Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1386/21.9T8VNF-A.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE
USO LEGAL DE PODER DISCRICIONÁRIO
MAIOR ACOMPANHADO
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Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Despachos de mero expediente são aqueles que o juiz profere para assegurar o andamento regular do processo, que não são susceptíveis de ofender os direitos processuais das partes ou de terceiros, por se tratarem de despachos banais, que não põem em causa os interesses das partes, dignos de protecção.
II- Já os despachos proferidos no uso legal de um poder discricionário são aqueles que se caracterizam por estarem dependentes da ponderação da necessidade que sobre a oportunidade da sua prolação o Juiz faça e que não contendem com qualquer juízo sobre a questão jurídica da causa.
III- No novo regime do maior acompanhado a publicidade a dar ao início, ao decurso e à decisão final do processo de acompanhamento, é limitada ao estritamente necessário para defender os interesses do beneficiário ou de terceiros e é decidida, em cada caso, pelo tribunal.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1- Relatório

F. O., NIF ………, com domicílio na Rua …, Vila Nova de Famalicão, veio instaurar accão especial de acompanhamento de maior, contra M. B., NIF ………, residente na Rua …, Vila Nova de Famalicão, pedindo que seja decretado o acompanhamento de M. B., aplicando-se-lhe as medidas de representação geral e administração total de bens (artigo 145.º n.º 2 al. b) e c) do Código Civil), requerendo, nesse sentido, a designação do Requerente como acompanhante da Requerida e que seja dada publicidade à sentença, fazendo constar do registo o facto por averbamento à certidão de nascimento da beneficiária.
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Na sequência do despacho proferido, o requerente veio requerer o suprimento de autorização judicial da beneficiária.
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Após, foi proferido o seguinte despacho:
-“Cite a Requerida, por contacto pessoal, para contestar, querendo e no prazo de 10 dias, os pedidos de acompanhamento e de suprimento da sua autorização para a propositura da acção, nos termos dos artigos 231.º e 895.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
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Proceda-se à afixação de editais no Tribunal e na sede da junta de freguesia da residência da Requerida, com menção do nome desta e do objecto da acção, nos termos do art.º 893.º, n.º 1, do Código de Processo Civil”.
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Dando-se cumprimento ao determinado fez-se saber que foi distribuído pelo respectivo tribunal, o processo de Acompanhamento de Maior, em que é requerida M. B., com domicílio na Rua … VILA NOVA DE FAMALICÃO, com vista a serem definidas medidas de acompanhamento de representação geral e de administração total de bens.
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II - Objecto do recurso

A requerida M. B., não se conformando com a 2.ª parte do despacho proferido, veio recorrer, concluindo nos seguintes termos:

A. O presente recurso vem interposto da segunda parte do despacho de 24.03.2021, proferido no âmbito do processo especial de maior acompanhado instaurado pelo Requerente.
B. A Recorrente não se conforma com este despacho, que considera errado por uma questão de fundo: o tipo de publicidade escolhido pelo Meritíssimo Juiz, para mais sem que tivesse havido qualquer tipo de contraditório (não que este contraditório não possa ser afastado, mas teria sido prudente tê-lo permitido).
C. No despacho recorrido foi determinado o seguinte: “Proceda-se à afixação de editais no Tribunal e na sede da junta de freguesia da residência da Requerida, com menção do nome desta e do objecto da acção, nos termos do art. 893.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.”.
D. A publicidade relativa aos processos de Maior Acompanhado encontra-se regulada nos artigos 153.º, do CC, e 893.º, do CPC.
E. A publicidade infundadamente escolhida pelo Tribunal a quo não só não se adequa ao caso em concreto, como também se encontra ultrapassado em face das alterações feitas pelo Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado (Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto), que veio substituir os anteriores regimes de interdição e inabilitação.
F. Para além disso, é também um tipo de publicidade bastante prejudicial para a honra e reputação da Recorrente, da sua família, e ainda da Sociedade que criou e na qual foi investindo ao longo de toda a sua vida (X, S.A.), Sociedade essa com uma enorme reputação no mercado e que actualmente emprega 200 pessoas, isto é, dá sustento a 200 famílias.
G. Uma das alterações introduzidas pelo Regime Jurídico do Maior Acompanhado foi a de que os processos de maior acompanhado passaram a constituir uma das restrições à publicidade dos processos, conforme previsto no artigo 164.º, n.º 2, alínea d), do CPC.
H. O tipo de publicidade adoptado na situação in casu vai ao encontro do disposto na versão antiga do CPC, relativamente à tramitação processual do regime das interdições e inabilitações, nos termos do artigo 892.º, do antigo CPC: constituía sempre na afixação de editais no tribunal e na junta de freguesia de residência do beneficiário.
I. O despacho não fundamenta a razão pela qual se optou por este tipo de publicidade, pelo que se encontra ferido de nulidade (artigo 615.º, n.º 1, alínea b), ex vi artigo 613.º, n.º 3, ambos do CPC).
J. O despacho revela-se bastante prejudicial para a Recorrente, para a sua família, e para a Sociedade X, S.A., em conformidade com o disposto no artigo 647.º, n.º 4, do CPC.
K. Uma vez afixados os editais, qualquer pessoa pode tomar conhecimento de que se encontra a correr uma acção de maior acompanhado contra a Recorrente, pelo que se requer a adopção de um tipo de publicidade que seja ponderado e proporcional ao caso concreto e que se retirem com a maior urgência os editais já afixados.
L. A Recorrente pretende prestar caução mediante depósito em valor a fixar pelo Tribunal.
M. A produção de efeitos do despacho causará, se é que não causou já, inúmeros prejuízos à Recorrente, à sua família, e à Sociedade X, S.A, pelo que se trata de uma situação urgente.
N. A Recorrente é uma pessoa bastante respeitada na sua área de residência e, para além disso, é Vice-Presidente do Conselho de Administração da Sociedade X, S.A., pelo que a manutenção da publicidade determinada pelo Tribunal a quo irá descredibilizar a Recorrente, enquanto pessoa e profissional, e gerar dúvidas acerca das suas capacidades para gerir uma sociedade, o que terá impactos não só na sua vida, como também na sua família e, por último, no negócio da Sociedade.

Nestes termos, e nos mais de Direito:
a) Deve julgar-se procedente o recurso;
b) Deverá julgar-se a segunda parte do despacho recorrido nula (artigo 615.º, n.º 1, alínea b), ex vi artigo 613.º, n.º 3, ambos do CPC);
c) Deverão ser retirados os editais já afixados, em substituição de um tipo de publicidade ponderado e proporcional ao caso concreto;
d) Deverá julgar-se procedente o incidente de prestação de caução no valor que vier a ser determinado pelo Tribunal, que deverá ser prestada mediante depósito,
Assim se fazendo Justiça!
*
O Requerente veio apresentar as suas contra-alegações, concluindo nos seguintes termos:

1. Ora, o despacho proferido no transato dia 24.03.2021 ordenou (i) a citação da Requerida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 231.º e 895.º n.º 1 do CPC e, (ii) a afixação de editais no Tribunal e na sede da junta de freguesia da residência da Requerida, nos termos do artigo 893.º n.º 1 do CPC.
2. Trata-se de um despacho de mero expediente – por se destinar a prover o andamento regular do processo, nomeadamente a citação da Requerida – e no uso legal de um poder discricionário do Julgador – na medida em que o próprio artigo 893.º n.º 1 prevê que “o Juiz decide …”.
3. Considerando que o despacho recorrido é de mero expediente e no uso legal de um poder discricionário do Julgador, o presente recurso não é admissível – 630.º n.º 1 do CPC.
4. O antigo CPC previa a afixação de editais no tribunal e na sede da junta de freguesia nas ações de interdição e inabilitação, enquanto o novo CPC prever nas ações de maior acompanhado que o juiz decide o tipo de publicidade.
5. A referida alteração legislativa não consiste em eliminar publicidade do processo como a Requerida faz crer, mas tão só atribuir um poder discricionário ao Juiz na escolha da mesma.
6. Basta uma simples leitura do preceito para se concluir que tem de ser dada publicidade e o Juiz a isso está vinculado, apenas tendo o poder de decidir qual o tipo da mesma.
7. Considerando o livre arbítrio do Juiz conferido pelo disposto no artigo 893.º n.º 1 do CPC, é indubitável que não há qualquer reparo a fazer à decisão recorrida.
8. Considerando que o preceito não prioriza um tipo de publicidade em detrimento de outros, mas sim a possibilidade de escolha de qualquer um, é indubitável que o Juiz não terá de fundamentar a sua escolha.
9. Ainda que o tipo de publicidade adotado se revele efetivamente prejudicial à Requerida (o que não se aceita, dado que se trata de um mero edital na junta de freguesia e em tempos de covid, ou seja, com restrições de circulação e atendimento) e que a decisão tivesse efetivamente de ser fundamentada (o que não se concorda, como anteriormente se referiu), nunca a sua falta poderia culminar com a nulidade como a Requerida faz crer, mas tão só com uma alteração ao tipo de publicidade.
10. E dado que a própria Requerida não prova, nem tampouco alega fundamentadamente, qualquer prejuízo com o tipo de publicidade adotado, entende o Requerente que nem mesmo a retirada dos editais deve ser atendida.
11. O despacho proferido no transato 24.03.2021 não merece qualquer reparo, devendo ser mantida na totalidade a decisão aqui recorrida, por não haver qualquer fundamento factual ou legal para que se decida o contrário.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado improcedente e por via dele, mantida a decisão recorrida. Assim se fazendo a costumada Justiça!!
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III-O Direito

Como resulta do disposto nos art..ºs 608.º, nº. 2, ex vi do artº. 663.º, n.º 2, 635.º, nº. 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Assim, face às conclusões das alegações de recurso, importa apurar se o despacho recorrido é, ou não, um despacho de mero expediente com as legais consequências para efeitos de admissão, ou não, de recurso; se, sendo de admitir o recurso, ocorre a nulidade do despacho recorrido, e, por último, se os editais devem ser retirados, com adopção de outra publicidade.
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A – Fundamentação de facto

- a materialidade jurídico-processual constante do relatório desenvolvido no ponto I, e bem assim que a afixação de edital no tribunal ocorreu em 26.03.2021, tendo ocorrido a fixação de igual edital na Junta de Freguesia de … no dia 30.03.2021.
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B – Fundamentação Jurídica

Diz-nos o n.º 1, do art. 630.º, do C. P. Civil, que não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário.
Por seu turno, explica o art. 152.º, n.º 4, do mesmo Código, que os despachos de mero expediente destinam-se a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes e que se consideram proferidos no uso legal de um poder discricionário os despachos que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador.
Ensina José Lebre de Freitas (in Código de Processo Civil anotado, 1999, vol. 1º, pág. 277) que os despachos de mero expediente compreendem:

-Os despachos internos, proferidos no âmbito das relações hierárquicas estabelecidas com a secretaria, de que são exemplo as ordens que o juiz a esta dirija;
-Os despachos que digam respeito à mera tramitação do processo, não tocando em direitos das partes ou de terceiros, de que são exemplo os que se limitem a fixar datas para a prática de actos processuais.

Refere, por sua vez, o Il. Professor Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, Volume V, pgs. 259, que os despachos de mero expediente, “são os que o juiz profere para assegurar o andamento regular do processo”, não sendo susceptíveis de ofender os direitos processuais das partes ou de terceiros.
E em nota 2 ao então anterior art.º 679º do mesmo Código, a dado passo, é referido que: “...se trata de despachos banais, que não põem em causa os interesses das partes, dignos de protecção...” – A. dos Reis in C.P.C. anotado, V, pg. 249.
Também in Manual dos Recursos em Processo Civil de Fernando Amâncio Ferreira – Cons.º Jubilado – 3.ª edição – 2002 – pg. 111, refere-se o seguinte: “... Advirta-se, contudo, que estes despachos só são irrecorríveis se forem proferidos de acordo com a lei; se o não forem, por admitirem, em determinado processo, actos ou termos que a lei não prevê para ele, ou sendo previstos, se forem praticados com um condicionalismo diferente do legalmente previsto, já esses despachos admitirão recurso.”.
Tais despachos não importam decisão, julgamento, aceitação ou reconhecimento do direito requerido. Pelo facto de os emitir, o juiz não vê esgotado o seu poder jurisdicional, podendo, logo a seguir, proferir outro despacho em sentido oposto. Não fica necessariamente vinculado ao despacho que proferiu; o despacho não dá lugar à formação de caso julgado, tal como o afirma o Prof. A. dos Reis, in Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, 1984, pg. 218 e 248 a 250.
Por sua vez, diz-se no citado preceito, 2.ª parte, que se consideram proferidos no uso legal de um poder discricionário os despachos que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador.
Quanto a este tipo de despachos proferidos no uso legal de um poder discricionário, esclarece igualmente José Lebre de Freitas (ob. cit., pág. 278) que são aqueles que o juiz livremente profere ao abrigo de uma norma que, perante determinado circunstancialismo, lhe confere “uma ou mais alternativas de opção entre as quais o juiz deve escolher no seu prudente arbítrio e em atenção aos fins do processo civil”.
São aqueles que se caracterizam por estarem dependentes da ponderação da necessidade que sobre a oportunidade da sua prolação o Juiz faça e, ainda, por não contenderem com qualquer juízo sobre a questão jurídica da causa, a prescrição que deles emana em nada afecta o posicionamento das partes na lide, dos interesses em debate na acção se distanciando - livre determinação quer dizer determinação que não está sujeita a limitações ou qualquer condicionalismo (Prof. Alberto dos Reis; Código de Processo Civil Anotado; Volume V; pág. 252).
O Juiz executa um despacho discricionário quando é livre de o fazer ou não e quando o seu conteúdo se não imiscui na apreciação jurisdicional de eventuais interesses postos em litígio pelos litigantes no pleito - poder discricionário quer dizer poder absolutamente livre, subtraído a quaisquer limitações objectivas ou subjectivas (Revista de Legislação; 79.º; pág. 107).
Ora, relativamente ao cerne da questão, importa ter em conta que, nos termos do antigo art. 892.º CPC, se o juiz ordenasse o andamento da acção, afixava-se editais no tribunal e na sede da junta de freguesia da residência do requerido, com menção do nome deste e do objecto da acção e, de seguida, procedia-se à publicação, com as mesmas indicações, de um anúncio num dos jornais mais lidos na respectiva circunscrição judicial. Este tipo de publicidade era imposto por razões de segurança jurídica e protecção de terceiros, porquanto, procurava privilegiar, de forma patente, os interesses patrimoniais deste tipo de acções, em detrimento dos verdadeiros interesses individuais do interditando ou inabilitando.
O novo regime do maior acompanhado atendendo às críticas que se apontavam quanto ao seu carácter estigmatizante, assim como, ao estabelecido pelo Princípio 4 da Recomendação nº R (99) 4 do Comité de Ministros do Conselho da Europa, sobre os princípios respeitantes à proteção jurídica dos maiores incapazes, consagrou no art. 153.º, n.º 1, do Cód. Civil, que “a publicidade a dar ao início, ao decurso e à decisão final do processo de acompanhamento é limitada ao estritamente necessário para defender os interesses do beneficiário ou de terceiros, sendo decidida, em cada caso, pelo tribunal”.
Por sua vez, como aponta o art. 893.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, “o juiz decide, em face do caso, que tipo de publicidade deve ser dada ao início, ao decurso e à decisão final do processo”, determinando-se, no seu n.º 2, que, quando necessário, pode determinar-se a publicação de anúncios em sítio oficial, a regulamentar por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça”.
Prosseguindo, diz-se no artigo seguinte que, quando o interesse do beneficiário o justifique, o tribunal pode dirigir comunicações e ordens a instituições de crédito, a intermediários financeiros, a conservatórias do registo civil, predial ou comercial, a administrações de sociedades ou a quaisquer outras entidades.
O citado art.º 893.º, relativo à publicidade a dar ao processo, acolheu assim a proposta do Conselho Superior da Magistratura à correcção da divergência com o regime substantivo previsto no referido art.º 153.º sugerido ao Código Civil, na medida em que não se prevê neste regime que o juiz não dê qualquer publicidade ao processo ou à decisão final, ao contrário do que parecia sugerir a versão inicial a este regime processual.
Acresce que, nos termos do artigo 892.º, n.º 1, alínea c), do Código Processo Civil, apenas se impõe que seja indicado no requerimento inicial a publicidade a dar à decisão final e não que se pronuncie sequer sobre aquela que deva ser dada ao início do processo.
Daqui decorre que a publicidade da acção, embora se deva limitar ao absolutamente essencial para a defesa dos interesses do beneficiário ou de terceiros, é a mesma decidida, em relação a cada caso, pelo Tribunal.
Uma vez que o mencionado sítio da internet ainda não se encontra disponível, têm-se determinado, que a publicidade a dar, seja efectuada mediante afixação de editais no Tribunal e na Junta de Freguesia da área de residência do beneficiário, à semelhança do que ocorria nos processos de interdição e inabilitação, pese embora tal possa não acautelar os valores que se visavam proteger e de forma a proclamar a mudança de paradigma preconizada.
Acontece que, nos casos em que se verifique um impacto negocial junto de terceiros, as exigências de segurança do comércio jurídico justificarão uma publicidade mais invasiva da vida privada do beneficiário, para que outros sujeitos não se vejam confrontados com anulações de negócios em curso que seriam evitados se conhecida a situação – neste sentido veja-se o plasmado na Acta n.º 1/2019, da Reunião de trabalho, Coordenação do Ministério Público, Procuradoria da Comarca de Santarém, disponível em www.simp.pgr.pt.
Perante o exposto, parece resultar da tramitação processual plasmada na lei, quer adjectiva, quer processual, que é ao juiz que cabe decidir sobre o tipo de publicidade a dar ao início do processo.
Contudo, para o efeito, há que sopesar se o tipo de publicidade determinada é, ou não, adequado ao caso, por forma a salvaguardar a reserva da vida privada do beneficiário e evitar a estigmatização que daí possa resultar.
É que, pese embora, em princípio, o despacho em si seja um despacho de mero expediente, na prática pode não o ser se se verificar a violação da lei, em concreto se aqueles princípios que se pretendem acautelar são totalmente descautelados e até postos em causa.
Tal acontece, por exemplo, em relação a um mero despacho que designa data para julgamento, que, em si, é irrecorrível, por ser de mero expediente, a não ser que tal implique a violação de algum princípio, como aquele que determine que não seja designada data para a audiência por se encontrar por produzir determinada prova que imponha a sua prévia realização.
Como tal, alegando-se que com a decisão proferida se afecta a vida da beneficiária, família e da sociedade a que está ligada, importará ponderar sobre esse concreto impacto, sopesando se a medida adoptada será a adequada ao caso, o que leva a que se tenha de considerar recorrível a decisão.
Tal não implica, no entanto, a nosso ver, a nulidade do acto, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Civil, como pugnado, por no despacho posto em crise se ter determinado dar publicidade ao início do processo, como imposto por lei.
Já não se concordar com o tipo de publicidade determinado extravasa esse vício.
Assim, passando a essa apreciação, consideramos que o tipo de publicidade adoptado, até pelo facto de terem sido fixados os editais num período de confinamento, grandes limitações e maiores restrições, pouco impacto terá tido quanto ao efeito de pretendido.
De qualquer das formas, embora se invoque que a publicidade determinada acarreta prejuízos à Recorrente, à sua família, e à Sociedade X, S.A, por a Recorrente ser uma pessoa bastante respeitada na sua área de residência e Vice-Presidente do Conselho de Administração da Sociedade X, S.A., por a descredibilizar e gerar dúvidas acerca das suas capacidades para gerir uma sociedade, o certo é que, qualquer que fosse a publicidade que se adopatsse, sempre teria esse impacto, dado que a publicidade sempre teria de ocorrer.
Aliás, perante o circunstancialismo do momento em que a publicidade ocorreu, pensamos que esse impacto terá sido reduzido ou até nulo, isto para além do facto da própria recorrente não ter sequer concretizado quais as circunstâncias reais e concretas verificadas susceptíveis de corroborar tais prejuízos.
Por outro lado, em conformidade com o que se referiu, caso se entendesse verificar-se um impacto negocial junto de terceiros como aquele que a recorrente refere relativamente à sociedade, as exigências de segurança do comércio jurídico justificariam até uma divulgação mais alargada e invasiva, para acautelar posteriores anulações de negócios.
Por último, o facto é que nem sequer a recorrente aponta e concretiza qual o tipo de publicidade que seria então proporcional ao caso concreto, em substituição daquele que foi adoptado, por forma a poder este tribunal avaliar da sua maior adequação à situação.
Como tal, considerando que o adoptado cumpre as exigências legais, tanto mais que se restringiu aos editais, sem a publicação de anúncio, à falta de regulamentação por portaria do meio actualmente previsto, julgamos ser o mesmo de manter.
Nestes termos, julga-se improcedente o recurso interposto, mantendo o decidido.
*
IV-DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os Juízes na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar o recurso admitido improcedente, mantendo, em consequência, a decisão proferida.
Sem custas, por isenção nos termos do art. 4.º, n.º 2, al. h), do RCP.
Notifique.
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Guimarães, 16.9.2021
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária sem observância do novo acordo ortográfico, a não ser nas transcrições que a ele atenderam, e é por todos assinado electronicamente)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida