Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
175/11.3GDGMR-H.G1
Relator: FILIPE MELO
Descritores: RECLAMAÇÃO DA CONTA
CUSTAS
INCIDENTE INOMINADO
TAXA DE JUSTIÇA
PAGAMENTO PRÉVIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: A reclamação da conta de custas apresentada pelo assistente consubstancia um incidente processual inominado, sujeito ao pagamento prévio da taxa de justiça nos termos gerais, a autoliquidar pelo valor mínimo previsto na Tabela II que faz parte integrante do RCP, nos termos do artº 7º, nº 4, deste Regulamento.
Decisão Texto Integral:
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

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Acordam, em Conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO
No processo comum singular nº 175/11.3GDGMR, da Instância Local de Guimarães – Secção Criminal (J2) – da comarca de Braga, foi proferido, em 16.11.2016, despacho com o seguinte teor:
Notifique o reclamante para, em dez dias, efectuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1UC. - cfr. art.°s 145.° n.º 3 e 570.º n.º 3 do CPC.”
E, em 16.12.2016, no seguimento de requerimento apresentado pelos assistentes a requerer a correcção do despacho de 16.11.2016 (cfr. fls. 55 e segs.), foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Fls. 1604: O artigo 31.º, n.º 6, do RCP, considera a reclamação um incidente, sendo devida a taxa de justiça prevista na Tabela II (Outros incidentes) que varia entre 0,5 UC e 5 UC.
Deve por isso ser paga a quantia de 0,5 UC, nos termos do n.° 6 do artigo 6.º do RCP, aquando do impulso processual do incidente de reclamação.
Desta feita, mantenho o despacho proferido em 16.11.2016, devendo fixar-se a taxa de justiça no mínimo de 0,5 UC (cfr. n.º 6 do artigo 6.º, do RCP).
Notifique”.
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Inconformados com tais despachos, os arguidos/assistentes J. C. e A. F. interpuseram recurso, apresentando a competente motivação, que rematam com as seguintes conclusões:
1ª Vem o presente recurso interposto do despacho no qual o Tribunal entendeu que era devido pagamento prévio de taxa de justiça por auto-liquidação relativamente à reclamação da conta de custas e condenou os assistentes em multa pelo seu não pagamento e do despacho posterior que fixou em 0,5 UC a taxa devida para tal efeito.
2ª Em processo penal, o Regulamento das Custas Processuais não exige o prévio pagamento da taxa de justiça pela apresentação da reclamação da conta de custas, através de auto-liquidação.
3ª O art° 8° do RCP dispõe que, em matéria processual penal, apenas a taxa de constituição como assistente e a taxa referente à abertura da instrução por banda do assistente devem ser auto-liquidadas, estabelecendo qual o seu valor, sendo que no mais, e em todos os restantes casos, a taxa de justiça é fixada pelo juiz a final - art° 8° nº 9 do RCP.
4ª Assim, sendo tal norma especial, porque particularmente dirigida ao processo penal, sempre derrogaria a norma geral que determinaria o prévio pagamento da taxa, através de auto-liquidação (neste sentido, Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, 4ª edição, 2012, pags. 274 e 275 supra citado).
5ª As normas dos art°s 6° e 7° não têm qualquer aplicação à reclamação da conta de custas.
6ª As tabelas, não obstante serem partes integrantes do Regulamento das Custas Processuais, não podem por falta de previsão legal, por si só determinar a prévia tributação da prática de determinados actos, desde logo, porque estas (tabelas) apenas têm a função de determinar os limites dentro dos quais se fixa a taxa devida pelos actos processuais tributados por previsão legal.
7ª O art°6° nº 6 do RCP não tem qualquer aplicação ao processo penal e à reclamação da conta, uma vez que a norma que se aplica aos processos criminais é a do art° 8° do RCP com exclusão de qualquer outra, sendo que, em segundo lugar o processo crime não é um processo cuja taxa seja variável, desde logo, porque não existe qualquer taxa a pagar inicialmente (neste sentido Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, 2012, 4ª edição, pago 235/236 supra citado.
8ª Os despachos recorridos violaram ou fizeram errada interpretação das normas supra referidas na motivação, não podendo, pois, manterem-se.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. no que o patrocínio se revelar insuficiente, deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogados os despachos recorridos, determinando-se que seja conhecida a reclamação da conta de custas, sem pagamento prévio de qualquer taxa de justiça por indevida, só assim se fazendo JUSTIÇA!
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O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho datado de 10.01.2017.
O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu, defendendo que “deverá ser negado provimento ao recurso”.
Nesta Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que “mantendo-se o doutamente decidido se fará a habitual Justiça”.
Foi dado cumprimento ao disposto artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, tendo a recorrente J. C. apresentado resposta, em que conclui pelo provimento do recurso.
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
Conforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelos recorrentes a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cfr. artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 3ª ed., pág. 347].
Questão a decidir:
Face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, a questão a decidir prende-se com o prévio pagamento de taxa de justiça pelos arguidos/assistentes para o efeito de o tribunal de primeira instância se ter de pronunciar sobre o requerimento de fls. 4 e seguintes (reclamação da conta de custas).
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2. APRECIAÇÃO DO RECURSO
O despacho recorrido, proferido em 16.11.2016, cuja alteração se pretende, ordenou a notificação do reclamante da conta de custas para, em dez dias, efectuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1UC, nos termos dos artigos 145.°, n.º 3 e 570.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
Fê-lo por entender que o artigo 31.º, n.º 6, do RCP (Regulamento das Custas Processuais), considera a reclamação um incidente, sendo devida a taxa de justiça prevista na Tabela II (Outros incidentes) que varia entre 0,5 UC e 5 UC. Devendo por isso ser paga a quantia de 0,5 UC, nos termos do n.º 6 do artigo 6.º do RCP, aquando do impulso processual do incidente de reclamação (despacho de 14.12.2014).
Vejamos se o fez acertadamente.
A conta deve ser elaborada no prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão final.
Elaborada a conta, são emitidas guias e respetivo DUC e remetidas aos intervenientes processuais. O prazo de pagamento das custas é de 10 dias.
Podem requerer a reclamação da conta de custas:
O responsável pelo pagamento de custas, no prazo de pagamento voluntário, enquanto não o realizar.
Qualquer interveniente processual que tenha recebido qualquer quantia, no prazo de dez dias após o recebimento.
O Ministério Público, no prazo de 10 dias a contar da notificação prevista no n.º 1 do artigo 31.º do RCP.
Este artigo, conforme redacção introduzida pelo art. 2 da Lei 7/2012, tem a epígrafe “reforma e reclamação” e estabelece nos nºs 1 a 6:
“1- A conta é sempre notificada ao Ministério Público, aos mandatários, ao agente de execução e ao administrador de insolvência, quando os haja, ou às próprias partes quando não haja mandatário, e à parte responsável pelo pagamento, para que, no prazo de 10 dias, peçam a reforma, reclamem da conta ou efectuem o pagamento.
2- Oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou dos interessados, o juiz mandará reformar a conta se esta não estiver de harmonia com as disposições legais.
3- A reclamação da conta pode ser apresentada:
a) Pelo responsável pelas custas, no prazo de pagamento voluntário, enquanto não o realizar;
b) Por qualquer interveniente processual, até 10 dias após o recebimento de quaisquer quantias;
c) Pelo Ministério Público, no prazo de 10 dias a contar da notificação do n° 1.
4- Apresentada a reclamação da conta, o funcionário judicial que tiver efectuado a conta pronuncia-se no prazo de cinco dias, depois o processo vai com vista ao Ministério Público, após o que o juiz decide.
5- Não é admitida segunda reclamação dos interessados sem o depósito das custas em dívida.
6- Da decisão do incidente de reclamação e da proferida sobre as dúvidas do funcionário judicial que tiver efectuado a conta cabe recurso em um grau, se o montante exceder o valor de 50 UC”.
O art. 6.º, n.º 1 do RCP estabelece que “a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado […]”.
E nos termos do n.º 6 do mesmo artigo “Nos processos cuja taxa seja variável, a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final”.
Quer dizer, o artigo 31.º, n.º 6, do RCP, considera a reclamação um incidente, sendo devida a taxa de justiça prevista na Tabela II (Outros incidentes), devendo por isso ser paga a quantia de 0,5 UC, nos termos do n.º 6 do artigo 6.º, do RCP, aquando do impulso processual do incidente de reclamação.
Por sua vez, o artigo 7°, n° 4 do RCP dispõe que “A taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares, pelos procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, pelos procedimentos anómalos e pelas execuções é determinada de acordo com a tabela II, que faz parte integrante do presente Regulamento”.
E sem escamotear que o artigo 8° do RCP, sob a epígrafe “Taxa de justiça em processo penal e contra-ordenacional” estabelece um regime próprio para o processo penal, designadamente no que concerne à taxa de justiça devida pela constituição como assistente e à taxa de justiça devida pela abertura de instrução pelo assistente. Nos casos dos nºs 7 e 9 do mesmo artigo a taxa de justiça é determinada de acordo com a Tabela III, anexa ao RCP.
Assim, sendo o artigo 8º do RCP omisso quanto às restantes questões atinentes às custas, especificamente quanto à questão em apreço - reclamação da conta de custas e auto­liquidação da taxa de justiça – entendemos que tal omissão não quer significar que não se aplica o regime geral e, consequentemente, não seja devido o pagamento da respectiva taxa, conforme refere o Ministério Público.
Ademais, não se vislumbra qualquer especificidade para que, em questão de reclamação da conta de custas, seja estabelecido um regime diferente ou especial para o processo penal, em detrimento do regime geral.
Acresce que, ainda que enxertada no processo penal, a reclamação da conta de custas apresentada pelos assistentes também se refere às custas cíveis.
Assim, neste contexto e face a todo o exposto, entendemos que a reclamação da conta de custas apresentada pelos assistentes consubstancia um incidente processual inominado, sujeito ao pagamento prévio da taxa de justiça nos termos gerais, a autoliquidar pelo seu valor mínimo previsto na Tabela II que faz parte integrante do RCP, nos termos do artº. 7º, nº. 4 deste Regulamento.
Ora, considerando que os assistentes não efectuaram o pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da reclamação da conta de custas, bem andou o tribunal a quo ao ordenar a sua notificação nos termos do despacho recorrido.
Na verdade, dispõe o artº. 145º, nº. 3 do NCPC que “Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no n.º 1 não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570º…”.
Por sua vez, dispõe o artigo 570º, nº. 3 do NCPC que, quando o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício do apoio judiciário não tiver sido junto ao processo no momento definido para esse efeito, a secretaria judicial notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.
Na verdade, a conjugação das referidas normas obrigava os requerentes de um verdadeiro incidente processual a proceder ao prévio pagamento da taxa de justiça devida por esse incidente.
Assim, atento o exposto, afigura-se-nos que no caso concreto bem andou o tribunal a quo ao proferir os despachos em crise, o que fez sem violar quaisquer normas legais, mormente as invocadas pelos recorrentes.
Improcede, assim, o recurso.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto por J. C. e A. F., mantendo integralmente a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.
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Guimarães, 22 de maio de 2017