Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1951/23.0YLPRT.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DA AUTORA IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- O artigo 1096º nº 1 do Código Civil impede que a duração da renovação do contrato de arredondamento seja inferior a três anos, independentemente do prazo inicial ou do que foi estipulado sobre o seu período. É nesta parte uma norma imperativa.
2- Em regra, a oposição à renovação opera no fim do prazo ou da renovação do contrato. No entanto, no artigo 1097º, nº 3, do Código Civil, dispõe-se que a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos depois da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data.
3- Esta norma não impede que a oposição à renovação opere; atrasa só a data para a qual operará: embora o senhorio se oponha à renovação com a antecedência legal relativamente ao terminus do prazo do contrato, enquanto não decorrerem três anos a contar da celebração do contrato este terá um prolongamento; só decorrido esse período operará a sua extinção.
4- Esta norma também não contende com o momento em que opera a renovação do contrato, inexistindo a declaração de oposição à renovação do contrato com a devida antecedência, este renova-se na data do terminus do prazo do contrato, pelo período estipulado ou por 3 anos, se aquele for inferior.
5- Esta norma não determina o adiamento da primeira renovação do contrato para depois de terem decorridos 3 anos após a celebração do contrato, nem altera o prazo inicial do contrato; apenas concede uma continuação do contrato para além do seu termo natural, caso o prazo de vigência do contrato face à oposição à renovação ficasse aquém dos três anos contados da sua celebração.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

 Recorrente e Ré: AA
Recorrida e Autora: EMP01..., Lda.
Apelação em procedimento especial de despejo

I- Relatório

A Autora pediu neste procedimento especial, além do despejo, também a condenação da ré no pagamento das rendas de agosto e setembro de 2023, acrescidas da indemnização por mora de 20% prevista no artigo 1041º do Código Civil.
A única questão que ainda se mantém controvertida é se operou a cessação do contrato de arrendamento celebrado com a Ré. A Autora, para a sustentar, invocou, em síntese, que o contrato foi celebrado em ../../2019, com a estipulação que o mesmo teria a duração de 1 ano, com renovações automáticas por iguais e sucessivos períodos e que efetuou a oposição à renovação por carta registada com aviso de receção de 26 de setembro de 2022, com efeitos a 31 de março de 2023.
A Ré apresentou oposição, na qual recusou que o contrato se tivesse extinguido. Explanou, em síntese, que a oposição à renovação foi extemporânea: a primeira renovação, por força do disposto no artigo 1097º, nº 3, do Código Civil só ocorreu decorridos três anos depois da celebração do contrato, pelo que a mesma, por não ter sido efetuada para 31 de março de 2022, só podia ser efetuada para 31 de março de 2025.
A tanto convidada, a Requerente respondeu, em súmula, defendendo que se a lei permite que os contratos de arrendamento possam ser celebrados pelo prazo de um ano, de acordo com o n.º 2 do artigo 1095.º do Código Civil, se a lei nem sequer veda a possibilidade de, por acordo, as partes excluírem a renovação automática do contrato, não faria qualquer sentido que impusesse um prazo mínimo de três anos para a renovação automática do mesmo contrato, sem admissão de poderem as partes convencionarem prazo inferior e não vê por que motivo a ressalva da estipulação em contrário se haveria de aplicar apenas à faculdade de as partes estipularem a renovação automática visto que a lie o não distingue.
Foi proferida sentença que julgou o procedimento parcialmente procedente, por provado, e, em consequência declarou válida a oposição à renovação do contrato de arrendamento feita pelo senhorio e extinto o contrato de arrendamento referido nos factos provados, desde ../../2023; condenou a ré a desocupar e locado e a pagar à autora a quantia de € 184,00 a título de indemnização pela mora no pagamento das rendas de agosto e setembro de 2023. Absolveu a autora do pedido de litigância de má-fé deduzido contra si.

É desta sentença que os Autores apelam, apresentando as seguintes
conclusões:
“A) A Autora ora recorrida propôs procedimento especial de despejo alegando a oposição à renovação efetuada por envio de carta registada com a/r em 26 de setembro de 2022, com efeitos a 31 de março de 2023.
B) Pedindo, para além do despejo, o pagamento acrescido da mora de 20%, das rendas de  agosto e setembro de 2023.
C) Na oposição, a Opoente ora recorrente, pugna pela extemporaneidade da oposição à renovação do contrato de arrendamento enviada pela senhoria.
D)   Para tal, alegou, que, a disposição contida no artigo 1097.º, n.º 3, impede que a oposição à renovação por iniciativa do senhorio opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, tornando imperativo que a primeira renovação (havendo estipulação de renovações automáticas) aconteça, só, passados 3 anos após a celebração do contrato.
E)  Isto é, o legislador pretende que o contrato tenha uma vigência mínima de 3 anos (excepto se a vontade do arrendatário for diferente) permitindo ao senhorio a oposição à renovação com efeitos, no caso, nos 3 anos seguintes à celebração do contrato, para 31 de março de 2022.
F) Alegando ainda, que, não se opondo a Autora ora recorrida à renovação para o 3.º ano após a celebração do contrato, como dispõe a regra imperativa do artigo 1097.º, n.º 3, e, conjugado com a regra, também imperativa, do n.º 1 do artigo 1096.º, inicia-se a primeira renovação automática pelo prazo de 3 anos.
G) Em relação ao pagamento das rendas de  agosto e setembro de 2023, veio a Ré ora recorrente, fazer prova do pagamento e acusar a Autora ora recorrida de má fé por ter feito o pedido do pagamento das rendas quando sabia que já estavam pagas.
H) Por sua vez, em convite do tribunal a quo para se pronunciar sobre as exceções invocadas pela Ré ora recorrente, veio a Autora ora recorrida, estabelecer definitivamente a CAUSA DE PEDIR PRINCIPAL da ação proposta,
I)  Na resposta, a Autora ora recorrida ACEITA E CONCORDA com a Ré ora recorrente, na parte em que esta refere que a renovação automática, acontece, só, passados 3 anos após a celebração do contrato.
J) Referindo com total firmeza, que o contrato de subarrendamento iniciou a produção dos seus efeitos jurídicos a 01 de abril de 2019 até ../../2022,
K)  e, com a mesma firmeza, impondo natureza supletiva ao n.º 1, do artigo 1096.º, refere que a renovação acontece de 01 de abril de 2022 até ../../2023.
L) Portanto, pelo prazo de 1 ano. Cfr. pontos 5, 6, 7 e 15, da resposta dada às exceções.
M) Nesta parte, no entendimento da Ré ora recorrente, de interesse crucial para a justa decisão da causa, a douta sentença recorrida, não se pronunciou sobre a aceitação/confissão pela Autora ora recorrida, de que, o contrato produziu os seus efeitos jurídicos de 01 de abril de 2019 até ../../2022, renovando-se automaticamente após o prazo inicial de 3 anos. Com violação por parte do tribunal a quo da alínea d) do n.º 1, do artigo 615.º do CPC.
N) Isto é, devido à falta de pronúncia, na ótica da recorrente, o tribunal a quo decidiu em contradição à causa de pedir firmada pela Autora, sendo claro nas respostas que deu às exceções constantes na oposição.
O) Concordando, no entanto, a Ré ora recorrente, da condenação pelo tribunal recorrido, ao pagamento à autora da quantia de 184 € (cento e oitenta e quatro euros) a título de indemnização pela mora no pagamento das rendas de  agosto e setembro de 2023.
P) Em tudo o mais, a douta sentença recorrida violou, ao não se pronunciar sobre questões essenciais à decisão da causa, a norma contida na alínea d) do n.º 1, do artigo 615.º do CPC.
Q) Concluindo-se, pela revogação da sentença em recurso, na parte em que considera válida a oposição à renovação do contrato de arrendamento feita pelo senhorio, extinção do contrato de arrendamento e consequentemente na condenação a desocupar o locado.
R) Pugnando, como é de JUSTIÇA, seja considerado, como, aliás, concordância e aceitação da Autora ora recorrida, de que o contrato vigorou pelo período de três anos e, nesta parte, em conformidade com a douta sentença em recurso, se renovou automaticamente por mais três anos, nos termos do artigo 1096.º, n.º 1, conjugado com o n.º 3, do artigo 1097.º, ambos do CPC, mantendo-se o contrato em vigor até 31 de março de 2025.”

Foi apresentada resposta, com as seguintes
conclusões:
“A. Não deve a douta sentença ser revogada na parte que considerou válida a oposição à renovação do contrato de arrendamento comunicada pela Recorrida e, assim, extinto o contrato de arrendamento referido desde ../../2023.
B. Isto porque a Recorrida deu cabal cumprimento às normas plasmadas no artigo 1096.º 1 e 1097.º n.º 3 do CC.
C. Veja-se que do artigo 1097.º n.º 3 do CC decorre uma dilação da eficácia da primeira oposição à renovação e não, como alega a Recorrente, que a primeira oposição à renovação somente poderá operar decorridos 3 anos a contar da data de celebração do contrato.
D. Ou seja, o normativo indicado impõe um efeito suspensivo dos efeitos da oposição à primeira renovação e não uma dilação da própria primeira renovação para três anos após celebração do contrato.
E. Demonstrada que está a interpretação pela Recorrente deste normativo legal facilmente se demonstra que as restantes alegações apresentadas pela Recorrente padecem de erro e confusão.
F. Encontra-se provado que o contrato de subarrendamento celebrado produziu os seus efeitos legais até ../../2022- e, assim, o cumprimento do prazo mínimo garantido de 3 anos pretendido pelo legislador-,
G. Pelo que chegada aquela data, i..e. 31 de março de 2022, sem que a Recorrida tenha comunicado a oposição à renovação, o contrato de subarrendamento renovou-se automaticamente pelo prazo de 1 ano, conforme pretendido e acordados pelos outorgantes.
H. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, não decorre do artigo 1096.º n.º 1 do CC o prazo mínimo de 3 anos para a renovação do contrato.
I. Ao invés, deixou o legislador na discricionariedade das partes a fixação do prazo para renovação, conforme decorre do próprio texto da lei, mas também do seu espírito.
J. Outro não pode, aliás, ser o entendimento sob pena de tornar-se totalmente desprovido de utilidade o disposto o artigo 1097.º n.º 3 do CC.
K. Assim, no caso dos autos, tendo o contrato de subarrendamento renovado a 31 de março de 2022 até ../../2023, e tendo a Recorrida, por carta registada com aviso de receção datada de 26 de setembro de 2022 comunicado a oposição à renovação do contrato, a cessação da relação de subarrendamento ocorreu a 31 de março de 2023, data em que a Recorrente deveria ter desocupado o locado.
L. Concluindo-se, então, pela tempestividade da oposição à renovação e, por conseguinte, pelo dever de desocupação do locado pela Recorrente a 31 de março de 2023.
M. Quanto à alegação da Recorrente de nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 d) do CPC, não pode a Recorrida concordar com a mesma.
N. Da leitura da douta sentença resulta de forma clara a apreciação da questão suscitada: o cumprimento das normas vertidas nos artigos 1097.º n.º 3 e 1096.º n.º 1 do CC e a tempestividade da oposição à renovação.
O. Não bastando para nulidade da sentença que o Tribunal a quo não tenha respondido a todos os argumentos invocados pela Recorrida.
P. Em face de tudo quanto foi exposto, cabe concluir pela falta manifesta, completa e absoluta de fundamento do presente recurso que, assim, deve ser julgado improcedente.
Neste termos e nos demais de direito, que V. Exa. doutamente suprirá, deverá a presente apelação ser julgada improcedente, por não provada, e, em consequência, ser confirmada a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, com todos os efeitos legais.”

II- Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º, nº 4, 639º, nº 1, 5º, nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas forem de conhecimento oficioso ou se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º, nº 2, do mesmo diploma.

Atento o teor das alegações e conclusões cumpre decidir:
-- se se deve entender que a sentença padece de nulidade, porquanto as partes consideraram que a renovação automática do contrato se deu após decorridos três anos sobre a sua celebração;
-- caso assim se não entenda, verificar quando é que a ocorreu a renovação do contrato e se a oposição à renovação feita pelo autor é válida.

III - Fundamentação de Facto

Segue-se o elenco dos factos dados como provados nos autos, visto que não há factos não provados.

Factos provados:
1)  Por acordo escrito, denominado “Contrato de arrendamento habitacional cm prazo certo – art. 1095º”, datado de 1 de abril de 2019, BB, em representação da autora, “EMP01..., Lda.”, declarou dar de subarrendamento à ré o imóvel, correspondente “a casa com dois pavimentos, …”, contra a renda mensal de €460, conforme documento junto aos autos a fls. 4 e 5, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
2)  Mais acordaram as partes, no âmbito do documento referido, que “Este arrendamento é feito pelo prazo de UM ANO, tendo o seu início no dia 1 de abril de 2019 e o seu termo em 31 de março de 2020, e renovar-se-á automaticamente por iguais períodos de UM ANO, sem prejuízo de as partes se oporem à sua renovação nos termos dos artigos 1097º e 1098º do Código Civil.” , conforme documento junto aos autos a fls. 4 e 5, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
3)  Por carta escrita, registada e com AR, datada de 26 de setembro de 2022, a autora comunicou à ré que “venho, nos termos da cláusula 3ª do referido contrato de subarrendamento e ao abrigo dos artigos 1088º e seguintes do Código Civil apresentar oposição à renovação automática do respetivo contrato …
Nestes termos, respeitando a antecedência mínima de 120 dias exigida pelo art. 1097º do Código Civil, o subarrendamento cessará no próximo dia 31 de março de 2023… ”, conforme documento junto aos autos a fls. 8, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido. (Oposição)
4)  A ré pagou a renda de agosto de 2023 a 8 de setembro de 2023 e a renda de setembro de 2023 a 9 de outubro de 2023.
Mais se mostra provado que:
5)  A presente ação foi intentada a 3/10/2023, conforme data atestada eletronicamente no requerimento inicial, junto aos autos com a ref.ª eletrónica ...00, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.

III- Fundamentação de Direito

.1- Da nulidade da sentença por violação do disposto no artigo 615º, alínea d) do Código de Processo Civil
A Recorrente entende, se bem compreendemos, que o juiz não se pronunciou sobre a causa de pedir, porquanto não considerou que as partes estavam de acordo quanto à data em que ocorreu a renovação do contrato.
As causas de nulidade da sentença estão taxativamente previstas no artigo 615º nº 1 do Código de Processo Civil e são de caráter formal, dizendo respeito a desvios no procedimento ocorridos na sentença que impedem que se percecione uma decisão de mérito do concreto litígio: não se confundem com todas as situações que podem inquinar uma sentença ou despacho e conduzir à sua revogação.
Assim, não constituem nulidade da sentença os erros de julgamento, a deficiente seleção dos factos em que se baseia ou imperfeita valoração dos meios de prova, erros de raciocínio, omissão de pronúncia sobre todos os argumentos levados aos autos e violação de caso julgado.
É efetivamente causa de nulidade da sentença a omissão de pronúncia sobre questões que a exigiam, como dispõe a alínea d) do artigo 615º do Código de Processo Civil.
Essas questões, cuja omissão de pronúncia determina a nulidade da sentença, são aquelas a que se refere o artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil e não são os simples argumentos, razões ou elementos parciais trazidos à liça: identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir e com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
É, pois, pacífico que não há que confundir as “questões a conhecer”, com considerações ou factos puros e simples: aquelas são as mencionadas no artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil, relacionadas com as pretensões das partes, não o conjunto de alicerces (e cada um deles) em que as partes fundam tais “questões”, traduzidas nos factos (preteridos ou mal atendidos) ou na aplicação do direito (normas ou princípios que não terão sido atendidas ou terão sido erroneamente empregados).
Como tão bem se resume no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-10-2017, no processo 2200/10.6TVLSB.P1.S1: “I - As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas no art. 615.º do CPC, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão ou a não conformidade dela com o direito aplicável. II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objeto do recurso, em direta conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respetivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. IV - É em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver.”
Por outro lado, porquanto se estipula no artigo 665º nº 1 do Código de Processo Civil que ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação, a sua consequência resume-se, em regra, à substituição da decisão proferida pela solução que venha a ser obtida no tribunal de apelação, com resultado semelhante ao que se obtém com a normal apreciação da decisão impugnada objeto do recurso.
Vejamos se o juiz na primeira instância não se apoiou na causa de pedir invocada pela Autora, como afirma a Ré.
Tal implica que se tenha em atenção o que é causa de pedir e a distinção entre factos e direito, visto que o artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil estipula que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
 São múltiplas as teses sobre o que se considera causa de pedir, não se querendo aqui ir para além do estritamente necessário para a descoberta da solução para o nosso problema. Temos a mesma como um conjunto de factos necessários para individualizar a pretensão material alegada ou essenciais para a sua procedência, enformados pelas normas jurídicas.
Embora a mesma se baseie em factos concreto, “não se trata de factos “brutos”, independentes de qualquer previsão normativa, mas factos “institucionais, isto é, factos construídos como tal por uma regra jurídica” (cf acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/17/2017 no processo 3844/15.5T8PRT.S1).
A questão em debate nestes autos é a tempestividade da oposição à renovação do contrato: no presente caso, a Autora pretendia que se considerasse válida a oposição à renovação do arrendamento, pelo que a causa de pedir consiste na celebração do contrato e a comunicação da não oposição à renovação, discutindo-se, de direito, essencialmente, a interpretação e aplicação dos artigos 1096.º, n.º 1 e 1097.º, n.º 2 n.º 3 do Código Civil para apurar da tempestividade da oposição à renovação.
Esta é a causa de pedir que o juiz tinha de apreciar, não qualquer eventual convergência de entendimentos expressos nos articulados quanto à forma como estas entendem que se devem aplicar as normas ao caso concreto. Aliás, o juiz, como vimos, não estava vinculado à forma como as partes entendem que se empregam as normas do Código Civil que regulam o arrendamento ao contrato celebrado entre as partes.
 (Os factos que a integram traduzem-se no contrato, com o seu teor e data de celebração e o envio à contraparte da missiva que deu conhecimento da oposição à renovação.)
A data em que terá ocorrido a renovação do contrato apura-se aplicando as normas que determinam como esta ocorre aos factos invocados pelo Autor e sobre as quais há, aliás, muita divergência jurisprudencial e doutrinal.
Assim, o facto relevante é a data da celebração do contrato e o que nele foi acordado e tais factos, enformados pelas normas que determinam como ocorre a renovação do contrato, fazem parte da causa de pedir; apurar se e como se deu a renovação do contrato é já matéria de aplicação do direito que o juiz é livre de aplicar. Pelo que bem se podia na sentença, dentro dos poderes/deveres que são atribuídos ao julgador, considerar-se, atentos os factos invocados por uma parte, aceites pela outra e provados por documentos – a celebração do contrato e o seu teor – que a renovação ocorreu depois de decorrido o prazo inicial contratualmente previsto de um ano e não depois de decorridos os três anos a que alude o artigo 1097º, nº 3, do Código Civil. Tal cabe dentro da liberdade que é concedida ao juiz na aplicação do direito.
O juiz pronunciou-se claramente sobre as questões em debate no procedimento, a saber, quanto ao que ora se discute, se a oposição à renovação feita pelo autor foi válida, nomeadamente se procedeu à sua comunicação com a antecedência necessária face à duração do contrato ou da sua renovação.
Assim, não ocorreu qualquer nulidade da sentença.

.2 - Da renovação do contrato de arrendamento
O artigo 1094º do Código Civil, estipula que o contrato de arrendamento para habitação pode celebrar-se com prazo certo ou por duração indeterminada; se tiver prazo certo pode ainda convencionar-se que, após a primeira renovação, o arrendamento tenha duração indeterminada. No silêncio das partes, o contrato considera-se celebrado por prazo certo, pelo período de cinco anos.
Quanto ao prazo, estipula-se ainda, no artigo 1095º do Código Civil, que deve constar de cláusula inserida no contrato e não pode ser inferior a um ano, exceto para os contratos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios, nem pode ser superior a 30 anos. Considera-se automaticamente ampliado ou reduzido aos referidos limites mínimo e máximo quando, respetivamente, fique aquém do primeiro ou ultrapasse o segundo.
O artigo 1096º do Código Civil, na redação da Lei  n.º 13/2019, de 12/02, que se aplica não só aos contratos posteriores à publicação da lei, como o presente, mas igualmente aos contratos já em vigor, como decorre da regra geral do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil, dispõe sobre a renovação automática.
Tem sido motivo de ampla discussão na jurisprudência e doutrina, na parte em que estipula: “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior”.
A redação não é obviamente feliz. Mas parece-nos que uma leitura literal da norma nos diz que em regra o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo. As partes podem, no entanto, estipular em contrário, afirmando que o contrato não tem renovações. No que toca ao período ou duração da renovação explica-se que a mesma terá a duração do prazo inicial, exceto se as partes acordaram diferentemente, mas se esta (renovação) for inferior a três anos, a renovação dar-se-á por períodos sucessivos de três anos.
Neste sentido, ver o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/17/2023 no processo 7135/20.1T8LSB.L1.S1   “O artigo 1096.º do Código Civil, conforme é entendimento dominante na doutrina, não tem carácter imperativo, pelo que é permitido às partes excluírem  a renovação automática. Impõe imperativamente, porém, que, caso seja clausulada a renovação, esta tem como período mínimo uma renovação pelo período de 3 anos. Ou seja, o legislador permite às partes que convencionem um contrato de arrendamento urbano para habitação pelo período de um ou dois anos, não renovável. Mas, caso seja convencionada uma cláusula de renovação automática, terá de obedecer ao disposto neste normativo, ou seja, o contrato sofre uma renovação automática de 3 anos.”
O argumento de que uma interpretação sistemática do preceito permitiria alargar a expressão “Salvo estipulação em contrário” também ao prazo de renovação do contrato não nos parece respeitar a letra da lei, nem o seu espírito, visto que esvaziaria quase completamente de conteúdo a parte final da norma, mas tem bastantes adeptos de valor (cf, a título exemplificativo e com ampla jurisprudência e doutrina, o acórdão de 09/14/2023, no processo 1394/22.2YLPRT.P1).
A lei permite que as partes afastem completamente a renovação, mas não o fazendo, impõe um limite mínimo à sua duração: pode-se não concordar com a solução, não se pode é dizer que não tem sentido que a lei pretenda que, havendo renovação do contrato, que essa continuidade ou estabilidade no contrato, pretendida pelas partes, tenha que ter um prazo mínimo.  A vida não é a preto e branco, não funciona aqui o argumento a maiori ad minus.
Esta é, aliás, a leitura que se coaduna com o espírito da alteração legislativa, que pretendeu reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano, mas que também quis manter a possibilidade de as partes afastarem a renovação automática do contrato.
Afirma-se ainda que, a ser assim, o disposto no nº 3 do artigo 1097º do Código Civil não faria qualquer sentido, tratando-se de uma norma inútil e espúria, porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Mas tal não é verdade, quer porque as partes podem logo, ao celebrar o contrato, estabelecer que o seu prazo inicial é de 3 anos, quer porque, como veremos, o artigo 1097º, nº 3 do Código Civil apenas estabelece um retardamento da eficácia da oposição á renovação do contrato pelo senhorio, se efetuada com a antecedência de 120 dias a contar do términus do seu prazo e pela devida forma. Esta norma não impede que a oposição à renovação opere; atrasa só a data para a qual operará: enquanto não decorrerem três anos a contar da celebração do contrato este terá um prolongamento; só decorrido esse período operará a sua extinção.
Enfim, a oposição à primeira renovação pode ter lugar antes do decurso dos 3 anos a contar da celebração do contrato, mas os seus efeitos só se produzirão após a passagem deste período.

.3-Da caducidade do contrato por oposição à sua renovação.
Está em causa apreciar da validade e eficácia da comunicação da oposição á renovação do contrato efetuada pela senhoria, ora autora.
O senhorio ou o arrendatário podem impedir que ocorra a renovação automática do contrato pela oposição à renovação: para tanto têm que comunicar à contraparte a sua intenção, com a antecedência imposta pela lei. Este é um direito potestativo. Efetuada a declaração, de forma válida, opera-se a extinção do contrato, por caducidade, em regra (mas com exceções) no fim do prazo ou da sua renovação.
O único requisito para que esta declaração opere que aqui está em discussão é se foi efetuado com a antecedência prevista por lei, tendo como ponto de referência a data do términus do prazo do contrato ou da sua renovação. As partes estão de acordo quanto aos demais requisitos, nomeadamente a forma como foi comunicado: a carta registada com aviso de receção.
A oposição à renovação para operar – em regra no fim do prazo ou da renovação- tem que ser efetuada com determinada antecedência relativamente ao términus do prazo ou da sua renovação, dependendo da sua duração.
O artigo 1097º do Código Civil quanto a esta antecedência, no que toca ao senhorio, explicita tais prazos: “O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte: a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos; b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos; c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano; d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses.”
.4 -Da eficácia retardada da oposição à renovação do contrato pelo senhorio prevista no artigo 1097º nº 3 do Código Civil
Em regra, a oposição à renovação opera no fim do prazo ou da renovação do contrato. No entanto, no artigo 1097º, nº 3, do Código Civil, dispõe-se que a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data.
Esta norma impede, tão só, que a eficácia da declaração do senhorio de oposição à renovação do contrato opere antes de decorrerem três anos a contar da sua celebração. Adia o momento em que opera a declaração de oposição do senhorio (se feita tempestivamente e pela forma devida), prolongando o contrato até que decorram na integra um período de três anos a contar da sua celebração.
Assim, não impede que o senhorio comunique ao inquilino que se opõe à renovação do contrato em momento em que ainda não decorreram 3 anos a contar da celebração do contrato (respeitado o período fixado por lei que antecede o final do seu prazo ou da renovação); impede sim, que o contrato se extinga no momento em que extinguiria se não estivesse prevista nesta norma a sua continuidade até perfazer três anos a contar da sua celebração.
A impossibilidade de deduzir oposição à renovação que opere dentro dos três primeiros anos de vigência do contrato não determina a alteração do prazo inicial do mesmo, nem que o contrato se renove normalmente findo tal prazo: apenas impede a extinção do contrato ao qual não foi aposta cláusula de não renovação automática, fundada na oposição à renovação, dentro desse período de três anos.
Esta norma não determina o adiamento da primeira renovação do contrato para depois de terem decorridos 3 anos após a celebração do contrato, nem altera o prazo inicial do contrato; apenas concede uma continuação do contrato para além do seu termo natural, caso o prazo de vigência do contrato face à oposição à renovação ficasse aquém dos três anos contados da sua celebração.

Concretização
Tudo posto estamos em condições de aplicar estas normas aos factos.
O contrato de arrendamento foi estipulado pelo prazo de 1 ano, tendo o seu início no dia 1 de abril de 2019 e o seu termo em 31 de março de 2020. As partes acordaram ainda que o mesmo se renovaria automaticamente por iguais períodos de 1 ano.
O senhorio não se opôs à renovação do contrato com 120 dias de antecedência em relação ao termo desse período inicial de um ano (oposição que, no entanto, só operaria diferidamente, após terem decorridos três anos a contar da celebração do contrato).
Assim, face à ausência de oposição à renovação, decorrido esse ano, em 31 de março de 2020, o contrato renovou-se automaticamente. Por três anos, como se viu, visto que o prazo de renovação previsto era inferior a este (artigo 1096º, nº 1, do Código Civil). Assim, esta renovação terminaria em 31 de março de 2023 e, caso não fosse apresentada com a devida antecedência oposição à renovação, voltaria a renovar-se por três anos.
No entanto, em 26 de setembro de 2022, a autora comunicou à ré a oposição à renovação declarando cessar o subarrendamento a 31 de março de 2023, por carta registada com aviso de receção. Esta comunicação ocorreu, pois, com antecedência superior a 120 dias face ao terminus da renovação em curso.
O artigo 1097º do Código Civil que impõe que a oposição à primeira renovação apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo não tem aqui aplicação: neste caso, a oposição à renovação não se deu na primeira renovação e o contrato vigorou por 4 anos: a primeira renovação ocorreu 31 de março de 2020; nem se dá antes do “período de segurança” de 3 anos de vigência do contrato, já que operou em 31 de março de 2023 e o contrato já vigorava desde ../../2019. 
Em suma, tal como se concluiu na sentença, a oposição foi eficaz e juridicamente válida, pelo que tinha que ser decretado o peticionado despejo, como foi.
Há, pois, que sufragar a conclusão tirada na sentença, a qual se mostra de uma clareza cristalina e confirmar a decisão sob recurso.

V- Decisão

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a presente apelação, e, em consequência, mantêm a sentença proferida.
Custas pela Recorrente (artigo 527º nº 1 do Código de Processo Civil).

Guimarães, 14  de março de 2024


Sandra Melo
Jorge dos Santos
Margarida Alexandra de Meira Pinto Gomes