo pela existência de horários de visitas, apela aos pais para a existência de ainda mais bom senso do que aquele que possa existir numa situação em que se encontrem juntos.
As decisões quanto à regulação do poder paternal são maleáveis e susceptíveis de ajustamentos a novas situações, pelo que para além do acerto da decisão de primeira instância há a possibilidade de, a médio prazo, encontrar, se tal for aconselhável, uma situação mais maleável, que para já seria contraproducente.
Aliás a sentença também neste ponto foi extremamente cuidadosa nos acordos provisórios que ao longo do processo foi fazendo (em 09.07.2008 e 08.11.2010)acordos estes que tiveram a sua iniciativa no Tribunal e não nas partes, tendo o mesmo acontecido com o pedido de perícia psicológica aos progenitores e à menor que ocorreu por iniciativa do Tribunal.
Também por estas razões não é correcta nem justa a apreciação da recorrente de que o Tribunal a quo não teve em consideração o superior interesse da A...
Cumpre aqui, referir que existem muitas crianças filhas de pais não separados e com bom relacionamento familiar que “ padecem” das mesmas dificuldades de linguagem, convívio e aprendizagem que se notam nesta menor. Ou seja, a existências das circunstâncias não significa só por si que a menor está em perigo.
Ponto é, e queremos frisá-lo uma vez mais, que as partes se consciencializem que nesta sede têm o dever de ser apenas pais e avós responsáveis e não tragam à liça velhos ressentimentos com o que só podem prejudicar a pessoa a quem devem protecção e acompanhamento e que é a única totalmente inocente no diferendo que se criou.
Mais se devem consciencializar que a menor não é “ propriedade” de ninguém, antes é filha e neta de ambos pelo que devem partilhar a sua existência e vivência com paz, serenidade e respeito recíproco por todos mas sobretudo pela menor.
Nada a alterar assim no tocante ao processamento do convívio parental.

Decisão
Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação improcedente confirmando assim a sentença apelada.
Custas pela apelante.
Guimarães, 19.02.2013
Purificação Carvalho
Rosa Tching
Espinheira Baltar