Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1921/12.3TBVCT-A.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: EXECUÇÃO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
ÓNUS DA PROVA
CREDORES RECLAMANTES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 – É aos credores do executado (que gozem de garantia real ou privilégio creditório) que reclamam os seus créditos para obterem pagamento no processo executivo, que cabe o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que invocam, nos termos do preceituado no nº 1 do art. 342.º do Código Civil, acima mencionado.
2 – Sendo reclamado um crédito de IRS cuja liquidação foi efetuada ao abrigo do art. 76º do CIRS (liquidação oficiosa, por falta de declaração fiscal), sem que se saiba que elementos a administração fiscal teve em conta para efetuar o cálculo do imposto, o Mº Pº tem de ser notificado para demonstrar como foi feito tal cálculo, de forma a que os restantes credores possam exercer convenientemente o contraditório.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães


Relatório:

O Magistrado do M.P. junto do Tribunal acima identificado veio deduzir incidente de reclamação de créditos, reclamando em nome da Fazenda Nacional o crédito de €103.165,45 relativamente à executada A, a título de IRS referente ao ano de 2013, acrescido dos juros de mora desde 24/2/2015.

No processo principal foi penhorado o quinhão hereditário da executada Anabela composto por bens imóveis.

A exequente veio deduzir impugnação a fls. 45 vº e ss, alegando que na reclamação não se explica como se chegou ao montante reclamado, não conseguindo descortinar como ascende a valor tão elevado já que a reclamada explorava um negócio com margens de lucro reduzidas, assistindo à impugnante pugnar pela verificação efetiva desse valor, caso o mesmo tenha sido apurado apenas por estimativa.

Foi proferido despacho convite ao aperfeiçoamento tendo o Magistrado do M.P. procedido à junção do doc. de fls. 52 e ss.

Em sede de despacho saneador foi proferido despacho que julgou a impugnação improcedente.


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Inconformada veio a Exequente recorrer formulando as seguintes conclusões:

1 - Ao decidir, desde já, o tribunal impediu a impugnante de fazer prova de que a executada nunca auferiu o rendimento elevadíssimo tido em conta pela fazenda nacional e que, pois, o IRS liquidado não é devido - vd. art.º 411º CPC

2ª - A fazenda nacional omite todos os elementos que possam ter servido para o apuramento do valor reclamado, sem os quais não é possível aferir da correta liquidação - vd. al. b) n.º 1 art. 76º CIRS.

3ª - Tendo a fazenda nacional invocado a alínea c) do nº 1 do art. 76º do CIRS para o apuramento do IRS devido, estava obrigada a considerar o rendimento líquido da categoria B participado pela executada no ano anterior (€ 1 622,10)

4ª - Tendo a executada apresentado as últimas declarações de rendimentos conjuntamente com o seu marido, a fazenda nacional tinha conhecimento da situação conjugal da mesma e, por isso, no cálculo do imposto deveria ter aplicado o coeficiente 2 sobre o rendimento coletável do casal, para aplicação das taxas devidas - vd. art. 69º do CIRS

EM CONFORMIDADE COM AS RAZÕES EXPOSTAS DEVE CONCEDER-SE PROVIMENTO À APELAÇÃO E EM CONSEQUÊNCIA:
- revogar-se a douta sentença proferida
- determinar-se o prosseguimento dos autos
ASSIM DECIDINDO ESTE TRIBUNAL SUPERIOR FARÁ JUSTiÇA

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O Magistrado do MºPº contra alegou pugnando pela improcedência do recurso.
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Factos com interesse para a decisão da causa:

1 - O Ministério Público veio reclamar contra a executada A, em representação da Fazenda Nacional, um crédito de € 103.165,45, acrescido de juros de mora, a títulos de IRS referente ao ano de 2013.

2 - Em 11 de dezembro de 2015, a exequente/recorrente apresentou impugnação do crédito reclamado pela Fazenda Nacional, alegando, em síntese, que a reclamante não fundamenta o apuramento do valor reclamado e que esse não é o valor devido pela executada, requerendo, ainda, que a reclamante juntasse aos autos todos os documentos com base nos quais apurou o valor reclamado.

3 - Por despacho de 19 de janeiro de 2016, o tribunal notificou o M.P. para concretizar a causa de pedir e para juntar aos autos os documentos solicitados pela impugnante/recorrente

4 - Em 27 de janeiro de 2016, o M. P. vem juntar aos autos os documentos com base nos quais apurou o valor reclamado, alegando que tal apuramento resultou do previsto nas alíneas b) e c) do nº 1 e nº 2 e nº 3 do art. 76º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS)

5 - Em 16 de fevereiro de 2016 a recorrente veio exercer o contraditório, alegando que dos documentos juntos não resulta a origem do rendimento ilíquido da executada fixado no valor de € 273.475,40, e que a executada na realidade não obteve tal rendimento.

6 - Em 6 de junho de 2016, foi então proferida a sentença aqui impugnada com o seguinte teor:

“(…) No que concerne à impugnação propriamente dita:
Verifica-se que a mesma não preenche os requisitos ou os fundamentos da sua admissibilidade.
Na verdade, após despacho de aperfeiçoamento veio o Digno M.P. esclarecer que a dívida reclamada a título de IRS de 2013 foi apurada nos termos do artigo 76º, nº1, al. b) e c), nº2 e nº3 do CIRS, juntando os respetivos documentos.
Em sede de contraditório alegou a exequente que dos documentos não resulta que a executada não teve na realidade um rendimento ilíquido de €273.475,40.
Dispõe o artigo 789º, nº4 CPC que "A impugnação pode ter fundamento qualquer das causas que extinguem ou modificam a obrigação ou impedem a sua existência."
Ora, no caso em apreço, não só se entende que a exequente não alegou factos concretos suscetíveis de extinguir, modificar ou impedir a existência do crédito, como resulta do aperfeiçoamento e documentos juntos pelo Digno M.P. que o crédito reclamado foi apurado de acordo com a tramitação legalmente prevista no artigo 76º, nº1, al. b, c), nº2 e nº3 CIRS, liquidação essa relativamente à qual, repete-se, a exequente não alegou qualquer facto extintivo, modificativo impeditivo da sua existência, tendo em conta o procedimento legalmente previsto no citado artigo 76º que foi cumprido pela Fazenda Nacional, limitando-se a pôr em causa de forma vaga e genérica tal apuramento, pedindo a verificação efetiva legal desse valor, o que não tem cabimento legal, já que: "não tendo sido apresentada declaração, a liquidação tem por base os elementos que a Direção Geral dos Impostos disponha", sendo apurada nos termos do nº2 do artigo 76º. E era relativamente a este apuramento que a exequente teria de alegar factos concretos e precisos conducentes a uma eventual errada liquidação, o que não fez.
Pelo exposto, julga-se improcedente a impugnação, julgando-se reconhecido e verificado o crédito reclamado pelo Digno M.P. em representação da Fazenda Nacional.
6.3.
Goza de privilégio mobiliário e imobiliário geral os créditos pelo imposto direto (IRS) inscrito para cobrança no ano corrente na data da penhora ou ato equivalente, e nos dois anos anteriores - cf. artigo 736º do Cód. Civil, a graduar nos termos do artigo 747º, nº1, al. a) do Cód. Civil.
1. Nestes termos, procede-se à graduação do crédito ora reconhecido com o crédito exequendo, relativamente aos bens penhorados no auto de penhora fls. 164 e ss de 3/8/2015, pela seguinte forma:
1º crédito ora reconhecido da Fazenda Nacional.
2º crédito exequendo.
2. Custas a cargo da exequente/impugnante.
3. Registe e notifique.”

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No caso está em causa um crédito reclamado pelo Mº Pº em representação da Fazenda Nacional.
Para resolver o caso em apreço, temos que resolver duas questões:
1ª A quem pertence o ónus da prova? É o credor cujo crédito foi impugnado que tem de fazer a prova da existência do seu crédito ou o credor impugnante que tem de fazer a prova de que o crédito reclamado não existe;
2ª Concluindo-se pelo ónus do credor que reclama o crédito, é necessário analisar se os elementos disponíveis nos permitem concluir pela existência do crédito reclamado.
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Quanto à primeira questão acima formulada as regras gerais do ónus da prova apontam claramente no sentido de esse ónus caber ao credor reclamante.
Com efeito, quem invoca um direito tem que fazer prova dos factos constitutivos do direito invocado (art. 342º, nº 1 do C. P. Civil).
Ora é o credor que reclama o crédito que tem que demonstrar que tem título exequível (v. art. 788º, nº 2 do C. P. Civil).
Na verdade, a verificação dos créditos é o incidente através do qual é permitido aos credores do executado (que gozem de garantia real ou privilégio creditório) reclamarem os seus créditos para obterem pagamento no processo executivo, estando naturalmente onerados com a prova dos factos constitutivos do direito que invocam, nos termos do preceituado no nº 1 do art. 342.º do Código Civil, acima mencionado.
Assim, tal como é referido pela reclamante e ao contrário do que refere a Srª Juiz a quo, é ao Mº Pº, enquanto representante da Fazenda Nacional, que cabe a prova da existência do crédito do IRS reclamado e não ao credor impugnante a prova de que o crédito não existe.
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Aqui chegados há que analisar se os documentos juntos pelo MºPº são suficientes para que se considere demonstrado o crédito reclamado.
Como já foi dito, o crédito é um crédito de IRS que foi objeto de liquidação oficiosa, por falta de declaração fiscal, por aplicação do artigo 76.º, nº 1 -b), 2 e 3, do CIRS, tratando-se de ato de liquidação decorrente da fixação administrativa unilateral da matéria coletável.
Conforme decorre do mencionado nº 1 – b) do art. 76º do CIRS, a liquidação tem por base os elementos que a Direção Geral dos Impostos disponha e terá que ter em consideração, nomeadamente eventuais pagamentos por conta; deduções previstas nos art. 79º e eventualmente deduções à coleta dos benefícios fiscais (v. art. 78º do CIRS) que resultem da indicação do nº de contribuinte por parte do sujeito passivo aquando da emissão do respetivo recibo ou fatura no momento da realização da despesa elegível para a dedução e também faturas eventualmente emitidas pelo sujeito passivo no exercício da sua atividade alegadamente comercial.
Dos documentos juntos pelo MºPº resulta apenas o valor final encontrado pela Administração Fiscal e que o montante a pagar a título de IRS foi liquidado com base no disposto no referido art. 76º sem que se saiba que elementos a administração fiscal teve em conta para chegar ao montante reclamado, podendo estar em causa um valor puramente arbitrário.
É assim manifesto que o MºPº, que representa o credor reclamante, não cumpriu o ónus de alegação e prova da existência do crédito reclamado, pois o documento junto limita-se a indicar o valor final e a invocar a base legal para a realização da liquidação oficiosa do imposto sem que se saiba que elementos foram utilizados para o cálculo do imposto, ou seja, os factos em que baseia a sua pretensão.
Incumbia assim, à Srª juiz a quo, na concretização do dever da gestão processual (art. 6º do C. P. Civil) e da adequação formal (art. 547º do C. P. Civil), determinar que o MºPº juntasse aos autos os elementos que serviram para o cálculo do imposto, demonstrando como foi feito tal cálculo, de forma a que os restantes credores pudessem exercer convenientemente o contraditório e a que o Tribunal pudesse fazer um juízo informado sobre a existência (total ou parcial) ou não do crédito reclamado.
Assim, a decisão proferida foi precipitada, pelo que há que determinar a baixa do processo à 1ª instância para que seja ordenada a notificação do MºPº para juntar aos autos os elementos que a Administração Fiscal utilizou no cálculo do imposto reclamado, demonstrando como foi feito tal cálculo, seguindo o processo, após tal diligência, os seus ulteriores termos.


Decisão:
Nos termos expostos, julga-se procedente o recurso e decide-se revogar a decisão, determinando o prosseguimento dos autos nos termos e para os efeitos acima mencionados.
Sem custas.
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Guimarães, 25 de maio de 2017

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(Alexandra Maria Rolim Mendes)

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(Maria de Purificação Carvalho)

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(Maria dos Anjos Melo Nogueira)