Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2984/18.3T8GMR-E.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RENDIMENTO DISPONÍVEL DO PERÍODO DA CESSÃO
REEMBOLSO DO IRS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário do Relator

I - O rendimento correspondente ao reembolso de IRS relativo ao ano de 2018 mas pago pela Fazenda Pública à recorrente no decurso do período de cessão de rendimentos cujo início foi declarado em 28-01-2019 não está abrangido pela exclusão prevista na alínea a), do n.º 3 do artigo 239.º do CIRE, integrando, atenta a sua natureza, o rendimento disponível cedido ao fiduciário por configurar um rendimento que adveio ao devedor e não excetuado por lei;

II - Questão distinta é a de saber se tal rendimento excede ou não o rendimento indisponível fixado à devedora/insolvente, atendendo às exclusões previstas na alínea b), do n.º 3, do artigo 239.º do CIRE;

III - Todo o valor de IRS reembolsado na pendência do período de cessão integra necessariamente o rendimento disponível da recorrente, independentemente da fórmula a utilizar quanto à periodicidade (mensal ou anual) do cálculo dos rendimentos, quando se verificou no despacho liminar da exoneração do passivo restante - que determinou a cessão à fiduciária do rendimento disponível que a devedora venha a auferir durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência - que a devedora/insolvente aufere rendimentos de trabalho mensais superiores ao seu rendimento indisponível e não há indicação da existência de meses em que o rendimento da devedora não chegue a alcançar o valor fixado como mínimo de subsistência, ou em que não haja rendimento - nem tal foi alegado em momento próprio ou em sede de alegações de recurso -, não se colocando a questão de uma eventual compensação relativamente àqueles em que o exceda.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

R. M., apresentou-se à insolvência em 16-05-2018, requerendo a exoneração do passivo restante.
Por sentença datada de 22-05-2018, foi declarada a insolvência da requerente e, além do mais, nomeada a administradora da insolvência.
A Administradora de Insolvência apresentou relatório nos termos do artigo 155.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), pronunciando-se, além do mais, em sentido favorável ao deferimento do pedido de exoneração do passivo restante.
Por despacho de 21-09-2018 foi consignado, além do mais, que se verificavam os requisitos objetivos para o deferimento do pedido de exoneração do passivo restante, em consequência do que se determinou que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível - até ao montante em dívida - que a devedora venha a auferir se considera cedido à Sr.ª Administradora de Insolvência, mais decidindo adequado fixar em um salário mínimo, acrescido de 1/5, o montante que a insolvente poderá dispor. Mais se decidiu que «Todo o rendimento excedente, que advenha à requerente por qualquer forma e no qual obviamente se incluem os subsídios de natal e férias, deverão ser cedidos, a fim de se evitar a inutilidade superveniente deste incidente, que pressupõe a boa vontade da insolvente em contribuir voluntariamente para o abatimento da dívida, ainda que numa parcela diminuta».

Da decisão de fixação do valor do rendimento disponível recorreu a insolvente, após o que, por acórdão de 17-12-2018, proferido no apenso C), este Tribunal da Relação de Guimarães veio a julgar improcedente a apelação, mantendo inalterada a decisão recorrida.
Por despacho de 28-01-2019 foi o processo declarado encerrado nos termos do artigo 230.º, n.º1, al. e), do CIRE, declarando iniciado o período de cessão de rendimentos, o que transitou em julgado.
Em 2-05-2019, a requerente apresentou requerimento, solicitando, além do mais, esclarecimento sobre como proceder quanto ao eventual reembolso de IRS relativo ao ano de 2018, referindo o seu entendimento no sentido de tal reembolso não dever ser contabilizado uma vez que se refere a rendimento que a Insolvente deveria ter recebido em período anterior ao início da cessão.
Foram ouvidos a fiduciária e os credores, pronunciando-se aquele no sentido de tal reembolso integrar o rendimento disponível, por ter sido auferido na pendência do período de cessão.
Foi então proferido despacho, em 08-07-2019 (Ref.ª 164192869), indeferindo o pedido da insolvente, por entender ser devida a entrega do montante de IRS à fiduciária.

Inconformado, veio a insolvente interpor recurso da decisão, terminando as respetivas alegações com as seguintes Conclusões (que se transcrevem):

«1. Em 02/05/2019, a Recorrente requereu ao Tribunal a quo esclarecimento quanto à contabilização de eventual reembolso de IRS relativo ao ano de 2018 nos seus rendimentos, entendendo que este não deve ser contabilizado, uma vez que se trata de reembolso de rendimento que deveria ter recebido em período anterior ao início da cessão; tendo, em 08/07/2019, o Tribunal a quo proferido o douto despacho recorrido, no qual decidiu que o reembolso de IRS “configura um rendimento suscetível de apreensão em processo executivo, também no âmbito da insolvência reveste a mesma natureza, devendo como tal ser entregue à massa insolvente, para “atenuar” os pagamentos em dívida aos credores, ficando desta forma a insolvente, vindo a ser concedida a exoneração do passivo restante, desonerada de dívidas de montante superior.”, indeferindo o pedido da Recorrente e ordenando a entrega do reembolso de IRS à Fiduciária.
2. O salário é um crédito emergente da relação laboral, que se forma aquando da prestação do trabalho, sendo que, em Portugal, é tipicamente pago com periodicidade mensal (cfr. artigos 271º, 273º, 274º, 275º e 278º do Código do Trabalho), retendo a entidade patronal parte do crédito do trabalhador, a título de imposto sobre os rendimentos, que entrega à Fazenda Pública; só após a entrega da declaração de IRS, com o processo de liquidação, é que é calculado o real valor que o trabalhador tem de pagar a título de imposto e que lhe deveria ter sido retido aquando do recebimento do seu vencimento, podendo o trabalhador ser reembolsado de parte (ou da totalidade) dos montantes retidos ao longos dos meses do ano anterior.
3. In casu, está em causa o reembolso de IRS relativo ao ano de 2018, ou seja, quantias que foram retidas em excesso à Recorrente nesse período, razão pela qual a Recorrente não recebeu a totalidade do salário a que tinha direito em cada mês do ano de 2018, pelo que, com o reembolso da quantia retida, a Recorrente verá agora satisfeito o seu crédito, que se formou aquando do exercício de atividade remunerada e que não tinha sido integralmente pago; sendo certo que o período de cessão de rendimentos só foi declarado em 28/01/2019, este reembolso de IRS não constitui um direito adquirido na pendência do processo, jamais podendo integrar a massa insolvente.
4. Contudo, mesmo que o período de cessão de rendimentos tivesse sido declarado no ano a que se reporta o IRS, o englobamento do seu reembolso no rendimento do mês em que tal reembolso é efetivamente recebido é discriminatório: em 2020, quando a Recorrente fizer a sua declaração de IRS relativa aos rendimentos auferidos durante o ano de 2019, da sua liquidação pode resultar que existem quantias a ser reembolsadas pela Fazenda Pública, que a Recorrente tem de pagar mais IRS do que o que lhe foi retido, ou que nada tem a pagar ou a receber, estando o resultado da liquidação dependente de quanto do seu vencimento foi retido pela entidade empregadora a título de IRS durante o ano de 2019, pelo que, quanto maior for a parte retida pela entidade empregadora, menor será o vencimento líquido mensal da Recorrente e maior será a probabilidade de, após a liquidação, a Fazenda Pública concluir que aquela deve ser reembolsada por excesso de retenção de IRS.
5. Caso haja lugar a reembolso de IRS, significa que a entidade empregadora deveria ter retido quantia menor do vencimento da Recorrente, o que resultaria em vencimento líquido mensal superior; contudo, mesmo que o rendimento mensal da Insolvente seja tributado em menor percentagem, não significa que o seu valor líquido ascenda ao valor do rendimento disponível, portanto, independentemente do modo como o vencimento da Insolvente é tributado e retido na fonte, não é certo que este venha a exceder o valor do rendimento disponível, podendo não haver lugar à entrega de qualquer quantia à Fiduciária em qualquer dos casos, sendo apenas certo que, no caso de a Recorrente ter visto o seu rendimento ser retido em excesso na fonte em 2019, receberá reembolso deste excedente em 2020.
6. Na ótica do Tribunal a quo, esta quantia deve ser tratada de modo autónomo relativamente ao rendimento a partir do qual foi calculada e ao qual foi subtraída, afirmando que deve ser englobada nos rendimentos do mês em que for devolvida pela Fazenda Pública, pelo que, tratando-se este reembolso da soma de todo o vencimento mensal retido em excesso ao longo de um ano (sendo, portanto, um valor significativo), a sua adição aos restantes rendimentos da Recorrente facilmente ultrapassará o rendimento disponível atribuído pelo Tribunal a quo, tendo a Recorrente de entregar este excedente à Fiduciária; assim, ao se dissassociar o reembolso de IRS do seu contexto, é criada a situação em que, dois insolventes, com o mesmo rendimento, pagando a mesma quantia de IRS, mas com valores de retenção na fonte distintos, acabam por ter de entregar quantias também elas distintas ao fiduciário, o que gera uma situação de discriminação entre insolventes em circunstâncias e rendimentos idênticos.
7. Assim, salvo melhor, para que não exista tal desigualdade entre insolventes, aquando do eventual reembolso do IRS, deverá ser feito cálculo aritmético de modo a dividir o reembolso de IRS por catorze meses, somando-o aos vencimentos auferidos e, deste modo, calculando em quais destes meses o rendimento da Recorrente ultrapassa o rendimento disponível, entregando a diferença à massa insolvente.
8. Mas, conforme já referido, após a liquidação, pode resultar que a Recorrente tem de pagar ainda mais IRS relativamente ao ano de 2019, o que advirá do facto de a sua entidade empregadora não ter feito retenção suficiente do seu vencimento; pelo que, tivesse a sua entidade empregadora correctamente calculado a quantia a reter, a título de IRS, o salário líquido auferido pela Recorrente teria sido menor e, consequentemente, as quantias entregues à Fiduciária seriam também menores.
9. Estamos, então, perante uma situação em que a Recorrente auferiu rendimento líquido superior ao que deveria ter auferido, e, como tal, entregou quantias à Fiduciária que deviam ter sido entregues à Fazenda Pública; assim, além de ter entregue à Fiduciária, em 2019, quantias que deviam ter sido retidas pela sua entidade empregadora, a Recorrente terá de entregar estas mesmas quantias à Fazenda Pública, em 2020.
10. Seguindo a tese do Tribunal a quo até à sua conclusão lógica, apesar de as quantias retidas na fonte a título de IRS não serem englobadas nos rendimentos da Recorrente para efeitos de rendimento disponível, o IRS pago após a liquidação é tratado como qualquer outra despesa, ou seja, primeiro será calculado o excedente do rendimento da Recorrente relativamente ao rendimento disponível atribuído pelo Tribunal a quo; depois esse excedente será entregue à Fiduciária; e, finalmente, com o que sobrar, a Recorrente pagará o IRS em falta à Fazenda Pública; pelo que, na prática, após entregar parte do seu rendimento à Fiduciária e pagar o seu IRS, é possível que a Recorrente fique sem dinheiro.
11. Assim, mais uma vez, retenções diferentes em circunstâncias de rendimento semelhantes causam situações de desigualdade e discriminação entre insolventes, situações estas que seriam facilmente resolvidas se simplesmente fosse estabelecido que o fiduciário tem de devolver ao insolvente a parte dos rendimentos que lhe foram entregues que diz respeito à diferença entre o salário líquido efetivamente auferido e aquele que deveria ter sido auferido, caso a retenção tivesse sido efetuada corretamente, para que o insolvente possa pagar o IRS em falta; uma vez que, como já se ilustrou, qualquer reembolso ou pagamento de IRS está intrinsecamente ligado ao rendimento auferido mensalmente pelo insolvente, o qual, caso exceda um certo montante, deverá ser entregue ao fiduciário.
12. Pelo que, a posição assumida pela Recorrente neste recurso, e as soluções por ela propostas, são a única maneira de garantir que, independentemente da quantia retida na fonte a título de IRS, será sempre entregue à massa insolvente o mesmo valor.
13. Reconduzindo o supra exposto à questão em causa, qualquer reembolso de IRS pago pela Fazenda Pública à Recorrente em 2019 dirá respeito a rendimentos auferidos em 2018; o período de cessão dos rendimentos da Recorrente só teve início no ano de 2019; deste modo, não há necessidade de fazer qualquer cálculo aritmético para apurar o valor a entregar (ou não) à Fiduciária, uma vez que, no ano a que este reembolso diz respeito, a Recorrente não estava ainda obrigada a entregar os montantes que excedessem o rendimento disponível atribuído pelo Tribunal a quo à Fiduciária, não devendo, em consequência, qualquer reembolso de IRS relativo ao ano de 2018 ser englobado nos rendimentos da Recorrente.

Termos em que o douto despacho recorrido deve ser substituído por outro que declare que o reembolso de IRS, relativo ao ano de 2018, recebido pela Recorrente, não deve ser entregue à Fiduciária».
Não foi apresentada resposta.
O recurso foi então admitido pelo Tribunal recorrido como apelação, subida imediata, em separado, e efeito meramente devolutivo.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), o objeto do presente recurso circunscreve-se apenas à questão de aferir se deve ser excluído do rendimento disponível para efeitos de cessão de rendimentos da insolvente em benefício dos credores o valor correspondente ao reembolso de IRS relativo ao ano de 2018 mas pago pela Fazenda Pública à recorrente no decurso do período de cessão de rendimentos cujo início foi declarado em 28-01-2019 por decisão devidamente transitada em julgado.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos

1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos que foram considerados provados pelo Tribunal de 1.º Instância no âmbito do despacho proferido em 21-09-2018 que determinou a cessão à fiduciária do rendimento disponível que a devedora venha a auferir durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, até ao montante em dívida, e fixou o valor do rendimento disponível - decisão confirmada pelo Acórdão deste Tribunal da Relação, de 17-12-2018 proferido no apenso C):

1.1.1. A Requerente é assistente técnica no Centro Hospitalar … e aufere a remuneração mensal líquida de € 941,44;
1.1.2. Por manifesta falta de liquidez, derivada da crise económica e do seu recente divórcio, a Requerente entrou em incumprimento junto das instituições bancárias Banco …, S.A, e Banco …, S.A., e de particulares;
1.1.3. A Requerente vive sozinha e paga mensalmente de renda € 330,00;
1.1.4. A Requerente apresenta um passivo global superior a € 87.948,88.
1.1.5. Apresentou ao Tribunal as seguintes despesas fixas mensais:
Habitação: € 330,00;
Telecomunicações: € 38,37;
Água: € 24,17;
Gás e Electricidade: € 52,17;
Alimentação, vestuário, calçado, seguros, etc.
Saúde (a insolvente é diabética): € 51,00 (Doc. 9 - Despesas Dedutíveis);
Ginásio: € 20,00
1.1.6. A requerente apresentou-se à insolvência;
1.1.7. À requerente não lhe são conhecidos antecedentes criminais.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

Está em causa na presente apelação aferir se, nas circunstâncias dos autos, deve ser excluído do rendimento disponível para efeitos de cessão de rendimentos da insolvente em benefício dos credores o valor correspondente ao reembolso de IRS relativo ao ano de 2018 mas pago pela Fazenda Pública à recorrente no decurso do período de cessão de rendimentos cujo início foi declarado em 28-01-2019 por decisão devidamente transitada em julgado.
Neste domínio, importa ter presente que a decisão recorrida atendeu à natureza e aos fundamentos que justificam o recurso ao incidente de exoneração do passivo restante, bem como às respetivas consequências, ao permitir que o devedor que não satisfaça integralmente os créditos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento, venha a ser exonerado do pagamento de tais créditos. Considerou ainda que «o reembolso do IRS tem sido tratado, para efeitos de penhora, como um rendimento como qualquer outro e, como tal, também sujeito a ser penhorado», enquanto crédito do devedor sobre as Finanças, ou seja, como um direito do contribuinte de receber uma determinada quantia a título de reembolso de IRS, por parte da Administração Fiscal, tendo em conta as deduções e a composição do respetivo agregado familiar, para depois concluir que se trata de um rendimento que deve ser entregue na cessão de rendimentos à fiduciária, para «“atenuar” os pagamentos em dívida aos credores, ficando desta forma a insolvente, vindo a ser concedida a exoneração do passivo restante, desonerada de dívidas de montante superior».
Já a recorrente sustenta, em síntese, que, qualquer reembolso de IRS pago pela Fazenda Pública à recorrente em 2019 dirá respeito a rendimentos auferidos em 2018; o período de cessão dos rendimentos da Recorrente só teve início no ano de 2019; deste modo, não há necessidade de fazer qualquer cálculo aritmético para apurar o valor a entregar (ou não) à fiduciária, uma vez que, no ano a que este reembolso diz respeito a recorrente não estava ainda obrigada a entregar os montantes que excedessem o rendimento disponível atribuído pelo Tribunal a quo à fiduciária, não devendo, em consequência, qualquer reembolso de IRS relativo ao ano de 2018 ser englobado nos rendimentos da recorrente.
Julgamos, porém, que a análise do regime legal aplicável à delimitação dos rendimentos que integram o rendimento disponível do devedor e respetivas exclusões, não consente as conclusões vertidas pela recorrente a propósito da exclusão de tal rendimento por força da natureza do crédito subjacente à restituição do imposto e ao período a que este se reporta, ainda que se concorde com a apelante quando sustenta que, no caso, não há necessidade de fazer qualquer cálculo aritmético para apurar o valor a entregar (ou não) à fiduciária, porquanto se verifica que nada de relevante foi oportunamente alegado a propósito do valor de tal concreto rendimento, nem tal necessidade resulta dos elementos disponíveis no processo, designadamente das circunstâncias de facto que foram consideradas pelo Tribunal de 1.º Instância no âmbito do despacho proferido em 21-09-2018 que fixou em um salário mínimo, acrescido de 1/5 e do montante apurado relativamente à remuneração mensal líquida auferida pela recorrente, de € 941,44.

No caso vertente, estamos perante um insolvência requerida pela própria devedora, na qual foi liminarmente admitido o pedido de exoneração do passivo restante formulado pela mesma e fixado que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível - até ao montante em dívida - que a devedora venha a auferir se considera cedido à Sr.ª Administradora de Insolvência. Mais se decidiu fixar num salário mínimo, acrescido de 1/5, o montante que a insolvente poderá dispor e que «todo o rendimento excedente, que advenha à requerente por qualquer forma e no qual obviamente se incluem os subsídios de natal e férias, deverão ser cedidos».

A justificação para o inovador instituto da Exoneração do Passivo Restante, tal como previsto no Título XII, Capítulo I, do CIRE consta desde logo do preâmbulo do diploma que o aprovou, o DL n.º 53/2004, de 18-03, quando destaca o respetivo regime no âmbito do tratamento dispensado às pessoas singulares, procurando com o mesmo conjugar «o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica». Trata-se da consagração do denominado princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, e que se traduz na atribuição da possibilidade ao devedor pessoa singular de se exonerar «dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste». Porém, o aludido princípio fundamental do ressarcimento dos credores impõe que a efetiva concessão do benefício de exoneração dos créditos sobre a insolvência esteja dependente do cumprimento pelo devedor de diversos deveres que lhe são impostos, supondo, assim, que «após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos - designado período da cessão - ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos. Durante esse período, ele assume, entre várias outras obrigações, a de ceder o seu rendimento disponível (tal como definido no Código) a um fiduciário (entidade designada pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência), que afectará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. No termo desse período, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento.
A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta recta que ele teve necessariamente de adoptar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica».

No caso em apreciação, mostra-se indiscutível que a ora recorrente ficou adstrita ao cumprimento das obrigações enumeradas no artigo 239.º, nºs. 2 e 4 do CIRE, entre as quais figura a de entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objeto de cessão [artigo 239.º, n.º4, al. c), do CIRE], no âmbito da obrigação já enunciada de, nos cinco anos posteriores ao encerramento do processo, ceder o seu rendimento disponível ao fiduciário designado pelo Tribunal, a quem incumbe afetar o montante recebido ao pagamento dos credores, ao pagamento das custas, da remuneração já vencidas, despesas efetuadas, e aos reembolsos devidos ao organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça (artigos 239.º, n.º 2, e 241.º do CIRE).

Ora, o artigo 239.º, n.º3, do CIRE enuncia expressamente os rendimentos que integram o rendimento disponível, esclarecendo para o efeito que «Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:

a) Dos créditos a que se refere o artigo 115.º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz;
b) Do que seja razoavelmente necessário para:
i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;
ii) O exercício pelo devedor da sua actividade profissional;
iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor».

Neste domínio, cumpre destacar que o preceito é claro no sentido de determinar que «integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor (…)», delimitando o âmbito dos rendimentos que integram o rendimento disponível por exclusão, ou seja, em resultado da conjugação do corpo do respectivo n.º 3 com as suas alíneas a) e b) e subalíneas i), ii), e iii).
Assim, “no período da cessão, considera-se cedido ao fiduciário o rendimento disponível que o devedor venha a auferir. E isto apesar de a massa insolvente só abranger, em regra, «o património do devedor à data da declaração de insolvência» e «os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo» (art. 46.º, 1). A cessão abrange todos os rendimentos que o devedor receba, seja a que título for, apenas se excluindo os que são indicados no artigo 239.º, n.º 3, do CIRE”(1).

Caracterizando a figura jurídica da cessão do rendimento disponível, reconhece Luís Manuel Teles de Menezes Leitão (2) que «existe aqui uma efetiva cessão de bens ou de créditos futuros, determinada por decisão judicial, o que implica que sejam aplicados neste caso os arts. 577º e ss. do CC» (3), referindo, em conformidade, que «os rendimentos que o insolvente venha a adquirir transferem-se, no momento da sua aquisição, para o fiduciário, independentemente do consentimento dos devedores desses rendimentos (art. 577º,º 1, CC), transmitindo-se igualmente as garantias e outros acessórios dos créditos que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente (art. 582º, nº1, CC)», para depois concluir: «A cessão do rendimento disponível abrange todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, não se estando, portanto, apenas perante rendimentos em sentido técnico, sendo antes abrangidos quaisquer acréscimos patrimoniais. Assim, se o insolvente receber uma herança durante o período de cessão, o património hereditário que lhe compete deve igualmente considerar-se cedido ao fiduciário. A tal não obsta o art. 2028º, nº2, dado que a cessão do rendimento disponível constitui uma hipótese legalmente prevista». Deste modo, e tal como referem ainda Luís A. Carvalho Fernandes/ João Labareda (4), em anotação ao artigo 239.º do CIRE, «Segundo o n.º3, constituem rendimento disponível os rendimentos que advenham ao devedor após o despacho inicial, qualquer que seja a sua fonte, que não estejam excluídos nos termos das als. a) e b) desta norma».
Daí que a resolução da questão em causa na presente apelação dependa apenas de saber se os rendimentos em referência integram, em concreto, alguma das exclusões previstas nas als. a), e b) do citado artigo 239.º, n.º 3, do CIRE.
Tal como esclarecem Luís A. Carvalho Fernandes/ João Labareda (5), em anotação ao referido preceito, «as exclusões referidas nestas alíneas assumem mais de uma modalidade, tendo fundamentos diferentes.
Assim, a da al. a), como a remissão nela contida deixa perceber, articula-se com a eficácia de cessões de créditos feitas pelo devedor nos termos do art.º 115.º (…). Estão em causa créditos futuros emergentes de contratos de trabalho ou de prestação de serviços (ou de prestações sucedâneas futuras, nomeadamente, subsídios de desemprego ou pensões de reforma) ou de rendas ou alugueres, cedidos antes da declaração de insolvência.
(…)
«Quanto à al. b), há que distinguir.
As exclusões previstas nas suas subals. i) e ii) decorrem da chamada função interna do património, enquanto suporte de vida económica do seu titular. Em qualquer delas, embora em planos diferentes, está em causa essa função.
(…)
Quanto à subal. iii) da al. b), prevê-se nela a exclusão da parte dos rendimentos do devedor «razoavelmente necessária» para satisfazer outras despesas que o juiz expressamente ressalve. Esta ressalva depende de requerimento do devedor, podendo constar, desde logo, do despacho inicial ou de outra decisão posterior. Na falta de critério específico, a determinação do valor dos rendimentos excluídos da cessão é deixada ao prudente arbítrio do juiz».
Aqui chegados, facilmente se constata que apenas a exclusão prevista na alínea a), do n.º 3 do artigo 239.º do CIRE configura uma verdadeira norma de exclusão de rendimentos, «no sentido de que afasta do rendimento disponível certa categoria de rendimentos do devedor» (6), ou seja, atendendo à natureza dos rendimentos ou correspondentes acréscimos patrimoniais.
No caso vertente, não consta que os créditos em apreciação configurem créditos futuros que o insolvente tenha cedido ou dado em penhor antes da sua declaração de insolvência, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 115.º, n.º1, do CIRE, circunstâncias que não vêm questionadas na presente apelação nem vemos razões para sustentar à luz dos elementos que constam do processo.
Torna-se, assim, evidente, que o rendimento em apreciação, correspondente ao reembolso de IRS relativo ao ano de 2018 mas pago pela Fazenda Pública à recorrente no decurso do período de cessão de rendimentos cujo início foi declarado em 28-01-2019 por decisão devidamente transitada em julgado, não está abrangido pela exclusão prevista na alínea a), do n.º 3 do artigo 239.º do CIRE, integrando assim, atenta a sua natureza, o rendimento disponível cedido ao fiduciário por configurar uma rendimento que adveio ao devedor e não excetuado por lei.
Na verdade, a devolução de imposto excessivamente retido «não deixa de ser um rendimento, proveniente do trabalho, e que deve estar sujeito a cessão na medida em que exceda o rendimento indisponível» (7).
Acresce que à luz do enquadramento jurídico antes traçado e em face do quadro fático apurado a tal não pode obstar a circunstância de se tratar de reembolso de IRS relativo ao ano de 2018 porquanto se verifica que o mesmo foi pago pela Fazenda Pública à recorrente no decurso do período de cessão de rendimentos cujo início foi declarado em 28-01-2019. Na verdade, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 96.º, 97.º, 98.º, 102.º-A e 102.º-B todos do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, os reembolsos devem ser efetuados após verificação, na liquidação anual de IRS, que foi retido ou pago por conta imposto superior ao devido, ou seja, somente após confirmação de que no período a que se reportam os rendimentos existe uma diferença favorável ao sujeito passivo entre o imposto devido afinal e o que tiver sido entregue em resultado de retenção na fonte ou de pagamentos por conta, até 31 de agosto do ano seguinte àquele a que respeitam os rendimentos.

Ora, como se viu, constituem rendimento disponível os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor após o despacho inicial, qualquer que seja a sua fonte, ou seja, independentemente da sua proveniência ou designação.

Por conseguinte, resta concluir, tal como na 1.ª instância, que o reembolso do IRS em referência, efetuado no decurso do período de cessão de rendimentos, enquadra-se, pela sua natureza, no rendimento disponível previsto no artigo 239.º, n.º3, do CIRE enquanto crédito da devedora sobre as Finanças, ou seja, enquanto direito de receber determinada quantia da Administração Fiscal, devendo incluir-se na entrega à fiduciária independentemente do período a que se reportam os rendimentos.
Questão distinta é a de saber se tal rendimento excede ou não o rendimento indisponível fixado à devedora/insolvente, atendendo às exclusões previstas na alínea b), do n.º 3, do artigo 239.º do CIRE que, como se viu, decorrem da «chamada função interna do património, enquanto suporte de vida económica do seu titular».
Porém, o que se verifica é que a ora recorrente nunca suscitou tal questão a propósito do rendimento em questão, relativamente ao qual nem sequer indicou o respetivo valor, observando-se que no requerimento que levou à prolação do despacho recorrido se limitou a pedir ao Tribunal a quo esclarecimentos sobre «como proceder quanto ao eventual reembolso de IRS relativo ao ano de 2018 nos seus rendimentos», alegando, para o efeito, entender «que este reembolso não deve ser contabilizado, uma vez que se trata de reembolso de rendimento que a Insolvente deveria ter recebido em período anterior ao início da cessão». Nesta medida, tal como se observa pela fundamentação vertida pelo Tribunal a quo, a decisão em referência circunscreveu o respectivo âmbito à concreta pretensão formulada pelos embargantes no requerimento que veio a ser objeto do despacho recorrido, ou seja, em função da categoria ou da natureza do referido rendimento.
E nem se diga, como parece agora sustentar a recorrente em sede de alegações de recurso, que na ótica do Tribunal a quo tal quantia «deve ser englobada nos rendimentos do mês em que for devolvida pela Fazenda Pública, pelo que, tratando-se este reembolso da soma de todo o vencimento mensal retido em excesso ao longo de um ano (sendo, portanto, um valor significativo), a sua adição aos restantes rendimentos da Recorrente facilmente ultrapassará o rendimento disponível atribuído pelo Tribunal a quo, tendo a Recorrente de entregar este excedente à Fiduciária».
Ora, lido e relido o despacho recorrido temos por evidente que em lado algum o Tribunal a quo tomou posição expressa a propósito da questão do período temporal a ter em conta no âmbito do apuramento do rendimento disponível a ceder ao fiduciário. E certamente não o fez porque no caso em apreciação nunca foi suscitada, nem estava em causa, a questão do apuramento do rendimento disponível a ceder ao fiduciário por força da ponderação das exclusões previstas na alínea b), do n.º 3, do artigo 239.º do CIRE. Na verdade, o que se observa pela fundamentação vertida no despacho recorrido é neste particular algo bem diferente, posto que o mesmo alude à circunstância de que «o reembolso do IRS tem sido tratado, para efeitos de penhora, como um rendimento como qualquer outro e, como tal, também sujeito a ser penhorado e analogicamente entregue na cessão de rendimentos», tendo presente a «natureza do imposto, cujo reembolso configura um rendimento susceptível de apreensão em processo executivo, também no âmbito da insolvência reveste a mesma natureza».

Assim, a questão da periodicidade, mensal ou anual (8), do cálculo dos rendimentos para apuramento dos rendimentos objeto de cessão respeita apenas à fórmula de apuramento da obrigação de entrega ao fiduciário, a que alude a alínea c), do n.º 4, do artigo 239.º do CIRE, ou da correspondente parcela, tendo por base os rendimentos que ingressaram no património do devedor no período de cessão e não expressamente excluídos por lei, não podendo relevar para efeitos de determinar a eventual exclusão liminar de determinado rendimento por via da respetiva natureza ou fonte, mesmo que o ingresso patrimonial diga respeito à devolução de valores atinentes ao vencimento mensal da devedora retidos em excesso ao longo do ano anterior ao período de cessão.

Sucede que, como se viu, cabe ao Tribunal fixar o valor do rendimento de cessão. No caso vertente, verifica-se que tal juízo valorativo foi oportunamente efetuado com o despacho liminar da exoneração do passivo restante - proferido em 21-09-2018 -, que determinou a cessão à fiduciária do rendimento disponível que a devedora venha a auferir durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, até ao montante em dívida, e fixou em um salário mínimo, acrescido de 1/5, o montante que a insolvente poderá dispor. Mais se decidiu que «Todo o rendimento excedente, que advenha à requerente por qualquer forma e no qual obviamente se incluem os subsídios de natal e férias, deverão ser cedidos, a fim de se evitar a inutilidade superveniente deste incidente, que pressupõe a boa vontade da insolvente em contribuir voluntariamente para o abatimento da dívida, ainda que numa parcela diminuta». Ora, com tal decisão, posteriormente confirmada pelo Acórdão deste Tribunal da Relação, de 17-12-2018 (9) proferido no apenso C), ficou esgotado o poder jurisdicional do Tribunal quanto à determinação do valor do rendimento de cessão.
Neste domínio, importa ainda considerar o que ficou consignado a propósito dos rendimentos da devedora, ora recorrente, o sentido de ascenderem ao montante mensal líquido de € 941,44 decorrente do exercício da profissão de assistente técnica no Centro Hospitalar do ….
Deste modo, considerando a natureza periódica/mensal dos rendimentos auferidos pela recorrente e o valor dos mesmos, facilmente se conclui que a exclusão mensal determinada pelo Tribunal não abrange a totalidade do rendimento mensal auferido pela insolvente, ou seja, a devedora/insolvente aufere, no caso em apreciação, rendimentos mensais superiores ao seu rendimento indisponível.
Daqui resulta a existência de rendimento mensal disponível, verificando-se, por isso, todos os pressupostos da cessão de rendimentos.
Revela-se assim indiscutível que todo o valor de IRS reembolsado na pendência do período de cessão integra necessariamente o rendimento disponível da recorrente, independentemente da fórmula a utilizar quanto à periodicidade (mensal ou anual), do cálculo dos rendimentos, porquanto se verifica que não há indicação da existência de meses em que o rendimento da devedora não chegue a alcançar o valor fixado como mínimo de subsistência, ou em que não haja rendimento - nem tal foi alegado em momento próprio ou em sede de alegações de recurso -, não se colocando a questão de uma eventual compensação relativamente àqueles em que o exceda.

Nestes termos, improcedem todas as conclusões da apelante.

Pelo exposto, cumpre julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Síntese conclusiva:

I - O rendimento correspondente ao reembolso de IRS relativo ao ano de 2018 mas pago pela Fazenda Pública à recorrente no decurso do período de cessão de rendimentos cujo início foi declarado em 28-01-2019 não está abrangido pela exclusão prevista na alínea a), do n.º 3 do artigo 239.º do CIRE, integrando, atenta a sua natureza, o rendimento disponível cedido ao fiduciário por configurar um rendimento que adveio ao devedor e não excetuado por lei;
II - Questão distinta é a de saber se tal rendimento excede ou não o rendimento indisponível fixado à devedora/insolvente, atendendo às exclusões previstas na alínea b), do n.º 3, do artigo 239.º do CIRE;
III - Todo o valor de IRS reembolsado na pendência do período de cessão integra necessariamente o rendimento disponível da recorrente, independentemente da fórmula a utilizar quanto à periodicidade (mensal ou anual) do cálculo dos rendimentos, quando se verificou no despacho liminar da exoneração do passivo restante - que determinou a cessão à fiduciária do rendimento disponível que a devedora venha a auferir durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência - que a devedora/insolvente aufere rendimentos de trabalho mensais superiores ao seu rendimento indisponível e não há indicação da existência de meses em que o rendimento da devedora não chegue a alcançar o valor fixado como mínimo de subsistência, ou em que não haja rendimento - nem tal foi alegado em momento próprio ou em sede de alegações de recurso -, não se colocando a questão de uma eventual compensação relativamente àqueles em que o exceda.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela massa insolvente.
Guimarães, 19 de setembro de 2019
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (relator)
Alberto de Paiva Taveira (1.º adjunto)
Espinheira Baltar (2.º adjunto)



1. Cfr. Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 600
2. Direito da Insolvência, 7.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 345
3. Quanto à natureza da cessão do rendimento disponível, também Luís A. Carvalho Fernandes/ João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Lisboa, QUID JURIS, 2015, p. 860 entendem existir uma cessão cuja fonte só pode ser a lei, ainda que na dependência de despacho judicial
4. Ob. cit., pgs. 858-859
5. Ob. cit., pg. 859
6. Cfr. Ac. TRC de 28-03-2017 (relator: Emidio Francisco Santos), p. 178/10.5TBNZR.C1, disponível em www.dgsi.pt
7. Cfr. Ac. STJ de 09-04-2019 (relatora: Ana Paula Boularot), proferido na revista n.º 279/13.8TBPCV.C1.S2, disponível em www.dgsi.pt
8. A este propósito, cfr. o Ac. TRC de 28-03-2017 (relator: Emidio Francisco Santos), p. 178/10.5TBNZR.C1, disponível em www.dgsi.pt sustentando o entendimento de que «Quando o apuramento do rendimento disponível se fizer por força da combinação do corpo do n.º 3 com a alínea b), i), do artigo 239.º, do CIRE, o período de referência a ter em conta em tal apuramento é o de um mês»
9. Relator: Pedro Alexandre Damião e Cunha