Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
52/19.0T8PTL.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REGULAMENTO (EU) 1215/2012
DOMICÍLIO DO RÉU
RESIDÊNCIA HABITUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/06/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- As normas determinativas da competência internacional dos tribunais portugueses explanadas nos Regulamentos da União Europeia e nas Convenções Internacionais aprovadas e ratificadas pelo Estado Português sobrepõem-se, afastando-as, às normas do CPC, que são direito interno e definido unilateralmente pelo Estado Português.

2- A exceção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses, como pressuposto processual que é, tem de ser aferida pela relação jurídica material controvertida delineada subjetiva (quanto aos sujeitos) e objetivamente (quanto ao pedido e à causa de pedir) pelo Autor na petição inicial.

3- Instaurando o Autor uma ação, em que pretende ser indemnizado pelo Réu, com fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, pelos danos que sofreu por via de uma agressão física e verbal que imputa ao último, ocorrida em França, e cujos efeitos danosos alega terem-se produzido inicialmente em França e, posteriormente, também, em Portugal, a competência internacional dos tribunais portugueses para conhecerem dessa concreta ação tem de ser aferida à luz do Regulamento (EU) n.º 1215/2012, de 12/12.

4- Esse Regulamento elege como elemento de conexão principal atributivo de competência internacional, o domicílio do Réu (art. 4º, n.º 1), a que acresce, em matéria extracontratual, o critério especial do “lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso” (art. 7º, n.º 2), o que significa que, em matéria extracontratual, fica conferido ao Autor a faculdade de instaurar a ação no tribunal do Estado-membro da União Europeia onde o Réu se encontra domiciliado ou no tribunal do Estado-membro em que “ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso”.

5- O critério geral é o domicílio do Réu à data da propositura da ação e a determinação desse domicílio é feita de acordo com a legislação interna do estado onde a ação foi proposta, ou seja, no caso português, atento o disposto no art. 82º do CC.

6- O art. 82º do CC faz coincidir o “domicílio” da pessoa com o da sua “residência habitual”, isto é, com o local onde essa pessoa fixa o centro da sua via pessoal e onde habitualmente (normalmente, em regra) reside.

7- Um emigrante de nacionalidade portuguesa que resida em França por via de aí exercer a sua atividade profissional, que se desloca, pelo menos, uma vez por ano a Portugal, para gozo de férias, tem a sua “residência habitual” e encontra-se domiciliado em França, ainda que tenha casa em Portugal e aqui permaneça a sua família alargada e, inclusivamente, a nuclear (mulher e filhos) e mantenha fortes laços afetivos e identitários com Portugal.

8- O critério especial do art. 7º, n.º 2 do Reg. atribui competência internacional para conhecer da ação tanto aos tribunais onde ocorreu o facto danoso, como àqueles onde se produziram os danos, mas neste último caso, essa competência não abrange os tribunais do local onde o Autor alega ter sofrido danos subsequentes ou consecutivos aos já sofridos noutro Estado-membro da União Europeia. Em consequência, será internacionalmente competente para conhecer do litígio, o tribunal em que o Autor alega, em sede de petição inicial, terem-se verificado efetivamente, em primeiro lugar, os danos (França), ainda que alegue terem-se verificados danos subsequentes em Portugal.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

RELATÓRIO.

Recorrente: J. C.
Recorrido: J. M..

J. C., residente (de acordo com a menção constante da petição inicial) na Rua …, Ponte de Lima, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra J. M., residente (segundo o mesmo articulado) quanto em Portugal, na Rua do …, Ponte de Lima, pedindo a condenação deste a pagar-lhe:

a- 1.500,00 euros, a título de despesas que teve com os tratamentos e medicamentos decorrentes das lesões provocadas pelo Réu;
b- 40.000,00 euros, a título de danos não patrimoniais;
c- 50.000,00 euros, pelo período de tempo em que esteve impossibilitado de trabalhar em consequência das lesões provocadas pelo réu;
d- juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Para tanto alega, em síntese, que à data dos factos exercia a atividade de pedreiro e que em 04/12/2014, efetuou trabalhos de alvenaria numa casa em França;
Nesse dia, enquanto trabalhava, foi surpreendido pelo Réu, que se introduziu nessa casa e lhe desferiu um pontapé nas costas, fazendo-o cair e bater com a cabeça contra um muro, em consequência do que, o Autor sofreu lesões, que lhe demandaram danos patrimoniais e não patrimoniais (que concretiza);
Nesse dia 04/12/2014, quando sofreu as agressões, o Réu, de alta voz disse, de forma a ser ouvido pelo Autor e por quem estivesse nas redondezas, que este lhe roubava trabalho e que não pagava os impostos em França;
Tais comentários rapidamente chegaram às gentes de “...”, freguesia da residência de Autor e Réu, quando em Portugal, o que denegriu fortemente a imagem do Autor e fez com que este perdesse clientes, quer em Portugal, quer em França;
Tem residência em Portugal, onde tanto o mesmo, como o Réu, passam diversas temporadas durante o ano civil;
O Autor não sabe falar, sequer escrever a língua francesa, sendo que a única língua que domina é o português.

O Réu contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Invocou a exceção da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer do presente litígio, sustentando que o Autor baseia o seu pedido indemnizatório em factos ocorridos em França e onde ambos são residentes, apenas de deslocando a Portugal, no verão, na época de férias, por um período aproximado de um mês;
Mais sustenta que pelo Tribunal de Grande Instance de Perpignan, França, correu termos um processo correcional, que teve por objeto os factos ocorridos em 04/12/2014, que são os mesmos que vêm alegados pelo Autor nos presentes autos e que, por sentença proferida nesse processo, em 18/01/2018, já transitada em julgado, o tribunal francês declarou-se competente e ilibou o aqui e ali Réu de qualquer pena criminal e civil.
Invocou a exceção da prescrição, alegando que entre 04/12/2014, data em que o Autor situa os factos que imputa ao Réu, e a data da instauração da presente ação, em 17/01/2019, estão decorridos mais de três anos;
Impugnou a quase totalidade dos factos alegados pelo Autor.
Conclui pedindo que por via da procedência da exceção da incompetência internacional dos tribunais portugueses, se absolva o mesmo da instância e, subsidiariamente, que por via da procedência da exceção da prescrição, se absolva aquele do pedido e, em todo o caso, que se julgue improcedente por não provada a ação.

O Autor respondeu às duas exceções invocadas pelo Réu, concluindo pela respetiva improcedência, reafirmando, em sede de exceção da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer dos presentes autos, não saber falar, nem escrever francês, sequer compreender essa língua e que tanto ele como o Réu têm residência e nacionalidade portuguesas, existindo, por isso, ponderoso elemento de conexão pessoal entre o objeto do presente litígio e a ordem jurídica portuguesa.

Conheceu-se da exceção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecerem do presente litígio, julgando essa exceção procedente e absolveu-se o Réu da instância, constando essa decisão do seguinte teor:

“Invocou o réu expressamente a exceção de incompetência internacional dos tribunais portugueses.
Para a apreciação da competência internacional em matéria civil e comercial prevalecem, antes de mais, as normas do Regulamento da União Europeia n.º 1215/2012 de 12 de dezembro (cfr. artigo 8.º, 2 da Constituição da República Portuguesa e artigo 59.º do Código de Processo Civil). Neste Regulamento (UE) 1215 estabeleceu-se, para determinação da competência, um critério geral: o do domicílio do réu, independentemente da sua nacionalidade (artigo 4.º, 1 do Regulamento) e vários critérios especiais (cfr. artigo 5.º, 1: “As pessoas domiciliadas num Estado-Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo”).

Ora, é evidente que o réu tem residência em França. Veja-se, a propósito da morada da residência do réu, o que se fez constar na sentença penal (traduzida) junta a fls. 26 a 30 dos autos. Aí aparece o réu, como aliás também o autor, com residência em França. Circunstância que o autor não pode deixar de ignorar. Não pode o autor pretender beneficiar, para específicos efeitos processuais, de uma morada do réu em França e, para outros, de uma morada do réu em Portugal.
Importa então aferir se a coberto de qualquer outra disposição processual, de direito comunitário ou nacional, tem o autor direito a demandar o réu em Portugal.
Alega o autor, com pertinência para a decisão a proferir, que no dia 4 de dezembro de 2014, em França, foi agredido pelo réu o que lhe causou ferimentos e danos vários; que nesse dia o réu lhe disse em alta voz, por forma a ser por todos ouvido, que [o autor] lhe roubava trabalho e não pagava impostos, o que lhe denegriu fortemente a imagem em ..., Ponte de Lima, por onde tais dizeres se espalharam.
Prevê-se na secção 2 do regulamento (a única que aqui importa ponderar), concretamente sob o artigo 7.º, 2 e 3 do Regulamento, que as pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso, ou, se se tratar de ação de indemnização ou de ação de restituição fundadas em infração penal, perante o tribunal em que foi intentada a ação pública, na medida em que, de acordo com a sua lei, esse tribunal possa conhecer da ação cível.
Ora, o Estado Membro onde ocorreu o facto danoso é, inegavelmente, França. E, de igual modo, foi intentada a ação pública em França. Pelo que não prevê a legislação comunitária a escolha de Estado Membro diverso do de França para a instauração da presente ação.
E não prevê mesmo que se atentasse ao alegado invocado dano reputacional verificado em ... em consequência dos dizeres alegadamente proferidos pelo réu em França. Veja-se, sobre a mesma questão de direito, o que se disse no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra tirado a 28.9.2010 no processo n.º 512/09.0TBTND.C1: A interpretação da expressão “lugar onde ocorreu o facto danoso” tem sido objeto de controvérsia; sendo que uma corrente de opinião vem defendendo como reportando-se ao lugar onde ocorreu o facto ou evento que desencadeou ou causou o dano, ou seja, que esteve na origem do dano, gerador, portanto, da responsabilidade civil extracontratual; enquanto que outra corrente vai no sentido do entendimento que aquela expressão abrange tanto o lugar onde se verifica o dano como o lugar onde ocorre o evento causal do mesmo, de tal forma que não havendo coincidência entre tais lugares o autor sempre poderá escolher entre cada um dos tribunais que tem jurisdição sobre tais lugares. Porém, mesmo na acepção dessa segunda corrente, tal interpretação deverá ser feita com um campo limitado, no que concerne ao lugar da verificação do dano, por forma a entender-se não ser de considerar-se como lugar da materialização do dano o Estado ou Estados onde se façam sentir as consequências danosas – incluindo as sequelas e os danos futuros – de um evento que causou um dano num outro Estado. Ou seja, acontecendo que em consequência de um dano produzido num dado lugar venham ainda a produzir-se outros danos (adicionais ou sequenciais) noutros lugares, só o dano ocorrido em primeiro lugar determinará a competência do tribunal.
Cumpre então apenas aferir se são os tribunais portugueses internacionalmente competentes ao abrigo das normas conjugadas do artigo 59.º e 62.º, c) do Código de Processo Civil, que prevêem que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes “quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real”.
Ora, é evidente o elemento poderoso de conexão entre o objeto do litígio (que assenta na existência, ou não, de agressão e injúria do réu ao autor) e a ordem jurídica portuguesa, pois resulta dos autos que tanto autor como réu são de nacionalidade portuguesa, sendo, portanto, a lei portuguesa a lei pessoal de ambos (cfr. artigo 31.º, 1 do Código Civil). Pelo que importa apenas aferir se a alegada circunstância do autor não saber falar francês (apesar de exercer em França atividade profissional de pedreiro – cfr. artigo 1.º da p.i.) constitui, ou não, a “dificuldade apreciável” a que se reporta o artigo 62.º, c) do Código de Processo Civil. Trata-se esta “dificuldade apreciável” da impossibilidade relativa aludida por José Lebre de Freitas a pág. 140 do CPC Anotado (2.ª Edição, Coimbra Editora 2008), por contraposição à impossibilidade absoluta prevista no primeiro segmento da norma do artigo 62.º, c). De acordo com o entendimento deste autor, que se perfilha, a dificuldade tem de ser manifesta – a oneração do autor com a proposição da ação no estrangeiro tem de ter como limite a razoabilidade do sacrifício que lhe é exigido, à luz do princípio da boa-fé (que, evidentemente, tem de ser aferido em concreto).

Ora, não se vê que os autos dêem conta de que a instauração da ação noutro país que não em França configure ultrapassagem desse limite, que configure qualquer imposição processual irrazoável ao autor. É que do processo judicial se retira já como seguro que o autor:

1) exerceu – e porventura exercerá – atividade profissional em França;
2) lá teve – e porventura ainda terá – residência; e
3) lá apresentou queixa que movimentou a máquina processual estadual francesa e, concretamente, motivou o julgamento do réu em processo-crime (de cuja ata, aliás, não se retira qualquer dificuldade na apreensão da língua francesa por parte do autor…).

Ou seja, inexiste suporte jurídico para a invocada necessidade do autor em demandar o réu em Portugal, que aliás assenta exclusivamente no pretenso desconhecimento da língua onde ocorreu o invocado facto danoso, circunstância que é manifestamente insuficiente.
*
Pelo exposto, e ao abrigo das normas dos artigos 59.º, 62.º e 99.º do CPC, julgo os tribunais portugueses internacionalmente competentes para a tramitação da presente ação e, em consequência, absolvo o réu da instância.
Custas pelo autor”.

Inconformado com essa decisão, o Autor interpôs o presente recurso de apelação, em que apresenta as seguintes conclusões:

1.º - Por decisão, viu o Autor, J. C., o Tribunal a quo considerar os Tribunais Portugueses Internacionalmente incompetentes para a apreciação da presente lide, através da seguinte Sentença (proferida em Despacho Saneador): “Pelo exposto, e ao abrigo das normas dos artigos 59.°, 62.° e 99.° do CPC, julgo os tribunais portugueses internacionalmente competentes para a tramitação da presente ação e, em consequência, absolvo o réu da instância.”
2.º - Salvo o devido respeito, que aliás é muito, não concorda o Autor, agora Recorrente, com a decisão proferida e daí o presente Recurso.
3.º - A competência dos Tribunais Portugueses para a apreciação de lides surge, em primeiro lugar, no artigo 59.º, 62.º e 63.º do Código do Processo Civil.
4.º - O Autor e o Réu são emigrantes em França, sendo que ambos são naturais de ..., Ponte de Lima.
5.º - No artigo 82.º do Código Civil, pode-se ler que “1. A pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual; se residir alternadamente, em diversos lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles.”.
6.º - Ora, quer o Autor, quer o Réu são emigrantes em França, sendo que têm residência em Portugal. A este lugar se deslocam, pelo menos, uma vez ao ano (para férias). Ambos se encontram em França por motivos profissionais, pelo que os mesmos mantêm residência em Portugal (sendo que o Autor mantém o seu domicílio fiscal em Ponte de Lima, sendo que o Tribunal a quo [visto tratar-se de uma questão de apreciação oficiosa] deveria ter averiguado tal facto quanto ao Réu).
7.º - Mais se diz que, nos mesmos termos, se sabe que os emigrantes possuem e consideram ter residência em Portugal, na sua terra natal, onde cresceram e se formaram até, por sorte da vida, terem emigrado.
8.º - Contudo, tal não apaga as suas ligações a Portugal, porquanto as mesmas consideram sempre ter residência em Portugal e, ainda, de poderem deixar de ser emigrantes - Mutatis mutandis, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-12-2016, Proc. n.º 192/15.4TBVLF.C1.
9.º - Quer-se com isto dizer que é natural às pessoas a emigração sem que com isso as mesmas se desliguem de Portugal. Tanto mais assim o é que são conhecidas as comunidades portuguesas existentes em vários países europeus, desde a França, à Bélgica, Luxemburgo e Suíça. Mais, em tais comunidades, o vínculo a Portugal é de tal forma intenso que os emigrantes ali residentes nem chegam a dominar a língua do Pais para onde se deslocaram (que tende a ser o Francês).
10.º - Acresce que para exercer profissão no estrangeiro, em especial a do Autor (pedreiro), não é, de todo, condição o saber falar Francês. Tal não significa, contudo, que o Autor não saiba proferir, na sua totalidade, qualquer palavra em Francês. Contudo, o mesmo não é capaz de articular, de forma alguma, ideias, transmitir factos e/ou compreender questões que são inerentes a um litígio judicial.
11.º - Na verdade, não é de todo despiciente que tal facto não seja uma “dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro”, uma vez que é notório que existe, sempre, maior dificuldade em compreender, expor e comunicar, no âmbito de litígio judicial, factualidade, argumentos e razões em língua estrangeira que não se demónica/sabe.
12.º - Existe, ainda, um elemento importantíssimo de conexão com o ordenamento jurídico Português: o da nacionalidade.
13.º - Ora, sendo ambas as partes de nacionalidade portuguesa, tendo os eventos ocorridos entre si, não se vislumbra como é que o ordenamento Português se deverá abster de conhecer da questão.
14.º - Acresce que é dito que os eventos danosos tiveram repercussão em Portugal, a saber, em ..., Ponte de Lima, o que motiva a competência dos Tribunal Portuguesas – vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 31-01-2019, Proc. n.º 621/17.2T8FAF.G1.
15.º - Por fim, é de ter em atenção que o Réu não teve dificuldade em constituir mandatário, a procurar defender-se em território português, em arrolar testemunhas e apresentar documentos.
16.º - Ou seja, dos autos parece resulta que a resolução do litígio pelos Tribunais Portugueses traria superiores vantagens às partes que poderiam resolver o seu litígio na sua terra Natal, conseguindo expor as suas versões em linguagem nativa e, assim, melhor defender os seus direitos e interesses legalmente protegidos.
17.º - Tal aspeto encontra, igualmente, previsão no Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro, onde consta, na nota (16), que “O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça. A existência de vínculo estreito deverá assegurar a certeza jurídica e evitar a possibilidade de o requerido ser demandado no tribunal de um Estado-Membro que não seria razoavelmente previsível para ele. Este elemento é especialmente importante nos litígios relativos a obrigações extracontratuais decorrentes de violações da privacidade e de direitos de personalidade, incluindo a difamação.”.
18.º - Não se pode dizer que não existem vínculos estreitos entre o litígio e a jurisdição portuguesa (sejam elas o domicílio, a existência de factualidade passada em ..., Ponte de Lima, a nacionalidade das partes e, ainda, a maior facilidade no aspeto linguístico).
19.º - Mais, sub indice, a presente causa versa sobre a violação de direitos de personalidade do Autor, uma vez que é alegado uma violou os direitos de personalidade do autor, na vertente do direito à saúde, à integridade física, ao bem-estar, ao bom nome e à honra.
20.º - Tudo conforme se pode ler da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, “Alega o autor, com pertinência para a decisão a proferir, que no dia 4 de dezembro de 2014, em França, foi agredido pelo réu o que lhe causou ferimentos e danos vários; que nesse dia o réu lhe disse em alta voz, por forma a ser por todos ouvido, que [o autor] lhe roubava trabalho e não pagava impostos, o que lhe denegriu fortemente a imagem em ..., Ponte de Lima, por onde tais dizeres se espalharam.”.
21.º - Significa isto que existem factos danosos que se verificaram em Portugal, sendo que, conforme supra se expôs, não podia (sendo, até, expectável) o Réu ignorar que poderia ser demandado em Portugal.
22.º - Ora, face a todo o exposto, parece ser de concluir que, na verdade, se verificam preenchidos os requisitos dos artigos 59.º e 62.º do Código do Processo Civil, bem como por aquilo que consta na nota (16) e artigo 7.º, n.º 2, do Regulamento(UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro, pelo que são os Tribunal da Jurisdição Portuguesa Territorialmente competentes para julgar os presentes autos.

TERMOS EM QUE SE REQUER QUE V.ª EXAS. SE DIGNEM A APRECIAR E JULGAR PROCEDENTES AS PRESENTES ALEGAÇÕES E CONCLUSÕES DE RECURSO DO AUTOR, VINDO A DECLARAR, A FINAL, A COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES PARA CONHECIMENTO DOS PRESENTES AUTOS.

O apelado contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação, a única questão que se encontra submetida à apreciação deste tribunal resume-se em saber se a decisão recorrida, que julgou procedente a exceção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer do litígio sobre que versam os autos e, em consequência, absolveu o Réu da instância, padece de erro de direito.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para a decisão a proferir no âmbito da presente apelação são os que constam do relatório acima elaborado.
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

O apelante instaurou a presente ação em 17 de janeiro de 2019 (cfr. fls. 19 v), identificando-se como residente em Portugal, mais concretamente, na freguesia de ..., Ponte de Lima, contra o apelado, que diz ser residente, “quando em Portugal”, na mesma freguesia e concelho, pretendendo ser indemnizado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que alega ter sofrido em consequências da agressão física, traduzida num pontapé, com a subsequente queda do mesmo e embate da cabeça contra um muro, que sustenta ter sido perpetrada pelo apelado em 04/12/2014, em França, e das expressões por este proferidas, que em voz alta, de forma a ser ouvido pelo apelante e por quem estivesse nas redondezas, terá acusado o apelante “que lhe roubava trabalho e que não pagava os impostos em França”, com o que lhe causou danos.

Tal como o apelante estrutura a relação jurídica controvertida é indiscutível que a sua pretensão indemnizatória se funda no instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, instituto esse que, em sede de ordenamento jurídico nacional, se encontra regulado nos arts. 483º e segs. do CC.

É pacífico que configurando a competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer de uma dada relação jurídica material que lhes é submetida, um pressuposto processual, isto é, uma das condições mínimas consideradas indispensáveis para, à partida, garantir uma decisão idónea e uma decisão útil da causa, sem as quais não é consentido ao juiz entrar na apreciação do mérito da causa, que essa exceção dilatória tem de ser aferida atenta a forma como o autor configura subjetiva (quanto aos sujeitos) e objetivamente (pedido e causa de pedir) a relação jurídica controvertida na petição inicial(1).

Entendeu a 1ª Instância que tratando-se de um litígio em que atenta a causa de pedir que vem alegada pelo apelante em sede de petição inicial para suportar o pedido indemnizatório que aí formula contra o apelado é plurilocalizada, isto é, apresenta elementos de conexão com a ordem jurídica nacional portuguesa e a francesa, pelos fundamentos fácticos e jurídicos que enuncia na decisão sob sindicância, que os tribunais portugueses seriam internacionalmente incompetente para conhecer do objeto dessa ação e, por conseguinte, absolveu o apelado da instância, decisão esta com a qual o apelante não se conforma.

Que dizer?

Quando o litígio é plurilocalizado, como é o caso daquele que se encontra em discussão nos presentes, em que em função da relação jurídica que vem alegada pelo apelante em sede de petição inicial, os factos ilícitos e culposos que imputa ao apelado e que terão sido causais dos danos cuja indemnização reclama, terão ocorrido em França, onde igualmente terão ocorrido, pelo menos, a maior parte desses danos, parte dos quais, no entanto, refere terem-se produzido em Portugal, país onde o apelante sustenta ser residente e onde afirma ser também residente o Réu, “quando em Portugal”, detendo ambos nacionalidade portuguesa, coloca-se a questão de saber qual o tribunal que, no âmbito das várias ordens jurídicas envolvidas, tem competência para apreciar o litígio, questão essa que cabe às regras sobre a competência internacional dar resposta.
Com efeito, é às normas sobre a competência internacional que cabe repartir o poder de julgar entre os tribunais das várias jurisdições com as quais o litígio tem contacto, determinando os fatores de conexão relevantes e, em função deles, determinar se os tribunais de alguma delas são competentes para resolver o conflito.
A competência internacional dos tribunais portugueses é, assim, a fração do poder jurisdicional atribuída aos tribunais nacionais, no seu conjunto, relativamente à fração do poder jurisdicional atribuída por leis nacionais estrangeiras ou tratados os convenções internacionais, a tribunais estrangeiros sempre que o litígio seja transfronteiriço, isto é, quando apresente elementos de conexão com ordens jurídicas estrangeiras (2).
Conforme realça Teixeira de Sousa, em sede de regras relativas à competência internacional, a orientação dominante que vigora na ordem jurídica internacional, é que essa competência se afere pela lex fori, isto é, pela lei do estado onde a ação se encontra pendente, cabendo, por conseguinte, ao direito interno de cada estado regular a competência internacional dos seus próprios tribunais, determinando quais os fatores de conexão com o litígio que lhes é submetido que considera relevantes para efeitos de lhes atribuir competência internacional para conhecer do mesmo quando este seja plurilocalizado e sendo, por isso, a essas regras de direito interno que se impõe atender para efeitos de se saber se os tribunais desse estado são ou não internacionalmente competentes para conhecer do litígio que lhes é submetido (3).
No entanto, como logo realça esse autor, essa regra geral sofre as exceções decorrentes de instrumentos internacionais a que o estado se auto vinculou, seja, por derivarem de instituições supranacionais cujos atos legislativos considera serem direta e imediatamente aplicáveis na sua ordem jurídica, como é o caso, no que concerne a Portugal, das disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências (art. 8º, n.º 4 da CRP), seja por derivarem de convenções internacionais que o próprio estado ratificou (n.º 3 do mesmo art. 8º).
Com efeito, sendo as normas que determinam a competência internacional dos tribunais de cada estado normas internas, fixadas unilateralmente por cada estado, compreende-se que estas, por um lado, não possam condicionar a competência internacional dos tribunais dos restantes estados (sujeitos às normas sobre competência internacional do seu próprio estado) e, por outro, que existindo direito supranacional imediatamente aplicável na ordem jurídica interna ou que derivem de convenções internacionais que o estado ratificou, que fixem um regime jurídico distinto do estabelecido no seu direito interno em sede de competência internacional, que estas se sobreponham ao direito interno.

É assim que em consonância com o que se acaba de referir que o n.º 1 do art. 59º do CPC estabelece que “sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competente quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos arts. 62º e 63º ou quando as partes lhe tenham atribuído competência nos termos do art. 94º”.
Deste modo, nos termos dos arts. 8º, n.ºs 3 e 4 da CRP e 59º, n.º 1 do CPC, sempre que exista um litígio plurilocalizado, a fim de se aferir da competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer desse concreto conflito, impõe-se verificar se existem regulamentos europeus ou instrumentos internacionais convencionais a que o estado português se vinculou, que sejam aplicáveis, e que estabeleçam regras de competência internacional, uma vez que caso estas sejam existentes, prevalecem sobre o direito interno, isto é, sobre as normas dos arts. 62º, 63º e 94º do CPC (4).
Como referido, essa aferição carece de ser feita de acordo com a relação jurídica configurada pelo autor na petição inicial, atentos os seus elementos subjetivos e objectivos.
Portugal é membros da União Europeia, pelo que que à relação jurídica em análise é aplicável o Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento e do Conselho de 12 de dezembro, relativo à competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial.
Na verdade, conforme decorre do art. 81º deste instrumento legislativo supranacional, imediatamente aplicável na ordem jurídica nacional (art. 8º, n.º 4 da CRP), o mesmo mostra-se aplicável a partir de 10 de janeiro de 2015, com exceção dos seus arts. 75º e 76º, que se aplicam a partir de 10 de janeiro de 2014, sendo, por isso, vigorante, em 17/01/2019, data em que o apelante instaurou a presente ação.
Por outro lado, com exceção das matérias enunciadas no n.º 2 do seu art. 1º e, bem assim de matérias fiscais, aduaneiras ou administrativas e as relativas à responsabilidade do Estado por atos ou omissões no exercício da autoridade do Estado, matérias essas que não se encontram manifestamente em discussão nos presentes autos, o n.º 1 desse art. 1º do Regulamento, declara que o seu regime jurídico é aplicável em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição.
Assim, sendo o pressuposto da competência internacional dos tribunais portugueses aferidos pela relação jurídica controvertida tal como o apelante a configura na petição inicial, e visando nela este exercer o seu pretenso direito indemnizatório contra o apelado com fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, cujo evento danoso ocorreu alegadamente França e onde sustenta terem-se verificado, pelo menos, parte substancial dos danos que deste emergiram, parte dos quais se concretizaram, segundo diz, também em Portugal, é indiscutível que o presente litígio é plurilocalizado e versa sobre matéria eminentemente civil, encontrando-se, por isso, sujeito ao regime jurídico previsto naquele Regulamento, vigente à data da instauração da presente ação.
Significa isto que, contrariamente àquele que é o entendimento sufragado pelo apelante nos seus articulados e em que persiste nas suas alegações de recurso (ao que não é também alheio o tribunal a quo, que na decisão recorrida, embora tenha corretamente considerado ser aplicável ao caso, o Regulamento, acabou por também apreciar a competência internacional dos tribunais portugueses à luz dos arts. 59º e 62º, al. c) do CPC, em igual vício incorrendo o apelado), a aferição da exceção dilatória da competência ou incompetência internacional dos tribunais nacionais para conhecer do litígio que aquele submete a julgamento não se afere pelas normas do CPC, mas exclusivamente pelas enunciadas no Regulamento n.º 1215/2012.
Posto isto, conforme resulta dos considerandos exarados no Regulamento n.º 1215/2012, mediante a consagração do regime jurídico nele consagrado, foi propósito assumido pelo legislador comunitário “manter e desenvolver um espaço de liberdade, de segurança e de justiça” dentro do espaço territorial da União Europeia, “nomeadamente facilitando o acesso à justiça” e eliminado nele as “disparidades das regras nacionais em matéria de competência e de reconhecimento de decisões judiciais” que “dificultam o bom funcionamento do mercado interno”, para cuja concretização considera indispensável a adoção de “disposições destinadas a unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial”, concluindo que “para alcançar o objetivo da livre circulação das decisões em matéria civil e comercial, é necessário e adequado que as regras relativas à competência judiciária (…) sejam determinadas por um instrumento legal da União vinculativo e diretamente aplicável” (considerando 3 e 4 do Reg.).
Na concretização desse seu desiderato, em sede de regras de conflito de jurisdição, considerou o legislador comunitário que “deverá haver uma ligação entre os processos a que o presente regulamento se aplica e o território dos Estados-Membros. Devem, portanto, aplicar-se, em princípio, as regras comuns em matéria de competência sempre que o requerido esteja domiciliado no território do Estado-Membro”, as quais devem “apresentar um elevado grau de certeza jurídica e fundar-se no princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido”, devendo os tribunais “estar sempre disponíveis nesta base, exceto nalgumas situações bem definidas em que a matéria do litígio ou a autonomia das partes justificam um critério de conexão inerente … (considerandos 13 e 15 do Regul. – sublinhado nosso).
Especificando quais sejam essas situações “bem definidas em que a matéria do litígio” justifica o afastamento da regra geral do domicílio do demandado, no considerando 16, lê-se que: “O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça”, esclarecendo que “a existência de vínculo estreito deverá assegurar a certeza jurídica e evitar a possibilidade de o requerido ser demandado no tribunal de um Estado-Membro que não seria razoavelmente previsível para ele”, concretizando que “este elemento é especialmente importante nos litígios relativos às obrigações extracontratuais decorrentes de violações da privacidade e de direitos de personalidade, incluindo a difamação”.

Precise-se que em conformidade com esses considerandos e explanando-os em letra de lei, dispõem os:

Art. 4º
“1- Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desses Estado-Membro.
2- As pessoas que não possuam a nacionalidade do Estado-Membro em que estão domiciliadas ficam sujeitas, nesse Estado-Membro, às regras de competência aplicáveis aos nacionais”.
Art. 5º
“1- As pessoas domiciliadas num Estado-Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro nos termos das regras enunciadas nas Secções 2 a 7 do presente capítulo”.
Art. 7º
“As pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro
(…)
“2- Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso”.
Art. 62º
“1- Para determinar se uma parte tem domicílio no Estado-Membro a cujos tribunais é submetida a questão, o juiz aplica a sua lei interna”.

Resulta linearmente das disposições legais que se acabam de transcrever que o princípio geral vigente em sede de Regulamento é o de que a competência internacional tem por base o domicílio do requerido, ou seja, no caso presente, do apelado (réu), independentemente da nacionalidade deste.
Este critério geral tem por escopo, segundo Dário Moura Vicente, poupar o réu às dificuldades inerentes à condução da sua defesa perante um tribunal estrangeiro (5).
Trata-se, por conseguinte, da conjugação do princípio actur sequitur forum rei, o qual visa assegurar a proteção legal das pessoas domiciliadas na União Europeia.
De acordo com este princípio geral, ainda que demandante e demandado tenham nacionalidade extra união europeia e mesmo que os factos que integram a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo primeiro tenham ocorrido fora do território da União, os tribunais dos Estados Membros da União, mais concretamente, os tribunais do Estado-Membro em que o demandado se encontre domiciliado na data da propositura da ação é internacionalmente competente para dela conhecer.
À luz do princípio da perpetuatio fori, vigente igualmente na ordem jurídica interna (art. 260º do CPC), aquilo que releva para o legislador comunitário é, pois, o domicílio do réu, à data da propositura da ação, sendo este o elemento de conexão geral atributivo da competência internacional aos tribunais nacionais que se situem dentro do território da União, sendo irrelevantes quaisquer alterações posteriores do domicílio deste (6).
Desde que o réu tenha o seu domicílio, à data da propositura da ação, dentro de um estado que integra a União, ainda que seja um cidadão cuja nacionalidade seja extra comunitária e, reafirma-se, ainda que os factos que integrem a causa de pedir que alegou para suportar a sua pretensão de tutela judiciária (pedido) tenham ocorrido fora do território da União, os tribunais do Estado-Membro onde o réu se encontra domiciliado são internacionalmente competentes para conhecer desse litígio.
Note-se que este critério geral eleito pelo legislador comunitário como elemento de conexão relevante e geral para atribuir a competência internacional aos tribunais dos Estados-Membros da União Europeia visa proteger os cidadãos que residam no território da União e assume tal importância que levou que o legislador, no considerando 11, tivesse enunciado que os tribunais do domicílio do réu devem “estar sempre disponíveis”, exceto em alguns casos “bem definidos”, “em que a matéria do litígio ou a autonomia das partes” justificam o recurso a outro critério de conexão (7).
Esses outros elementos de conexão alternativos e especais em relação ao critério geral do domicilio do réu, são exclusivamente – “só” – os que se encontram enunciados nas Secções 2 a 7 do Regulamento (art. 5º, n.º 1), que uma vez percorridos, não têm manifestamente aplicação ao caso em apreço, com exceção do elencado no n.º 2 do art. 7º, onde igualmente se confere competência internacional aos tribunais de outro Estado Membro quando, em matéria extracontratual, no território deste Estado “ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso”.
Este critério especial previsto no art. 7º, n.º 2 justifica-se pela proximidade do foro do lugar onde ocorreu o facto danoso relativamente às provas e pela coincidência entre este foro e o direito aplicável à responsabilidade extracontratual (8), e significa que em matéria extracontratual, fica conferido ao demandante a faculdade de instaurar a ação no tribunal do estado da União Europeia em que o demandado tem o seu domicílio, à data da propositura da ação (recurso ao critério geral), ou no tribunal do estado da União em que “ocorreu ou poderá o facto danoso” (recurso ao critério especial), caso este não seja naturalmente coincidente com o estado em que o demandado tenha o seu domicílio.
Significa isto, que fundando-se a pretensão indemnizatória que o apelante vem exercer nos presentes autos no instituto da responsabilidade civil extracontratual (9) por factos ilícitos, não são aplicáveis ao caso as regras da competência internacional que se encontram enunciadas nos arts. 62º, 63º e 94º do CPC, mas exclusivamente as previstas no art. 5º, n.º 1 do Regulamento, onde se define o critério geral, e no art. 7º, n.º 2 deste mesmo diploma, onde o critério especial.
Note-se que em nenhum destes preceitos se elege como critério de conexão relevante para a atribuição de competência internacional aos tribunais dos Estados-Membros da União Europeia o critério da necessidade, eleito pelo legislador nacional, na al. c) do art. 62º do CPC, como elemento de conexão relevante para a atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses para conhecerem de determinado litígio que lhes seja submetido, o que se bem compreende, quando se verifica que a União Europeia é um espaço aberto, de livre circulação de pessoas, mercadorias e capitais, em que os direitos de defesa, nomeadamente, os decorrentes de entraves linguísticos ou de falta de meios económicos das partes para suportarem os custos inerentes à lide, se encontram cabalmente salvaguardados, mediante a nomeação de intérpretes e o instituto da proteção jurídica que as legislações nacionais dos Estados-Membros da União forçosamente têm de contemplar e oferecer aos cidadãos neles residentes destituídos de meios económicos para suportar esses custos.
Acresce que a consideração desse elemento de conexão seria apto a colocar em crise as razões que levaram o legislador comunitário a adotar como critério geral a circunstância do domicílio do Réu se situar no espaço intra-europeu, com vista à proteção dos Réus residentes no interior do espaço comunitário e, bem assim as razões que presidiram à fixação do critério especial do art. 7º, n.º 2 do Reg. – a proximidade do litígio e de facilidade de apresentação de provas.
Enuncie-se que a adotar-se o critério da necessidade como fator atributivo de competência internacional aos tribunais dos Estados-Membros não só se violaria frontalmente o comando legal do art. 5º, n.º 1 do Reg., onde expressamente se estabelece que as pessoas domiciliadas num Estado Membro da União Europeia têm de ser demandadas no Estado Membro do seu domicílio, “só”, isto é, exclusivamente, podendo ser demandadas nos tribunais de outro Estado desde que este seja também, um “Estado-Membro” da União (1º requisito) e “nos termos das regras enunciadas nas Secções 2 a 7 do presente capítulo” (2º requisito), como se estaria necessariamente a introduzir um fator de incerteza e de falta de clareza em sede de regras atributivas de competência internacional, quando, o legislador comunitário é expresso em afirmar que os foros alternativos ao do domicilio do réu apenas são “permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça” (quando, como dito, o TJE, é expresso que esses desideratos são normalmente alcançados mediante a submissão do litígio ao “tribunal do local onde o facto danoso se produziu”), e esse mesmo legislador é perentório em afirmar que as regras que definam esse “vínculo estreito” que justificam o afastamento da regra geral do domicílio do réu, têm de “assegurar a certeza jurídica e evitar a possibilidade de o requerido ser demandado no tribunal de um Estado-Membro que não seria razoavelmente previsível para ele”, posto que se estaria indiscutivelmente a sujeitar o demandado a critérios incertos e imprevisíveis, os quais nem sequer se relacionariam com a sua pessoa e os seus interesses, mas exclusivamente com a pessoa e os interesses do autor, introduzindo nesta matéria um fator de incerteza e de imprevisibilidade que o legislador comunitário expressamente afastou.
Finalmente, a consideração desse elemento de conexão constituiria um fator que necessariamente dificultaria o “bom funcionamento do mercado interno”, ao considerar-se fatores de conexão previstos na legislação interna de cada Estado-Membro, quando foi ensejo do legislador comunitário fomentar “o bom funcionamento do mercado interno” e “unificar as regras de conflito” dos Estados Membros que pelas disparidades que apresentam constituem obstáculo a esse bom funcionamento.
Enuncie-se que é precisamente pelas razões que se acabam de elencar que, na nossa perspetiva, no acórdão do TJE de 19/09/1995, Proc. C-364/93 (já identificado), se lê a propósito da interpretação feita pelo Tribunal sobre o então vigente art. 5º, n.º 3 da Convenção (correspondente ao atualmente vigente art. 7º, n.º 2 do Reg.), que embora seja jurisprudência constante do TJE que “o conceito «lugar onde ocorreu o facto danoso» na aceção do art. 5º, ponto 3 da Convenção, pode visar simultaneamente o lugar onde se produziu o dano e o do evento causal, este conceito não pode todavia ser interpretado de modo extensivo ao ponto de englobar todo e qualquer lugar onde se podem fazer sentir as consequências danosas de um facto que causou já um dano efetivamente ocorrido noutro lugar. Em consequência este conceito não pode ser interpretado como abrangendo o lugar onde a vítima, como é aqui o caso, pretende ter sofrido um dano patrimonial consecutivo a um dano inicial ocorrido e sofrido por ela noutro Estado contratante” e às objecções suscitadas pelo estado alemão de que esse Tribunal deveria tomar em consideração o direito nacional da responsabilidade civil extracontratual aplicável, o TJE objetou que essa “proposta é incompatível com o objetivo da Convenção, que é o definir atribuições de competência certas e previsíveis”.

De resto, nesse mesmo aresto, escreve-se que a opção dado ao autor de intentar a ação no tribunal onde se verificou o evento causal do dano (facto danoso) ou naquele onde o dano se materializou “não pode esvaziar do seu conteúdo o princípio geral, consagrado no art. 2º, primeiro parágrafo da Convenção (correspondente ao atual art. 5º, n.º 1 do Reg.), da competência dos órgãos jurisdicionais do Estado contratante no território no qual o réu tem o seu domicílio e de ser reconhecida, fora dos casos expressamente previstos, a competência dos órgãos jurisdicionais do domicílio do autor, situação relativamente à qual a Convenção se manifestou contra, afastando, no seu art. 3º, segundo parág., a aplicação de disposições nacionais prevendo tais foros de competência em relação a réus domiciliados no território de um Estado contratante”.

Resulta do que se vem dizendo que a pretensão do apelante de que o critério da necessidade se encontra contemplado no Regulamento, nomeadamente no considerando que enuncia, não tem qualquer sustentação possível na letra da lei (Regulamento) sequer na respetiva ratio, que, aliás, afastam esse critério da necessidade como elemento de conexão a considerar.
Avançando.
Conforme acima se referiu, para efeitos do critério geral enunciado no art. 5º, n.º 1 do Reg., não importa a nacionalidades das partes na presente ação, sequer o local em que aconteceram os factos que servem de causa de pedir ao pedido indemnizatório formulado pelo apelante em sede de petição inicial, mas exclusivamente o local onde se situa o domicílio do apelado (réu), à data da instauração da presente ação em 11/02/2019.
Por força do n.º 1 do art. 62º do Reg., para efeitos de determinação desse domicílio, aplica-se a lei interna de cada estado, isto é, no que concerne à ordem jurídica portuguesa, o art. 82º do CC (10), no qual se fixam os critérios para a determinação geral das pessoas.
Nos termos deste preceito a pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual; se residir alternadamente em diversos locais, tem-se por domiciliada em qualquer deles (n.º 1) e na falta de residência habitual, considera-se domiciliada no lugar da sua residência ocasional ou, se esta não puder ser determinada, no lugar onde se encontrar.
Conforme se escreve no aresto da Relação de Coimbra de 15/12/2016, identificado infra na nota 10 e citado pelo apelante nas suas alegações de recurso, a “residência habitual”, onde o n.º 1 do art. 82º do CC tem a pessoa como domiciliada, não se confunde com a “residência permanente”.
A “residência permanente”, conforme entendimento pacífico, é o local onde a pessoa tem centrada a organização da sua vida individual, familiar e social, isto é, é a casa onde a pessoa tem organizado, de forma estável e continuada no tempo, a sua economia doméstica, familiar e social, onde aquela dorme, confeciona e toma as suas refeições, passa o seu tempo de lazer, convive com os seus familiares, recebe os seus amigos, etc., em síntese, onde tem centrada a sua vida, continuada e permanentemente.
A “residência habitual” é um minus em relação à “residência permanente”.
A “residência habitual” é o local onde a pessoa fixa o centro da sua vida pessoal e onde habitualmente reside, pelo que essa residência “habitual” pode não ser permanente, podendo, inclusivamente, acontecer de a pessoa ter duas ou mais residências habituais, residindo alternadamente numa e noutra(s), sem que nenhuma se destaque, em termos de primazia, em relação à outra ou outras quanto à organização da vida pessoal, familiar e social da pessoa, caso em que esta se considera domiciliada em qualquer uma delas (n.º 1 do art. 81º), como poderá suceder de a pessoa ter centrada, de forma habitual/regra, essa sua vida em determinado local, que constituirá a “residência habitual”, isto é, o seu domicílio, e ocasionalmente ir passar uma temporada a outro local – “residência ocasional” ou “secundária”, que a lei desconsidera para efeitos de fixação do domicilio (11).
Note-se que contrariamente ao pretendido pelo apelante, esteirado é certo, no aresto da RC de 15/12/2006, que não se subscreve, é manifesto que o CC, ao fixar o domicilio geral da pessoa, procurou respeitar o conceito extralegal, isto é, social de domicilio, recolhendo da vida e da natureza das coisas os seus critérios de fixação, ao ponto de ter considerado que no caso de a pessoa não ter “residência habitual” considera-se domiciliada no local da sua “residência ocasional” e, se esta não puder ser determinada, no local onde se encontrar, mas daqui não deriva que para efeitos de ordenamento interno nacional a pessoa tenha o seu domicílio em qualquer um desses locais, incluindo na residência ocasional ou no local em que for encontrada, que até poderá ser na rua ou noutro local público, o que seria um manifesto absurdo jurídico e uma desconformidade do direito com a própria natureza e realidade das coisas, confundindo-se “domicilio” com “paradeiro”.
Para efeitos de direito interno, conforme escreve Mota Pinto, o domicílio da pessoa coincide com o lugar da sua “residência habitual”. “Não se trata do local onde a pessoa se encontra em cada momento, isto é, não coincide com o paradeiro, a que se refere o art. 225º e cuja noção se pode descortinar no art. 82º, n.º 2. Não se confunde também com a residência, com o local onde a pessoa está a viver com alguma permanência. Sem dúvida que a residência habitual onde a pessoa vive normalmente, onde costuma regressar após ausências mais curtas ou mais longas, nos fornece o critério do domicílio do art. 82º. Mas a residência pode ser ocasional, se a pessoa vive com alguma permanência, mas temporária ou acidentalmente, num certo local. A residência ocasional não faz surgir um domicílio, embora, na falta de domicílio de uma pessoa, funciona como seu equivalente (art. 82º, n.º 2)”. (12)
Assentes nestas premissas, revertendo ao caso presente, logo na petição inicial o apelante identifica o apelado (réu) como sendo residente, “quando em Portugal”, na Rua ..., Ponte de Lima, e nos arts. 34º e 35º desse articulado alegada que “autor e réu têm residência em Portugal, onde tanto autor como réu passam diversas temporadas durante o ano civil”.

Por sua vez, o apelado, na procuração de fls. 31 verso, que outorgou aos seus mandatários, identifica-se como sendo residente em França e, no art. 36º deste articulado, alega que tanto ele como o autor “residem e tem domicílio em França”, alegação esta que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, acabou por ser confirmada pelo próprio apelante nas suas alegações de recurso (caso dúvidas antes existissem), ao escrever: “quer o Autor, quer o Réu são emigrantes em França, sendo que têm residência em Portugal. A este lugar se deslocam, pelo menos, uma vez ao ano (para férias). Ambos se encontram em Franca por motivos profissionais, pelo que os mesmos mantêm residência em Portugal (sendo que o Autor mantém o seu domicilio fiscal em Ponte de Lima, sendo que o tribunal a quo (visto tratar-se de uma questão de apreciação oficiosa) deveria ter averiguado tal facto quanto ao Réu)” .
A este propósito dir-se-á que uma coisa é a “residência habitual”, que é onde a pessoa se encontra domiciliada, outra, diversa, é o “domicílio ocasional”, que poderá ser a residência onde se vai passar férias ou ocasionalmente para trabalhar, outra, o “domicílio fiscal” (que de acordo com as leis fiscais dos diversos países, deverá coincidir com o domicílio – matéria esta de que não cuidam os presentes autos e, quando muito, confirmará a alegada imputação feita pelo apelado ao apelante de que este “não pagava impostos em França”) e outra, ainda, é o “domicílio profissional”, que o art. 83º, n.º 1 do CC, define como o local onde a pessoa exerce a sua profissão.
Um emigrante, como confessa o apelante acontecer em relação ao apelado (réu), que reside em França, por via de aí exercer a sua atividade profissional (como é a saga normal de quem está emigrado), que se desloca, pelo menos, uma vez por ano a Portugal, mas para gozo de férias, tem indiscutivelmente centrada a sua vida pessoal, familiar, profissional e social em França, sendo nesse país que tem a sua “residência habitual” e onde, por isso, se encontra domiciliado, ainda que tenha casa em Portugal, onde permanece a sua família alargada e, mesmo, que tal aconteça com a nuclear (mulher e filhos) e ainda que, como é regra com os emigrantes, mantenha laços afetivos profundos e identitários com o local onde tem a sua casa em Portugal, que, a maioria das vezes, era o lugar onde residia antes de emigrar e onde, inclusivamente, frequentes vezes, nasceu.
É sabido que na grande maioria dos casos, para os emigrantes portugueses, “Portugal é a sua terra” e que a quase totalidade elegem o nosso país, como lugar de passagem das suas merecidas férias anuais, sem que daqui se extraia, que a casa que que têm em Portugal, e onde, em regra, passam as suas férias – que a maioria das vezes sentem afetivamente como sendo a sua “verdadeira casa”, o “local que sentem ser o seu”, como “sendo o seu” e “onde se sentem bem”- seja a sua residência permanente, posto que essa situa-se naturalmente no país onde se encontram emigrados – no caso, França -, onde residem, se alimentam, pernoitam, recebem os seus amigos e vivem os seus “amores e desamores”, as suas “aventuras e desaventuras” e onde, em síntese, têm habitualmente, isto é, em regra, centrada a sua vida individual, familiar, profissional e social.
É igualmente sabido que situações existem em que os emigrantes têm a sua “residência habitual” quer em Portugal, quer no país em que se encontram emigrados, situações que se verificam frequentemente quando aqueles, após uma vida de trabalho e de emigração, chegados à altura da reforma, pretendendo regressar a Portugal, descobrem que tal não é viável dado que os seus filhos, entretanto, casaram no país de emigração, onde têm centrada a sua vida pessoal, familiar e social, levando a que os pais “andem lá e cá”, isto é, residam uma temporada em Portugal e outra, no país de emigração.
Acontece que conforme resulta da própria confissão do apelante não é nada disto que acontece em relação ao apelado, o qual se encontra emigrado em França, onde trabalha e onde reside e se limita a vir a Portugal para passar férias, naturalmente, sempre que pode.
Resulta do que se vem dizendo que tendo o apelado (réu) a sua residência habitual em França, onde se encontra domiciliado, pelo critério geral do art. 5º, n.º 1 do Reg., a presente ação tinha de ser instaurada pelo apelante em França, por ser o país onde o Réu se encontra domiciliado, falecendo competência internacional aos tribunais portugueses para conhecer da presente ação.
Resta verificar se pelo critério especial previsto no n.º 2 do art. 7º do Reg., é atribuída aos tribunais portugueses competência internacional para conhecer do litígio sobre que versam os presentes autos.
Esse critério especial atribui aos tribunais dos Estados-Membros da União Europeia competência internacional para conhecer de litígios fundados em responsabilidade civil extracontratual em que “ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso”.

Como anteriormente já enunciado, a jurisprudência do TJE é uniforme no sentido de que a expressão lugar onde “ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso” deve ser interpretada no sentido de abranger tanto o lugar onde ocorreu o evento causal do dano (facto dano) como aquele em que o dano se materializou, mas não abrange o lugar em que a vítima pretende ter sofrido um prejuízo ou dano consecutivo, não englobando o lugar onde se fazem sentir as consequências danosas de um facto que causou já um dano efetivo noutro lugar.

No caso, compulsada a petição inicial, verifica-se que nela o apelante alega que o evento danoso, isto é, as agressões físicas e verbais que terão sido perpetradas pelo réu (apelado) na sua pessoa, ocorreram em França.
Foi em França que o mesmo alega ter-se submetido a tratamentos médicos e medicamentosos e sofrido dores (arts. 7º a 28º e documentos de fls. 10 a 17, para cujo teor remete aquando da sua alegação e, inclusivamente, transcreve em parte) e foi em França que se afirma ter-se sentido humilhado, envergonhado e lesado na sua imagem por via das expressões alegadamente proferidas pelo apelado (arts. 29º a 33º e 43º), ao ponto de alegar, no art. 44º desse articulado, que “para se refugiar de toda esta situação passou uma temporada em Portugal para tentar se alhear “das lesões” quanto ao seu bom nome provocadas”.
Aliás, no art. 38º da petição o Autor alega que os comentários “rapidamente” chegaram às “gentes de ...”, ou seja, primeiro chegaram às “gentes de França” e depois às “gentes de ...” (como é natural que assim tenha acontecido, a ser certa a sua versão dos factos).
Consequentemente, os danos que o apelante alega ter sofrido em Portugal por via do imputado comportamento do apelado, projetaram-se primeiramente em França e, apenas depois, em Portugal, pelo que estes danos são subsequentes aos danos padecidos pelo apelante em França, o que decorre que, igualmente, por via do critério especial do n.º 2 do art. 7º do Reg., falece competência internacional aos tribunais nacionais para conhecerem do presente litígio, dado que essa competência internacional encontra-se deferida aos tribunais franceses.
Aqui chegados, resta concluir pela improcedência de todos os fundamentos de recurso aduzidos pelo apelante, impondo-se, embora por fundamentos distintos, confirmar a decisão recorrida.
*
*
Decisão:

Nestes termos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência:
- confirmam a decisão recorrida.
*
Custas pelo apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
*
Guimarães, 06 de fevereiro de 2020
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:

Dr. José Alberto Moreira Dias (relator)
Dr. António José Saúde Barroca Penha (1º Adjunto)
Dr. José Manuel Alves Flores (2º Adjunto)


1. Manuel Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pags. 90 e 91; Acs. STJ. de 29/04/2010, Proc. 622/08.1TVPRT.P1.S1; RC de 28/09/2010, Proc. 512/09.0TBTND.C1, in base de dados da DGSI.
2. Remédio Marques, in “Ação Declarativa”, 3ª ed, pág. 268; Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 198.
3. Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, págs. 93 a 94.
4. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 3ª ed., Almedina, págs. 144 e 145; STJ. de 04/03/2010, Proc. 2425/07.1TBVCD.C1; de 19/12/2018, Proc. 2312/16.2T8FNC.L1.S1; RG. de 24/01/2019, Proc. 1689/17.7T8BGC.G1; de 31/10/2018, Proc. 31/10/2018, Proc. 642/14.7TBBGC.G1; RL. de 19/05/2016, Proc. 478/14.5TCSC.L1-6; 14/02/2013. Proc. 3082/11.6TBCLD.L1.2, todos in base de dados da DGSI.
5. Dário Moura Vicente, “Competência Judiciária e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras no Regulamento (CE) n.º 44/2001”, publicado na Revista Scientia Iuridica, n.º 293, pág. 360.
6. Marco Carvalho Gonçalves, “Competência Judiciária na União Europeia”, publicado na Revista Scientia Iuridica, n.º 339, págs. 423 e 424.
7. Ac. STJ. de 03/03/2005, Proc. 04A4283.
8. Ac. RC. de 28/09/2010, Proc. 512/09.0TBTND.C1, in base de dados da DGSI. No mesmo sentido Ac. do TJE de 01/10/2002, melhor identificado na nota 9, onde se escreve que o critério especial “é fundado na existência de uma conexão particularmente estreita entre o litígio e o tribunal do local onde o facto danoso se produziu, que justifica uma atribuição de competência – este último por razões de boa administração da justiça e de organização útil do processo (…). Com efeito, o tribunal do local onde o facto danoso se produziu é normalmente o mais apto para decidir, nomeadamente por razões de proximidade do litígio e da facilidade de apresentação das provas”, concluindo que “estas considerações valem igualmente quer o litígio se refira à reparação de um prejuízo já ocorrido quer ele diga respeito a uma ação destinada a impedir a realização do prejuízo”. Ainda Ac. TJE de 19/09/1995, Proc. C-4364/93, onde se lê que o critério do art. 7º, n.º 2 do Reg. é uma “… regra de competência especial, cuja escolha depende de uma opção do demandante, é fundada na existência de uma conexão particularmente significativa entre o litígio e tribunais que não os do domicílio do demandado, a qual justifica uma atribuição de competência a esses tribunais por razões de boa administração da justiça e de organização útil do processo”.
9. Note-se que pronunciando-se sobre o que entender por “responsabilidade extracontratual, o TJE, no seu acórdão de 01/10/2002, Processo n.º C-167/00 (acessível em “Info Curia Jurisprudência” – sitio no “Google”, escreve ser “jurisprudência constante que a noção de matéria extracontratual na aceção do art. 5º, ponto 3, da Convenção abrange qualquer pedido que tenha em vista pôr em causa a responsabilidade de um requerido e que não esteja relacionado com a matéria contratual na aceção do art. 5º, ponto 1, da mesma convenção (…). Em consequência, há que se procurar saber, em primeiro tempo, se uma ação como a que está em causa no processo principal se reveste de um carácter contratual”, concluindo: “Ora, numa situação como a do processo principal, a associação de proteção dos consumidores e o comerciante não estão minimamente ligados por uma relação de natureza contratual”.
10. Acs. RG. de 31/01/2019, Proc. 621/17.2T8FAF.G1; RC. de 15/12/2016, Proc. 192/15.4TBVLF.C1; de 28/09/2010, já anteriormente citado, RL. de 15/12/2005, Proc. 11237/2005-6, in base de dados da DGSI.
11. Pedro Pais de Vasconcelos, “Teoria Geral do Direito Civil”
12. Carlos da Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito”, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 258; RE de 23-06-1988, BMJ, 378º, pág. 309.