Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | ROSÁLIA CUNHA | ||
| Descritores: | PROCESSO DE MAIOR ACOMPANHADO SEGUNDA PERÍCIA REVISÃO DA MEDIDA DE ACOMPANHAMENTO PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA VONTADE DO BENEFICIÁRIO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 11/04/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I - Como processo especial que é, o processo de maior acompanhado (bem como o incidente de modificação das medidas de acompanhamento) rege-se: a) pelas disposições que lhe são próprias, constantes dos arts. 891º a 904º do CPC; b) pelas disposições dos processos de jurisdição voluntária constantes dos arts. 986º a 988º do CPC no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes (por via da remissão do art. 891º, nº 1 do CPC); c) pelas disposições gerais e comuns (art. 549º, nº 1 do CPC). II - Tendo o relatório pericial sido notificado à beneficiária, na pessoa da sua defensora oficiosa, constando do mesmo que o exame foi realizado na presença da acompanhante e não tendo a beneficiária reclamado ou requerido a realização de segunda perícia, como lhe era permitido nos termos dos arts. 485º e 487º do CPC, ficou precludido o direito de reagir contra o exame pericial, não existindo fundamento legal para, em sede de recurso, vir requer a realização de segunda perícia, sem a presença da acompanhante, invocando que essa presença a constrangiu e influenciou o resultado do exame. III - A parte que impugna a matéria de facto tem de cumprir os ónus de impugnação previstos no art. 640º do CPC. A consequência para o incumprimento desses ónus é a imediata rejeição do recurso na parte afetada, não admitindo a lei despacho de aperfeiçoamento sobre esta questão (art. 640º, nº 2, al. a), do CPC). IV - A parte que não indica, nem nas conclusões, nem na motivação, a decisão de facto que deve ser proferida quanto aos factos que impugnou e se limita a indicar a decisão jurídica que pretende que seja proferida, não cumpre o ónus da al. c) do nº 1 do art. 640º do CPC, tendo o recurso que ser rejeitado de imediato no que concerne à impugnação da matéria de facto. V- No novo paradigma do regime do maior acompanhado, assente nos princípios da adequação, da proporcionalidade, da subsidiariedade, da necessidade e da dignidade da pessoa humana, abandona-se a adoção de medidas generalistas, rígidas, tipificadas, inflexíveis, aplicáveis indistintamente a todos os beneficiários, e privilegia-se a adoção de soluções individualizadas, adaptadas às especificidades e necessidades da concreta pessoa que delas irá beneficiar, dando primazia à criação de uma “solução à sua medida” a qual deve respeitar a sua vontade e autodeterminação, deve limitar-se ao necessário e contribuir para alcançar o objetivo do acompanhamento que é o de assegurar o bem-estar, a recuperação e o pleno exercício da capacidade de agir. VI - Pese embora o princípio da primazia da vontade da beneficiária, no presente caso essa vontade não pode prevalecer porquanto se considera que não se está perante uma vontade livre e esclarecida, mas antes perante uma vontade que se encontra viciada pela patologia que afeta a beneficiária e que a torna sugestionável, manipulável e vulnerável à ocorrência de situações abusivas de exploração da sua pessoa, quer a nível material, físico ou psicoemocional. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: RELATÓRIO Em 9 de abril de 2024 foi proferida sentença no processo principal, já transitada em julgado, que determinou que AA fosse acompanhada por BB e lhe aplicou várias medidas de representação especial e de administração total de bens. Determinou-se que os presentes autos prosseguissem com vista a manter ou alterar as medidas de acompanhamento decretadas a favor da beneficiária AA (cf. despacho de 20.12.2024, ref. Citius 194111927). Procedeu-se à audição da beneficiária, da acompanhante e de CC (cf. auto de 26.11.2024). Foi determinada a realização de perícia de psiquiatria forense, cujo relatório foi junto aos autos em 27.24.2025 e aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual consta que a beneficiária compareceu ao exame acompanhada de BB. Por despacho de 30.4.2025 (ref. Citius 196300095) determinou-se que o relatório pericial fosse notificado à acompanhante e à acompanhada para, querendo, se pronunciarem quanto a eventuais diligências de prova que considerassem necessárias e/ou quanto à eventual necessidade de alteração das medidas de acompanhamento anteriormente decretadas, notificação que teve lugar em 2.5.2025 e com a qual foi remetida cópia do despacho. A beneficiária nada requereu na sequência da notificação que lhe foi feita na pessoa da sua defensora oficiosa. Realizadas diversas diligências probatórias, foi, a final, proferida sentença com o seguinte teor decisório: “1. Nos termos e com os fundamentos supra referidos procede-se à revisão das medidas de acompanhamento decretadas e, em consequência, determina-se a manutenção do acompanhamento da Beneficiária AA, mantendo-se a designação do cargo de acompanhante a de BB. 2. Além do mais, nos termos e com os fundamentos exposto, determina-se a alteração das medidas de acompanhamento anteriormente decretadas e, dessa forma, incumbirá à acompanhante o exercício das seguintes medidas de acompanhamento: a) representação geral e administração total de bens e dos negócios da vida corrente. b) Determina-se, igualmente, a limitação de todos os direitos pessoais * Determina-se ainda que nos termos do já referido artigo 155º do Código Civil se procederá à revisão periódica das medidas de acompanhamento no prazo de 5 (cinco) anos a contar da presente data.* Sem custas, atenta a isenção prevista no artigo 4º, nº 2 h) do Regulamento das Custas Processuais.* Valor do incidente:O mesmo da ação: 30.000,01€ (trinta mil euros e um cêntimo)- cfr. artigo 304.º,n.º 1 do Código de Processo Civil.” * A beneficiária AA não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:“I) No que respeita à Impugnação da decisão respeitante à matéria de facto a Recorrente considera os factos provados em 7 a 18 da matéria de facto incorretamente julgados, porquanto resultaram da análise e valoração do relatório pericial elaborado em 18/03/2025. II- Decorre do relatório pericial que a Acompanhante esteve presente durante a realização do relatório pericial de psiquiatria forense, porquanto, consta dos dados biográficos que “...diz que depois foi para ... viver com a sua tia aqui presente e só esteve em ... dois meses por “não me dar lá”..., no que respeita ao exame do estado mental e capacidade funcional, consta que a examinada “Tem uma postura displicente e algo opositiva, sobretudo adotando uma atitude hostil para com a tia que a acompanha”.... III- O exame pericial de psiquiatria forense devia ter sido realizado à Acompanhada sem a presença da Acompanhante, por não ter a mesma dificuldades na comunicação e de acordo com o relatório pericial “tem um discurso pouco fluente e pobre, mas coerente, com muitas ligeiras alterações fonético-fonológicas...”, “mostra ser capaz de interpretar a realidade primária ao seu redor, bem como demonstra entender bem o que se lhe pergunta em termos concretos, ouvir e ver suficientemente bem...”. IV- Acresce que, consta do parágrafo quinto da quarta página do relatório social de 10/02/2025, que “É evidente a situação de conflito existente entre tia e sobrinha, e desta (tia) com o Sr. CC, por não aprovar esta relação. O casal relata episódios de instabilidade e mal estar devido à hostilidade, manipulação, privação dos bens e desrespeito da vontade expressa da sobrinha com o intuito de os separar” V- Ainda no ponto 7 do referido relatório social, “as funções de Acompanhante para as quais a D.BB foi nomeada não nos parecem estar a ser integralmente cumpridas, uma vez que, a mesma persiste em não ouvir a opinião da D. AA em relação aos aspetos da sua vida diária. Na sentença proferida no âmbito do processo de maior acompanhado, foi referido que a D. AA preserva a capacidade de exprimir opiniões válidas sobre os assuntos correntes da sua vida pessoal, como por exemplo, decidir sobre a sua roupa, a comida, onde passear, com quem se relacionar, ir ao café, supermercado, entre outras situações. Ora, sobre estes aspetos, a pessoa indigitada como acompanhante “parece” persistir em não ouvir a opinião da acompanhada e não respeitar as suas decisões, aspetos essenciais à sua vida corrente e de acordo com a sua capacidade psíquica, não estando a zelar pelos interesses e bem estar da jovem, como legalmente determinado.”...é em relação à gestão do património da AA que os conflitos mais se agudizam... Uma das questões que recorrentemente tem gerado mais conflitos entre a acompanhante e a acompanhada é o valor que a AA recebe para comprar a alimentação e outros gastos necessários ao seu dia a dia...percebe-se nesta questão a pressão criada pela ti, de forma a não facilitar a relação com o Sr. CC... VI- Perante o teor do referido relatório do exame pericial juntamente com o relatório social, a presença da Acompanhante na execução do relatório pericial, em 18/03/2025, constrangiu e condicionou o comportamento da Acompanhada, devido aos conflitos existentes, mas também por a Acompanhante não fomentar a independência e autonomia da Acompanhada, procurando manipular a sua relação com o companheiro que se prolonga há mais de dois anos e controlar os seus comportamentos . VII- Assim, salvo o devido respeito por douto entendimento contrário, deverá ser realizado um novo exame pericial na ausência da Acompanhante. VIII- A Recorrente entende, salvo o devido respeito por douto entendimento contrário, e conforme exporá de seguida, resultar provado do Relatório Social realizado em 10/02/2025 pela Fundação ... que acompanha a recorrente e o companheiro, do documento de 06/06/2025 elaborado pela referida Fundação, bem como do despacho do douto Magistrado do Ministério Público, promoção de 27/06/2025, que devia ter sido mantido o regime de maior acompanhado e as medidas de acompanhamento decretadas na douta sentença proferida em 09/04/2024. IX- Do Relatório Social realizado em 10/02/2025 pela Fundação ..., consta que “...o casal recorreu ao serviço de atendimento e acompanhamento social do município em Setembro de 2023 para pedir apoio e orientação em diversos níveis da vida diária”, bem como “ o Sr CC procura manter Largo ... ... ... apaziguando as desavenças familiares. Manifesta um laço afetivo com a AA adequado à relação e dinâmica própria deste casal, com especificidades inerentes à sua condição de saúde e perceção da vida em família.” X- Por outro lado, do enquadramento sócio familiar e/ou rede de suporte informal ou formal do referido relatório, consta que a Acompanhada reside com o companheiro numa habitação arrendada, com uma boa rede de vizinhança e de serviços de proximidade, que a comunidade envolvente os acolheu, permitindo uma rede razoável de suporte informal, que há uma vizinha que os auxilia em termos de bens alimentares e chama o companheiro a fim de executar trabalhos agrícolas. XII- Na rede de suporte formal, o casal tem o acompanhamento do SAAS do Município-Protocolo com a Fundação ... em ..., situado na freguesia ..., bem como com o apoio do SAD-Serviço de Apoio Domiciliário do Centro Social e Paroquial de ..., apenas para a Acompanhada. XIII- Ademais, no ponto 7) do referido relatório consta que a Acompanhante persiste em não ouvir a opinião da Acompanhada em relação aos aspetos da vida diária, designadamente decidir sobre a roupa, comida, onde passear, com quem se relacionar, ir ao café ou ao supermercado e não respeita as suas decisões, nos aspetos essenciais da sua vida corrente e de acordo com a sua capacidade psíquica, não estando a zelar pelos interesses e bem estar da jovem. XIV- A conclusão/parecer do referido relatório é no sentido de uma possível alteração do valor a dar mensalmente à AA, de modo a não ficar sujeita às vontades da Acompanhante, devido à pressão criada por esta, de modo a não facilitar a relação com o Sr. CC. XV- O relatório conclui que o Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social do Município ... (SAAS), continuará a prestar todo o apoio necessário à Acompanhada e ao Sr CC. Nesse sentido será elaborado um acordo de ação social que incluam medidas de emporwerment para o casal, de forma a gradualmente necessitarem cada vez menos do apoio de terceiros. O SAAS também irá estar atento à relação existente entre acompanhada e acompanhante e reportará ao Ministério Público alguma situação que o justifique. XVI- De facto, a Acompanhante não colabora em medidas que promovam a independência e autonomia da Acompanhada, conforme resulta do relatório social elaborado em 06/06/2025, junto aos autos, onde consta que “...vimos por este meio informar, que as ações de empowerment previstas para a D. AA ainda não tinham sido iniciadas, uma vez que, a sua acompanhante não mostrava vontade de assinar qualquer acordo na intervenção social ou de apoio, enquanto a sua sobrinha vivesse com o seu companheiro atual. Uma vez que esta é a sua representante legal, os serviços não puderam dar seguimento ao previsto e referido no relatório social enviado para o Ministério Público a 11/02/2025...Assim, somos a informar que a partir desta data, a beneficiária vai iniciar ações de empoderamento, que visam a sua capacitação pessoal e social, promovendo a sua participação ativa em decisões e na vida social. Estas ações foram contratualizadas com a jovem, a tia BB e os Serviços, através de um Acordo de Intervenção Social (AIS)”, este acordo também se encontra junto aos autos. XVII- Por último, foi entendimento da digna Magistrada do Ministério Público, em 27/06/2025, “Por todo o exposto e por se verificar que, ainda, que se mantêm os pressupostos de facto e de direito que estiveram na base sentença proferida nestes autos em 09.04.2024, promovo se mantenha o regime de maior acompanhado e as medidas ali indicadas quanto à acompanhada AA, mais promovo se mantenha a acompanhante designada, nos termos do disposto no artigo 155.º, do Código Civil.” XVIII- A decisão que, no seu entendimento deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas consiste em manter o regime de maior acompanhado e as medidas especiais de acompanhamento decretadas na douta sentença proferida em 09/04/2024 e transitada em julgado em 30/04/2024, ao invés das medidas de representação geral e administração total de bens e dos negócios da vida corrente e a limitação de todos os direitos pessoais. XIX- Por último no que respeita à Impugnação da decisão sobre matéria de direito, o regime atual dos Maiores Acompanhados, consagra o princípio da capacidade do maior acompanhado, da menor restrição possível do exercício dos seus direitos e o princípio da adaptação do conteúdo das medidas de acompanhamento às circunstâncias do caso concreto, nos termos do disposto nos artigos 140º, 145º, n.º1 e n.º2 e o artigo 147.º , todos do Código Civil; a Recorrente entende, salvo o devido respeito por douto entendimento contrário, terem sido violadas as normas referidas. XX- As condições de saúde da beneficiária descritas no relatório pericial realizado em 18/03/2025 são semelhantes às condições constatadas no exame pericial realizado no processo principal, em 23/01/2024. XXI-A Acompanhada é uma pessoa jovem, não coexiste incapacidade funcional física, a sua situação pode vir a ser minimizada com integração da Acompanhada em programa de treino e aquisição de competências sociais e profissionais adequadas ao seu nível intelectual e de autonomia física, conforme consta do relatório pericial. XXII- Acresce que a Acompanhada e o seu companheiro procuraram apoio no Serviço de Atendimento e acompanhamento Social do Município em Setembro de 2023 e está a ser seguida pela Fundação .... XXIII- A Acompanhada aceitou de bom grado as ações propostas no âmbito da celebração do acordo de intervenção social realizado em 06/06/2025, que apenas se iniciou nesta data por falta de colaboração da Acompanhante. XXIV- As ações a desenvolver no referido acordo de intervenção social consistem em facilitar o acesso a direitos sociais, promover/desenvolver competências pessoais e sociais e promover o desenvolvimento interpessoal no quotidiano no período compreendido entre 06/06/2025 e 06/06/2026. XXV- Ademais, com o acompanhamento do Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social do Município ..., aceitou o acompanhamento para cuidados de saúde. XXVI- Por sua vez, o companheiro da Acompanhante, tem o auxílio da mãe, aufere uma pensão no valor de 867,00€ (oitocentos e sessenta e sete euros) a título de prestação social para a inclusão da Segurança Social e não tem antecedentes criminais. XXVII- Por todo o exposto, a Recorrente entende, salvo o devido respeito por douto entendimento contrário, que o Tribunal a quo violou o artigo 145º, 146º, n.º1, 147º, todos do Código Civil, porquanto o acompanhamento se deve cingir ao necessário, a acompanhante não privilegia o bem estar e a recuperação da Acompanhada por não colaborar e fomentar atividade destinadas ao desenvolvimento e autonomia da Acompanhada, além de não auxiliar e entregar as quantias para as necessidades quotidianas da Acompanhada, previstas na douta sentença proferida em 09/04/2024, o que decorre das declarações prestadas em sede de audiência. XXVIII- Nestes termos, deviam manter-se as medidas de acompanhamento especiais e o regime de acompanhamento decretadas na sentença proferida em 09/04/2024 e transitada em julgado em 30/04/2024.” * O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:“1. Inconformada com a decisão aplicada, veio a beneficiária interpor o presente recurso, que impugna a decisão no que concerne à matéria de facto e à matéria de direito. 2. O Ministério Público adere, na íntegra, à posição assumida pelo Tribunal a quo e respetiva fundamentação. 3. Salvo o devido respeito pelo alegado, tendo em conta o teor da perícia realizada à beneficiária, bem andou o Tribunal a quo, ao determinar a alteração da medida anteriormente decretada, e aplicar a medida de representação geral e administração total de bens. 4. Do relatório pericial realizado em 18/03/2025, resulta, além do mais que a beneficiária “(…) Do ponto de vista volitivo e do controlo dos impulsos é muito imatura e instável e reage de forma passivo-agressiva, (…) não sendo capaz de avaliar as reais intenções das pessoas que a rodeiam e não tendo capacidade para tomar decisões esclarecidas acerca da sua pessoa, de assegurar o seu bem-estar e a defesa dos seus interesses pessoais e patrimoniais” e que a mesma “(…) apresenta perturbação do desenvolvimento intelectual de nível moderado, de características congénitas associada a perturbação do controle das emoções e dos impulsos. (…) A sua baixa dotação intelectual e traços de personalidade, tornam-na facilmente sugestionável e manipulável, conferindo-lhe vulnerabilidade para a ocorrência de situações abusivas de exploração da sua pessoa,quer a nível material, físico ou psicoemocional.” 5. A beneficiária alega que a presença da Acompanhante na execução do relatório pericial, constrangeu e condicionou o comportamento da Acompanhada, devido aos conflitos existentes, todavia, tal avaliação é efetuada por peritos médicos, tendo sido, no caso, realizada entrevista e exame do estado mental direto à beneficiária, motivo pelo qual nenhum elemento existe nos autos que possa colocar em crise a perícia efetuada. 6. Não obstante o teor do relatório social junto aos autos, do qual se constata que a beneficiária e o seu companheiro têm apoio formal por parte dos serviços municipais (SAAS) bem como da Fundação ... e do SAD, tal não é suficiente para assegurar as necessidades diárias da beneficiária. 7. O relatório pericial é claro ao concluir que a beneficiária não é capaz de avaliar as reais intenções das pessoas que a rodeiam, não tem capacidade para tomar decisões esclarecidas acerca da sua pessoa, de assegurar o seu bem-estar e a defesa dos seus interesses pessoais e patrimoniais, e que sua baixa dotação intelectual e traços de personalidade, tornam-na facilmente sugestionável e manipulável, conferindo-lhe vulnerabilidade para a ocorrência de situações abusivas de exploração da sua pessoa, quer a nível material, físico ou psicoemocional. 8. A partir daqui, há vários aspetos que se podem ter como justificados, nomeadamente, a preocupação por parte da acompanhante em garantir que a mesma não é manipulada ou influenciada de forma negativa, e que, consequentemente, despoleta uma situação de conflito entre ambas, uma vez que a relação com CC (em conjugação com as referidas limitações da beneficiária), tem dificultado a execução do acompanhamento. 9. Como tal, a sentença proferida encontra-se bem fundamentada, sendo correta, justa e equilibrada a medida aplicada, uma vez que tal pena respeita o critério legal da sua determinação, não merecendo a censura que lhe é feita pela recorrente.” * O recurso foi admitido na 1ª instância como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito suspensivo, não tendo sido objeto de alteração neste Tribunal da Relação.* Foram colhidos os vistos legais.OBJETO DO RECURSO Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações do recorrente, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso. Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras. Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes. Neste enquadramento, as questões relevantes a decidir, elencadas por ordem de precedência lógico-jurídica, são as seguintes: I – saber se existe fundamento legal para ordenar a realização de uma segunda perícia à beneficiária; II – saber se a matéria de facto deve ser alterada; III – saber se devem ser mantidas as medidas de acompanhamento decretadas na sentença proferida em 9.4.2024. FUNDAMENTAÇÃO FUNDAMENTOS DE FACTO Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos, que aqui se transcrevem nos seus exatos termos: 1. A Beneficiária AA nasceu em ../../2000 é filha de DD, inexistindo a menção da identificação do pai e dos avós paternos. 2. Em 09 de abril de 2024 veio a ser proferida a sentença, a qual determinou o acompanhamento de AA. 3. Na aludida sentença deu-se como provados os seguintes factos: “1.Consta, do assento de nascimento n.º ...74, do ano de 2008, da Conservatório do Registo Civil ..., as menções de que AA nasceu no dia ../../2000, de que é sua mãe DD, seus avós maternos EE e FF, e que é natural da freguesia ..., concelho ..., inexistindo menção quanto pai e avós paternos. 2.AA cresceu em agregado familiar composto pelos avós, mãe, tia e prima, tendo frequentado a escola e beneficiado de ensino especial, dizendo que deixou de a frequentar aos 28 anos e completado o 10.º ano, sendo que nunca exerceu actividade profissional. 3.AA foi criada pelos seus avós, porquanto a sua mãe era surda-muda. 4.AA passou a ser acompanhada pela tia BB quando perfez 17 anos, tendo ido com esta para ..., em virtude de mau comportamento escolar e incapacidade da sua avó cuidar dela, regressando a ..., Portugal em data não concretamente apurada. 5.Em dia não concretamente apurada, mas no mês Fevereiro de 2023 e em visita ao avô de AA, em ..., esta evadiu de casa com CC, com quem havia encetado relação amorosa, que se havia despoletado através via rede social Facebook. 6. No seguimento do referido no ponto 5 dos factos provados, AA foi viver com CC, na casa de irmã e cunhado e, por complicações com estes, mudaram-se para a casa dos pais daquele, tudo em ..., concelho .... 7.AA, ao efectuar o descrito no ponto no ponto 6 dos factos provados, saiu de casa sem dizer nada a ninguém, tendo levado consigo apenas um remédio na sua bolsa e a roupa que tinha vestido, não se fazendo acompanhar de documentação pessoal. 8.A 08 de Setembro de 2023, AA e CC, por a irmã e pais deste não gostarem daquela e após internamento no Hospital ..., regressaram arrendar casa, sita no Lugar ..., freguesia ..., mormente, na Rua ... , ... ..., pela qual pagam o valor de 300,00 € (trezentos euros) mensais e 40,00 € (quarenta euros) pelo fornecimento de electricidade, tudo ao proprietário da habitação. 9.AA e CC recebem o apoio de BB e de GG, que lhes entregam cerca de 200,00 € (duzentos euros) a 300,00 € (trezentos euros) mensais, a fim daquela fazer face às despesas. 10.AA, em data não concretamente apurada, mas após mudar de residência nos termos referidos no ponto 8 dos factos provados, já teve de pedir ajuda económica aos tios BB e de GG por não ter dinheiro para comprar de comer. 11.AA e CC são donos de um cavalo e três cães. 12.AA aufere apoios sociais pagos pela Segurança Social, I.P., mormente um componente base da prestação social para a inclusão, no valor de 298,42 € (duzentos e noventa e oito euros e quarenta e dois cêntimos) mensais, e um complemento da prestação social para a inclusão, no valor mensal de 379,60 € (trezentos e setenta e nove euros e sessenta cêntimos). 13.Apesar do referido no ponto 9 dos factos provados, AA e CC consideram que os rendimentos da primeira são suficientes para fazer face às despesas diárias. 14.AA e CC pretendem, no futuro, mudar de residência, arrendando ou comprando casa, por a presente não ter condições, visto chover na cozinha, quarto e corredor, bem como intencionam casar e ter filhos. 15.AA sabe que toma medicação para a epilepsia, não sendo capaz de o nomear, sendo que tem consciência de que o tem de tomar de manhã e a noite. 16.A 23 de Janeiro de 2024, AA apresentava-se nas condições físicas, sociais, intelectuais e de saúde seguintes: 16.1. capaz de compreender a perícia realizada no âmbito do exame pericial determinado nos presentes autos; 16.2. apresenta idade aparente correspondente à real; 16.3. marcha autónoma; 16.4. postura pueril, com aspecto investido e cuidado; 16.5. capaz de contacto ocular, sendo a atenção captável e mantida; 16.6. orientada no espaço e no tempo; 16.7. discurso espontâneo e coerente, pobre em conteúdo; 16.8. capaz de cumpre ordens simples, mas incapaz de pensamento abstracto; 16.9. comportamento adequado, sem manifestações de heteroagressividade; 16.10. considera não necessitar de ajuda de terceiros; 16.11. capaz de ver as horas, ler, escrever e realizar cálculos simples, dizendo que 5 a dividir por 5 é igual a um e que 50 mais 20 são 70; 16.12. não tem capacidade para realizar contas de multiplicar, não sabendo responder a quatro vezes cinco; 16.13. conhece o valor facial e relativo do dinheiro; 16.14. capaz de elencar valor de bens essenciais e outros, tais como o valor por um café, que diz ser cerca de 0,80 € (oitenta cêntimos), ou uma refeição diária, que diz ser de cerca de 7,00 € (sete euros); 16.15. não é capaz de responder ao problema de qual o troco de uma refeição diária de 7,00 € (sete euros) se paga com uma nota de 10,00 € (dez euros); 16.16. diz que o casamento “é fazer a vida”, “fazer uma festa”, “aqui ou ...”, que se faz “nas finanças”; 16.17. refere não desejar ter filhos no presente, porquanto considera que a sua casa não tem condições e o CC não trabalha; 16.18. considera que para se adquirir ou comprar uma casa tem de ir à Segurança Social; 16.19. sabe que é a Segurança Social que lhe paga uma pensão, que diz ser de cerca de 700,00 € (setecentos) euros; 16.20. considera que para arrendar uma casa é preciso ligar, pagar e receber a chave, bem como tem de assinar o “papel da caução” e a casa; 16.21. não sabe como fazer para efectuar a compra de uma casa, dizendo que ia à Segurança Social, I.P. para o fazer; 16.22. é capaz de comer sozinha, realizar cuidados de higiene pessoal e de banho, usando a casa de banho autonomamente; 16.23. sabe usar o telemóvel; 16.24. não sabe utilizar transportes públicos sem ajuda; 16.25. não sabe levantar dinheiro de multibanco sem ajuda; 16.26. realiza tarefas domésticas; 16.27.faz compras de bens essenciais do quotidiano e é capaz de confeccionar refeições; 17.Face às circunstâncias, sintomas e maleitas descritas nos pontos 2 a 20 (incluindo subpontos) dos factos provados, a AA foi diagnosticada uma situação de perturbação do desenvolvimento intelectual (6A00.1 da Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde - CID-11). 18.AA, em virtude das patologias referidas no ponto 17 dos factos provados, tem prejudicada a sua capacidade no relacionamento social, exteriorizando imaturidade, impulsividade e dificuldade na tomada de decisões, sendo a sua vontade maleável por terceiros. 19. Para a patologia referida no ponto 17 dos factos provados não há, à luz do conhecimento científico actual, tratamento totalmente reversível, todavia o mesmo é passível de evolução pontual positiva. 20.As patologias que afectam as capacidades de AA encontram-se presentes na sua pessoa desde a sua infância. 21.AA não consta dos registos da Autoridade Tributária e Aduaneira como sendo sujeita passiva de IMI e IUC. 22.AA não outorgou testamento vital ou procuração para cuidados de saúde. 23.Consta, do assento de nascimento n.º ...81, do ano de 2011, da Conservatória do Registo Civil ..., as menções de que BB nasceu no dia ../../1960, que é seu pai EE, que é sua mãe EE e, ainda, que é natural da freguesia ..., do concelho .... 24.Consta do averbamento n.º 1, do assento de nascimento n.º ...81, do ano de 2011, da Conservatória do Registo Civil ..., as menções de que BB casou com GG, sendo o assento de casamento o n.º 446/1960, lavrado em 25 de Julho de 1960. 25.CC completou o 4.º ano de escolaridade, com 13 anos de idade, mas não aprendeu a ler ou escrever, não sendo capaz de enunciar a sua morada. 26.CC está diagnosticado como padecendo de epilepsia e de atraso mental moderado. 27.CC pensa auferir cerca de 170,00 € (cento esetenta euros) mensais e que a AA recebe mais de 700,00 € (setecentos euros) mensais.” 4. A acompanhante BB contratou com o Centro Social e Paroquial de ... a prestação a AA, nos dias úteis, feriados e ao fim de semana dos seguintes serviços: “Confecção, transporte e/ou distribuição de refeições; cuidados de higiene e de conforto pessoal, tratamento de roupas, arrumação e pequenas limpezas no domicilio” 5. BB não tem antecedentes criminais. 6. CC não tem antecedentes criminais. 7. A acompanhada AA compareceu à perícia médico legal realizada em 18.03.2025 no Gabinete Médico Legal e Forense do Ave – ... acompanhada pela acompanhante BB. 8. Na referida perícia observou-se negligência nos cuidados de limpeza do corpo e do vestuário, manifestando uma atitude hostil para com a acompanhante BB. 9. Quando se aborda a sua vida conjugal e os seus contactos com as redes sociais, denota impulsividade latente e alguma desadequação social, evitando olhar, rodando o corpo e evitado interação. 10. É psicomotoricamente independente na realização das actividades básicas de vida diária, mas não é capaz de explicar como se confecciona, adequadamente, uma refeição simples, ou como se planeia e procede à realização da limpeza da casa e do vestuário, mostrando desinteresse pelos trabalhos domésticos e falta de disciplina e hábitos de trabalho 11. Reconhece o valor facial do dinheiro, mas não sabe referir quanto recebe na totalidade das pensões sociais e não é capaz de saber gerir as suas despesas de acordo com o que recebe. 12. Não sabe calcular, apenas fazer cálculos simples de somar. 13. Não é capaz de fazer somas simples de números de dois dígitos. 14. Não sabe o valor real dos bens comuns (ex: do pão, do arroz, do azeite, etc.). 15. Sabe ler frases simples e escreve-as com erros ortográficos. 16. Não consegue interpretar o conteúdo simbólico de uma expressão popular. 17. Apesar de demonstrar capacidade de entendimento do sentido da avaliação, após lhe ter sido explicado, não reconhece as suas dificuldades e rejeita o apoio de terceiros na gestão da sua vida quotidiana. 18. Do ponto de vista volitivo e do controlo dos impulsos é muito imatura e instável e reage de forma passivo-agressiva, em conformidade com os seus sentimentos de medo ou raiva, impulsivamente, sem capacidade de reflexão prévia em relação ao comportamento a adotar, não sendo capaz de avaliar as reais intenções das pessoas que a rodeiam e não tendo capacidade para tomar decisões esclarecidas acerca da sua pessoa, de assegurar o seu bem-estar e a defesa dos seus interesses pessoais e patrimoniais. 19. Em Junho de 2025 iniciou ações de empoderamento que visam a sua capacitação pessoal e social. 20. AA, além de BB, tem mais dois tios, DD e HH com os quais não mantêm uma ligação próxima. 21. AA mostrou maior ligação afetiva com a acompanhante BB e seu marido e, bem assim, com a prima II, à qual foi decretado o acompanhamento de maior, a sua mãe DD (a qual evidencia limitações no funcionamento da vida diária). 22. Na AA recusou ajuda da tia BB para cuidados de saúde urgentes e inadiáveis. 23. BB contacta telefonicamente AA diariamente. 24. CC manifestou não gostar da Acompanhante BB e do marido desta. 25. CC viveu numa família disfuncional, com problemáticas graves de alcoolismo, falta de regras e desajuste social, apresentando falta de regras, de responsabilização pelos seus comportamentos, de falta de juízo crítico, que advêm não só da sua debilidade, mas também da sua psicopatia e da estrutura familiar. FUNDAMENTOS DE DIREITO I – (In)existência de fundamento legal para ordenar a realização de uma segunda perícia à beneficiária A beneficiária/recorrente alega que a presença da acompanhante no exame pericial a constrangiu e, desse modo, condicionou o resultado do exame realizado, pelo que pretende que seja realizado um novo exame pericial sem a presença da acompanhante. Vejamos se lhe asiste razão. O processo de maior acompanhado é um processo especial cuja tramitação se encontra prevista nos arts. 891º a 904º do CPC (diploma ao qual pertencem todas as normas que sejam citadas subsequentemente sem menção de diferente origem). Rege-se: a) pelas disposições que lhe são próprias, constantes dos arts. 891º a 904º; b) pelas disposições dos processos de jurisdição voluntária constantes dos arts. 986º a 988º no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes (por via da remissão do art. 891º, nº 1); c) pelas disposições gerais e comuns (art. 549º, nº 1). Estas normas são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à modificação das medidas de acompanhamento, a qual constitui um incidente que corre por apenso ao processo principal (art. 904º, nºs 2 e 3). No que toca ao relatório pericial dispõe o art. 899º que: 1 - Quando determinado pelo juiz, o perito ou os peritos elaboram um relatório que precise, sempre que possível, a afeção de que sofre o beneficiário, as suas consequências, a data provável do seu início e os meios de apoio e de tratamento aconselháveis. 2 - Permanecendo dúvidas, o juiz pode autorizar o exame numa clínica da especialidade, com internamento nunca superior a um mês e sob responsabilidade do diretor respetivo, ou ordenar quaisquer outras diligências. Nos termos do art. 485º: 1 - A apresentação do relatório pericial é notificada às partes. 2 - Se as partes entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações. 3 - Se as reclamações forem atendidas, o juiz ordena que o perito complete, esclareça ou fundamente, por escrito, o relatório apresentado. 4 - O juiz pode, mesmo na falta de reclamações, determinar oficiosamente a prestação dos esclarecimentos ou aditamentos previstos nos números anteriores. Por outro lado, o art. 487º rege o circunstancialismo em que é admitida a realização de segunda perícia, dispondo que: 1 - Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado. 2 - O tribunal pode ordenar oficiosamente e a todo o tempo a realização de segunda perícia, desde que a julgue necessária ao apuramento da verdade. 3 - A segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta. No caso dos autos, o relatório pericial foi notificado à beneficiária, na pessoa da sua defensora oficiosa. Essa notificação fazia-se acompanhar do despacho proferido em 30.4.2025 e no qual constava que, querendo, se podia pronunciar quanto a eventuais diligências de prova que considerasse necessárias. Resulta do relatório pericial que o exame foi realizado à beneficiária na presença da acompanhante BB. A beneficiária nada requereu na sequência da notificação que lhe foi feita na pessoa da sua defensora oficiosa. Ora, se a beneficiária entendia que a presença da acompanhante aquando da realização do exame a constrangiu e influenciou o respetivo resultado, no prazo geral de 10 dias previsto no art. 149º, nº 1, contado da notificação que lhe foi efetuada, deveria ter comunicado essa situação no processo e reagido pelos meios legalmente previstos contra a perícia efetuada. Não o tendo feito, ficou precludido o direito de reagir contra o exame pericial, não existindo fundamento legal para, em sede de recurso, vir requer a realização de segunda perícia da beneficiária, sem a presença da acompanhante. Nestes termos, improcede esta questão recursiva. II – Alteração da matéria de facto A recorrente deduziu impugnação quanto aos factos provados 7 a 18, pelo que importa aferir se foram, ou não, cumpridos os ónus impugnatórios que sobre si impendem, matéria que é de conhecimento oficioso e que determina a imediata rejeição do recurso na parte em que se verifique que ocorreu incumprimento. Dispõe o art.º 640.º, sob a epígrafe “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.” Na tarefa de aferição do cumprimento do ónus imposto por esta norma importa que os aspetos de natureza formal sejam analisados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, em conformidade com a filosofia subjacente ao atual direito processual civil de prevalência da dimensão material ou substancial sobre a dimensão meramente formal. Porém, se é certo que não se deve exponenciar a exigência de cumprimento de requisitos formais, não é menos certo que a impugnação da matéria de facto não se pode circunscrever a uma declaração vaga e genérica de inconformismo e discordância quanto à decisão proferida alicerçada em alusão e remissão igualmente genéricas para os meios probatórios produzidos nos autos. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre esta temática tem sido norteada pelo princípio da proporcionalidade, visando evitar soluções que possam conduzir à repetição total do julgamento, em virtude de recursos genéricos, mas permitindo a reapreciação de questões concretas, relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente que permitam um efetivo exercício do contraditório por parte do recorrido (cf. acórdão do STJ, de 13.1.2022, P 417/18.4T8PNF.P1.S1, in www.dgsi.pt). Destarte, em princípio e como regra geral, os factos devem ser impugnados de forma individual, com referência aos concretos meios probatórios que sustentam a pretensão impugnatória, e não de forma conjunta ou em bloco. Não obstante, tratando-se de factos intimamente relacionados, designadamente porque respeitam à mesma realidade, é de admitir a impugnação em bloco. Neste mesmo sentido considerou o acórdão do STJ, de 19.5.2021, (P 4925/17.6T8OAZ.P1.S1 in www.dgsi.pt) que “[q]uando o conjunto de factos impugnados se refere à mesma realidade e os concretos meios de prova indicados pelo recorrente sejam comuns a esses factos, a impugnação dos mesmos em bloco não obstaculiza a perceção da matéria que se pretende impugnar, pelo que deve ser admitida a impugnação”. No mesmo alinhamento de ideias, sumariou o acórdão do STJ de 1.6.2022 (P 1104/18.9T8LMG.C1.S1 in www.dgsi.pt), que: “II - A impugnação da matéria de facto deve, em regra, especificar os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, relativamente a cada um dos pontos da matéria impugnada. III - Tendo em conta os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade ínsitos no conceito de processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP), nada obsta a que a impugnação da matéria de facto seja efetuada por “blocos de factos”, quando os pontos integrantes de cada um desses blocos apresentem entre si evidente conexão e, para além disso - tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente, o número de factos impugnados e a extensão e conexão dos meios de prova -, o conteúdo da impugnação seja perfeitamente compreensível pela parte contrária e pelo tribunal, não exigindo a sua análise um esforço anómalo, superior ao normalmente suposto.” Quanto aos concretos meios probatórios que impõem decisão diversa não é necessário que constem das conclusões, podendo tal menção constar da motivação. Neste mesmo sentido, o acórdão do STJ, de 19.2.2015, (P 299/05.6TBMGD.P2.S1in www.dgsi.pt) considerou que “enquanto que a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória”. Também não tem obrigatoriamente que constar das conclusões a decisão alternativa pretendida quanto aos pontos de facto impugnados, pois, conforme Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 12/2023[1] “[n]os termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.” A consequência para o incumprimento dos ónus de impugnação é a imediata rejeição do recurso na parte afetada, não admitindo a lei despacho de aperfeiçoamento sobre esta questão (art. 640º, nº 2, al. a), do CPC). No caso em apreço, verifica-se que a recorrente indicou os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, impugnando os factos 7 a 18, e indicou os concretos meios probatórios constantes do processo nos quais alicerça a impugnação deduzida, nomeadamente o relatório social elaborado pela Fundação ..., tendo assim dado cumprimento aos ónus constantes das als. a) e b) do nº 1 do art. 640º. No que concerne ao ónus da al. c) do nº 1 do art. 640º, a recorrente refere que “[a] decisão que, no seu entendimento deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas consiste em manter o regime de maior acompanhado com as medidas especiais de acompanhamento decretadas na douta sentença proferida em 09/04/2024 e transitada em julgado em 30/04/2024, ao invés das medidas de representação geral e administração total de bens e dos negócios da vida corrente e limitação de todos os direitos pessoais” (cf. págs. 5 e 6 da motivação e conclusão XVIII). Esta decisão proposta pela recorrente refere-se estritamente a matéria de direito, pois o que a recorrente indica são as medidas que pretende que lhe sejam aplicadas. A recorrente não indica qual a decisão de facto que deveria ser proferida pois, para dar cumprimento ao ónus imposto pela al. c) do nº 1 do art. 640º, a recorrente teria de indicar que decisão deveria ter sido proferida quanto aos factos provados nºs 7 a 18 que impugnou, designadamente referindo se deveriam ser dados como não provados ou como provados, mas com outra redação, a qual tinha que propor. Não o tendo feito, nem nas conclusões, nem na motivação, e tendo-se limitado a indicar a decisão jurídica que pretende que seja proferida, não se pode considerar cumprido o ónus da al. c) do nº 1 do art. 640º, tendo o recurso que ser rejeitado de imediato no que concerne à impugnação da matéria de facto, posto que não é admissível a prolação de despacho de aperfeiçoamento sobre esta matéria. Assim, rejeita-se o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, por não se considerar cumprido o ónus de impugnação da al. c) do nº 1 do art. 640º. III – Manutenção das medidas de acompanhamento decretadas na sentença proferida em 9.4.2024 A recorrente entende que devem ser mantidas as medidas que foram decretadas na sentença proferida em 9.4.2024, ao invés das medidas de representação geral e administração total de bens e dos negócios da vida corrente e limitação de todos os direitos pessoais decretadas, em sede de revisão, na sentença recorrida. Vejamos se lhe assiste razão, para o que se torna necessário analisar o regime jurídico aplicável. Como é sabido, a Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, veio criar o Regime Jurídico do Maior Acompanhado, eliminando os institutos da interdição e da inabilitação, previstos no Código Civil. Este novo regime assentou no reconhecimento de que o anterior sistema dualista e rígido alicerçado nas figuras da interdição e inabilitação se mostrava desadequado e desajustado à realidade, face à evolução socioeconómica e demográfica do país, e visou dar concretização aos instrumentos internacionais vinculantes para a República Portuguesa, com relevo para a Convenção das Nações Unidas de 30 de março de 2007 sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em Nova Iorque[2], em cujo artigo 1º se estabelece que o seu objeto é “promover, proteger e garantir o pleno e igual gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente”, comprometendo-se os Estados Partes, nos termos do artigo 4º, “a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais para todas as pessoas com deficiência sem qualquer discriminação com base na deficiência”. Como se pode ler na Proposta de Lei n.º 110/XIII[3], a qual esteve na génese da Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, assumem-se como objetivos prosseguidos com o novo regime “a primazia da autonomia da pessoa, cuja vontade deve ser respeitada e aproveitada até ao limite do possível; a subsidiariedade de quaisquer limitações judiciais à sua capacidade (...), a flexibilização da interdição/inabilitação, dentro da ideia de singularidade da situação; (...) o primado dos seus interesses pessoais e patrimoniais”. Pretendeu-se uma “radical mudança de paradigma” e a introdução de um modelo que “é o que melhor traduz o respeito pela dignidade da pessoa visada, que é tratada não como mero objeto das decisões de outrem, mas como pessoa inteira, com direito à solidariedade, ao apoio e proteção especial reclamadas pela sua situação de vulnerabilidade”. O novo regime do Código Civil relativo aos maiores acompanhados “pretende ser a realização infraconstitucional das liberdades e direitos das pessoas portadoras de deficiência com vista a encontrar soluções individualizadas, que ultrapassem a rigidez da interdição e da inabilitação, garantindo à pessoa acompanhada a sua autodeterminação, e promovendo, na medida do possível, a sua vida autónoma e independente, de acordo com o princípio da máxima preservação da capacidade do sujeito” (Acórdão do STJ, de 17.12.2020, P 5095/14.7TCLRS.L1.S1, in www.dgsi.pt). Neste novo paradigma considera-se a pessoa com deficiência como pessoa igual, sem prejuízo das suas necessidades especiais, elege-se como objetivo estratégico a inclusão das pessoas com deficiência ou incapacidade e institui-se “um modelo de acompanhamento e não de substituição, em que a pessoa incapaz é simplesmente apoiada, e não substituída, na formação e exteriorização da sua vontade”. “Proteger sem incapacitar” constitui, hoje, a palavra de ordem, de acordo com os princípios perfilhados pela referida Convenção da ONU e em conformidade com a transição do modelo de substituição para o modelo de acompanhamento ou de apoio na tomada de decisão. Há́, assim, (...) uma mudança de paradigma, deixando a pessoa deficiente de ser vista como mero alvo de políticas assistencialistas e paternalistas, para se reforçar a sua qualidade de sujeito de direitos.” “De um modelo, do passado, rígido e dualista, de tudo ou nada, em que prepondera a substituição, deve partir-se para um modelo flexível e humanista, baseado em medidas adoptadas casuisticamente e periodicamente revistas, prioritariamente destinadas a apoiar quem delas necessite, (...), sempre com respeito pelos princípios da adequação, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana” (António Pinto Monteiro, Das incapacidades ao maior acompanhado - Breve apresentação da Lei n.º 49/2018, E-book CEJ O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, págs. 31 e 33). E neste novo paradigma, assente nos princípios referenciados, aos quais acrescem ainda os princípios da subsidiariedade e da necessidade, abandona-se a adoção de medidas generalistas, rígidas, tipificadas, inflexíveis, aplicáveis indistintamente a todos os beneficiários, e privilegia-se a adoção de soluções individualizadas, adaptadas às especificidades e necessidades da concreta pessoa que delas irá beneficiar, dando primazia à criação de uma “solução à sua medida” a qual deve respeitar a sua vontade e autodeterminação, deve limitar-se ao necessário e contribuir para alcançar o objetivo do acompanhamento que é o de assegurar o bem-estar, a recuperação e o pleno exercício da capacidade de agir. Neste enquadramento, estabelece o artigo 140º, nº 1, do CC, que o acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, salvo as exceções legais ou determinadas por sentença. As concretas medidas de acompanhamento decretadas devem promover a prossecução destes objetivos, impondo-se que sejam periodicamente revistas por forma a permitir monitorizar a situação e verificar se as mesmas estão, ou não, a alcançar as almejadas finalidades. A periodicidade da revisão será a que for decretada na sentença, mas, no mínimo, terá de ocorrer de cinco em cinco anos (art. 155º do CC). No caso em análise, importa apurar se, durante o período temporal em que estiveram em vigor as medidas aplicadas pela sentença de 9.4.2024, as mesmas se mostraram concretamente aptas, idóneas e adequadas a assegurar o bem-estar e a recuperação da beneficiária, bem como o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres. Para o efeito, há que comparar a situação da recorrente quando foi decretado o acompanhamento na sentença de 9.4.2024 com a sua situação quando foi proferida a sentença recorrida, de molde a verificar se houve uma manutenção da situação ou se ocorreu antes uma alteração negativa que seja justificativa da aplicação de medidas mais restritivas e mais gravosas. Percorrendo a matéria factual provada, verifica-se que a situação da recorrente se alterou de forma negativa após a aplicação das medidas decretadas na sentença de 9.4.2024. Com efeito, AA padece de perturbação do desenvolvimento intelectual (6A00.1 da Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde - CID-11) (facto 3, nº 17) 19, patologia para a qual, à luz do conhecimento científico atual, não há tratamento totalmente reversível, mas que é passível de evolução pontual positiva (facto 3, nº 19). Porém, em concreto, essa evolução positiva não se tem verificado. Na verdade, quando se realizou a perícia no processo principal, a beneficiária apresentava-se com aspecto investido e cuidado (facto 3, nº 16.4.); diversamente, quando compareceu à perícia nestes autos, a beneficiária apresentava negligência nos cuidados de limpeza do corpo e do vestuário (facto 8). Esta negligência não pode ser imputável à acompanhante, pois a beneficiária não vive com ela, mas sim com CC, o qual está diagnosticado como padecendo de epilepsia e de atraso mental moderado, não sabe ler nem escrever e não é capaz de enunciar a sua morada (facto 3, nºs 25 e 26). Embora a acompanhante BB tenha contratado com o Centro Social e Paroquial de ... a prestação a AA de serviços de confecção, transporte e/ou distribuição de refeições; cuidados de higiene e de conforto pessoal, tratamento de roupas, arrumação e pequenas limpezas no domicílio (facto 4), ainda assim a beneficiária apresentava negligência nos cuidados de limpeza do corpo e do vestuário (facto 8). O que, em nosso entender, pode ocorrer por a beneficiária não permitir que tais cuidados lhe sejam devidamente prestados ou por não manter os cuidados de limpeza depois de os serviços de higiene e conforto pessoal lhe serem prestados. A beneficiária não tem ela própria condições e capacidade para organizar as tarefas quotidianas da vida diária pois, embora seja psicomotoricamente independente na realização das atividades básicas de vida diária, não é capaz de explicar como se confeciona, adequadamente, uma refeição simples, ou como se planeia e procede à realização da limpeza da casa e do vestuário, mostrando desinteresse pelos trabalhos domésticos e falta de disciplina e hábitos de trabalho (facto 10). Não obstante as suas limitações objetivas, a beneficiária não reconhece as suas dificuldades e rejeita o apoio de terceiros na gestão da sua vida quotidiana (facto 17). Do ponto de vista volitivo e do controlo dos impulsos, a beneficiária é muito imatura e instável e reage de forma passivo-agressiva, em conformidade com os seus sentimentos de medo ou raiva, impulsivamente, sem capacidade de reflexão prévia em relação ao comportamento a adotar, não sendo capaz de avaliar as reais intenções das pessoas que a rodeiam e não tendo capacidade para tomar decisões esclarecidas acerca da sua pessoa, de assegurar o seu bem-estar e a defesa dos seus interesses pessoais e patrimoniais (facto 18). Tanto assim, que recusa ajuda da sua tia BB para cuidados de saúde urgentes e inadiáveis (facto 22). A beneficiária vive com CC como se fossem um casal. Este sofre igualmente de limitações, pois está diagnosticado como padecendo de epilepsia e de atraso mental moderado, não sabe ler ou escrever e não é capaz de enunciar a sua morada (facto 3, nºs 25 e 26). Por outro lado, CC provém ele próprio de uma família disfuncional, com problemáticas graves de alcoolismo e desajuste social, apresentando falta de regras e de responsabilização pelos seus comportamentos, de ausência de juízo crítico, que advêm não só da sua debilidade, mas também da sua psicopatia e da estrutura familiar (facto 25). Estas circunstâncias, em nosso entender, não permitem que a beneficiária tenha o desenvolvimento positivo que poderia atingir se existisse alguém, sem essas limitações, que pudesse supervisionar de forma mais assertiva e incisiva o seu comportamento, incentivando-a a ter atitudes mais adequadas e, se necessário, impondo-lhe, mesmo contra a sua vontade, regras a cumprir diariamente no que respeita a toma regular e atempada da medicação de que necessita, hábitos de higiene, realização da limpeza da casa e do vestuário de forma a fomentar-lhe a consciencialização da necessidade de realização de trabalhos domésticos e da necessidade de desenvolver capacidades de organização, hábitos de trabalho e disciplina, competências cujo aquisição e desenvolvimento poderá contribuir para que, no futuro, possa ter uma vida mais autónoma e com menor intervenção de terceiros. Porém, até que tal etapa de desenvolvimento seja alcançada, a beneficiária necessita de medidas mais restritivas que permitam que a acompanhante possa impor-lhe, mesmo contra a sua vontade, regras que, uma vez interiorizadas e adquiridas, assegurem cabalmente o seu bem-estar e possam até permitir, na sequência de uma evolução positiva, que as medidas de acompanhamento se tornem novamente menos rígidas. Aliás, é exatamente neste sentido que se pronuncia o relatório pericial em cujas conclusões consta que a perturbação do desenvolvimento de nível moderado associada a perturbação do controle das emoções e dos impulsos limita a beneficiária “significativamente no exercício dos seus direitos pessoais e patrimoniais e no cumprimento dos seus deveres de cidadania, tendo critérios médico-legais actuais para acompanhamento e representação geral. Tendo em conta a sua jovem idade e não coexistir incapacidade funcional física, a sua situação actual pode vir a ser minimizada com integração da examinada em programa de treino e aquisição de competências sociais e profissionais adequadas ao seu nível intelectual e de autonomia física. Também deverá beneficiar de tratamento e vigilância médica, que aparentemente não tem mantido. A sua baixa dotação intelectual e traços de personalidade, tornam-na facilmente sugestionável e manipulável, conferindo-lhe vulnerabilidade para a ocorrência de situações abusivas de exploração da sua pessoa, quer a nível material, físico ou psicoemocional. Considera-se que a medida de acompanhamento e representação de âmbito alargado, agora considerada necessária, deverá ser avaliada, num prazo nunca inferior a 5 anos, durante os quais possam produzir efeitos as eventuais medidas de promoção de autonomia a serem mobilizadas.” Pese embora o princípio da primazia da vontade da beneficiária, no presente caso essa vontade não pode prevalecer porquanto se considera que não se está perante uma vontade livre e esclarecida, mas antes perante uma vontade que se encontra viciada pela patologia que afeta a beneficiária e que a torna sugestionável, manipulável e vulnerável à ocorrência de situações abusivas de exploração da sua pessoa, quer a nível material, físico ou psicoemocional. Por este conjunto de razões, considera-se que a atual situação concreta da beneficiária justifica e impõe a adoção das medidas de representação geral e administração total de bens e dos negócios da vida corrente e a limitação de todos os direitos pessoais que foram decretadas na sentença recorrida, pelo que improcede esta questão recursiva. * Por conseguinte, o recurso improcede, sendo de manter a decisão recorrida.DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida. O presente processo encontra-se isento de custas nos termos do art. 4º, nº 2, al. h) do RCP. Notifique. * Guimarães, 4 de novembro de 2025 (Relatora) Rosália Cunha (1º/ª Adjunto/a) José Alberto Martins Moreira Dias (2º/ª Adjunto/a) Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade [1] Publicado no DR, Série I, de 14.11.2023 e de acordo com a Declaração de Retificação n.º 25/2023 publicada no DR, Série I, de 28.11.2023. [2] Aprovada pela Resolução da Assembleia da República n° 56/2009, de 7 de maio, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 71/2009, de 30 de julho. [3] Disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=42175. |