Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
942/10.5TBFAF.G1
Relator: CARVALHO GUERRA
Descritores: ARRENDAMENTO
DENÚNCIA
NRAU
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/19/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A aplicação no tempo do Novo Regime do Arrendamento Urbano, introduzido pela Lei n.º 6/2006 de 27/02 consta do respectivo artigo 59º, n°1, segundo o qual ele se aplica “aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo das normas transitórias”.
II. Para os contratos celebrados antes da vigência do RAU, rege o disposto no artigo 26º, por força do disposto no artigo 28º, com as devidas adaptações.
III. Da conjugação dos artigos 26°, 27° e 28° dessa Lei resulta que o legislador pretendeu que aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais (assim como aos contratos de arrendamento habitacionais celebrados antes do RAU), anteriores ao D.L. n.° 257/95, de 30/9, não se aplique a regra da denúncia livre por parte do senhorio, mantendo em vigor os antigos regimes, relativamente aos contratos celebrados à sua sombra.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Guimarães:

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Maria… instaurou a presente acção com processo comum e forma sumária contra Emília… , pedindo que se declare que o contrato de arrendamento celebrado com o marido da Ré se considera denunciado para 30/11/2010, condenando-se esta a entregar o prédio livre de pessoas e bens.
Devidamente citada, a Ré deduziu contestação escrita. Reconheceu a existência do contrato de arrendamento, alegando apenas que este teve início em 1973 e não em 1970, conforme artigo 1º da petição inicial, sustentando que não é legalmente possível o deferimento do pedido da Autora.
Deduziu reconvenção, para o caso de a acção ser julgada procedente, pedindo a condenação da Autora a pagar-lhe o valor das benfeitorias realizadas no locado, em valor a liquidar posteriormente.
A Autora respondeu, defendendo improcedência do pedido reconvencional e concluindo como na petição inicial.
Foi proferido despacho que admitiu a reconvenção e, por se entender que as posições das partes o permitiam, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, uma vez que a reconvenção foi deduzida apenas subsidiariamente, para o caso de a acção proceder, com a improcedência da acção, declarou prejudicada a sua apreciação.
Desta sentença apelou a Autora, que conclui a sua alegação da seguinte forma:
- deve ser revogada a sentença recorrida, devendo julgar-se procedente a acção, já que o contrato em causa caducou ao perfazer 30 anos de duração;
- e como o locatário se manteve no gozo do locado por um ano sem oposição do locador ocorre, por força da lei, a renovação por períodos sucessivos de um ano cada;
- às renovações anuais que ocorram na vigência do NRAU, o locador tem o direito de denúncia nos termos dos artigos 1095º a 1097º do Código Civil;
- já que as normas transitórias do NRAU não excepcionaram expressa ou implicitamente a denúncia para as renovações de contrato que tenha caducado e que ocorressem no âmbito da sua vigência;
- sendo óbvio, face ao artigo 12°, n.° 2 (segunda parte) do Código Civil, que a denúncia prevista no NRAU é aqui aplicável, até porque o vinculismo cessou por terem cessado as causas que o determinaram, como se expressa no preâmbulo da Lei 6/2006;
- sendo que a não admissão da denúncia envolve violação dos artigos 62°, 13° e 2° da CRP, por atribuir um sentido e conteúdo contrários à denúncia previstos nos artigos 26°, 27° e 28° da Lei 6/2006 e 1025º e 1095º a 1097º do Código Civil.
A Ré apresentou contra alegações em que defende a improcedência do recurso.
Cumpre agora decidir.
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São os seguintes os factos dados como assentes:
1. encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de Fafe, sob o nº 30452, do Livro 82, descrito com sob o nº3778/20010323, a aquisição mediante adjudicação em partilha extrajudicial, a favor de Maria… , de um prédio urbano sito na Avenida da Granja, com a área total de 531,9 m2, inscrito na matriz sob o artigo 1641, com a seguinte composição: casa de primeiro e segundo andar, com a área coberta de 185,90 m2; anexos com 44 m2, logradouro com 202m2, e quintal com 100m2. Confronta de Norte e Nascente com Caminho Público, Sul com estrada e Poente com Albano Teixeira Leite;
2. por escritura pública denominada de “partilha”, celebrada em 4 de Março de 2009, Maria… e Manuel… e Catarina… Alves e Manuel… , declararam, elas, que são as únicas herdeiras de seus pais Elvira… e António… , sendo o único bem a partilhar do dissolvido casal o seguinte imóvel: “verba única: Prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão, andar, anexos e quintal, sito na Avenida da Granja, na freguesia e concelho de Fafe, descrito na Conservatória do Registo Predial desse concelho sob o nº 3778/Fafe, nela registado a favor dos autores da herança pela apresentação vinte e oito de Outubro de dois mil e dois, inscrito na matriz sob o artigo 1,641 (…) o qual foi adjudicado à Autora;
3. pelo menos em 1 de Janeiro de 1973, António… , pai da Autora, declarou dar de arrendamento para habitação ao marido de Emília… , pelo prazo de um ano, com início nessa mesma data, o gozo do rés-do-chão centro do prédio urbano sito na Travessa da Granja, n.º 90, em Fafe e inscrito na matriz sob o artigo 6867, mediante o pagamento de uma retribuição mensal a efectuar na residência do senhorio e no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeitar;
4. presentemente, o montante mensal da retribuição é de euros 27,15.
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Sendo certo que o objecto do recurso se encontra delimitado pelas conclusões da alegação – artigos 684º, n.º 3 e 690º do Código de Processo Civil – a questão que se nos coloca consiste em averiguar se assiste à Autora o direito de denunciar o contrato de arrendamento que celebrou com o marido da Ré.
Como se vê das conclusões da alegação, o fundamento da pretensão da Apelante arranca da aplicabilidade à situação do Novo Regime do Arrendamento Urbano, introduzido pela Lei n.º 6/2006 de 27/02.
Estamos, porém, perante um contrato de arrendamento para habitação cujo início remonta a 1 de Janeiro de 1973, ou seja, celebrado antes da vigência do RAU.
A aplicabilidade do novo regime a contratos celebrados antes da sua entrada em vigor deve procurar-se na norma do artigo 59º, n.º 1, de acordo com o qual ele se aplica aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo das normas transitórias, que constam dos artigos 26º a 58º: para os contratos celebrados antes da vigência do RAU, rege o disposto no artigo 26º, por força do disposto no artigo 28º, com as devidas adaptações.
Conforme se salienta no acórdão da Relação do Porto de 23/02/2010, citado na sentença em recurso, “Da conjugação dos artigos 26º, 27º e 28º dessa Lei resulta que o legislador pretendeu que aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais (assim como aos contratos de arrendamento habitacionais celebrados antes do RAU) anteriores ao D.L. n.º 257/95, de 30/9, não se aplique a regra da denúncia livre por parte do senhorio, a qual passou a estar prevista nos artigos 1101º, c) do Código Civil”. É o que também nos parece que resulta claramente do disposto no artigo 26º, n.º 4 daquela Lei.
Por um lado e na parte que nos interessa, na sua alínea a), estabelece que continua a ser aplicável o artigo 107º do RAU, que dispunha, para além do mais, na alínea b), que o direito de denúncia do contrato de arrendamento, facultado ao senhorio pelas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 69º, não pode ser exercido quando, no momento em que deva produzir efeitos, o arrendatário se mantenha no local arrendado há 30 ou mais anos, nessa qualidade, ou por um período de tempo mais curto previsto em lei anterior e decorrido na vigência desta e na alínea c), expressamente que lhes não é aplicável a alínea c) do artigo 1101º do Código Civil, que permite a denúncia por comunicação do senhorio ao arrendatário.
Isto permitiu a Meneses Leitão, Arrendamento Urbano, 3ª edição, páginas 131 e 132, afirmar: “verifica-se assim que, embora não assumidamente, o legislador mantém em vigor os antigos regimes, relativamente aos contratos celebrados à sua sombra (…); as disposições transitórias acabam por funcionar como não tocando nos anteriores regimes do arrendamento urbano” – ver o acórdão citado e bem assim a bibliografia aí citada.
Como assim, a conclusão de que não assiste à Apelante, à luz das normas citadas, o direito de denunciar o dito contrato de arrendamento, não se vislumbrando de que forma é que, interpretadas neste sentido, possam por algum modo violar os artigos 62°, 13° e 2° da Constituição da República Portuguesa como, de resto, a Apelante não explica.
Termos em que se acorda em negar provimento à apelação e se confirma a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
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SUMÁRIO:
I. A aplicação no tempo do Novo Regime do Arrendamento Urbano, introduzido pela Lei n.º 6/2006 de 27/02 consta do respectivo artigo 59º, n°1, segundo o qual ele se aplica “aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo das normas transitórias”.
II. Para os contratos celebrados antes da vigência do RAU, rege o disposto no artigo 26º, por força do disposto no artigo 28º, com as devidas adaptações.
III. Da conjugação dos artigos 26°, 27° e 28° dessa Lei resulta que o legislador pretendeu que aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais (assim como aos contratos de arrendamento habitacionais celebrados antes do RAU), anteriores ao D.L. n.° 257/95, de 30/9, não se aplique a regra da denúncia livre por parte do senhorio, mantendo em vigor os antigos regimes, relativamente aos contratos celebrados à sua sombra.
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Guimarães, 19 de Maio de 2011
Carlos Guerra
Augusto Carvalho
Conceição Bucho