Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
992/14.2TBVNG.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
OBJECTO DA IMPUGNAÇÃO
ÓNUS DA INDICAÇÃO DOS MEIO DE PROVA
ERRO DE JULGAMENTO
REJEIÇÃO DO RECURSO
ARTIGO 640º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:

I- Tendo o recurso por objecto a reapreciação da matéria de facto, deve o recorrente, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivá-lo através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão dissemelhante da que foi proferida pelo tribunal “a quo”.

II- A essencial razão desse ónus de indicação consiste, por um lado, em possibilitar que o tribunal de recurso fique habilitado a reconhecer de forma inequívoca os concretos segmentos da prova pessoal produzidos na audiência final susceptíveis de inculcar ou confirmar o “error in iudicando” que o apelante assaca à decisão da questão de facto, e, por outro lado, a permitir que a parte contrária possa exercer na plenitude a contraditoriedade relativamente aos argumentos que o apelante convoca para defender decisão diversa sobre a factualidade que considera indevidamente julgada.

III- O incumprimento de tal ónus implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento.

IV- O artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil tipifica a ilicitude do facto constitutivo de responsabilidade civil extracontratual em duas modalidades, podendo a mesma traduzir-se na violação do direito de outrem, isto é, na violação de um direito subjectivo - maxime, de um direito absoluto, tal como o direito de propriedade -, ou na violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, distinção que apenas se compreende no pressuposto de que nem todo o interesse juridicamente protegido de uma pessoa constitui um «direito subjectivo».
V- A indemnização atribuída por danos de natureza não patrimonial respeita apenas aos danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito

VI- A gravidade mede-se por um padrão objectivo, conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias concretas.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: A. B. e H. B..

Recorrido: Maria.

Tribunal Judicial de Bragança – Instância Central, Secção Cível e Criminal, J3.

MARIA, casada, residente na Rua do …, Mirandela, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum contra A. B., casado, residente na Rua do …, Vila Nova de Gaia e H. B., residente na Rua …, Vila Nova de Gaia.

Para tanto, alegou, em síntese, que é irmã dos RR., com quem se encontra incompatibilizada por motivos relacionados com um projecto junto do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., no qual contou inicialmente com ajuda dos seus familiares, mormente do seu pai, A. C., pessoa a quem conferiu mandato para o efeito. Face a abusos de representação por parte do seu pai, decidiu avocar a si o andamento do dito projecto, decisão que que deu mote a atitudes dos RR., os quais tomaram partido do pai. Assim o R. fez uma denúncia na comissão de protecção de crianças e jovens em perigo de Mirandela, acusando a A. de infligir maus-tratos à filha e de a colocar em perigo, processo que viria a ser arquivado; outrossim este R., em seu nome e de sua irmã, a R. H. B., dirigiu-se à Conservatória do Registo Civil de Mirandela com o fito de denunciar impedimento no processo preliminar de casamento entre a ora A., Maria, e C. P., declarando que em relação à A. se verificava o impedimento de demência notória e, poucos dias depois, intentaram uma acção de internamento compulsivo contra a A., a qual viria a ser arquivada, sendo que o fizeram sempre com base em factos falsos e com consciência da sua falsidade.

Como consequência do comportamento dos RR., a A. sofreu elevados danos não patrimoniais, traduzidos em mágoa, angústia vergonha e humilhações e sentimento de inferioridade, reclamando uma compensação por tais danos no valor de 100.000, 00 €, a ser paga solidariamente pelos RR..

Contestaram os RR. por impugnação, alegando a deturpação dos factos pela A., pois que os RR. sempre actuaram no seu interesse, preocupados face à incapacidade da A. para reger a sua pessoa e bens. Para ilustrar tal argumentação, mencionam a fragilidade dos relacionamentos amorosos da A., dos quais resultaram descendentes que, com excepção de uma que com ela vive e convive, têm sido votados aos menosprezo por parte da A.. Por outro lado a A. demonstrou ao longo dos tempos problemas do foro psiquiátrico que justificaram as suas atitudes, designadamente alterando o seu modo de vida, relacionando com um indivíduo com quem passou a viver, sendo que a este não se lhe conhecia qualquer actividade profissional regular, a não ser cuidar de cabras, havendo relatos de antecedentes de violência doméstica relativamente à anterior mulher e a uma filha de ambos. A A. manifestava tendências de prodigalidade pois souberam os RR. que aquela projectava custear obras a realizar num pardieiro, o que se afigurava algo de ruinoso e em proveito de mais um companheiro, sendo o local inadequado para viver com a filha que com ela se encontrava, para além de que esta apresentava comportamentos impróprios, com mau aproveitamento escolar, o que esteve na origem da denúncia junto das autoridades competentes.

O anunciado casamento da A. com a pessoa em causa levou os RR. ao desespero e para proteger a A., não vislumbrando outras vias, tentaram evitar que celebrasse matrimónio, declarando o impedimento e, imbuídos do mesmo espírito, instauraram processo judicial destinado ao internamento compulsivo da Autora com vista ao seu tratamento. Os RR. quando confrontados com decisões que contrariavam a sua convicção redimiram-se junto da A., mas é objectivo que a situação patrimonial da A. é pior do que aquela que tinha antes de contrair matrimónio.

Concluíram pela improcedência da acção.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu nos seguintes termos:

- Julga a acção parcialmente procedente e, assim, decide:

a) Condenar os RR. a pagarem solidariamente à A. a quantia de 3.000,00 € (três mil euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora á taxa legal desde a prolação da presente decisão até efectivo e integral pagamento;

b) Absolver os RR. do restante pedido contra si formulado.

Inconformados com esta decisão, dela interpuseram recurso os Réus, sendo que, das respectivas alegações desse recurso extraíram, em suma, as seguintes conclusões:

1. A sentença recorrida padece de falta de análise crítica da prova, em desrespeito pelo disposto no nº 4 do art. 607º do CPC.

2. Na indicação dos factos provados e dos factos não provados, foi utilizada a técnica de decalque a partir do teor dos articulados, técnica essa que não é conforme ao regime da decisão da matéria de facto nos termos definidos no nº 4 do art. 607º do CPC.

3. Essa técnica de decalque tem como implicação prática a repristinação do velho e revogado sistema da resposta aos quesitos e das fórmulas do “provado”, “não provado” e “provado apenas que”, o que não tem acolhimento no regime processual decorrente do CPC de 2013.

4. Independentemente disso, há erro na apreciação da prova, numa tripla vertente: foram dados como não provados factos que se mostram devidamente demonstrados; não foram dados como provados factos sobre os quais foi produzida bastante; foram dados como provados factos sem haver prova adequada.

5. Consequentemente, impõe-se que a decisão sobre a matéria de facto seja alterada, dando-se como provados os factos indicados supra em C.1.B.1, a saber:

- Ao longo da vida da Autora, os Réus e seus pais sempre lhe prestaram apoio pessoal e patrimonial, sempre a protegeram e defenderam, chegando os pais a pagar dívidas contraídas pela Autora.

- A implementação do projecto referido em 2 dos “factos provados” foi sugerida à Autora pelos pais e pelos irmãos, com o intuito de lhe proporcionar estabilidade pessoal e económica.

- A partir dos finais de 2007, a Autora retomou atitudes de grande agressividade e violência verbal para com seus pais e irmãos, aqui Réus, acabando por cortar relações com esses seus familiares mais próximos e proibindo os contactos com a sua filha Ana.

- Em 2009, os Réus e seus pais souberam que a Autora terminara repentinamente o namoro que mantinha com o “Dr. Carlos”, logo passando a namorar com um indivíduo de nome C. P., pastor de uma freguesia do concelho de Mirandela, que morava sozinho numa casa sem condições, sendo alguém com quem a Autora nunca se relacionara.

- Souberam também que, no período de uma semana, a Autora deixara o apartamento onde morava na cidade de Mirandela, passando a viver com o referido C. P., com quem projectava casar.

- Depois de passar a namorar com C. P., a Autora recusava qualquer tipo de aproximação da família.

- Pelo seu carácter insólito, a situação da Autora era comentada na zona, havendo pessoas que abordavam os familiares daquela no sentido de apurarem se seria verdade.

- Foram chegando aos Réus e aos pais informações de que a menor Ana não tinha bom aproveitamento escolar e usava linguagem imprópria.

6. Mais se impõe que a decisão sobre a matéria de facto seja alterada, dando-se como provados os factos indicados supra em C.1.B.2, a saber:

- Era do conhecimento dos pais da Autora, dos Réus, dos demais familiares e das pessoas das suas relações pessoais que a Autora namorava com um médico, conhecido da família, que exercia funções no hospital de Mirandela, habitualmente referido por “Dr. Carlos”.

7. Igualmente se impõe que a decisão sobre a matéria de facto seja alterada, dando-se como não provados os factos indicados supra em C.1.B.3, a saber:

- os constantes do segundo segmento do nº 22 dos “factos provados”;

- os constantes do nº 23 dos “factos provados”;

- os constantes do nº 24 dos “factos provados”.

8. Ainda por referência ao acima mencionado em C.1.B.3, o nº 22 dos “factos provados” deverá passar a ter a seguinte redacção:

- A Autora viu-se obrigada a desmarcar o casamento e a comunicar isso aos convidados, o que lhe causou desagrado e incómodo.

9. O nº 13 dos “factos provados” deverá passar a ter a seguinte redacção:

- A declaração de impedimento dirimente foi feita pelo R., com o conhecimento e a anuência da Ré.

10. Mesmo à luz do quadro factual firmado em 1ª instância, impunha-se concluir pela inexistência de ilicitude na conduta dos Réus, o que excluiria a sua responsabilidade civil extracontratual.

11. Essa conclusão sairá reforçada em face da alteração da decisão sobre a matéria de facto nos termos acima indicados, já que será dado como não provado que a actuação dos Réus causou danos à Autora.

12. Ainda que se mantenha o entendimento vindo a 1ª instância quanto à ocorrência de ilicitude e à verificação de danos, nem assim será de arbitrar qualquer indemnização à Autora.

13. Por um lado, porque tais danos, estritamente decorrentes da impossibilidade de a Autora casar na data inicialmente agendada, não merecem a tutela do direito, para os efeitos do disposto no nº 1 do art. 496º do CC.

14. Por outro lado, ainda que pudesse haver tal tutela, não se pode perder de vista que os pretensos danos foram consequência directa e necessária de uma situação criada pela própria Autora, tendo sido neste estrito contexto que os Réus agiram, pelo que sempre será de concluir, nos termos do disposto no nº 1 do art. 570º do CC, que há culpa da lesada, com o que deve ser excluída qualquer indemnização a seu favor.

15. Mostra-se violado o disposto nos arts. 483º, nº1, 496º, nº 1 e 570º, nº 1, do CC, bem assim o disposto no art. 607º, nºs 4 e 5 do CPC”.


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A Apelada apresentou contra alegações concluindo pela improcedência da apelação interposta.

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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:

- Apreciar da falta de fundamentação da decisão recorrida.

- Apreciar da existência de erro na apreciação da prova.

- Apreciar a decisão da matéria de facto, apurando se ela deve ou não ser alterada.

- Apreciar se, em qualquer hipótese, deverá ou não ser alterada a decisão recorrida, designadamente, por inexistência de ilicitude da conduta dos Réus e da irrelevância dos eventuais danos provocados.


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III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

A factualidade dada como provada e não provada na sentença recorrida é a seguinte:

Factos Provados.

1 - A A. Maria e os RR. A. B. são irmãos, mas não obstante a relação entre todos não tem sido a mais salutar.

2 - A A., pelo menos desde 2003 até à data de 2007, tinha em curso a implementação de um projecto junto do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., ao abrigo do Programa Agro – Medida 1: Modernização, Reconversão e Diversificação das Explorações Agrícolas.

3 - Na concretização deste projecto contou com a ajuda dos seus familiares, mormente do seu pai, A. C., pessoa a quem conferiu mandato para o efeito.

4 - Por volta do ano de 2007, alegando não ter recebido apoios financiados pelo projecto em causa decidiu avocar a si o andamento do dito projecto.

5 - E instaurou uma acção com vista à recuperação das verbas que considerou indevidamente apropriadas pelo seu pai no decurso do dito projecto, o qual foi registado com o n.º Processo n.º 632/13.7 TBMDL, 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Mirandela.

6 - O R. A. B. Armando fez uma participação na comissão de protecção de crianças e jovens em perigo de Mirandela, onde visava a A. e revelava desconhecimento e preocupação pela condição física e psíquica da filha da A., a menor Ana, a qual deu origem ao processo n.º 99/09.4 PAMDL, que correu termos no Tribunal Judicial de Mirandela.

7 – De tal processo consta o seguinte despacho de arquivamento: “A conferência foi designada por quem não conhecia os autos e só por isso é que a mesma foi designada. É que, não se comprovou nos autos que a menor Ana se encontrava, ou encontre, em qualquer situação de perigo e, consequentemente, careça de qualquer medida de promoção e protecção. Consequentemente o destino dos autos só pode, felizmente, ser o do arquivamento do processo, o que se determina – art. 111.º, da LPPCJ.”.

8 - No dia 18 de Maio de 2009, tendo conhecimento que a irmã, ora A., ia casar, A. B., em seu nome e de sua irmã, H. B., dirigiu-se à Conservatória do Registo Civil de Mirandela, com o fito de denunciar impedimento no processo preliminar de casamento entre a ora A., Maria, e C. P. (Processo n.º 2904/2009, da Conservatória do Registo Civil de Mirandela), declarando que em relação à nubente, sua irmã, se verificava o impedimento de demência notória.

9 - No dia 5 de Junho de 2009 os RR. intentaram uma acção com vista ao internamento compulsivo da A., a qual deu origem ao processo n.º 346/09.2 TBMDL, que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Mirandela, tendo sido determinado o arquivamento dos autos porquanto resultou que a A. não era portadora de anomalia psíquica grave e não padecia de qualquer psicopatologia que justificasse o internamento ou o tratamento compulsivo.

10 – Os RR. actuaram da forma descrita por suspeitaram que a A., à data, poderia sofrer de patologia do foro psíquico que a impedia de decidir de forma livre e esclarecida, e por considerarem que os meios utilizados eram os únicos legalmente legítimos a confirmar as suas suspeitas.

11 – Em data anterior o Réu A. B. dirigiu uma carta à A.. onde além do mais consignou o seguinte:

- “(…) Primeiro não querias assinar os papéis (referindo-se aos papéis alusivos ao projecto do IFAP), depois, e presentemente estás a tentar apropriar-te de algo a que não tens direito. Tens de ter consciência das coisas. As terras não são tuas, não estão no teu nome, por isso não tens direito a nada. (…) Quando digo que queres apropriar-te de algo a que não tens direito, quero referir-me ao dinheiro dos subsídios” (…).

- “O projecto está em teu nome e os subsídios também. Contudo, não vou permitir que o faças. Não vou permitir que recebas esse dinheiro e o faças teu.

Esse dinheiro é do pai e ele vai ter de o receber. Como posso fazer isso? Como posso impedir isso? Fácil, e toma atenção ao que escrevo agora (…). Se quando receberes o dinheiro envolvido não o entregares de imediato ao pai, farei o seguinte: (…) elaboro uma carta para informar o projecto que estás a trabalhar na câmara, que nunca trabalhaste no projecto e que o projecto não está concluído. Eu próprio solicitarei uma visita de fiscalização (…)” - página 8.

- “Acredita que se não entregares o dinheiro ao pai, vou conseguir fazer com que o projecto não seja dado como concluído, pois estou mesmo empenhado nisso” – página 9.

- “Ah e as coisas não vão ficar por aqui. Se não devolveres o dinheiro ao pai, farei mais”.

- “Todos sabemos que hoje estás a trabalhar na câmara, por grande consideração que certas pessoas têm para com os pais. Foi por isso que foste colocada. Contudo, (…) porque tais pessoas sabem que tu és conflituosa, e naturalmente vão deixar de observar essa consideração que têm pelos pais, pode ser que o contrato não seja renovado. Eu também conheço essas pessoas (…). Não farei isso de bom grado, mas te garanto que o farei.”

- “Como deves reparar eu estou mesmo por tudo (…) isto são mesmo ameaças que tu podes usar em tribunal contra mim (…) era bom que apresentasses queixa (…) porque assim eu ia dizer a pessoa que tu és (…) em frente a todas as pessoas (…)”.

12 - Aquando da declaração de impedimento dirimente na Conservatória do Registo Civil de Mirandela o R. juntou dois documentos que visavam retractar que a A. sofria de uma doença do foro psiquiátrico, sendo que tais documentos datavam do ano de 2006 e de 2007.

13 - A declaração de impedimento dirimente foi feita pelo R., mas em nome e conivência da Ré, que é médica de profissão.

14 - Dos documentos entregues podia ler-se, de entre o mais, que: “Em Abril/ Maio de 2004 (a A.) inicia actividade laboral num infantário consolidando desta forma, a recuperação das suas capacidade profissionais”, “A resposta às medidas terapêuticas foi francamente positiva passando a ter um funcionamento social e familiar normal”.

15 - Por sua vez, a A. juntou declaração do médico psiquiatra que a acompanhava no hospital, no Porto, o Dr. S. T., tendo este referido que a A. de há dois anos (isto é desde 2007 até 2009) se encontrava estabilizada do ponto de vista psicopatológico, pelo que não cumpria qualquer medicação do foro psiquiátrico.

16 - De referir que este médico durante o período que acompanhou a A., a determinado momento, deixou de prestar informações aos familiares desta, designadamente à Ré.

17 - À data dos factos a A. encontrava-se, ao abrigo de um contrato a termo, a trabalhar, como auxiliar num infantário em Mirandela, local onde ainda hoje trabalha.

18 - E tinha ainda em curso o projecto agrícola financiado pelo IFADAP.

19 - No âmbito do processo de internamento compulsivo intentado pelos RR., a A. teve que submeter-se a um exame pericial com vista a sanar eventuais dúvidas, constando do Relatório de Avaliação Clinico – Psiquiátrico o seguinte:

“Exame Mental”

Doente consciente, orientada, colaborante. Apresenta-se com um aspecto cuidado e de acordo com a estação do ano. (…) Falou da sua vida pessoal, dos problemas que está a ter com os familiares que desencadearam este processo e da sua história médica (coincidente com os dados clínicos que constam do processo). A atenção é captável e mantida (…). O seu discurso foi coerente, não se verificaram conteúdos que pudessem ser atribuídos a alterações do pensamento (delírios), nem alterações da senso- percepção (alucinações).”.

20 – E ainda: “Conclusão – Pelo que nos foi dado a apurar durante a entrevista e pelos resultados dos testes psicológicos efectuados, não se verifica a existência de psicopatologia aguda que justifique o seu internamento compulsivo (…) também não há fundamento para o seu tratamento compulsivo em ambulatório”.

21 - Como consequência da conduta da dos RR. A. não pôde casar-se na Conservatória do Registo Civil de Mirandela no dia marcado.

22 - Viu-se obrigada a desmarcar e comunicar aos convidados que o casamento não se realizaria e os respectivos motivos, o que lhe provocou mágoa, sofrimento, sentimento de humilhação e vexame.

23 – Durante o decurso do processo até ao seu desfecho sentiu-se angustiada pela possibilidade de ser submetida a internamento compulsivo, temendo pela sua liberdade ambulatória.

24 - A A. sente-se envergonhada e inferiorizada face a toda a situação.

(Da contestação)

25 - Ao longo da vida da Autora os pais da AA. prestaram-lhe auxílio patrimonial e pessoal.

26 - A Autora tem três filhos, todos nascidos na Alemanha: K. (nascido em Setembro de 1995), T. (nascido em Abril de 1998) e Ana (nascida em Novembro de 2000).

27 - O primeiro tem como progenitor o primeiro marido da Autora, de nacionalidade portuguesa e residente na Alemanha.

28 - Os dois outros têm como progenitor um companheiro que a Autora teve, de nacionalidade alemã e residente na Alemanha.

29 - O filho K., que perfaz este ano 19 anos, encontra-se desde tenra idade entregue aos cuidados de seus avós maternos.

30 - Ao longo de todos estes anos, os avós maternos do K. suportaram despesas com a sua educação e formação.

31 - Os pais da A. instauraram incidente de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais, tendo sido proferida sentença datada de 15/4/2013, no processo nº 729/09.8TBMDL-A do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Mirandela.

32 - Em tal sentença foi determinado o desconto de parte do vencimento da Autora como meio de assegurar a entrega a seus pais do valor relativo às despesas que estes suportavam com a guarda e educação do K..

33 - O filho T., hoje com 16 anos, encontra-se desde tenra idade entregue aos cuidados de seus avós paternos, residentes na Alemanha.

34 - A filha Ana, que perfaz este ano 14 anos, foi a única que a Autora teve a viver consigo com regularidade.

35 - A Autora, que nasceu em 13/11/1968 e tem 45 anos, casou pela primeira vez em1992, tendo-se divorciado em 1996.

36 - Em 8/9/2009, a Autora voltou a casar com aquele que é o seu actual marido.

37 - Durante o ano de 2000, a Autora esteve internada no Serviço de Psiquiatria de um hospital da Alemanha, país onde então residia, tendo-lhe sido diagnosticada uma doença de foro psíquico denominada “Psicose Alucinatória Paranóide”, o que sucedeu após o nascimento da sua filha mais nova, Ana.

38 - Quando disso tiveram conhecimento, e percebendo que, entretanto, a Autora cessara o seu relacionamento com o progenitor de T. e de Ana, os pais da Autora e os Réus providenciaram no sentido de a fazer regressar a Portugal, de modo a que, pelo menos, pudesse estar acompanhada pela família mais próxima.

39 - Nessa conformidade, a mãe da Autora deslocou-se à Alemanha e trouxe-a consigo, pois percebeu que a Autora estava sem qualquer tipo de apoio naquele país, até porque o companheiro alemão deixara de o ser.

40 - Na ocasião, os dois filhos mais novos da Autora, T. e Ana, ficaram aos cuidados de seus avós paternos.

41 - Mais tarde, por volta de 2002, a menor Ana veio para junto da Autora, que vivia na casa daqueles e sob os seus cuidados.

42 - Durante cerca de 5 anos, entre 2001 e 2005, a Autora foi seguida na consulta externa do Hospital Psiquiátrico.

43 - Em meados do ano de 2005, a Autora obteve declaração de alta do Hospital Psiquiátrico, por se ter entendido que a resposta da Autora às medidas terapêuticas havia sido positiva, passando a ter um “funcionamento social e familiar normal”.

44 - Os pais da Autora e os Réus tiveram conhecimento de que a Autora encetara um relacionamento com um médico, conhecido da família, que exercia funções no hospital de Mirandela.

45 - A partir dos finais de 2007, por desavenças familiares, foram cortadas as relações entre a A. e os familiares.

39. Simultaneamente, a Autora deixou de contactar o seu filho mais velho, K., que continuava (e continua) à guarda e aos cuidados dos avós maternos.

46 - Em 2009, os Réus e seus pais souberam que esta terminara o relacionamento que mantinha com o referido médico.

47 - Os RR. recearam pelo bem-estar da menor Ana, acabando o aqui Réu por apresentar participação judicial visando medidas que pudessem proteger aquela menor.

48 - Na sequência do incidente destinado a impedir a celebração do casamento da Autora, esta apresentou queixa-crime contra o Réu pela prática do crime previsto pelo artigo 252º.2 do Código de Registo Civil e punido pelo artigo 359º.1 do Código Penal.

49 - Tendo o inquérito sido arquivado, a aqui Autora requereu a abertura da instrução com o intuito de obter a pronúncia de seu irmão, aqui Réu.

50 - Com data de 14/2/2012, no âmbito do processo nº 399/09.3TAMDL, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Mirandela, foi proferido despacho de não pronúncia, sendo que tal decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, conforme acórdão de 6/3/2013.

51 - Em 8/9/2009 o R. remeteu uma carta a A. onde além do mais declarou que “Agora verificamos que estávamos errados” e “Por tal, queremos pedir-vos desculpas por todos os inconvenientes que vos causámos” (cfr. o doc. nº 4).

52 - Nessa missiva, assumindo um pedido de desculpas, o aqui Réu declarou iria continuar a pugnar no sentido de que a aqui Autora entregasse aos pais o valor dos alimentos relativos ao filho K., valor que lhe era remetido pelo progenitor do menor e que a Autora fazia seu, utilizando-o para tudo menos para as despesas com a edução do filho.

Factos não provados.

Não se provou qualquer outro facto constante dos articulados, designadamente não se provou que:

A) A A. decidiu avocar para si o projecto tendo em conta alguns abusos de representação por parte do seu pai.

B) Esta decisão deu o mote para que as relações da A. com os RR. ficassem irremediavelmente comprometidas.

C) A partir da dita decisão a A. apercebeu-se que desde o início da implementação do referido projecto, a sua família tomava o projecto como do pai e não como da A..

D) A A. nunca recebeu os apoios financiados pelo projecto em causa, tendo estes sido apoderados pelo pai desta e nessas circunstâncias os irmãos da A. ficaram do lado do pai.

E) O Processo n.º 99/09.4 PAMDL, que correu termos no Tribunal Judicial de Mirandela foi arquivado uma vez que ficou comprovado que os factos apresentados eram falseados e completamente deturpados da realidade.

F) Tais denúncias foram feitas pelos RR. com a plena consciência da sua falsidade e, unicamente, com a directa intenção de prejudicar a A., com vista a determinar a mesma a abandonar o projecto referido.

G) O médico psiquiatra que a acompanhava no hospital, no Porto, o Dr. S. T. deixou de prestar informações aos familiares da A. devido às investidas despropositadas destes.

H) A A. sempre desenvolveu o seu trabalho com estabilidade, brio e diligência, ao ponto de hoje o seu contrato ser um contrato de trabalho por tempo indeterminado.

I) Tinha ainda uma loja que mantinha arrendada e por isso recebia as rendas e encarregava-se de todos os aspectos que no âmbito desse contrato de arrendamento lhe competiam, sem pedir ajuda a quem quer que fosse.

J) A A. cuidava ainda, diligentemente, da sua filha menor Ana.

K) Era do pleno conhecimento dos RR. que a A. não sofria de qualquer doença mental notória e mais não visavam do que impedir a A. de exercer os seus direitos no âmbito do projecto do IFAP.

L) Sendo certo que, bem o sabendo, os RR. quiseram dolosamente prejudicar a A..

M) Ao longo da vida da Autora sempre foram aqui Réus e seus pais a resolver os problemas criados pela Autora.

N) Sempre foram os Réus e seus pais a servir de porto de abrigo à Autora, auxiliando-a e dando-lhe apoio, pessoal e patrimonial.

O) Tudo quanto os Réus e seus pais fizeram foi sempre para defender e proteger a Autora, mesmo de si própria.

P) A Autora, embora com significativos momentos de estabilidade, sempre revelou graves dificuldades para reger a sua pessoa e seus bens.

Q) A Autora nunca mostrou interesse ou condições para educar o seu filho K..

R) Ao longo de todos estes anos, os avós maternos do K. suportaram todas as despesas com a sua educação e formação.

S) A Autora nunca contribuiu para tais despesas, pese embora receber mensalmente a prestação de alimentos que lhe era paga pelo pai do K..

T) A Autora também nunca mostrou interesse ou condições para educar o filho T., sendo certo que não o visita sequer há, pelo menos, nove anos.

U) A sua irmã ora Ré, que é médica, mostrou total disponibilidade e abnegação, seja para a acompanhar em consultas, seja para contactar mais agilmente médicos, seja para lhe prestar apoio emocional e afectivo.

V) Por outro lado, de modo a criar pontos de interesse e atenção para a Autora, ao mesmo tempo contribuindo para que pudesse ir ganhando alguma autonomia, os pais da Autora e os Réus, por volta de 2002, tudo fizeram para que a Autora desse sequência a um projecto iniciado anos antes junto do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I. P., ao abrigo do “Programa Agro – Medida 1: Modernização, Reconversão e Diversificação das Explorações Agrícolas”.

W) As terras indicadas pela Autora para esse fim eram pertença de seus pais, tendo sido objecto de arrendamento com tal objectivo.

X) Já em 2003, foi mesmo formalizado o respectivo contrato, nos termos expressos no documento junto à contestação sob o n.º 2.

Y) Tudo quanto foi preciso encetar e obter nesse contexto foi tratado pelo pai da Autora e pelos Réus, limitando-se a Autora a subscrever os documentos necessários para o efeito.

Z) Apesar de obtido o financiamento, o certo é que, ao longo dos anos, nunca a Autora ligou minimamente ao referido projecto, acabando por ter de ser o seu pai e o aqui Réu a conduzir as coisas.

AA) E quando, por isto ou por aquilo, foi preciso adiantar valores, o dinheiro foi disponibilizado pelo pai da Autora.

BB) Depois de ter vivido algum tempo na casa de seus pais, nos termos sobreditos, os Réus e os pais (também pais da Autora), sempre com o intuito de ajudarem a Autora, criaram condições para que esta passasse a viver num apartamento na cidade de Mirandela, que lhe pertencia, por ter sido adquirido uns anos antes, quando tinha como companheiro o pai dos seus filhos mais novos.

CC) E também lhe arranjaram colocação profissional como auxiliar num infantário local, o que aconteceu por volta de 2004.

DD) No entanto, a partir dos finais de 2007, a Autora retomou atitudes de grande agressividade e violência verbal para com seus pais e irmãos.

EE) Além disso, embora bem sabendo que nunca ligara minimamente ao referido projecto agrícola e bem sabendo que todos os valores que fora preciso adiantar provinham de seus pais, a Autora começou a exigir a estes a prestação de contas, tendo comunicado à entidade que tutelava o projecto a alteração da conta bancária destinatária de futuros pagamentos e tendo revogado uma procuração passada a seu pai para que este pudesse conduzir o projecto em seu nome.

FF) No ano de em 2009, souberam os Réus e seus pais que esta terminara repentinamente o relacionamento que mantinha com o referido médico.

GG) E que, no espaço de uma semana, a Autora deixara o apartamento onde morava na cidade de Mirandela, instalando-se com um indivíduo, com quem nunca tivera qualquer tipo de relacionamento, num pardieiro sem quaisquer condições de habitabilidade numa aldeia do concelho de Mirandela, que não dispunha de casa de banho.

HH) O indivíduo com quem a Autora passou a viver era um sujeito que vivia sozinho há alguns anos, não se lhe conhecendo qualquer actividade profissional regular, a não ser cuidar de umas cabras, havendo relatos de antecedentes de violência doméstica relativamente à anterior mulher e a uma filha de ambos.

II) Embora não conseguissem aceder à Autora, já que a mesma recusava qualquer tipo de aproximação, os Réus e os pais, visto que o meio é pequeno e o assunto, pelo seu carácter insólito, era comentado na zona, foram tendo notícia de que a Autora projectava custear obras a realizar no dito pardieiro, o que se afigurava algo de ruinoso, podendo até resultar de um certo aproveitamento desse seu companheiro.

JJ) A agravar a situação, a Autora levara consigo a filha menor, Ana, sujeitando-a a viver num local absolutamente impróprio para uma criança.

KK) Entretanto, foram também chegando aos Réus e aos pais informações de que a menor Ana ia começando a revelar alterações comportamentais, desde logo na escola, com mau aproveitamento e uso de linguagem imprópria, ao mesmo tempo que se ia tornando um “bicho-do-mato”.

LL) A situação patrimonial da Autora é objectivamente pior do que aquela que tinha antes de contrair matrimónio, pois a Autora vendeu o apartamento em que vivia antes de ir morar com aquele com quem veio a casar.

MM) E vendeu também uma fracção/loja de que era proprietária num prédio sito em Mirandela, adquirida ainda no tempo em que tinha por companheiro o pai dos seus dois filhos mais novos.

Fundamentação de direito

- Da existência do vício de falta de fundamentação.

Da análise das alegações de recurso apresentadas pelos Apelantes e, nomeadamente, das conclusões formuladas, constata-se à evidência que o que os mesmos pretendem impugnar é a decisão da primeira instância sobre alguma da matéria de facto que foi considerada provada, e não provada, respectivamente, pelo tribunal, alegando como fundamento terem sido incorrectamente julgados, uma vez que, em seu entender, por um lado, não só não existe prova credível e consistente da verificação dos primeiro, e, por outro, é também manifesto, em seu entender, que outros factos com relevância para a decisão da causa, poderiam e deveriam ter sido considerados demonstrados, e não o foram, e isto porque sobre eles foi produzida prova, e poderia ter sido produzida alguma outra, que o não foi, no sentido da sua demonstração.

Todavia, e além desta impugnação, os Apelantes insurgem-se também contra tal decisão argumentando não ter sido cumprido o dever de fundamentação prescrito no art. 607º, nº 4 do C.P.C.

Na verdade, da análise das alegações de recurso apresentadas e, nomeadamente, das conclusões formuladas, constata-se à evidência que os Apelantes se insurgem contra tal decisão argumentando não ter sido cumprido o dever de fundamentação prescrito no art. 607º, nº 4 do C.P.C., pois que, conforme alegam:

- A partir do 2º parágrafo da pág. 15 da sentença, aquilo que o Tribunal apresenta como “análise crítica da prova” é apenas um resumo do que terá dito cada depoente, o que, manifestamente, não satisfaz a exigência legal.

- E, por outro, “ (…) essa divagação peca por ser um tanto confusa e desordenada e peca também por não ser ancorada na (omitida) análise crítica da prova. Com efeito, ao desatender àquilo que resultou da prova produzida em audiência, o Tribunal amputou parte muito significativa dos elementos que permitiriam um outro desfecho.

Assim se conclui que a falta de análise crítica da prova condicionou o julgamento realizado”.

Os Recorrentes concluem, assim, a sua alegação quanto a este aspecto referindo que, em seu entendimento, resulta verificado o vício da falta de fundamentação, uma vez que, alegam existir uma deficiente fundamentação, pois que a decisão se limita “a “relatar” o que cada depoente terá declarado em audiência, razão pela qual não se fica a saber aquilo que concretamente sustentou a convicção do Tribunal quanto aos factos provados (e não provados).

Assim, em seu entender, e em síntese, quer por omissão de valoração de meios de prova produzidos, quer por não constarem da motivação da decisão recorrida as razões da consistência conferida aos meios probatórios alicerçantes da convicção positiva do tribunal sobre a sua verificação, não terá sido cumprido na decisão recorrida o estatuído no nº 4, do artigo 607, do C.P.C., verificando-se, assim, uma falta de fundamentação.

Como é consabido, a decisão sobre a matéria de facto deve dar cumprimento ao dever de fundamentação das decisões judiciais que afectem os interessados, impondo o dever de obediência à lei um esforço na racionalização do processo de formação da convicção. O cumprimento destes deveres não se basta com a seriedade na forma como os tribunais decidem a matéria de facto; é necessário que o desempenho sério da actividade jurisdicional transpareça inequivocamente da forma pela qual se exprimam as decisões(1).

A motivação ou justificação da decisão sobre a matéria de facto, enquanto elemento verdadeiramente estruturante da legitimidade (e de legitimação) da decisão mais não significa do que a explicação da convicção do juiz.

Esta (convicção do julgador) não se traduz numa convicção subjectiva, numa mera opção “voluntarista” por uma versão ou outra dos factos discutidos na lide (uma convicção emotiva e puramente subjectiva, fundada na sinceridade do julgador), mas antes numa convicção objectivável e motivável, fruto de processo que só se completa e alcança por via racionalizável, pois que fundada nas regras comuns da lógica, da experiência e do bom senso, e até, quando tal for o caso, nos ensinamentos da ciência, podendo ser exposta aos seus destinatários e com virtualidade de os convencer e, acima de tudo, ser sindicada, também de forma racionalmente fundada, por eles e pelos tribunais superiores (2).

Pode dizer-se, assim, que a explicação da convicção do julgador tem em vista não só obter o convencimento das partes como permitir que a análise crítica dos elementos probatórios produzidos no processo seja sindicada, também de forma racionalmente fundada, pelas partes e pelo tribunal superior, além de permitir o controlo externo da decisão.

Sobre este dever se tem pronunciado a doutrina em termos concordantes, pondo o enfoque na necessidade do juiz convencer os destinatários da decisão através do recurso a argumentos de bom senso prático, de lógica e razão ou até de ciência.

Tem-se, assim, entendido, deverem ser especificados os fundamentos decisivos para a convicção do julgador sobre a prova (ou falta de prova) dos factos, mencionando-se incumbir ao juiz o dever de indicar os “fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade aquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado, sendo certo que tal exigência de motivação não se destina a ‘obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão”, já que através “dessa fundamentação, o juiz deve passar de convencido a convincente” (3).

Defende-se que a motivação, além de favorecer o autocontrolo do juiz, obrigando-o a analisar, à luz da razão, as impressões obtidas no decurso da produção da prova e de estimular a recolha jurisprudencial de regras objectivas de experiência e o respeito pela lógica e pelas leis da psicologia judiciária na apreciação das provas, tem também em vista o convencimento das partes da justiça da decisão ou ao menos demonstrar que este se alcançou através de regras lógicas válidas para todos (4).

Saliente-se que, ao apurar se a decisão da matéria de facto sofre ou não do vício da falta de fundamentação, por incumprimento das regras estabelecidas no art. 607º, nº 4, do C.P.C., não está ainda em causa averiguar se as respostas à matéria de facto controvertida foram proferidas de acordo com as regras e princípios do direito probatórioo que está em causa é tão só apreciar se tais respostas se mostram motivadas e justificadas, ou seja, se o juiz demonstrou o processo lógico e racional pelo qual as alcançou e se o expôs aos destinatários.

Pode, assim, dizer-se que a válida motivação não se alcança com afirmações meramente conclusivas quando não acompanhadas das premissas em que se alicerçam e que as justificam à luz de regras de normalidade, da experiência da vida, da razão, da ciência.

É necessário fazer uma análise crítica dos elementos probatórios produzidos nos autos, isto é, apreciá-los e valorizá-los de forma conjugada, relacionando-os reversivamente (testando a compatibilidade entre uns e outros), tudo isto à luz das regras da normalidade, da experiência da vida e dos ensinamentos da ciência.

Tecidos estes breves considerandos e revertendo agora à análise da situação vertente, temos que, analisada a motivação da matéria de facto controvertida, constata-se que, efectivamente, e contrariamente ao alegado pelos Recorrentes, foi deixada expressa a apreciação crítica dos elementos probatórios produzidos no processo por forma a justificar a motivação positiva sobre os factos tidos como demonstrados.

Na verdade, na motivação da decisão recorrida refere-se, designadamente, o seguinte:

“A convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica e ponderada da prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, devidamente conjugada com os documentos juntos aos autos, e uns e outros com as regras da experiência comum, para além do que resulta admitido pelas partes por falta de impugnação.

Na realidade uma parte significativa dos factos alegados pela A. não se mostra impugnada, antes terão pretendido os RR. dar-lhes diferente enquadramento, inserindo-os num outro contexto que na sua perspectiva justificam os seus comportamentos. Afigura-se-nos estarmos perante um conflito familiar, num quadro vivo pintado de ressentimentos e animosidades que também trespassaram para os autos e em que os tribunais têm sido sucessivamente chamados a intervirem – veja-se o mais recente episódio em que o filho da A., K., foi julgado no âmbito do Processo n.º 63/13.9GBMDL, no quadro do conflito familiar (fls. 206 a 228) - sem que se vislumbre nos litigantes real vontade de encetarem qualquer esforço com vista a apaziguarem as suas relações, antes pelo contrário, aparentam, se não mais, conformismo por julgamentos cuja discussão indesejavelmente resvala para juízos de carácter e extravasava largamente o foro judicial, com o mais variado tipo de considerações de índole pessoal.

As partes, no essencial, reiteraram o que já haviam declarado nos termos articulados pelas mesmas, tendo a A. prestado um depoimento mais emotivo.

As testemunhas indicadas pelas partes depuseram, no essencial, com objectividade e espontaneidade, mostrando pontualmente algum apego à causa, porém sem que tal ferisse a credibilidade dos respectivos depoimentos. Destes foram extraídos alguns factos respeitantes às relações familiares entre as partes e a aparente quebra dos laços afectivos. Mas não obstante a credibilidade dos depoimentos, temos por relativo o préstimo individual de cada um para a prova dos factos em discussão.

C. P., casado com a A., à semelhança desta, declarou que o seu relacionamento com a A. iniciou-se em 2007, mas antes já a conhecia, e sempre a teve por boa mãe e exemplar profissional. Negou a prática de actos de violência, bem como actos de gastos excessivos, nem tão-pouco o casal adquiriu qualquer banheira de hidromassagem, rebatendo assim a alegação do R.. Desconhecia qualquer relação amorosa da A. com outra pessoa. A A. não tem qualquer relação com o filho K., sendo igualmente inexistentes as relações deste com a irmã Ana. Tentou afirmar que as más relações entre as partes têm origem no “projecto”, mas depois esclareceu que sobre a matéria nada sabe. Depôs também sobre o estado de espírito da esposa.

A menor Ana, filha da A. e sobrinha dos RR., declarou que nunca foi vítima de maus-tratos, nem foi proibida pela A. de falar com os restantes familiares e vizinhos, sendo que tal atitude partiu de si. Até 2007 tinha algum relacionamento com o irmão K., mas depois deixou de falar com este. Mencionou que os factos praticados pelos RR. causaram tristeza e revolta na A..

A. C. B., que declarou ser um familiar afastado, pouco demonstrou saber sobre a matéria, acreditando que a querela entre os irmãos, nos autos em litígio, tem que ver com uma alegada agressão física do R. sobre a A., segundo ouviu “dizer”. Declarou saber que a A. não casou na data aprazada e que a mesma trata bem da “pequena”, por referência à menor Ana.

M. F. também declarou desconhecer os motivos que estão na origem da desavença entre os irmãos (embora imputasse a culpa aos familiares da A.: a família dela pôs-lhe de lado, declarou. Mas adiantou que a relação da A. com a sua filha Ana é boa e, quanto aos restantes filhos, é inexistente, culpando por isso os avós maternos. Quanto ao actual marido da A., C. P., nenhuma referência negativa fez.

H. M., empresário, primo de ambas as partes, mencionou aspectos da vida da A., considerando-a uma pessoa mais instável (perseguia os pais e os irmãos, tendo a testemunha presenciado telefonemas ameaçadores), admitindo como provável que o seu comportamento possa ter sido determinante nas divergências com os restantes familiares. Esclareceu o tipo de relações que a A. mantém com os filhos, todos de pais diferentes, sendo que K. ficou aos cuidados dos avós. Receberam com choque a notícia do casamento da A. com C. P., referindo a testemunha que se o questionassem diria que a pessoa escolhida seria o último homem com quem a A. escolheria casar, se estivesse no seu perfeito juízo, tanto mais que namorou com uma pessoa com outro estatuto social, um médico. Quanto às atitudes dos RR., alegou que sempre actuaram no interesse da A., para a proteger, o que passava numa primeira fase por impedir o seu casamento até se inteirarem do real estado psíquico desta.

M. B., conhecida da família, referiu que os pais da A. queixavam desta, e ouviu dizer que esta insultava os pais. Foi com surpresa que ouviu falar do casamento da A. com C. P., facto que provocou desgosto nos pais desta uma vez que, poucos dias antes, segundo também ouviu dizer, a A. ainda se relacionava com o médico, o DR. Carlos. Quando questionada sobre a sua razão de ciência, referiu que “não durmo com amigos”, para assim significar que entre ambos, isto é entre a A. e o referido médico, existiria uma relação carnal.

Na mesma linha depôs M. G., corroborando a versão dos RR. no que respeita às contingências familiares. O anunciado casamento da A. é matéria que também surpreendeu a declarante, pelas circunstâncias envoltas e pela condição social da pessoa escolhida. Esclareceu que a mãe da A. ainda tentou demove-la, sem sucesso, depois zangaram-se todos por causa do casamento.

M. H. residiu com a A. entre 1991/1992 sabe que a primeira relação amorosa da A. foi “muito rápida”, dois ou três meses, seguindo para a Alemanha com este. Desta relação nasceu K.. Deu conta dos ulteriores relacionamentos amorosos da A., vindo entretanto a perder contacto com esta.

S. T., médico psiquiatra, deu conta dos serviços que prestou. Terá acompanhado a A. entre 2005 a Setembro de 2010, data em que lhe deu alta, por razões de certeza, o que não significava que não estaria curada antes. Nesse período não identificou na A. sintomatologia compatível com uma psicose alucinatória paranóide, designando-a como uma doença muito rara e incapacitante, embora com medicação e tratamento seja possível alguma reabilitação. A psicose alucinatória paranóide é notória. De resto, referiu, A. esteve sem medicação durante o período compreendido entre os anos de 2007 e 2010, por se encontrar bem, situação não possível com um quadro de psicose. Tem ideia de uma familiar da A. ter-lhe pedido informações por uma vez, altura respondeu que só o poderia fazer com autorização, sem que voltasse a ser questionado ulteriormente. Por fim, quando questionado se a ausência de medicação naquele período poderia contribuir para uma recidiva, respondeu negativamente.

Posto isto, numa análise mais detalhada, diremos que as relações familiares das partes (facto inscrito sob o n.º 1) foram extraídas dos documentos juntos pela A. a fls. 16 a 21, de onde se conclui que são irmãos. O facto n.º 2 resulta dos próprios articulados e dos depoimentos prestados, de onde resulta manifesto que as relações entre os irmãos, partes na acção, não são boas.

Relativamente ao projecto junto do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, é matéria que se extrai do documento que se encontra a fls. 22 a 26, sendo a A. beneficiária, sendo que pelas partes foi admitido que ao pai de ambos, A. C., foi conferido mandato pela A..

Quanto à denúncia feita pelo R. Junto CPCJ de Mirandesa, ao declarado impedimento de casamento e a instauração do processo de internamento compulsivo contra a A., para além de serem factos admitidos pelas partes, encontram-se devidamente documentados.

Relativamente a tais condutas, nas palavras da A. trataram-se de actos intencionalmente praticados por aqueles com vista a prejudica-la, como forma de retaliação pelas más relações que então mantinha com o pai - de quem terão os RR. tomado partido – desavenças essas relacionadas com o projecto junto do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas. Por seu turno os AA. invocam puro altruísmo, e apenas admitem que assim procederam no único interesse da A., isto é, com o exclusivo interesse de a proteger.

Pois bem, cremos ser possível concluir a real motivação das partes com base nos factos por si articulados e pelas suas próprias declarações, invocando para o efeito e nesta sede o princípio da aquisição processual, segundo o qual o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado (cfr. artigo 413.º do C.P.Civil). Relativamente à participação feita junto da CPCJ, o A. declarou que o motivo prendeu-se com o facto de ter tido conhecimento através de vizinhos da A. de que alguns anos antes da participação a menor ficou em casa sozinha por volta das duas horas da madrugada, tendo a A. invocado que tinha-se ausentado da habitação para despejar o lixo. Por outro lado os mesmos vizinhos o informaram que a menor estava proibida de falar com eles e com os amigos, sendo que junto da escola a directora também o informou que a menor estava proibida de falar com os familiares e que usava de linguagem imprópria para a idade. Não temos elementos que permitam distanciarmo-nos de tal justificação e, ainda que tais factos não resultassem provados, ou fossem insignificantes no âmbito de um processo de promoção e protecção, não podemos extrair daí a ilação de que o R. os declarou com consciência da sua falsidade e com o intuito de prejudicar a A.. Aliás, o documento junto pela A. a fls. 162 a 164 a tal respeito só confirmam o que foi declarado pelo R.. Note-se que, ao contrário da carga que a A. tentou emprestar a esta conduta do R., na realidade não a entendemos como uma denúncia, antes uma participação junto da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens, e onde relatou alguns factos que em seu entender poderiam motivar a aplicação à menor de uma medida de protecção. Der resto naquela participação o R. refere expressamente que desconhece o verdadeiro estado físico e psíquico da menor, em virtude de esta ter sido proibida pela A. de manter contactos com os restantes familiares, facto este que por si só e isoladamente é passível de por em causa, pelo menos em abstracto, os interesses da menor e o seu bem-estar psíquico. Se A. considera tal circunstância uma imputação de maus-tratos, tal ilação apenas a si pertence.

Quanto ao impedimento dirimente este R. A. B. declarou expressamente que quando o declarou e instaurou o processo de internamento compulsivo, tinha por finalidade “suspender” o casamento da A. até que que esta fosse submetida a exame a fim de aferir das suas capacidade para interiorizar o acto. Justificou tal iniciativa com o comportamento anterior da A. que incluía um historial clínico e que a partir de 2007, data em que terão cessado as relações entre os irmãos, a A. apresentava comportamentos similares àqueles que no passado haviam determinado o seu internamento, tal como sejam o afastamento, a agressividade e a crença em práticas relacionadas com a bruxaria. Estranhou que em 2009 a A. tivesse repentinamente posto termo a relação amorosa que mantinha com um médico próximo da família (“pessoa capaz de resfriar os ataques da mesma contra a família”, declarou), e pouco tempo depois, mas na mesma altura, veio a marcar casamento com C. P., seu actual marido, pessoa que não gozava de boa reputação na localidade e de quem se dizia ser violento. Acresce que a A., no seu entender, também começou a evidenciar gastos excessivos, pois apurou que apetrechou uma casa de banho com uma banheira de hidromassagem de 1300,00€.

A associação de todos estes factos levaram a que tivesse desconfiado de uma “recaída” da A., e por desconhecer outra forma de lidar com a situação, optou por declarar o impedimento e instaurar o processo de internamento compulsivo com a finalidade de a A. ser submetida a exame do foro mental, suspendendo-se o casamento.

A R. H. B. depôs no mesmo sentido, referindo episódios anteriores de psicose da A. (definindo-a como perda de percepção da realidade). Em 2007 a A. retomou os comportamentos agressivos, que se prolongaram no ano de 2008. Na dificuldade de catalogar o problema da irmã, considerou ainda assim que em 2009 parecia ter tido uma recaída, facto que a levou a indagar junto colegas da psiquiatria com vista a melhor inteirar-se da situação. Referiu ainda que o impedimento foi declarado por decisão conjunta dos RR., mas não é responsável pelo seu texto, antes o co-réu, que imputava à A. uma demência notória, uma vez que nas suas palavras a A. tecnicamente não padeceria de demência, mas sim de psicopatologia, compatível com uma psicose. O panorama psicótico que considerava que a irmã atravessava tornava aquela incapaz de tomar decisões conscientes, entre as quais a decisão de casar. Quando soube que a irmã ia casar com uma pessoa com quem não tinha relações que se soubesse, aliás tendo sido vista com o anterior namorado uma semana antes, e em face da pessoa escolhida pela A., a qual segundo os parâmetros da própria A. seria de condição inferior, e segundo a declarante apurou tratar-se-ia de uma pessoa violenta, levou a suspeitar da recaída da irmã, sendo que actuaram no quadro legal vigente por forma a protegê-la, bem como proteger os sobrinhos e os próprios pais que eram vítimas de comportamentos agressivos por parte da A..

Pois bem, no quadro da prova produzida está o tribunal convencido que, apesar da má relação existente entre as partes à data, ou mesmo da sua inexistência, como melhor parece se ajustar à situação no momento, no que se refere ao impedimento declarado e à instauração do processo de internamento compulsivo os RR. actuaram porque suspeitados que a A. poderia à data se encontrar atravessar uma fase de anomalia psíquica que a impossibilitava de decidir casar segundo uma vontade livre, séria e esclarecida, sendo que a única forma que encontram para impedir o casamento até se certificarem desta realidade foi declararem o impedimento e instaurarem o processo de internamento compulsivo. Fizeram-no tendo em conta o passado da A. (note-se que do próprio texto do Auto de declaração de Impedimento de Casamento, junto a fls. 28, extrai-se que além de tudo mais o declarante afirmou “na verdade a nubente apresenta sintomas idênticos aos desenvolvidos em anos anteriores, altura em que lhe foi diagnosticada a doença do foro psíquico denominada de “psicose alucinatória paranóide”) associado ao alegado comportamento violento para com os familiares. Mas fizeram-no também, como se disse, sem qualquer certeza e num contexto de juízos pré-concebidos, designadamente por entenderem que a A. em condições normais não teria escolhido C. P. para casar, acreditando os RR. que esta nem sequer mantinha nenhuma relação com aquele (quando parece resultar da prova que já manteria uma relação com C. P., embora a tivesse ocultado), e porque o escolhido seria de condição social inferior, facto que sempre transpareceu das declarações dos RR. e testemunhas arroladas, maxime do primo H. M. que não omitiu o choque recebido pela família quando souberam que a A. tinha casamento marcado com o seu actual marido, C. P., indivíduo de um nível alegadamente mais baixo. Tanto mais que aquela teria namorado com um médico (sempre referido por Dr. Carlos), pessoa próxima da família e que por comparação com aquele C. P. situam num patamar mais elevado do extracto social, vendo nesse namoro um factor equilibrador e compensador dos desvarios que imputam à A.. O passado clínico da A. e o anunciado casamento, conjugados com o alegado comportamento mais agressivo da A. naquele período, e também a alegada prodigalidade da A. com os gastos com a aquisição de uma banheira de hidromassagem, motivaram nos RR. a desconfiança sobre o verdadeiro estado psíquico da A. e, nessa decorrência, por forma a eliminaram as suas dúvidas, e em ordem a proteger os interesses da R. e da família, optaram por impedir (“suspender” nas palavras do R. A. B.) o casamento, declarando um impedimento e forçar a A. a ser submetida a exames do ponto de vista clínico através da instauração de um processo de internamento compulsivo, que serviria assim como despistagem.

Prosseguindo, no atinente às passagens da carta remetida pelo R. à A., facto provado inscrito sob o n.º 14, estão documentadas a fls. 51 a 68, e bem assim o constante dos exames médicos – factos n.º 14 e 19, cujo teor se encontra a fls. 28, 29, 44 e 45.

A actividade laboral da A. à data dos factos resultou das declarações das próprias partes e das testemunhas ouvidas.

A matéria referente ao estado de espírito da A. extrai-se os factos objectivamente, e a regras da experiência: a normalidade da vida diz-nos que quem passa por tais situações desenvolve aquele tipo de sentimento. Também assim declaram as testemunhas por si arroladas.

Posto isto, não resultou provado que os RR. tenham actuado intencionalmente com vista a prejudicar a A. e tendo por base desavenças relacionadas com o projecto junto do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., ao abrigo do programa Agro – Medida 1: Modernização, reconversão e Diversificação das explorações Agrícolas, ainda que se admita tais querelas envolvendo a A. e o R. A. B., que agiu em defesa do pai, como resulta claro do teor das cartas dirigidas por este àquela, mas que não cremos que estejam na origem do comportamento dos RR., tanto mais que tais conflitos são anteriores aos factos discutidos nesta acção.

Relativamente aos factos não provados, inexiste qualquer meio de prova que aponte para a verificação da matéria dada como não provada, consignando-se que o tribunal não respondeu à matéria que considerou conclusiva ou meras asserções de direito, entre as quais as constantes dos articulados como sejam os RR. tornaram a vida da A. num verdadeiro inferno; desde os finais de 2007, inícios de 2008 os RR. iniciaram uma catadupa de iniciativas aterradoras contra a A..; por ser médica a R. não podia desconhecer que a A. havia ultrapassado a doença em causa; os RR. e restantes familiares da A., parecem querer arranjar-lhe doenças psiquiátricas a todo o custo; A. tinha inequivocamente uma vida normal, sem o mínimo indício de que padecesse de uma doença mental notória; Como consequência do comportamento dos RR., a A. sofreu elevados danos, mormente não patrimoniais; O comportamento dos RR. é, como resulta dos factos expostos, altamente censurável, entre outros exemplos constantes da contestação que por igualmente vastos não os enumeramos.

Assim, a matéria relacionado com o projecto financiado - os termos da sua execução, alegados incumprimentos, etc. - não foi objecto de uma discussão com um mínimo de rigor, nem os documentos juntos pelas partes espelham nesse campo todas as suas exposições. A restante matéria não provada está inquinada pela insuficiência da prova, mesmo testemunhal, que não permitem uma resposta segura ao que vem articulado pelas partes.

Ora, analisada esta motivação constata-se, desde logo, que a quase totalidade dos factos tidos como demonstrados, alicerça a convicção positiva que formou sobre a verificação de tais factos nos depoimentos e documentos para que expressamente remete.

E as razões porque isso assim sucedeu começaram por ser logo expressas no início da motivação, quando aí se refere que “As partes, no essencial, reiteraram o que já haviam declarado nos termos articulados pelas mesmas, tendo a A. prestado um depoimento mais emotivo”, bem como, que “as testemunhas indicadas pelas partes depuseram, no essencial, com objectividade e espontaneidade, mostrando pontualmente algum apego à causa, porém sem que tal ferisse a credibilidade dos respectivos depoimentos. Destes foram extraídos alguns factos respeitantes às relações familiares entre as partes e a aparente quebra dos laços afectivos. Mas não obstante a credibilidade dos depoimentos, temos por relativo o préstimo individual de cada um para a prova dos factos em discussão”, sendo que, após estas considerações expressa a motivação o concreto conteúdo dos depoimentos prestados com relevância para o apuramento dos factos, deixando, assim, igualmente afirmado, com linear clareza a amplitude probatória dos meios probatórios produzidos, para a demonstração de uma realidade material sobre a qual incidiu.

E é em reconhecimento e explanação desta afirmada constatação que, no final da análise crítica da prova testemunhal se acaba por referir que, “no quadro da prova produzida está o tribunal convencido que, apesar da má relação existente entre as partes à data, ou mesmo da sua inexistência, como melhor parece se ajustar à situação no momento, no que se refere ao impedimento declarado e à instauração do processo de internamento compulsivo os RR. actuaram porque suspeitados que a A. poderia à data se encontrar atravessar uma fase de anomalia psíquica que a impossibilitava de decidir casar segundo uma vontade livre, séria e esclarecida, sendo que a única forma que encontram para impedir o casamento até se certificarem desta realidade foi declararem o impedimento e instaurarem o processo de internamento compulsivo. Fizeram-no tendo em conta o passado da A.

(…)

Mas fizeram-no também, como se disse, sem qualquer certeza e num contexto de juízos pré-concebidos, designadamente por entenderem que a A. em condições normais não teria escolhido C. P. para casar, acreditando os RR. que esta nem sequer mantinha nenhuma relação com aquele (quando parece resultar da prova que já manteria uma relação com C. P., embora a tivesse ocultado), e porque o escolhido seria de condição social inferior, facto que sempre transpareceu das declarações dos RR. e testemunhas arroladas, maxime do primo H. M. que não omitiu o choque recebido pela família quando souberam que a A. tinha casamento marcado com o seu actual marido, C. P., indivíduo de um nível alegadamente mais baixo. Tanto mais que aquela teria namorado com um médico (sempre referido por Dr. Carlos), pessoa próxima da família e que por comparação com aquele C. P. situam num patamar mais elevado do extracto social, vendo nesse namoro um factor equilibrador e compensador dos desvarios que imputam à A.. O passado clínico da A. e o anunciado casamento, conjugados com o alegado comportamento mais agressivo da A. naquele período, e também a alegada prodigalidade da A. com os gastos com a aquisição de uma banheira de hidromassagem, motivaram nos RR. a desconfiança sobre o verdadeiro estado psíquico da A. e, nessa decorrência, por forma a eliminaram as suas dúvidas, e em ordem a proteger os interesses da R. e da família, optaram por impedir (“suspender” nas palavras do R. A. B.) o casamento, declarando um impedimento e forçar a A. a ser submetida a exames do ponto de vista clínico através da instauração de um processo de internamento compulsivo, que serviria assim como despistagem”.

Ora, em face do acabado de expender, afigura-se-nos como inequívoco, por um lado, o sentido com que o tribunal recorrido interpretou a prova produzida, que não deixa margem para a existência de quaisquer dúvidas de que a terá considerado adequada e consistente no sentido de permitir o alicerçar da sua convicção positiva e negativa sobre a materialidade tida como demonstrada e indemonstrada, e, por outro, que tribunal recorrido efectuou uma análise crítica dos elementos probatórios produzidos, tendo expressado essa sua conclusão através de uma identificação da toda a prova produzida, que foi, no essencial, testemunhal e documental, sendo que, a afirmada da prova testemunhal produzida, torna plenamente justificado que se não tenha feito dela uma explanação crítica mais aprofundada do que aquela que realmente foi efectuada.

Apreciaremos agora a impugnação da matéria de facto pretendida pelos Apelantes, pois sem a fixação definitiva dos factos provados e não provados não é possível extrair as pertinentes consequências à luz do direito.

Ora, como resulta do disposto nos artigos 640 e 662º do C.P.C., o recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto deve não só identificar os pontos de facto que considera incorrectamente como também especificar concreta e individualizadamente o sentido da resposta diversa que, em seu entender, a prova produzida permite relativamente a cada um dos factos impugnados.

Ao recorrente que impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto exige-se, assim, que:

- Especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mencionando o diverso sentido em que se impõe decidir quanto a cada um dos factos impugnados, por referência ao que foi julgado provado na decisão recorrida (ou seja, que indique o sentido ou sentidos das respostas a dar, em substituição das consideradas);

- Fundamente as razões da discordância, especificando os concretos meios probatórios em que funda a impugnação;

- Quando se baseie em depoimentos testemunhais, que efectue a localização, por referência ao assinalado em acta, da parte dos depoimentos que considera sustentarem a sua versão. (5)

Estas exigências impostas ao recorrente que impugne a matéria de facto são decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, visando-se com elas assegurar a seriedade do próprio recurso.

Mas elas não são alheias também ao princípio do contraditório – elas destinam-se a possibilitar que a parte contrária possa identificar, de forma precisa, os fundamentos do recurso, podendo assim discretear sobre eles, rebatendo-os especificadamente.

A impugnação da matéria de facto não gera a realização dum novo julgamento integral em segunda instância, constituindo antes um meio de sindicar a decisão da primeira instância quanto à decisão da matéria de facto (6) – não envolve a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida, incidindo sobre pontos determinados da matéria, que ao recorrente compete identificar, aduzindo em complemento os concretos meios probatórios que, em seu entender, justificam uma diversa decisão.

A primeira exigência consiste na identificação precisa dos pontos da matéria de facto impugnados e na indicação do sentido ou sentidos das respostas a dar, em substituição das respostas dadas pela decisão recorrida.

Não bastará, para o cumprimento desta exigência, que o recorrente se limite a manifestar a sua discordância quanto ao decidido pelo tribunal recorrido quanto a determinado ponto, impondo-se ainda que se pronuncie expressamente sobre o sentido em que deverá ser julgado tal facto (provado ou não provado, o concreto sentido de resposta restritiva ou explicativa).

Na verdade, só dessa forma se conseguirá o recorrente especificar os concretos pontos de facto incorrectamente julgados.

Assim, em ordem ao cumprimento dos ónus estabelecidos no artigo 640, do C.P.C., deve o recorrente indicar, circunstanciadamente, os concretos pontos de prova relevantes em relação a cada um dos factos impugnados – tal indicação tem de ser feita individualmente para cada um dos pontos da matéria de facto impugnada (7).

Nos casos em que a impugnação se baseia em depoimentos prestados em audiência, exige-se que o recorrente mencione as concretas passagens do depoimento testemunhal em questão que considera relevantes para a análise, indicando o início e termo da gravação que contém essas concretas passagens dos depoimentos.

Deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão dissemelhante da que foi proferida sobre a matéria de facto.

O não cumprimento de tais ónus é cominado com a rejeição do recurso, sendo certo que esta apenas poderá abarcar o segmento relativo à impugnação da matéria de facto e, dentro deste segmento, apenas pode abranger os pontos relativamente aos quais tenham sido desrespeitadas as referidas regras (8).

Ora, analisadas as alegações dos Apelantes constata-se que eles não observaram todos os pressupostos estabelecidos pelo artigo 640, do C.P.C., para a impugnação da decisão da matéria de facto.

Na verdade, in casu, os Apelantes assentam, essencialmente, a sua divergência em relação à materialidade que consideram indevidamente julgada pelo tribunal a quo, nos depoimentos das testemunhas prestados, que identificam, referindo a propósito da “discussão dos meios probatórios que impões decisão diversa da recorrida” o seguinte:

(…)

“Dos factos erradamente dados como não provados

Matéria das alíneas M), N) e O)

O teor destas alíneas corresponde ao alegado nos arts. 3, 4 e 5 da contestação.

Se é certo que não pode dizer-se que foi feita prova absoluta do aí alegado (nem é suposto que as coisas ocorram de modo tão rígido), é indiscutível que chegaram aos autos elementos probatórios que impediriam o Tribunal de excluir in totum a factualidade alegada.

Os meios de prova a considerar são os depoimentos das seguintes testemunhas (deixa-se consignado que os depoimentos se encontram gravados, tendo o signatário obtido o respectivo CD; da acta da audiência final, sessão de 16/3/2015, consta a menção do registo de cada um dos depoimentos):

- H. M. (registado entre as 14h15:52 e as 14h51:18);

- M. B. (registado entre as 14h52:13 e as 15h24:04);

- M. G. (registado entre as 15h24:45 e as 15h52:52),

- M. H. (registado entre as 15h54:00 e as 16h21:29).

Todas as testemunhas aludiram ao apoio que a Autora sempre recebeu dos pais (e dos Réus), dando nota de que aqueles sempre se preocuparam em ajudar a Autora, relatando vários episódios reveladores disso mesmo, em diversos momentos da vida da Autora.

A testemunha M. G. relatou ainda um episódio em que a Autora comprou uns sofás mas não pagou o preço, tendo o seu pai acabado por proceder ao respectivo pagamento, já que foi interpelado pelo vendedor. Este episódio é bem elucidativo da atitude da Autora, que se permitia fazer o que lhe apetecia, incluindo contrair dívidas, pois sabia que, quando fosse necessário, alguém (entenda-se: os pais e os irmãos) resolveria o problema.

Assim sendo, deverá ser dado como provado o seguinte:

Ao longo da vida da Autora, os Réus e seus pais sempre lhe prestaram apoio pessoal e patrimonial, sempre a protegeram e defenderam, chegando os pais a pagar dívidas contraídas pela Autora.

Por inerência, deverão ser eliminadas as alíneas M), N) e O).

Matéria da alínea V)

O teor desta alínea corresponde ao alegado no art. 27 da contestação, tendo conexão com o teor dos nºs 2 e 3 dos “factos provados”.

Concedendo-se que não foi feita prova integral do aí alegado, é de entender que se provou o que, nessa alegação, tinha mais significado, isto é, a ideia de associar a Autora ao projecto foi a de lhe proporcionar estabilidade pessoal e económica, partindo tal ideia dos pais e dos irmãos (aqui Réus).

O meio de prova a considerar é o depoimento da seguinte testemunha (deixa-se consignado que o depoimento se encontra gravado, tendo o signatário obtido o respectivo CD; da acta da audiência final, sessão de 16/3/2015, consta a menção do registo do depoimento):

- H. M. (registado entre as 14h15:52 e as 14h51:18);

Esta testemunha (primo da Autora e dos Réus, e sobrinho dos pais deles) revelou conhecer muito bem a família e esclareceu que o dito projecto era para que “a Maria seguisse um caminho e tivesse uma certa estabilidade na vida dela e a nível económico”. Reiterando o sentido do projecto, a testemunha acrescentou que “era um apoio, até porque de agricultura ela não percebia nada”.

Assim, deverá ser dado como provado o seguinte:

A implementação do projecto referido em 2 dos “factos provados” foi sugerida à Autora pelos pais e pelos irmãos, com o intuito de lhe proporcionar estabilidade pessoal e económica.

Por inerência, deverá ser eliminada a alínea V).

Matéria da alínea R)

O teor desta alínea corresponde ao alegado no art. 11 da contestação e tem conteúdo igual ao nº 30 dos “factos provados”, com o acréscimo da expressão “todas”.

Verifica-se que, perante a alegação vertida no art. 11 da contestação, o Tribunal não terá ficado convencido de que os avós maternos do K. suportaram todas as despesas, mas ficou convencido de que suportaram despesas.

Mantendo-se fiel à técnica do decalque, o Tribunal não encontrou melhor forma do que a de redigir o nº 30 dos “factos provados” e a alínea R) dos “factos não provados”, o que configura a manutenção do sistema do “provado apenas que”.

Ora, para a economia destes autos, isto é, para se compreender a atitude da Autora relativamente ao seu filho e aos seus pais, basta o teor do nº 30 dos “factos provados”, devidamente articulado, por exemplo, com o teor dos nºs 31 e 32 dos “factos provados”, que são bem elucidativos do interesse e do zelo da Autora face àquele seu filho.

Assim, por inútil, deverá ser eliminada a alínea R).

Matéria da alínea DD)

O teor desta alínea corresponde a parte do alegado no art. 38 da contestação, mais exactamente à parte sobrante do que foi levado ao nº 45 dos “factos provados”.

Ora, a prova produzida em juízo permitiria ao Tribunal dar como provada toda a matéria do referido art. 38º da contestação ou muito perto disso.

Os meios de prova a considerar são os depoimentos das seguintes testemunhas (deixa-se consignado que os depoimentos se encontram gravados, tendo o signatário obtido o respectivo CD; da acta da audiência final, sessão de 16/3/2015, consta a menção do registo de cada um dos depoimentos):

- H. M. (registado entre as 14h15:52 e as 14h51:18);

- M. B. Baptista (registado entre as 14h52:13 e as 15h24:04);

- M. G. (registado entre as 15h24:45 e as 15h52:52),

Estas testemunhas aludiram a vários episódios em que a Autora teve atitudes de agressividade e violência verbal para com os seus pais, mencionando (H. M. e M. G.) casos de telefonemas com ameaças relativamente ao filho K. e ao projecto agrícola.

A testemunha M. G. referiu que os pais da Autora lhe contaram que esta os ameaçava e mal tratava.

A testemunha H. M. falou da proibição de contacto entre a sua filha Ana e os outros familiares.

As testemunhas apontaram no sentido de que estas atitudes da Autora antecederam o corte de relações entre a Autora e os seus familiares mais próximos.

Assim, não devendo constar aquela matéria dos “factos não provados”, deve ser eliminada a alínea DD).

Por inerência, o nº 45 dos “factos provados” deverá passar a ter a seguinte redacção:

A partir dos finais de 2007, a Autora retomou atitudes de grande agressividade e violência verbal para com seus pais e irmãos, aqui Réus, acabando por cortar relações com esses seus familiares mais próximos e proibindo os contactos com a sua filha Ana.

Matéria das alíneas FF), GG) e HH)

O teor da alínea FF) corresponde à parte útil do alegado no art. 41 da contestação. E também corresponde precisamente ao nº 46 dos “factos provados”, com excepção do advérbio “repentinamente”.

O teor da alínea GG) corresponde ao alegado no art. 42 da contestação.

O teor da alínea HH) corresponde ao alegado no art. 44 da contestação.

Sucede que a prova produzida foi inteiramente no sentido do carácter inesperado e repentino do fim do namoro entre a Autora e o “Dr. Carlos”, pelo que aquele advérbio deveria ser incluído no dito nº 46, com a inerente eliminação da alínea FF)8.

Quanto às alíneas GG) e HH), provou-se o essencial do alegado na contestação.

Os meios de prova a considerar são os depoimentos das seguintes testemunhas (deixa-se consignado que os depoimentos se encontram gravados, tendo o signatário obtido o respectivo CD; da acta da audiência final, sessão de 16/3/2015, consta a menção do registo de cada um dos depoimentos):

- H. M. (registado entre as 14h15:52 e as 14h51:18);

- M. B. Baptista (registado entre as 14h52:13 e as 15h24:04);

- M. G. (registado entre as 15h24:45 e as 15h52:52).

O nº 46 dos “factos provados”, no confronto com a alínea FF) dos “factos não provados” é mais uma reminiscência do velho sistema do “provado apenas que”, técnica que o CPC de 2013 não consente, mas de que o Tribunal não se liberta.

É ainda meio de prova o teor da pág. 8 e da pág. 12 da certidão junta aos autos como documento nº 2, a acompanhar o requerimento da Autora de fls…, entrado em juízo via Citius, em 19/2/2015 (Ref.ª 18848843).

Todas as testemunhas referiram que foi com surpresa, e mesmo choque, que tiveram notícia do fim do namoro entre a Autora e o “Dr. Carlos”, sendo que isso ocorreu concomitantemente com a notícia de que a Autora começara a namorar com C. P., com quem fora viver (deixando o seu apartamento de Mirandela) e com quem já projectava casar.

As testemunhas também aludiram a este C. P., referindo que morava sozinho numa casa sem condições, tanto que não possuía casa de banho, sendo alguém com quem a Autora nunca se relacionara.

Da referida pág. 8 da certidão, com data de 20/4/2009, consta a seguinte informação, com origem na Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo de Mirandela: “A criança vive com a mãe, que apresenta problemas psiquiátricos. Frequenta o 1º ciclo na escola. A mãe não deixa a família aproximar-se e neste momento refere que se vai casar com um sujeito (Pastor) dos Passos, conhecido por P. J..”

E da pág. 12 da mesma certidão, com data de 13/5/2009, com origem na Polícia de Segurança Pública, Esquadra de Mirandela, e remetida ao Tribunal Judicial de Mirandela, consta a seguinte informação: “Realizadas diligências no sentido de se verificar qual o estado vivencial da menor [Ana], apurou-se o seguinte: A progenitora da menor acima referida, Maria, deixou o companheiro que tinha (Dr. Carlos), no final do mês de Março do corrente ano, e cerca de 1 semana depois passou a residir com um indivíduo da aldeia acima referida [Passos], conhecido por P. (alcunha J. ).

Deste modo, face aos elementos probatórios existentes, impõe-se que o nº 46 dos “factos provados” passe a ter a redacção seguinte:

Em 2009, os Réus e seus pais souberam que a Autora terminara repentinamente o namoro que mantinha com o “Dr. Carlos”, logo passando a namorar com um indivíduo de nome C. P., pastor de uma freguesia do concelho de Mirandela, que morava sozinho numa casa sem condições, sendo alguém com quem a Autora nunca se relacionara.

Além disso, deve ser levado aos “factos provados” o seguinte:

Souberam também que, no período de uma semana, a Autora deixara o apartamento onde morava na cidade de Mirandela, passando a viver com o referido C. P., com quem projectava casar.

Nesta conformidade, deverão ser eliminadas as alíneas FF), GG) e HH) dos factos não provados, passando para o elenco dos “factos provados” a matéria acima referida.

Alínea II)

O teor da alínea II) corresponde ao alegado no art. 45 da contestação.

Se é certo que não foi demonstrada por inteiro a alegação, produziu-se prova de matéria que o Tribunal deveria considerar, seja acerca da recusa da Autora em contactar com os pais e os Réus, seja acerca dos comentários que a situação da Autora provocava na zona.

O meio de prova a considerar é o depoimento da seguinte testemunha (deixa-se consignado que o depoimento se encontra gravado, tendo o signatário obtido o respectivo CD; da acta da audiência final, sessão de 16/3/2015, consta a menção do registo do depoimento):

- H. M. (registado entre as 14h15:52 e as 14h51:18);

É ainda meio de prova o teor da pág. 8 da certidão junta aos autos como documento nº 2, a acompanhar o requerimento da Autora de fls…, entrado em juízo via Citius, em 19/2/2015 (Ref.ª 18848843).

A testemunha H. M. (primo da Autora e dos Réus, e sobrinho dos pais deles) referiu-se ao choque que, pelo seu carácter insólito, a conduta da Autora (pondo fim ao namoro com o “Dr. Carlos” e logo passando a namorar com o C. P.) causou na freguesia, sendo motivo de conversa, dizendo a testemunha que: “até tínhamos algumas pessoas que nos abordavam para saber se era verdade ou não passava de mero boato”.

Da referida pág. 8 da certidão, com data de 20/4/2009, consta a seguinte informação, com origem na Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo de Mirandela: “A criança vive com a mãe (…). A mãe não deixa a família aproximar-se”.

Neste domínio, deverá ser levado aos “factos provados” o seguinte:

Depois de passar a namorar com C. P., a Autora recusava qualquer tipo de aproximação da família.

Mais deverá ser levado aos “factos provados” o seguinte:

Pelo seu carácter insólito, a situação da Autora era comentada na zona, havendo pessoas que abordavam os familiares daquela no sentido de apurarem se seria verdade.

Por inerência, deverá eliminada a alínea II) dos “factos não provados”.

Matéria da alínea KK)

Esta matéria corresponde ao alegado no art. 47 da contestação.

A prova produzida permite afirmar que se demonstrou o essencial da alegação, pelo que o Tribunal deveria considerar a matéria respeitante às atitudes que esta menor ia tendo.

É meio de prova o teor da pág. 12 da certidão junta aos autos como documento nº 2, a acompanhar o requerimento da Autora de fls…, entrado em juízo via Citius, em 19/2/2015 (Ref.ª 18848843).

Dessa pág. 12, com data de 13/5/2009, com origem na Polícia de Segurança Pública, Esquadra de Mirandela, e remetida ao Tribunal Judicial de Mirandela, consta a seguinte informação: “Realizadas diligências junto da responsável da escola (…), bem como da sua professora (…), as mesmas informaram (…), verificando que [a menor Ana] não tem o melhor aproveitamento escolar, e [usa] um vocabulário impróprio para a sua idade, sendo que foi sugerido à sua progenitora [a Autora] para a menor ser acompanhada pelo psicólogo da escola, a qual recusou”.

Neste campo, deverá ser levado aos “factos provados” o seguinte:

Foram chegando aos Réus e aos pais informações de que a menor Ana não tinha bom aproveitamento escolar e usava linguagem imprópria.

C.1.B.2) Factos que deveriam ter sido dados como provados

O teor do nº 44 dos “factos provados” tem conexão com o alegado no art. 36 da contestação.

Sucede que, fruto da técnica do decalque utilizada pelo Tribunal, aquele nº 44 não expressa com exactidão aquilo que resultou da prova.

Na verdade, foi sobejamente demonstrado que a Autora tinha um relacionamento amoroso com o “Dr. Carlos”, ou seja, a Autora namorava com o “Dr. Carlos”.

Mais foi amplamente demonstrado que tal namoro era do conhecimento geral, quer dizer, dos pais da Autora, dos seus irmãos (aqui Réus), dos demais familiares e das pessoas das suas relações pessoais.

Trata-se de um ponto de facto muito significativo para a economia dos autos, porquanto foi o inesperado fim deste namoro e o concomitante início de novo namoro (com C. P.) que esteve na base daquilo que se discute nos autos.

Portanto, impunha-se que o referido nº 44 tivesse uma redacção mais impressiva e conforme à prova produzida.

Os meios de prova a considerar são os depoimentos das seguintes testemunhas (deixa-se consignado que os depoimentos se encontram gravados, tendo o signatário obtido o respectivo CD; da acta da audiência final, sessão de 16/3/2015, consta a menção do registo de cada um dos depoimentos):

- H. M. (registado entre as 14h15:52 e as 14h51:18);

- M. B. Baptista (registado entre as 14h52:13 e as 15h24:04);

- M. G. (registado entre as 15h24:45 e as 15h52:52);

- M. H. (registado entre as 15h54:00 e as 16h21:29).

Nessa conformidade, o nº 44 dos “factos provados” deverá passar a ter a redacção seguinte:

Era do conhecimento dos pais da Autora, dos Réus, dos demais familiares e das pessoas das suas relações pessoais que a Autora namorava com um médico, conhecido da família, que exercia funções no hospital de Mirandela, habitualmente referido por “Dr. Carlos”.

C.1.B.3) Dos factos erradamente dados como provados

Matéria dos nºs 22, 23 e 24 dos factos provados

Esta matéria tem correspondência com o alegado nos arts. 41º, 42º, 43º, 44º e 45º da petição inicial.

Trata-se de matéria cuja prova competia à Autora.

Dessa matéria, só se pode ter como provada a que respeita ao primeiro segmento do nº 22 dos “factos provados” (“Viu-se obrigada a desmarcar [o casamento] e comunicar aos convidados”).

Quanto ao mais, face aos depoimentos das testemunhas arroladas pela Autora, temos seguinte:

- as testemunhas A. C. B. e M. F. nada esclareceram acerca do segundo segmento do nº 22 dos “factos provados”, nem acerca do teor dos nº 23 e 24 dos “factos provados”;

- as testemunhas C. P. e Ana nada referiram quanto à matéria do nº 23 dos “factos provados”;

- quanto à matéria do segundo segmento do nº 22 dos “factos provados” e à matéria do nº 24 dos “factos provados”, aquilo que resulta dos respectivos depoimentos foi essencialmente induzido pelo modo como as questões foram colocadas, não podendo dizer-se que houve afirmações claras e conscientes sobre a matéria em causa.

Acresce que, pelas razões acima mencionadas e bem enfatizadas na sentença junta aos autos (fls. 206 a 228), estas duas testemunhas nenhum crédito poderiam merecer do Tribunal, pelo que o julgamento de facto não deveria ter por base os seus depoimentos.

Como eventual meio de prova, restaria ao Tribunal considerar as declarações de parte da própria Autora.

Sendo tecnicamente possível essa via, não poderia o Tribunal ignorar o carácter interessado do depoimento da Autora.

No caso vertente, razões acrescidas havia para o Tribunal ser especialmente cauteloso na valoração destas declarações de parte, ou não fosse patente uma conduta errática da Autora ao longo da instância (recorde-se que, depois de ter afirmado na petição inicial que tinha namorado com o “Dr. Carlos”, a Autora, em plena audiência final, só porque pensou que lhe convinha fazer passar essa ideia, veio dizer que, afinal, eram só amigos e não tivera uma “relação carnal” com o “Dr. Carlos”!!!).

Como se vê pela sentença, o Tribunal não teve cautelas a este nível – ou, se teve, não as exteriorizou.

Como o Tribunal não indicou com precisão os meios de prova em que se baseou para exarar o que se encontra nos nº 22, 23 e 24 dos “factos provados”, é um tanto difícil dar exacto cumprimento ao disposto na alínea b) do nº 1 do art. 640º.

De todo o modo, porque dos depoimentos de partes dos Réus e das testemunhas por estes arroladas nada resultou a esse propósito, supõe-se que o Tribunal se terá baseado nos depoimentos das testemunhas arroladas pela Autora e nas declarações de parte da própria.

Assim sendo, mais não resta aos Réus do que invocar o teor das testemunhas arroladas pela Autora e as suas próprias declarações de parte e afirmar que desses depoimentos não resulta suporte para os pontos de facto em crise.

Estes depoimentos, tanto testemunhais como declarações de parte, estão gravados (da acta da audiência final com a menção do registos dos depoimentos):

- Maria (sessão de 23/2/2015, registado entre as 15h47:23 e as 16h26:34);

- C. P. (sessão de 23/2/2015, registado entre as 16h29:01 e as 17h25:19);

- Ana (sessão de 23/2/2015, registado entre as 17h37:55 e as 17h58:42);

- A. C. B. (sessão de 16/3/2015, registado entre as 12h11:09 e as 12h23:37);

- M. F. (sessão de 16/3/2015, registado entre as 12h24:19 e as 12h39:01).

Em face do que antecede:

- deverá ser eliminado o segundo segmento do nº 22 dos “factos provados”;

- deverão ser eliminados os nºs 23 e 24 dos “factos provados”.

Por outro lado,

É de aceitar e reconhecer que, num plano de normalidade e tendo presente a experiência da vida, a impossibilidade de casar na data agendada terá desagradado à Autora e até lhe terá causado incómodo.

Deste modo, o nº 22 dos “factos provados” deverá passar a ter a seguinte redacção: “A Autora viu-se obrigada a desmarcar o casamento e a comunicar isso aos convidados, o que lhe causou desagrado e incómodo”.

(…)

Ora, como é consabido, pese embora em decorrência de discussão que se encetou em torno da questão de saber se o ónus de indicação, com exactidão, das concretas passagens dos registos fonográficos em que fundam a sua discordância, no segmento referente à impugnação da decisão das questões de facto deve ser feita nas conclusões das alegações ou se se bastará com a sua indicação no corpo das alegações, se venha hoje a entender ser este último entendimento que vem merecendo maior acolhimento (9), indubitável resulta que, sem o cumprimento deste ónus, pelo menos, nas alegações, o recurso terá de ser rejeitado nesta parte.

Isto assente, analisado o teor das alegações dos Recorrentes à evidência se constata que as menções que delas constam, reproduzindo as que ficaram a constar das actas que documentam a audiência final, apenas são indicativas do início e do termo dos identificados depoimentos, conforme ficou exarado nessas mesmas actas.

Na verdade, ficou exarado nessas actas, os depoimentos prestados encontram-se gravado nos locais aí indicados e reproduzidos nas alegações, sendo que os Recorrentes limitaram-se a reproduzir o que ficou exarado nas actas de audiência, ou seja, o princípio e o fim dos respectivos depoimentos.

E assim sendo, o procedimento adoptado pelos Apelantes traduziu-se, pois, na indicação do início e fim do registo fonográfico de cada um dos aludidos depoimentos.

Destarte, sendo, como se deixou dito, a questão que se coloca e que importa dirimir, a de saber se esse procedimento satisfaz o aludido ónus de indicação que, em conformidade e decorrência do supra mencionado preceito, impõe ao apelante, sob pena de rejeição do recurso, a “indicação exacta das passagens da gravação em que se funda”, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, dúvidas se não podem suscitar de que os Apelantes não deram cabal ou adequado cumprimento a este ónus.

Com efeito, e como se expressamente se refere no Acórdão desta Relação, de 3/12/2015 (10), Primo conspectu (…) o estrito cumprimento da mencionada imposição legal não se basta com a mera indicação do início e do fim da gravação do depoimento das diversas testemunhas ou de outros intervenientes processuais ouvidos no decurso da audiência final. A lei adjectiva exige bem mais do que uma indicação nesses moldes, reclamando que seja feita uma indicação precisa (exacta, na terminologia legal) das concretas passagens dos depoimentos (fonograficamente registados) que, na perspectiva do apelante, apontem em sentido diverso daquele que foi considerado pelo juiz a quo aquando da fixação da materialidade que considerou provada ou não provada.

De facto, conforme tem sido assinalado, a ratio essendi dessa exigência legal destina-se a permitir que o tribunal de recurso fique habilitado a reconhecer de forma inequívoca os concretos segmentos da prova pessoal produzidos na audiência final susceptíveis de inculcar ou confirmar o error in iudicando que o apelante assaca à decisão da questão de facto. Por outro lado, o cumprimento rigoroso desse ónus destina-se outrossim a permitir que a parte contrária possa exercer na plenitude a contraditoriedade relativamente aos argumentos que o apelante convoca para defender decisão diversa sobre a factualidade que considera indevidamente apreciada/julgada, tanto mais que, na resposta ao recurso, terá, nos termos da 2ª parte da al. b) do nº 2 do citado art. 640º, de indicar “os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda (…)”.

Portanto, a exigência de que a indicação seja exacta, precisa, específica, visa permitir, tanto à parte contrária, quer, sobretudo, ao tribunal ad quem uma audição, fácil e célere, das passagens da gravação em que se funda a impugnação, de modo a avaliar, de forma expedita, sobretudo no caso de depoimentos longos (como foi o caso), se os troços do registo apontados pelo recorrente são ou não adequados a inculcar o error in iudicando invocado pelo apelante (11), sem prejuízo, todavia, da actuação, pelo tribunal superior dos seus poderes de investigação oficiosa, isto é, da faculdade de proceder à audição de quaisquer outros segmentos do registo, do mesmo ou de outros depoimentos.

Como assim, dada a assinalada finalidade da determinação legal, o ónus daquela indicação não pode considerar-se cumprido pelas simples transcrição, ainda que integral, dos depoimentos produzidos e fonograficamente registados na audiência final (12). De facto, de acordo com os cânones interpretativos, à expressão sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, não pode atribuir-se o sentido de a transcrição dos depoimentos constituir uma alternativa à indicação precisa da sua localização do registo sonoro, tanto mais que o actual sistema de gravação permite a fácil identificação dos ficheiros respeitantes a cada depoimento, seu início e fim, sendo igualmente fácil concretizar em que momento do depoimento a testemunha ou outro depoente se pronunciou sobre uma determinada matéria, identificando, de modo preciso, a hora, minutos e segundos.

Como bem se observa no acórdão desta Relação de 30.01.2014 (13), a expressão “sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição”, que é antecedida pela imposição da obrigação de “indicar com exactidão as passagens da gravação”, tem que ser interpretada no sentido de que o legislador entendeu que a possibilidade de se “proceder à respectiva transcrição” não era suficiente para se poder ter como feita a indicação “com exactidão das passagens da gravação”. Neste contexto, atento o actual sistema de gravação dos depoimentos, terá que se concluir que a indicação “com exactidão das passagens da gravação em que se funda” concretiza-se mencionando, de forma precisa, o momento em que cada uma de tais passagens tem o seu início e o seu termo. A parte, se assim o quiser, para além disso poderá também, não porque esteja obrigada, mas porque nisso vê algum interesse, proceder à transcrição das passagens que considera importantes.

Destarte, na sequência das considerações acima expendidas, não tendo os apelantes procedido à indicação exacta, precisa, das passagens da gravação em que fundamentam o recurso relativamente à decisão da questão de facto, tendo-se limitado, como se referiu, a indicar o início e o terminus dos depoimentos e a proceder, no corpo das alegações, à transcrição parcial dos mesmos, não cumpriram, por conseguinte, o apontado ónus”.

Isto considerado, a doutrina tem sido praticamente unanime no sentido de que o incumprimento do ónus de indicação, com exactidão, das concretas passagens dos registos fonográficos em que fundam a impugnação factual implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento, (14) dado, desde logo, o uso da expressão peremptória da lei, através do emprego do adjectivo imediata.

Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra, de 17/12/2014, “ao Recorrente, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, caberá, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (nº 2, a) do artº 640º do NCPC, que corresponde ao n.º 2 do art.º 685º-B do CPC)”.

Assim, “a exacta indicação das passagens da gravação, que se exigia no 685º-B, nº 2 do CPC e que se exige agora no artº 640º, nº 2, a), do NCPC, não se identifica com a mera indicação do local, no suporte de registo áudio disponibilizado ao Tribunal de recurso, onde começa e termina cada um dos depoimentos em causa. Não se entender assim equivale a ter-se como exigida uma indicação exacta dos depoimentos e não, propriamente, das passagens.

Daí que ao recorrente, para indicar, com exactidão, o que a lei exige no artº 640º, nº 2, a), do NCPC (a exemplo do que ocorria no âmbito do pretérito artº 685º-B, nº 2 , do CPC), seja mister indicar, por referência ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o início e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso”. (15)

E assim sendo, incumprindo os Apelantes o ónus imposto na 1ª parte da al. a) do nº 2 do art. 640º do Cód. Processo Civil, ao recorrente que impugna a matéria de facto, está o tribunal impedido de sindicar o julgamento da matéria de facto, não podendo, por decorrência, esta Relação apreciar o recurso, na vertente da impugnação da matéria de facto, nos termos do artigo 662, nº 1, do C.P.C., impondo-se, assim, a rejeição, nessa parte, do recurso interposto.

Na verdade, considerando que, tal como vem referido na decisão, para formar a sua convicção relativamente aos concretos pontos de facto que consubstanciam o objecto da impugnação factual efectuada, o tribunal a quo se baseou primordialmente na prova pessoal produzida em audiência, tal significa, pois, que, perante a concreta inoperância dessa impugnação, nenhuma alteração se poderá introduzir nos mencionados factos, sendo certo que inexistem nos autos outros elementos probatórios que consistentemente ponham em crise a decisão recorrida.

Mas, e pese embora a inalteração da impugnação da matéria factual, por inoperância da que foi efectuada, entendem os Recorrentes que, mesmo à luz do quadro factual fixado em primeira instância, impunha-se concluir pela inexistência de ilicitude da conduta dos Réus, o que excluirá a sua responsabilidade civil.

Por outro lado, ainda em seu entender, mesmo que se entenda ser de perfilhar o entendimento de que se verifica a ilicitude do comportamento dos Réus, nem assim será de arbitrar qualquer indemnização à Autora, pois que, por um lado, os danos provocados, em razão da sua pouca gravidade, não merecem a tutela do direito, e, por outro, ainda que pudesse haver tal tutela, não pode esquecer-se que os pretensos danos foram consequência directa e necessária de uma situação criada pela Autora, tendo sido nesse contexto que os Réus agiram, pelo que sempre será de concluir, nos termos do disposto no artigo 570, nº 1, do Código Civil, que há culpa da lesada, com o que deve ser excluída qualquer indemnização a seu favor.

Como é consabido, apontam-se, na terminologia técnica corrente, como elementos constitutivos da responsabilidade civil extracontratual que serve de fundamento à presente acção: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Em primeiro lugar, temos de estar perante um facto voluntário do agente, que se traduz num facto positivo ou acção, ou num facto negativo ou omissão, sendo que, esse facto voluntário do agente que lesa interesses alheios, só obriga à reparação havendo ilicitude, ou seja, violação de um direito de outrem (direito absoluto) ou violação de lei que protege interesses alheios. (16)

Em terceiro lugar, exige-se a imputação do facto ao agente, ou seja, para que o facto ilícito gere responsabilidade civil e a consequente obrigação de indemnizar é necessário que o autor tenha agido com culpa, traduzindo-se esta no nexo psicológico entre o facto e a vontade do lesante, que “exprime um juízo de reprovabilidade da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo”. (17)

A culpa pode revestir duas formas distintas: o dolo e a mera culpa ou negligência. Naquele o agente tem a representação do resultado danoso, sendo o acto praticado com intenção malévola de produzi-lo, ou apenas aceitando-se reflexamente esse efeito. Na negligência, ao invés, consiste no simples desleixo, imprudência ou inaptidão.

Por último, exige-se também a verificação de nexo de causalidade entre os danos cujo ressarcimento é agora pedido e os factos ilícitos e culposos praticados pelo lesante.

Ora, como decorre do supra exposto, a primeiras questões objecto de recurso consiste, como deixamos dito, na de indagar se a conduta dos Réus será ou não passível de preencher o pressuposto em que consiste a ilicitude, para os efeitos do artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, e bem assim, se, na hipótese de resposta afirmativa a esta questão, terão mesmo assim actuado sem culpa.

Este último preceito tipifica a ilicitude do facto constitutivo de responsabilidade civil extracontratual em duas modalidades, podendo a mesma traduzir-se na violação do direito de outrem, isto é, na violação de um direito subjectivo - maxime, de um direito absoluto, tal como o direito de propriedade -, ou na violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, distinção que apenas se compreende no pressuposto de que nem todo o interesse juridicamente protegido de uma pessoa constitui um «direito subjectivo».

No domínio dos direitos subjectivos acautelados pela norma, contempla a primeira hipótese em especial os direitos absolutos, com relevo para os direitos reais e os direitos de personalidade.

Como fundamento destas suas pretensões, alegam os Recorrentes, em síntese, que:

(…)

De um e momento para o outro, para surpresa de todos, a Autora pôs termo a um namoro de anos logo começou outro namoro.

O anterior namorado era um médico amigo da família, que trabalhava no hospital de Mirandela e residia nessa cidade.

O novo namorado era um pastor com quem a Autora nunca tivera qualquer tipo de relacionamento, que vivia numa aldeia do concelho de Mirandela, numa casa que nem sequer dispunha de quarto de banho.

A Autora passou a viver imediatamente com o novo namorado, logo projectando casar com ele.

A Autora levou consigo uma filha menor de 15 anos, sujeitando-a a viver em condições impróprias (saindo de um apartamento na cidade de Mirandela para uma casa sem condições numa aldeia daquele município).

Acresce que este quadro surgiu num contexto em que são de realçar os seguintes aspectos:

Os antecedentes clínicos da Autora, que registava já internamentos em serviços de psiquiatria, em Portugal e na Alemanha.

O corte de relações, desde finais de 2007, entre a Autora e seus pais e os Réus.

A falta de contacto, desde a mesma altura, entre a Autora e o seu filho mais velho, K., que estava, desde tenra idade, à guarda e aos cuidados dos avós maternos.

A falta de informações acerca da situação clínica da Autora, porquanto, entre 2007 e 2009, o respectivo psiquiatra se recusou a prestá-las aos familiares da Autora.

Uma crescente agressividade da Autora relativamente aos seus pais.

Isto posto,

Se é certo que os Réus tomaram três iniciativas junto de outras tantas entidades, na base das mesmas esteve o mesmo e preciso quadro, acima descrito.

Aquilo que levou os Réus a agir foi esse único quadro, posto que integrado por diversos elementos.

Isto para dizer que, ao contrário do que fez o Tribunal, a análise e a valoração da conduta dos Réus implica a ponderação global e una do dito quadro.

Dito de outro modo, é errado, pois distorce o raciocínio, tentar encontrar motivações específicas para cada uma das três iniciativas dos Réus.

Falar em motivações específicas equivale a segmentar ou a fraccionar o quadro com que os Réus se viram confrontados.

Com isso, desvirtua-se a valoração da conduta dos Réus, porque este actuaram perante um quadro uno, e não perante diversos quadros, com conotações eventualmente distintas.

O que vem de dizer-se tem que ver com a circunstância de o Tribunal se ter dedicado a analisar isoladamente a denúncia junto da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, a declaração de impedimento no processo preliminar de publicações no casamento da Autora e acção de internamento compulsivo (cfr.as págs. 18 a 21 da sentença).

E o que se verifica é o seguinte:

Acerca da denúncia feita à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, apesar de os factos aí denunciados não se terem provado, o Tribunal concluiu no sentido de não ser possível tirar a ilação de que o Réu A. B. denunciou tais factos com consciência da sua falsidade e com o intuito de prejudicar a Autora.

Quanto à declaração de impedimento dirimente e quanto ao processo de internamento compulsivo, o Tribunal começa por discorrer sobre os termos e os pressupostos em que os Réus actuaram, em conformidade com o quadro acima exposto, o que, caso a coerência do raciocínio fosse mantida, deveria levar a uma conclusão similar à expressa acerca da denúncia à Comissão de Protecção de Crianças em Perigo.

Mas não é isso o que lê na sentença (pág. 21).

Com efeito, apesar de reconhecer todos os elementos do quadro com que os Réus foram confrontados, o Tribunal introduz na ponderação dois elementos que, necessariamente, desvirtuaram a reflexão.

Diz o Tribunal que os Réus, afinal, actuaram “sem qualquer certeza e num contexto de juízos pré-concebidos, designadamente por entenderem que a A. em condições normais não teria escolhido C. P. para casar (…) e porque o escolhido seria de condição social inferior”.

Um pouco mais abaixo, o Tribunal alude ao “choque recebido pela família quando souberam que a A. tinha casamento marcado com o seu actual marido,

C. P., indivíduo de um nível alegadamente mais baixo. Tanto mais que aquela teria namorado com um médico (…), pessoa próxima da família e que por comparação com aquele C. P. situam num patamar mais elevado do extracto (sic) social, vendo nesse namoro um factor equilibrador e compensador dos desvarios que imputam à A.”.

Embora sem disso se aperceber, o Tribunal estava tocando no ponto nuclear de toda a questão.

Em vez de vislumbrar aí a chave para resolver o problema, o Tribunal deturpou o sentido daquilo que lhe era dado a observar e perdeu a oportunidade de decidir bem.

Concretizando,

Quanto à afirmação de que os Réus actuaram “sem qualquer certeza”, tal argumento não faz qualquer sentido no quadro dos autos.

O problema seria se tivessem actuado com a consciência da falsidade dos factos que serviram de base à sua conduta ou até se tivessem agido sem haver elementos objectivamente justificativos.

Já se viu que nada disso aconteceu, já se viu que os Réus actuaram como actuariam quaisquer outras pessoas colocadas na posição deles e confrontadas com o mesmo quadro.

Quanto aos “juízos pré-concebidos”, a situação é mais grave ainda.

Como se vê pela formulação contida na sentença, o Tribunal reconduz esses “juízos pré-concebidos” à questão da condição social do C. P., ao estrato social a que este pertenceria.

Com isso, o Tribunal mostra ter a ideia de que, afinal, o leitmotiv da actuação dos Réus foi impedir a irmã de casar com um indivíduo de condição social inferior.

Deste pressuposto decorrem importantes consequências argumentativas a que o Tribunal (embora sem as exteriorizar) não conseguiu furtar-se.

Com efeito:

- os Réus equacionaram a hipótese de a Autora sofrer uma patologia do foro psiquiátrico, não em virtude de o novo namorado ser o C. P., mas em virtude de o C. P. ser quem é;

- se o C. P. fosse, por exemplo, engenheiro, advogado, magistrado, médico (como o “Dr. Carlos” e a Ré) ou agente da PSP (como o Réu), as coisas já seriam diferentes;

- aí, os Réus já não veriam na troca (de namorados) e na escolha (do novo namorado) motivos para desconfiar do estado psíquico da Autora.

Consequentemente, no caso vertente, para o Tribunal:

- os Réus, induzidos pelo nível social inferior do C. P., entreviram na escolha da Autora razões para suspeitar de que sofreria de patologia do foro psíquico;

- ao agirem assim, os Réus foram imprudentes e precipitados, pois só deveriam fazê-lo depois de apurarem se tal patologia existia, isto é, nas palavras da sentença, “deveriam previamente assegurarem-se (sic), ou pelo menos diligenciarem de forma séria e esforçada, no sentido de apurarem se a A. de facto padecia de patologia do foro psíquico que a impediria de autodeterminar-se” (última linha da pág. 27 e três primeiras linhas da pág. 28);

- tudo isto porque, como se lê na sentença, “a A. não tem que suportar tal invasão da sua esfera jurídica com base no subjectivismo dos RR” (último parágrafo da pág. 27).

Sem prescindir,

A análise cuidada de todos os elementos dos autos mostra bem que a actuação dos Réus se fundou em critérios dignos, em critérios elevados, bem distantes de mesquinhas questões de casta ou de condição social.

De resto, as considerações do Tribunal só se compreendem à luz da segmentação da realidade com que os Réus foram confrontados – e essa realidade foi una, inesperada, surpreendente e chocante.

Com efeito,

É indiscutível que, num plano de normalidade, uma troca abrupta de namorado suscita inquietação aos familiares mais próximos – mas isso, só por si, talvez não justifique dúvidas sobre a sanidade mental da pessoa.

É indiscutível que, num plano de normalidade, passar a viver de imediato com o novo namorado e projectar casar de imediato com ele suscita inquietação aos familiares mais próximos – mas isso, só por si, talvez não justifique dúvidas sobre a sanidade mental da pessoa.

É indiscutível que, num plano de normalidade, deixar de namorar com um médico e passar a namorar com um pastor suscita inquietação aos familiares mais próximos – mas isso, só por si, talvez não justifique dúvidas sobre a sanidade mental da pessoa.

É indiscutível que, num plano de normalidade, deixar de residir num apartamento numa cidade e passar a residir numa casa sem condições de habitabilidade numa aldeia suscita inquietação aos familiares mais próximos – mas isso, só por si, talvez não justifique dúvidas sobre a sanidade mental da pessoa.

É indiscutível que, num plano de normalidade, retirar uma criança de 15 anos de um meio citadino e levá-la para uma aldeia transmontana suscita inquietação aos familiares mais próximos – mas isso, só por si, talvez não justifique dúvidas sobre a sanidade mental da pessoa.

Já será muitíssimo difícil admitir que se encontra no seu juízo perfeito a pessoa que reúne em si e em simultâneo todas as referidas circunstâncias – e a Autora reunia essas circunstâncias.

Essa dúvida, objectivamente fundada, será tanto maior quanto a pessoa em causa já tenha antecedentes de foro psiquiátrico – e a Autora tinha esses antecedentes.

Tal dúvida será reforçada quando a pessoa em causa esteja de relações cortadas com os familiares mais próximos (pais, irmãos e filho mais velho) – e a Autora estava de relações cortadas com o Réus, com os pais e com o filho primogénito.

Tal dúvida será mais reforçada ainda quando os familiares mais próximos da pessoa em causa não tenham conhecimento da evolução da sua doença, em virtude da recusa do respectivo psiquiatra a dar informações a esses familiares – e o psiquiatra da Autora recusou prestar tais informações.

Numa palavra,

Ainda que inadvertidamente, o Tribunal desvirtuou o raciocínio decisório, não só porque optou por segmentar a configuração da realidade com que os Réus foram confrontados, mas também porque, nessa sequência, resolveu isolar um pretenso pré-juízo dos Réus acerca da condição social do C. P. como o motivo central da actuação daqueles – quando é evidente que a motivação dos Réus foi bem outra, mais séria e profunda.

Assim procedendo, o Tribunal obstou a uma compreensão global daquela realidade”.

Aqui chegados, temos que, salvo o muito e devido respeito, não se nos afigura que possa falar-se, na presente situação, quer da inexistência de ilicitude, quer de culpa, na conduta dos Réus, pelas razões que se passarão a expender, sendo que, muito pouco haverá, quanto a estes aspectos, a acrescentar ao que já consta dos fundamentos da decisão recorrida.

Na verdade, como se refere na decisão recorrida, os RR. quando declararam o impedimento dirimente e instauraram o processo de internamento compulsivo (já que quanto à participação junto da CPCJ, não foi tal conduta qualificada como ilícita, nem sequer imprudente), tinham por por finalidade “suspender” o casamento da A. até que que esta fosse submetida a exame a fim de aferir das suas capacidade para interiorizar o acto, tendo sido tal iniciativa justificada com o comportamento anterior da A. que incluía um historial clínico e que a partir de 2007, data em que terão cessado as relações entre os irmãos, a A. apresentava comportamentos similares àqueles que no passado haviam determinado o seu internamento, tal como sejam o afastamento, a agressividade e a crença em práticas relacionadas com a bruxaria, sendo que consideraram estranho que em 2009 a A. tivesse repentinamente posto termo a relação amorosa que mantinha com um médico próximo da família (“pessoa capaz de resfriar os ataques da mesma contra a família”, declarou), e pouco tempo depois, mas na mesma altura, tivesse marcado casamento com C. P., seu actual marido, pessoa que não gozava de boa reputação na localidade e de quem se dizia ser violento, tendo também começado a evidenciar gastos excessivos, pois apurou que apetrechou uma casa de banho com uma banheira de hidromassagem de 1300,00€.

Todavia, mesmo admitindo-se que tenha sido em resultado da associação de todos estes factos que foi provocada a desconfiança nos Réus de que a A. tivesse uma “recaída”, e por desconhecerem outra forma de lidar com a situação, que os Réus optaram por declarar o impedimento e instaurar o processo de internamento compulsivo com a finalidade de a A. ser submetida a exame do foro mental, suspendendo-se o casamento, isso de modo algum é passível de afastar a ilicitude ou a culpa da conduta deles.

Com efeito, como se expende na decisão recorrida, “uma vez que os pressupostos que levaram à declaração do impedimento e instauração do processo de internamento compulsivo não se verificavam, tais actos em si são objectivamente ilícitos. Isto é, no caso em concreto os RR. actuaram com base e indícios que mais tarde se vieram a revelar não conformes com a realidade. Por conseguinte entendemos que constituiria comportamento intolerável sujeitar a A. àquelas acções que levaram a cabo sem indícios sérios para o efeito, pois são sobejamente conhecidos os efeitos gravosos dos meios desencadeados para a A., pelo que se exigia dos RR. o cumprimento de deveres de cuidado antes de dar impulso àquelas acções. E cremos que a violação da prudência devida são nesse caso passíveis de responsabilizar os seus autores ainda que não tenham agido com dolo, pois quem age nessa matéria de forma infundada actua ilicitamente”.

Como aí igualmente se salienta, “o acto ilícito comporta uma delimitação básica de um juízo de antijuridicidade, na medida em que provoca uma reacção desfavorável da ordem jurídica. A respeito do conceito de ilicitude defrontam-se duas orientações ou tendências fundamentais: a corrente objectivista e a corrente subjectivista, sendo que a primeira defende que a antijuridicidade deve conceber-se no plano exterior ou material do facto e a segunda aponta no sentido de que a conduta ilícita é sempre voluntária, ou seja, um acto livre e consciente”, sendo que também se perfilha a corrente que extrai do acto ilícito um juízo de valor de carácter ético-jurídico, daí a lei exigir por regra um juízo de culpa (artigo 483.º, n.º 2, do C.Civil).

Ora, como se conclui nessa mesma decisão, “Sobre todos recai o dever genérico de não praticar os actos que causem prejuízos a outrem, ainda que a invasão da esfera jurídica alheia seja feita com o intuito filantropo de prosseguir interesses do seu titular e não assegurar a tutela de direitos ou interesses do invasor ou de terceiro. Assim cremos que a intervenção dos RR. na esfera jurídica da A., através das descritas condutas, ainda que revestidas de altruísmo, não afastam a responsabilidade pelos danos causados se para tal actuaram com culpa.

E aqui entronca, nesta dimensão, a intensidade da intervenção da vontade porque fundamenta juízos de reprovação mais ou menos severos, ou seja, determina maior ou menor grau de culpabilidade. Na culpa lato sensu podem distinguir-se o dolo (directo – em que o agente actua com intenção de provocar o fim ilícito; necessário em que o agente pretende atingir um fim lícito, mas sabe que a sua acção desencadeará um resultado ilícito; e eventual, em que o agente actua em vista de um fim lícito, mas com a consciência de que pode eventualmente advir do seu acto um resultado ilícito, e quer aquele mesmo que este se produza); ou a mera culpa (consciente, quando o agente previu como provável o resultado ilícito, mas actuou para alcançar um objectivo lícito na esperança de o primeiro se não produzir; ou inconsciente quando o agente não teve consciência que do acto poderia decorrer o resultado ilícito, embora objectivamente este fosse provável e portanto previsível.

E assim sendo, por tudo quanto antecede, somos também de entender que “a conduta dos RR. é enquadrável na mera culpa, na modalidade de inconsciente, e traduz-se relaxamento ou diminuição do esforço de vontade para actuar (objectivamente) licitamente: a A. não tem que suportar tal invasão da sua esfera jurídica com base no subjectivismo dos RR. Na realidade os RR. pretenderam com tais processos apurar se a A. tinha à data autonomia pra reger a sua pessoa. Mas o ponto de partida deveria ser justamente o inverso, ou seja deveriam previamente assegurarem-se, ou pelo menos diligenciarem de forma séria e esforçada, no sentido de apurarem se a A. de facto padecia de patologia do foro psíquico que a impediria de autodeterminar-se.

E mesmo que não conseguissem diligenciar nesse sentido a tempo de impedir a realização do casamento, afigura-se-nos que nas circunstâncias em concreto era ainda possível e exigível outro comportamento dos RR., de onde formulamos a respeito das suas condutas o referido juízo de reprovação”.

E sendo certo “que actuaram representando como possível uma determinada e falsa realidade – a inexistente doença do foro mental da A., mas exigia-se outro dever de diligência para evitar o resultado. No que concerne ao casamento, nada impedia os RR. (que até mais tarde assumiram o seu erro perante a A.), ao invés de agirem de forma precipitada e quanto a nós algo temerária, denunciando um impedimento dirimente de demência notória, impedindo a A. de casar na data aprazada, com as consequências pessoais para os direitos desta, que suscitassem em acção própria a anulação do casamento da A. caso concluíssem mais tarde de forma segura que o mesmo havia sido contraído com um impedimento dirimente, sendo que para tal estariam até investidos de legitimidade processual (cfr. artigo 1631.º alínea a) e 1639.º, n.º 1, do C.Civil). Deste modo poderiam e deveriam evitar o erro que cometeram e submeterem a A. ao descrito sofrimento.

O mesmo se diga em relação à instauração do processo de internamento contra a A. com base em meras suspeitas, e no mesmo quadro de precipitação dos RR., embora em relação a esta matéria cremos que a A. não tinha que temer as consequências jurídico-processuais se tivesse segura do insucesso da acção. Mas também aqui não podemos deixar de assacar à conduta dos RR. alguma precipitação, pese embora pelo modo como foi feita a participação, não nos parece que segundo as circunstâncias, tal conduta transferiu para o campo da ilicitude”.

E assim sendo, com estes fundamentos, entendemos que os RR., embora com mera culpa, agiram ilicitamente e com a sua conduta culposa causaram os danos supra referidos.

Quanto a estes danos, preceitua o artigo 496, nº 1, do Código Civil, que na fixação da indemnização devem atender-se os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.

A indemnização deste tipo de danos não visa propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado, mas antes oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido, (18) havendo ainda que ter presente, como já salientamos, que na determinação da indemnização destes danos há que ter em consideração o critério limitador estabelecido pelo art. 496.º, n.º 1 do CC, ao prescrever que: “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito”.

Deste modo cabe ao julgador realizar um juízo de ponderação, tendo presente que a doutrina e jurisprudência já entenderam que só são susceptíveis de serem ressarcidos os danos não patrimoniais que “espelhem uma dor, angustia ou sofrimento inexigível em termos de resignação”. (19)

Os danos não patrimoniais relevantes são merecedores da tutela do direito, quer se opte pela formulação negativa - que inclui nesta categoria todos aqueles que não atingem os bens materiais do sujeito passivo ou que de qualquer modo não alterem a sua situação patrimonial, (20) quer pela formulação positiva, segundo a qual o dano não patrimonial ou moral tem por objecto um bem ou interesse sem conteúdo patrimonial, insusceptível, em rigor, de avaliação pecuniária.

A indemnização atribuída por danos de natureza não patrimonial respeita apenas aos danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, como é o caso da ofensa dos direitos à integridade física, saúde e qualidade de vida, entre outros - já se escrevia no Acórdão do STJ de 12.7.1988, que os danos não patrimoniais indemnizáveis devem ser seleccionados com extremo rigor, devendo atender-se apenas aos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

A gravidade mede-se por um padrão objectivo, conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias concretas. (21)

Escreve-se no Acórdão da Relação de Coimbra, de 21.3.2013, que, “na impossibilidade de concretizar um critério geral, porque nesta matéria o casuísmo é infindável, apenas importa acentuar que danos consequentes a lesões a direitos de personalidade devem ser considerados mais graves do que os resultantes de violação de direitos referidos a coisas”. (22)

Conforme prescrevem os art.s 494.º, 496.º e 566.º, n.º 3 do CC, o montante da compensação pelos danos não patrimoniais deve ser calculado, em qualquer caso - dolo, ou mera culpa do lesante -, segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à situação económica deste e às demais circunstâncias do caso que o justifiquem.

Atente-se, porque de particular interesse, em duas passagens, uma doutrinal outra jurisprudencial, que bem balizam o campo em que o julgador se deve mover na atribuição e ponderação do quantum indemnizatório a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais.

No Ac. STJ de 16-12-93, in CJ, S., A1, T3, p. 181, pode ler-se “A indemnização por danos não patrimoniais deve ser correcta, e a compensação por danos não patrimoniais deve tender, efectivamente, a viabilizar um lenitivo ao lesado, já que tirar-lhe o mal que lhe foi causado, isso, neste âmbito, já ninguém e nada consegue! Mas - “et por cause” - a compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico.”

No CC. Anot. de P. Lima e A. Varela, I.º Vol., p. 499, pode ler-se: “A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo, e não à luz de factores subjectivos - de uma sensibilidade particularmente embotado ou especialmente requintada”.

E se é para nós incontroverso que a A. não tem que suportar a invasão da sua esfera jurídica com base no subjectivismo dos RR., que apenas pretenderam com tais processos apurar se a A. tinha à data autonomia para reger a sua pessoa, o reconhecimento de que os Réus se deveriam previamente ter assegurado, ou pelo menos, diligenciado de forma séria e esforçada, no sentido de apurarem se a A. de facto padecia de patologia do foro psíquico que a impediria de autodeterminar-se, assenta precisamente nas inequívocas decorrências, desde logo, estigmatizantes da sua imagem e dignidade pessoais, que, notoriamente, para a A. dessa conduta decorreram, sendo por isso incontroversa a gravidade dos danos morais provocados e, consequentemente, a sua relevância jurídica ou ressarcibilidade.

Improcede, assim, e na íntegra a presente apelação.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos Recorrentes.


Guimarães, 19/10/2017.

Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.


Jorge Alberto Martins Teixeira

José Fernando Cardoso Amaral.

Helena Gomes de Melo.

1. Cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol., 2ª edição revista e ampliada, p. 254.

2. Cfr. o Ac. do S.T.J. de 3/10/2002, in C.J., Acórdãos do S.T.J., Ano X, Tomo III, p. 185 e ss..

3. Cfr. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 348.

4. Cfr. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 19.

5. Cfr. o Acórdão do S.T.J. de 7/07/2009, in www.dgsi.pt/jstj, e os Acórdãos da Relação do Porto, de 05/05/2008 e de 12/11/2008 e de 20/10/2009, in www.dgsi.pt.

6. Cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol., 2ª edição pp. 263 e 264, e os Ac. R. Porto de 5/05/2003 e de 7/12/2006, ambos no sítio www.dgsi.pt.

7. Cfr. o citado Ac. S.T.J. de 7/07/2009.

8. Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, p. 147.

9. Cfr. o acórdão do STJ de 16.03.2011 (processo nº 263/1999.P1.S1), disponível em www.dgsi.pt.

10. Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 3/12/2015, proferido no processo nº 2002/12.5TBBCL.G1.

11. Para além dessas razões, tem igualmente sido apresentado como fundamento justificativo do cumprimento dessa imposição a necessidade de o recorrente motivar, fundadamente, o seu recurso, visando evitar, também por essa via, o uso abusivo e injustificado da faculdade de impugnar a decisão relativa à matéria de facto.

12. Cfr., neste sentido, acórdão desta Relação de 29.09.2014 (processo nº 81001/13.0YIPRT) e acórdãos da Relação de Coimbra de 6.12.2012 (processo nº 169487/08.3YIPRT-A), de 17.12.2014 (processo nº 6213/08.TBLRA) e de 10.02.2015 (processo nº 2466/11.4TBFIG), todos disponíveis em www.dgsi.pt, escrevendo-se neste último que “o sistema atual de registo de prova é o que minimiza, por comparação com a leitura, fria e inexpressiva da transcrição, os inconvenientes da assunção, pelo tribunal de recurso, dessa prova, sem a atuação, em toda a sua extensão, dos princípios da oralidade e da imediação. E são estes princípios que saem otimizados através da interpretação de harmonia com o qual o indicado ónus de impugnação do recorrente se cumpre com a indicação precisa das passagens da gravação e não através da transcrição, integral ou não, da prova produzida oralmente na audiência”.

13. Prolatado no processo nº 272733/11.1YIPRT, disponível em www.dgsi.pt.

14. Cfr., por todos, ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, pág. 134 e AMÂNCIO FERREIRA, Manual de recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 170; LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, pág. 585 e LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 2ª edição, pág. 62. Sobre esta temática, ainda que no domínio da jurisdição penal, o Tribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se (v.g. acórdão nº 259/2002, publicado no Diário da República, II série, de 13.12.2002), decidindo pela compatibilidade constitucional de uma solução legislativa segundo a qual a falta de cumprimento dos ónus que impendem sobre o recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto tem como efeito o não conhecimento dessa matéria e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir esses vícios.

15. Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 17/12/2014, proferido no processo nº 6213/08.0TBLRA.C1, in www.dgsi.pt.

16. Cfr. A.. Varela, Dtº das Obrigações, 4ª edição, pág. 472.

17. Cfr. A. Varela, ob. cit., pág. 485.

18. cfr. A. Varela, in Das Obrigações em Geral, I.º Vol., p. 560; Rui Alarcão, in Direito da Obrigações, p. 270 -,

19. Cfr. Ac. RC de 12-6-79, In CJ, T3, p. 892 -.

20. Cfr. De Cupis, II Danno, Teoria Generale della Responsabilitá Civile, I, 2.ª Ed., Milano, 1966, p. 44 e ss., citado entre outros por Dario Martins de Almeida, in Obr. Cit., p. 82 e ss., e Vaz Serra, in BMJ 84.º/12 em nota -

21. Neste preciso sentido, A. Varela, Obrigações, pág. 428 -.

22. Cfr Acórdão da Relação de Coimbra, em Acórdão de 21.3.2013, in www.dgsi.pt.