Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRG000 | ||
Relator: | EVA ALMEIDA | ||
Descritores: | DANOS NÃO PATRIMONIAIS MORTE COMPENSAÇÃO DIREITO À VIDA DANOS PATRIMONIAIS DANOS FUTUROS | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 12/15/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA EM PARTE | ||
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Sumário: | 1ª Face á prova testemunhal de sentido contrário ao quesito e na ausência de qualquer informação sobre o estado do cinto de segurança, o facto da vítima ter sido projectada para fora do veículo, nas concretas circunstâncias deste acidente e só por si, não permite concluir que não trazia o cinto de segurança.
2º O condutor é o responsável pela segurança dos passageiros e da carga bem como pela condução, na qual se engloba a escolha da via por onde circula, sendo irrelevante o facto do filho dos autores ter, ou não, aceitado ser transportado por aquela via. De qualquer forma, face à prova produzida, não houve erro na apreciação da prova. 3º Em caso de julgamento segundo a equidade, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida. 4º Da análise da jurisprudência das Relações e do Supremo Tribunal de Justiça dos últimos anos e atenta a concreta factualidade provada, a valorização, segundo um critério de equidade, da perda do direito à vida deste jovem, de 20 nos de idade, robusto, militar de carreira, saudável, muito alegre, muitíssimo amigo de seus pais e irmã, com ânsia e alegria de viver e com grandes projectos de futuro quer para si, quer para a sua família, em €60.000,00, não se mostra exagerada. Também o montante de €25.000 para cada um dos Autores, pela perda do filho, em face da dor que lhes causou e por ter destroçado a respectiva vida familiar, se coaduna com os valores praticados noutros casos. 5º Não é indemnizável o dano indirecto, sofrido pelos pais, decorrente do facto da vítima, ao falecer, ter deixado de auferir rendimentos, com que contribuiria para o património do agregado familiar, a não ser no quadro do artº 495º nº 3 do Código Civil. 6º Não o é por via sucessória, pois a incapacidade para o trabalho que confere ao lesado o direito a uma indemnização por frustração de rendimentos futuros, só se verifica até à morte, por só até à morte ser previsível que os auferiria. Acresce que, em termos definitivos, esse direito só surge com a alta (incapacidade definitiva). No caso, a incapacidade definitiva ocorre com a morte e por isso o direito não chegou a nascer na esfera jurídica da vítima, que, por isso mesmo, nunca o poderia transmitir aos pais. Quando muito e se tal se tivesse provado, os pais, por via hereditária, teriam direito aos dois dias de perda de salários pela incapacidade temporária que as lesões determinaram. 7º Também não o é como “dano directo”, pois o prejuízo futuro ou lucro cessante (rendimentos que engrossariam o património dos pais se o filho fosse vivo), não foi directamente causado pelo lesante, não emerge directamente do facto ilícito, mas sim da morte que aquele causou. É um efeito reflexo da morte do filho dos Autores e não da acção ou omissão do lesante. Este efeito reflexo não está abrangido pelo artº 483º do Código Civil. 8º Para a apreciação deste pedido (objecto único do recurso dos Autores), atento o disposto no nº 3 do artº 495º do Código Civil e as várias teses da doutrina e da jurisprudência sobre esta questão jurídica, tem interesse saber se o filho dos Autores os ajudava, quanto lhes entregava e se os pais careciam dessa ajuda. Tal matéria foi alegada pelos Autores no artº 23º da petição inicial e não foi levada à base instrutória. 9º É assim indispensável, nesta parte e quanto a este concreto pedido, objecto do recurso interposto pelos autores, que os autos voltem à 1ª instância, para ampliação da matéria de facto, aditando-se à base instrutória a matéria do artº 23º da P.I. nos termos do artº 712º nº 4 do Código de Processo Civil. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I. RELATÓRIO B... e C... intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra D..., S.A., com sede ....., em Lisboa. Alegaram, em suma, que o filho dos autores, E..., faleceu, na sequência de um acidente de viação, que se traduziu no despiste do veículo com a matrícula 47-32-AZ, quando circulava numa auto-estrada ainda em construção, mas com passagem de veículos, cuja ocorrência imputam à conduta culposa do condutor do referido veículo, onde o falecido seguia como passageiro. Pedem que a Ré seja condenada a pagar-lhes indemnização no montante global de €302.500,00, acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação da ré até integral pagamento, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, que alegam, decorrentes da morte do filho, pois que a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com o referido veículo se encontrava transferida para a ré seguradora. A ré contestou, impugnando parcialmente a factualidade alegada na petição inicial e alegando que, apesar da via em questão não estar aberta ao público e de no local existir um sinal de trânsito proibido, o lesado quis e solicitou a condução naquelas circunstâncias, para além de não ter colocado o cinto de segurança. Concluiu pela improcedência da acção. Os autores apresentaram réplica, impugnando a conduta do lesado descrita na contestação e mantendo a sua alegação inicial. Foi proferido despacho saneador, onde se julgou válida a instância nos seus pressupostos objectivos e subjectivos. Seleccionou-se a matéria de facto assente e elaborou-se a base instrutória, que não foi alvo de qualquer reclamação. Designou-se dia para a audiência de discussão e julgamento, que se realizou com observância do formalismo legal. Decidiu-se a matéria de facto sem reclamação, pela forma e com os fundamentos exarados a fls. 143 a 145 dos presentes autos. Foi proferida sentença, julgando-se a acção parcialmente procedente, por só parcialmente provada, condenando-se a Ré a pagar aos Autores a quantia de €110.000, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais (indemnização pela perda do direito à vida e danos morais sofridos pelos Autores em consequência da morte do filho), bem como a quantia a apurar em sede de liquidação, relativa a danos patrimoniais (despesas). A Ré foi absolvida do restante pedido, concretamente do pedido relativo aos danos morais sofridos pelo falecido filho e do pedido por danos patrimoniais, no montante de €70.000 relativo à perda de rendimentos futuros, que o falecido auferiria e com que contribuiria, previsivelmente por mais 10 anos, para o sustento dos Autores. Inconformados com a decisão, dela interpuseram recurso de apelação e por esta ordem, a Ré e os Autores. Os recursos foram admitidos e os recorrentes apresentaram as respectivas alegações, formulando as seguintes conclusões: Conclusões do recurso interposto pela Ré 1ª) Vão impugnados os factos tidos como “não provados” sob os quesitos 19º e 18º da BI da acção, respostas essas que devem ser alteradas no sentido propugnado no texto supra, com a fundamentação também dele constante; Conclusões do recurso interposto pelos Autores (Restrito à parte da sentença que declarou improcedente o pedido de indemnização pela perda de rendimentos que a morte de seu malogrado filho lhes causa). A – Por douta sentença proferida nos presentes autos, foi a recorrida condenada a pagar aos recorrentes a quantia de €110.000,00 respeitante aos danos de natureza não patrimonial, acrescida do valor que se vier a liquidar posteriormente, relativamente aos danos de natureza patrimonial apurados. * Os recursos vieram a ser admitidos neste Tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados nos despachos de admissão na 1ª instância. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DOS RECURSOS. O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, tal como decorre das disposições legais dos artº 684º nº3 e 690º-nº1 e 2 do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” ( artº 660º-nº2 do CPC). E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos dos artº 664º e 264º do CPC, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas. Atentas as conclusões das apelações, supra transcritas, são as seguintes as QUESTÕES A APRECIAR: Recurso da Ré A) Da matéria de facto B) De direito Recurso dos Autores III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A - Factos considerados provados na sentença e inimpugnados 1 – Em 22 de Maio de 2005, cerca das 06:30 horas, no lugar de Samas ou Préstimo, freguesia de S. Tiago de Candoso, concelho de Guimarães, verificou-se o despiste do veículo ligeiro de passageiros de matrícula 47-32-AZ, conduzido pelo seu proprietário, F.... * B - Reapreciação da matéria de facto (recurso da Ré): Apenas a Ré recorre da matéria de facto. Trata-se de questão prévia à apreciação do direito aplicado na sentença recorrida. Pretende a Ré, se bem entendemos as suas alegações, que este Tribunal da Relação, em face da prova produzida, dê como provada a matéria quesitada sob os nºs 18º e 19º da Base Instrutória, ou seja que o filho dos Autores solicitou ao condutor do veículo a condução nessas condições de trânsito (numa auto-estrada em construção) e que o filho dos Autores não tinha colocado o cinto de segurança. Trata-se de factos alegados pela Ré na sua contestação e que integram matéria de excepção (culpa do lesado) e por isso o ónus da respectiva prova recai sobre a Ré. A esta a matéria foram ouvidas as testemunhas F... e G.... O F... era o condutor do veículo onde seguia o malogrado filho dos Autores. Disse que o filho dos Autores tinha colocado o cinto de segurança. O Sr. G... é o perito averiguador que prestou serviços para a Ré, no âmbito da averiguação deste sinistro e afirmou que aquele condutor lhe disse que o filho dos Autores não tinha colocado o cinto de segurança. Na audiência de julgamento procedeu-se à respectiva “acareação” e a testemunha (pois só um deles é efectivamente testemunha do facto) manteve que o filho dos Autores levava o cinto de segurança. Perante isto temos de concluir que há um depoimento no sentido de que o filho dos Autores levava o cinto de segurança (prova do contrário do que se pretende) e não há um único depoimento no sentido de que o filho dos Autores não colocara o cinto, uma vez que o Sr. G... não é testemunha desse facto, não estava lá, nada viu, nem foi da perícia que efectuou que retirou a conclusão, mas sim, segundo ele, de ouvir dizer (disse-lho a testemunha, que, não só não o confirma, como nega tê-lo dito). Efectivamente o perito, quando inquirido sobre o facto do filho dos Autores ter ficado fora do veículo a cerca de 10 metros do local onde ele se quedou, começou por dizer «era uma ribanceira íngreme, rampeada, o carro … suponho que vai aos tombos por aí abaixo” (….) “suponho que se ele fosse amarrado com o cinto se calhar” … (“supõe ou”…) …”são afirmações externas” (…)» remetendo para a tal conversa que afirma ter tido com o condutor e que este nega (não só nega ter dito que o filho dos autores não trazia o cinto de segurança colocado, como afirma que aquele trazia o cinto de segurança. Do relatório do perito (testemunha G...), junto aos autos com a contestação, não consta qualquer referência à eventualidade da vítima não ter colocado o cinto de segurança. Só mais tarde o perito prestou a informação escrita, que foi junta na audiência de julgamento e que nenhum relevo probatório tem. No já referido relatório não refere se examinou o veículo, nem o estado do cinto de segurança, matéria que podia ser relevante. Assim, perante a prova testemunhal de sentido contrário ao quesito e na ausência de qualquer informação sobre o estado do cinto de segurança, o facto do filho dos Autores ter saído da viatura, ficando o seu corpo alguns metros atrás do local onde o veículo se quedou, não permite concluir que não trazia o cinto de segurança (podia ter-se desprendido, rebentado, soltado ….). Resta analisar se, a partir de outros factos (instrumentais), das presunções naturais ou de outros elementos probatórios, se pode concluir que o filho dos Autores não levava o cinto Dos demais factos provados (indo, após capotar, estatelar-se numa ribanceira, cerca de, pelo menos 20 metros abaixo do nível da via por onde circulava - (…) por força de tal despiste e capotamento, o filho dos autores foi projectado do veículo onde era transportado e foi, pelo ar, cair a cerca de 5/10 metros do local do despiste (…) o filho dos autores foi projectado para fora do seu assento e foi cuspido para o exterior do veículo) não se pode concluir que o malogrado filho dos Autores não colocara o cinto de segurança. Do facto (conhecido) da vítima ter sido “projectada” ou “cuspida” para fora do veículo (o único facto que se conhece é que foi encontrada fora do veículo e antes do local onde este se quedou) não se retira o facto desconhecido (não trazia cinto de segurança), pois, também se sabe que o veículo capotou e caiu por uma ribanceira com cerca de 20 metros de altura (nas voltas que deu e na queda, o cinto pode não ter sido suficiente para o reter dentro da viatura). Não há assim fundamento para extrair a pretendida conclusão. O “se calhar” pode ser bastante “à mesa do café”, mas não é suficiente na sala de audiências. A dúvida resolve-se nos termos do artº 516º do Código de Processo Civil. Desta forma, bem andou o Mmo. Juiz a quo ao dar como não provada a matéria do nº 19º da Base Instrutória. * Sobre a matéria do nº 18 da Base Instrutória (se o filho dos Autores solicitou ao condutor do veículo a condução nessas condições de trânsito) uma vez que as “condições de trânsito” são as elencadas em 15º, e 17º da B.I. e que apenas se provou que a auto-estrada ainda em construção não estava aberta ao público (com o esclarecimento que não existia qualquer sinal a proibir ou obstáculo físico a impedir o acesso), cumpre referir que não há qualquer depoimento no sentido de que a vítima solicitou ao condutor que o levasse a casa por aquele específico trajecto ou que o condutor por ele tenha seguido por conselho ou sugestão da vítima, muito menos que a vítima o tenha forçado. Ora, como é óbvio, é o condutor quem tem de ser responsabilizado pela sua condução e não o contrário. Ainda que a vítima tivesse sugerido aquele trajecto – e não há prova disso – o condutor é sempre o responsável último pelo trajecto que faz – não tinha uma pistola apontada à cabeça. O condutor é o responsável pela segurança dos passageiros e da carga bem como pela condução, na qual se engloba a escolha da via por onde circula. De forma alguma se pode co-responsabilizar o transportado pelo facto do acidente ter ocorrido quando o veículo circulava numa auto-estrada em construção, ainda não aberta ao público, mas sem qualquer obstáculo físico ou sinalização que proibisse ou impedisse o acesso e circulação. Consequentemente, entendemos que, além de ser irrelevante o facto do filho dos autores ter ou não aceitado ser transportado por aquela via, face à prova produzida, não houve erro na sua apreciação e que a decisão de considerar não provada a matéria do quesito 18º se justifica plenamente. * Pelo exposto, nenhum facto há a acrescentar à matéria provada pela 1ª instância e acima exarada, assim improcedendo nesta parte o recurso interposto pela Ré. IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Recurso da Ré 1ª Questão Resultando inalterada a factualidade provada, não há que apreciar esta primeira questão, por evidentemente, a vítima não ter concorrido para a produção ou agravamento dos danos, muito menos poder ser co-responsabilizada a título de culpa pelo acidente que a vitimou. 2ª Questão Na sentença recorrida consta: Tudo ponderado, atendendo ainda à prática da jurisprudência (veja-se, a título de exemplo, os recentes acórdãos do STJ, de 30.10.2008 e de 27.11.2008, disponíveis em www.dgsi.pt, processos n.º 08P14 13 e n.º 08B2989, respectivamente), fixa-se a indemnização devida pela privação da vida em €60.000,00 e a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por cada um dos progenitores da vítima em € 25.000,00. A Ré entende que estes montantes são superiores aos que vêm sendo fixados para casos semelhantes pelos nossos Tribunais. Em caso de julgamento segundo a equidade (em que «os critérios que os tribunais devem seguir não são fixos» - Antunes Varela – Henrique Mesquita, “Código Civil Anotado”, vol. 1.º, anotação 1.ª ao art.º 494.º.), «devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”» (Ac.s do STJ de 16-10-2000, Proc. n.º 2747/00-5.ª, 17-06-2004, Proc. n.º 2364/04-5.ª e 27/11/07, Proc. 3310/07-5.ª) – sublinhado nosso. Analisemos então a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça no que respeita aos montantes atribuídos como compensação dos danos não patrimoniais decorrentes de morte, cingindo a apresentação aos que emergem de casos de perda de filho.: Ac. de 16-01-1996, processo n.º 87877 - 1ª – Tratando-se de lesado falecido aos 16 anos, ligado aos pais, trabalhando e querendo estudar, é fixada a compensação do pai e da mãe pelos danos não patrimoniais sofridos com a sua perda em 1.500 contos para cada um. Por seu turno os recentes acórdãos da Relação do Porto: Na fixação dos valores, há que ter em conta, como é entendimento praticamente unânime, que a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, não se compadecendo com atribuição de valores simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios. Trata-se de posição assumida há 16 anos atrás e em que se chamava a atenção para a necessidade de, também neste domínio, se procurar acompanhar o ritmo da Europa. Como então dizia o acórdão do STJ, de 16-12-1993, CJSTJ 1993, tomo 3, pág. 181 «É mais que tempo, conforme jurisprudência que hoje vai prevalecendo, de se acabar com miserabilismos indemnizatórios. A indemnização por danos patrimoniais deve ser correcta, e a compensação por danos não patrimoniais deve tender, efectivamente, a viabilizar um lenitivo ao lesado, já que tirar-lhe o mal que lhe foi causado, isto, neste âmbito, já ninguém nem nada consegue! Mas – et pour cause – a compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo, e não meramente simbólico». Aliás, é nesta linha que se encontra, como é do conhecimento geral, o contínuo aumento dos seguros obrigatórios estradais e dos respectivos prémios (vejam-se as repetidas e sucessivas alterações ao art. 6º do DL 522/95, de 31-12. Esta posição tem vindo a ser referida e mantida nos acórdãos do STJ, de 11-10-1994, CJSTJ 1994, tomo 3, pág. 89 e BMJ 440, 449; de 06-02-1996, BMJ 454, 690; de 18-06-1996, BMJ 458, 287; de 10-02-1998, CJSTJ 1998, tomo 1, pág. 65; de 23-04-1998, CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 49; de 28-03-2000, revista n.º 222/00-1ª; de 21-09-2000, revista n.º 2033/00-6ª; de 25-06-2002, revista 1321/02-1ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 128; de 25-03-2004, revista n.º 4193/03, CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 140; de 02-10-2007, CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 68. Como se refere no acórdão do STJ de 23-04-2008, processo n.º 303/08 - 3.ª, “Certo é que a indemnização por danos não patrimoniais deverá constituir uma efectiva e adequada compensação, tendo em vista o quantum doloris causado, oferecendo ao lesado uma justa contrapartida que contrabalance o mal sofrido, pelo que não pode assumir feição meramente simbólica” – cfr., entre outros, os acórdãos de 28-06-2007, 25-10-2007, 18-12-2007, 17-01-2008 e 29-01-2008, proferidos nos processos n.ºs 1543/07 - 2.ª, 3026/07 - 2.ª, 3715/07 - 7.ª, 4538/07 - 2.ª, 4492/07 - 1.ª, de 21-05-2008, processo n.º 1616/08 - 3.ª. Recentemente surgiu a Portaria n.º 377/2008, de 26-05-2008, entrada em vigor em 27-05-2008, que reduziu substancialmente os valores indemnizatórios que vinham sendo praticados. Com esta portaria apenas se visou fixar os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel de proposta razoável para indemnização do dano corporal. De acordo com o artigo 2º, alínea a) e artigo 5º, a compensação em causa será de calcular nos termos previstos no quadro constante do anexo II da portaria, cabendo a situação ora em apreciação no Grupo III, alínea a), prevendo-se em relação a cada pai por filho com idade menor ou igual a 25 anos, o montante de 15.000 €. Como decorre do n.º 2 do artigo 1º as disposições da portaria não afastam a fixação de valores superiores aos propostos. Tendo o facto lesivo de que emerge o dano ocorrido em 22 de Maio de 2005, nunca poderia a Portaria ter aplicação in casu, por força do disposto no artigo 12º, n.º 1, do Código Civil. Acresce, que «os valores propostos deverão ser entendidos como o são os resultantes das tabelas financeiras disponíveis para quantificação da indemnização por danos futuros, ou seja, como meios auxiliares de determinação do valor mais adequado, como padrões, referências, factores pré-ordenados, fórmulas em forma abstracta e mecânica, meros instrumentos de trabalho, critérios de orientação, mas não decisivos, supondo sempre o confronto com as circunstâncias do caso concreto e tal como acontece com qualquer outro método que seja expressão de um critério abstracto, supondo igualmente a intervenção temperadora da equidade, conducente à razoabilidade já não da proposta, mas da solução, como forma de superar a relatividade dos demais critérios» (() Ac. do STJ de 25-02-2009 (processo nº 08P3459) - Relator: RAÚL BORGES in www.dgsi.pt). No caso em apreço o malogrado filho dos Autores era um jovem de 20 anos de idade, que sofreu diversas lesões traumáticas, nomeadamente, meningo-encefálicas e outras, que vêm descritas no relatório de autópsia, que lhe provocaram a morte, dois dias após o acidente. No decurso destes dois dias que precederam a sua morte, o filho dos autores foi submetido a diversos tratamentos e manteve-se em estado comatoso no pós-sinistro e até vir a falecer. Nesse estado de coma, do seu corpo foram retirados muitos e diversos órgãos, em colheita para transplante, inclusive, o baço. O filho dos autores era robusto, militar de carreira, saudável, muito alegre, muitíssimo amigo de seus pais e irmã, com ânsia e alegria de viver e com grandes projectos de futuro quer para si, quer para a sua família. Assim, face a esta factualidade, entendemos que a valorização, segundo um critério de equidade, da perda do direito à vida deste jovem, em €60.000,00, não se mostra exagerada, tanto mais que nenhuma indemnização lhe foi atribuída a título de dano não patrimonial, certamente por se ter entendido, que, tendo estado em coma, nada sofreu, critério de que discordamos, até porque entre o acidente, as lesões e o momento em que sobreveio o coma, ainda que o espaço temporal fosse mínimo, as regras da experiência comum dizem-nos que há dor, pânico e medo e, cientificamente, ninguém pode afirmar que não sofreu, mas o objecto deste recurso limita-nos a apreciação desta questão. No que tange ao dano não patrimonial dos Autores, temos como provada a seguinte factualidade: O falecimento do filho dos autores causou a estes profunda dor, desgosto, sofrimento, mesmo revolta. Desequilibrou completamente a família, levando à separação e divórcio dos autores. Os autores amavam muito o seu filho, que muito os amava e era toda a sua esperança de vida e razão de viver. Cremos que €25.000 para cada um dos Autores, por esta perda inestimável, em face da dor que lhes causou e por ter destroçado a respectiva vida, enquanto família, se coaduna com os valores praticados noutros casos, também não se mostrando exagerado. * Pelo exposto soçobra na íntegra o recurso interposto pela Ré, mantendo-se e confirmando-se na íntegra, nesta parte, a sentença recorrida. * Recurso dos Autores O recurso dos autores é restrito à parte da sentença que declarou improcedente o pedido de indemnização pela perda de rendimentos, que a morte de seu malogrado filho lhes causou. Nas suas conclusões os autores referem que: «O filho (…) vivia com estes em economia comum, contribuindo para as despesas do agregado familiar. Os recorrentes, na qualidade de seus pais, podiam exigir alimentos à malograda vítima, independentemente de os não estarem a receber à data da sua morte e mesmo, independentemente, de não ser previsível a necessidade futura a esses alimentos. Por outro lado, o infeliz filho dos recorrentes, que faleceu apenas dois dias após a lesão que o vitimou, integrou na sua esfera jurídica o direito a indemnização por danos futuros decorrentes da perda de rendimentos do seu trabalho ou actividade. Tal direito a indemnização por danos futuros decorrentes da perda de rendimentos transmitiu-se, por via da sucessão, aos recorrentes, seus únicos e universais herdeiros – artigo 2024º do CCivil». A responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito (artº 483º do Código Civil) é a fonte da obrigação de indemnizar. Os sujeitos dessa obrigação, no caso em apreço, são a pessoa a quem o acidente é imputado a título de culpa e o lesado, que no caso é o malogrado filho dos Autores. Nenhuma relação obrigacional se estabelece directamente entre o responsável e os terceiros, neste caso os pais do lesado. Excepcionalmente, o Código Civil prevê a extensão da obrigação de indemnizar a certas pessoas, que com a vítima tinham uma especial relação. É assim no âmbito dos danos não patrimoniais, em que o Código Civil, no seu artº 496º, confere, por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais, estabelecendo que: «cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último aos irmãos ou sobrinhos que os representem». Não se trata do direito a indemnização já integrado na esfera jurídica da vítima, mas sim do direito que nasce com a sua morte e que, como tal, nunca a chegou a integrar e, por isso, não se transmite por sucessão hereditária. Trata-se de um direito próprio das pessoas mencionadas no artº 496º. As demais pessoas, por muito que tenham sofrido com a morte da vítima (dano indirecto), não têm direito a indemnização. Assim como não o têm os familiares mencionados naquele artigo, se a vítima não falecer. Excepcionalmente, também no artº 495º do Código Civil se estendeu a obrigação de indemnizar a terceiros, que suportaram as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem exceptuar as do funeral. Trata-se, mais uma vez, de excepção à regra do artº 483º do Código Civil. Mas note-se que são as despesas relativas ao lesado e não as próprias dessas pessoas – por exemplo, não são indemnizáveis as despesas que essas pessoas suportaram para irem visitar a vítima ou com a aquisição de roupas para o luto, etc. (embora às vezes as peçam). Efectivamente este “dano indirecto”, no sentido de prejuízos reflexamente sofridos por terceiros, titulares de relações jurídicas que são afectadas pelo dano (() Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 7º ed., pag. 595 e 596), não cabe na obrigação de indemnizar (o prejuízo que sofreu o dono do teatro com o facto do artista ter falecido e por isso não ter actuado, é o exemplo académico). Assim, embora já tenhamos encontrado decisões em contrário, entendemos que não é indemnizável o dano decorrente do facto da vítima ter deixado de auferir rendimentos, com que contribuiria para o património do agregado familiar, a não ser no quadro do artº 495º nº 3 do Código Civil. E não o é pelo seguinte: – A incapacidade para o trabalho que confere ao lesado o direito a uma indemnização por frustração de rendimentos futuros, só se verifica até à morte, por só até à morte ser previsível que os auferiria. Acresce que, em termos definitivos, esse direito só surge com a alta (incapacidade definitiva). No caso, a incapacidade definitiva ocorre com a morte e por isso o direito não chegou a nascer na esfera jurídica da vítima, que por isso mesmo nunca o poderia transmitir aos pais. Quando muito e se tal se tivesse provado, os pais, por via hereditária, teriam direito aos dois dias de incapacidade temporária que as lesões determinaram. (() Em sentido contrário ao nosso: «Entende alguma jurisprudência do STJ – citam-se a título de exemplo os Acórdãos de 2/7/2003 (P. 03B4120 – relator Conselheiro Salvador da Costa) e de 27/1/2005 (P. 04B4277 – relator Conselheiro Noronha Nascimento) – que os sucessores da vitima de lesão mortal têm direito, por via sucessória, nos termos do artigo 2024º do Código Civil, à indemnização por danos patrimoniais futuros por ela sofridos relativos à perda de rendimento do trabalho. Na lógica subjacente a esta posição os lucros cessantes consequentes à morte afectarão a esfera patrimonial da própria vitima e o direito à consequente indemnização transmite-se por via sucessória; assim, e dentro deste entendimento, serão titulares do direito à indemnização os herdeiros da vitima, no caso o cônjuge meeiro – artigos 1724º alínea a) 2132º e 2133º nº 1 alínea a) CC – e os filhos maiores – artigos 2132º e 2133º nº 1 alínea a) do mesmo Código». Citação extraída do Ac de STJ de 05-06-2008 relatado pelo Conselheiro Mário Mendes.) – O prejuízo futuro ou lucro cessante (rendimentos que engrossariam o património dos pais se o filho fosse vivo), não foi directamente causado pelo lesante. É efeito reflexo da morte do filho e não da acção do lesante que causou essa morte. Posição assumidamente contrária à por nós propugnada pode ler-se no atrás citado Ac. do STJ de 05-06-2008 relatado pelo Conselheiro Mário Mendes e de que extraímos o texto que segue em nota de rodapé (() «(…) Na verdade é nosso entendimento que os danos futuros (no caso traduzidos em lucros cessantes) resultantes da perda de capacidade de ganho da vitima no caso de morte desta têm, ao contrário do que ocorre em caso de incapacidade total ou parcial permanente, reflexos não na esfera patrimonial da vitima mas antes os podendo, abstractamente, ter na esfera patrimonial dos que deixaram de obter benefícios em consequência da lesão (artigo 563º 2ª parte CC). Tanto o cônjuge como os filhos (menores ou maiores, estes pelo menos no caso de se inserirem no quadro de previsão do artigo 1880º CC (11)) poderão, a título de lucros cessantes próprios (12) e verificados os pressupostos gerais da responsabilidade civil, reclamar uma indemnização pela morte do respectivo cônjuge e progenitor àquele que teve culpa na produção do evento mortal (ou á seguradora para quem por seguro válido tenha sido transferida a responsabilidade civil); nestes casos deve o tribunal valorar todas as circunstâncias do caso concreto indagando, com base em critérios de normalidade e verosimilhança, a existência de danos constituídos por benefícios ou vantagens que o cônjuge sobrevivo ou os filhos maiores deixaram de auferir em consequência da morte da vítima. Com o muito respeito que tal posição nos merece, cremos que a mesma ainda não tem apoio no instituto da responsabilidade civil, tal como emerge do Código Civil vigente Imagine-se a empregada doméstica que perde o emprego em consequência da morte do empregador. Ela não tem direito a qualquer indemnização por parte do autor da lesão (responsável pela morte). Ou a afilhada que foi criada em casa dos padrinhos, que a sustentam e que morre num acidente de viação. Quer os pais, quer os filhos, quer a “afilhada” do nosso exemplo, apenas terão direito a uma indemnização (excepcionalmente) no quadro do artº 495º nº 3 do Código Civil (os primeiros porque podiam exigir alimentos ao lesado e a segunda porque os alimentos lhe eram prestados no âmbito de uma obrigação natural). A lesão (lucro cessante ou rendimento frustrado) não emerge directamente do facto ilícito, mas sim da morte que aquele causou. O facto ilícito causa reflexamente efeitos sobre o património de terceiros. Este efeito reflexo não está abrangido pelo artº 483º do Código Civil (() Por todos, ler o douto Acórdão do STJ de 17-09-2009, relatado pelo Conselheiro João Camilo no processo292/1999-S1, in www. dgsi.pt, descritores responsabilidade extracontratual. danos reflexos. ). Assim, excepcionalmente em relação à previsão do artº 483º, dispõe este artº 495º, nº 3 do Código Civil, que, no caso de lesão de que proveio a morte, têm direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural. Segundo Antunes Varela, o direito à indemnização nos termos daquele normativo existe mesmo que a necessidade de alimentos seja futura, desde que seja previsível, por força do disposto no artº 564º (obra citada, pag. 619). O mesmo autor defende também, que, ainda que a necessidade futura não seja previsível, nenhuma razão há para isentar o lesante da obrigação de indemnizar a pessoa carecida de alimentos do prejuízo, que para ela advém da falta da pessoa lesada. Acolhendo a doutrina de Antunes Varela, alguma jurisprudência vem entendendo, que, para que nasça o direito à indemnização pelo denominado “dano da perda de alimentos” basta a verificação da qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício de alimentos, não relevando a efectiva necessidade dos mesmos (() Ac. do STJ de 05-05-2005 do saudoso Conselheiro Araújo Barros e Ac da Relação do Porto de 9.2.2009 (Deolinda Varão). ). No entanto, parte da jurisprudência continua a fazer depender a procedência deste pedido da efectiva prestação de alimentos (com necessidade ou sem necessidade) ou então da sua previsível necessidade nos termos do artº 564º do Código Civil Os Autores alegaram no artº 23º da petição inicial que o seu falecido filho, não só pelo profundo amor e dedicação que lhes devotava, mas também porque eram extremamente pobres, entregava-lhes mensalmente a quantia de €500, já que eram mínimas as suas despesas pessoais, em virtude do exército lhe fornecer refeições, roupa e quase tudo o que necessitava para o seu dia a dia. Mais alegaram no artº 24º que o filho os iria ajudar no mínimo até aos 30 anos, sofrendo assim um dano no valor global de €70.000 (€500x14mesesx10 anos). Sucede que, na base instrutória, apenas se quesitou, sob o nº 13, se o filho dos Autores os iria ajudar até aos 30 anos de idade. A este quesito respondeu-se “não provado”. Da motivação da matéria de facto decorre que este quesito foi considerado não provado apenas por “falta de fundamento” dos depoimentos das testemunhas quanto à idade em que o falecido filho dos Autores casaria (ver 3º e 6º parágrafos). Não porque não ajudasse (ver 4º parágrafo). Na douta sentença recorrida refere-se: Alegando que o seu filho os iria ajudar economicamente até perfazer 30 anos de idade, os autores pediram ainda uma indemnização pela perda de rendimentos que a sua morte lhes causa e causará. Duas questões se levantam de imediato a respeito do pedido de indemnização deste dano. Por um lado, configurando-se como um dano futuro, só poderá ser atendido pelo tribunal se for previsível, nos termos do disposto no art. 564.º, n.º 2, do Cód. Civil. Por outro lado, tratando-se de um dano que não atinge a esfera do lesado directo (e, repita-se, só a este se refere o art. 483.º, do Cód. Civil), esta perda de rendimentos só merecerá tutela jurídica se puder enquadrar-se no já aludido art. 495.º do Cód. Civil, segundo o qual, no caso de lesão de que proveio a morte, têm direito a indemnização as pessoas que podiam exigir alimentos ao lesado ou aquelas a quem ele os prestava no cumprimento de uma obrigação natural. No caso dos autos é, infelizmente, verdade que os autores deixaram de poder contar com a ajuda do filho. Porém, ao contrário do que havia sido alegado na petição inicial, não se provou que este iria ajudar aqueles até aos seus 30 anos de idade. Provou-se apenas que o filho dos autores tinha projectos de futuro para si e para a sua família, mas daí não resulta que pretendesse prestar ajuda económica aos pais, muito menos com carácter de regularidade. Por outro lado, se é certo que os autores se contam entre aqueles que, em abstracto, tinham legitimidade para exigir alimentos ao seu filho (cfr. art. 2009.º, al. b), do Cód. Civil), dos factos apurados não resulta que, em concreto, estivessem reunidas as restantes condições para fazerem essa exigência. Como resulta do disposto nos artigos 2004.º e 2013.º, al. b), in fine, do Cód. Civil, a obrigatoriedade de prestar de alimentos só surge com a carência por parte do alimentando; ora, nada na matéria de facto apurada permite afirmar que os autores estejam ou venham a estar carenciados de alimentos. Do exposto resulta que, atentas as plausíveis soluções da questão de direito (quer se entenda que basta a qualidade – aquele que podia exigir alimentos – quer se entenda que é necessário demonstrar a necessidade (ou a previsibilidade da necessidade futura), quer se exija que estivessem a ser prestados – é essencial a matéria do nº 23º da P.I. para a decisão, i. é, se, pelo facto dos Autores serem extremamente pobres, o falecido Álvaro entregava aos pais, mensalmente, do seu vencimento, a quantia de €500 e o mais aí referido. Entendemos assim, que, desdobrando-se o alegado no nº 23º da petição, se deveria ter quesitado, quer se os AA são extremamente pobres (respondendo-se de forma a concretizar em factos este conceito abstracto); quer se as despesas pessoais do falecido filho dos Autores eram mínimas, em virtude do exército lhe fornecer refeições, roupa e quase tudo o que necessitava para o seu dia; mas, sobretudo, se o filho dos Autores os ajudava, entregando-lhes mensalmente €500 do seu vencimento (€500X14 meses por ano). Enfim, atentas as plausíveis soluções da questão de direito, não tem apenas interesse saber se o filho dos Autores os iria ajudar até aos 30 anos (circunstância limitativa desse direito, que ao dar-se como não provada, sem mais, não afasta o direito à indemnização, já que a previsibilidade se exige em relação à necessidade de alimentos e não há sua prestação efectiva). Em primeiro lugar tem interesse saber se o filho dos Autores os ajudava e quanto entregava aos pais. Sabemos quanto auferia a vítima. Tem igualmente interesse, saber se efectivamente tinha poucos gastos (“eram mínimas as suas despesas pessoais, em virtude do exército lhe fornecer refeições, roupa e quase tudo o que necessitava para o seu dia a dia”), para decidir se «contribuía assim, naturalmente, para o pagamento das despesas com o seu sustento em casa dos pais» (() Ac. STJ de 15.5.2001 relatado pelo Conselheiro Afonso de Melo.) ou se essa contribuição se destinava a ajudá-los, configurando-se como “alimentos” Tem igualmente interesse e foi alegada a situação económica dos pais. Ora, se, como se refere na sentença recorrida, é essencial a situação económica dos pais, deveria ter sido aditada a pertinente factualidade à base instrutória. Nem se diga que a formulação do nº 23º da petição (“extremamente pobres”) é conclusiva ou abstracta. Ser pobre é um conceito de facto que as testemunhas entendem bem. As testemunhas poderão justificar a resposta concretizando os rendimentos que os Autores auferem e auferiam e demais elementos que se entendam necessários. Por seu turno, nos termos do artº 264º nºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, o Juiz deve ter em consideração, os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas que sejam complemento ou concretização de outros factos alegados, bem como os factos instrumentais que resultem da instrução da causa. Acresce, que questões levadas à base instrutória não têm de ser respondidas apenas como provadas ou não provadas. Pode-se concretizar o que se provou relativamente àquela questão. Aliás muitos outros conceitos abstractos ou conclusões foram quesitadas (“sofreu dores intensíssimas e angústia”, “imensas dores físicas”, “robusto”, “saudável”, “muitíssimo alegre”, “muitíssimo amigo”, “ânsia e alegria de viver”, “grandes projectos de futuro”, “profunda dor, desgosto, sofrimento, mesmo revolta”, “amavam muito”, “esperança de vida e razão de viver”, “progredir na carreira”). O que aliás nenhum reparo merece, quer pela dificuldade em concretizar “estados de alma”, sentimentos ou sensações, quer porque a justiça do Século XXI não pode ficar “atada” a exigências técnico-processuais, que contrariam a noção de “serviço” que o Estado, em todas as suas funções, incluindo a jurisdicional, deve prestar ao cidadão, conferindo a este a primazia, em detrimento das “boa técnica” jurídico-processual e, ao juiz, por isso, o dever de providenciar nos termos definidos pelo artº 264º e segs. do Código de Processo Civil . Por último, note-se que previsibilidade, a que se refere o artº 564º do Código Civil, se reporta ao dano (e este, se se provar que a vítima contribuía com a referida quantia para ajudar os pais, já se verificou). Coisa distinta é a previsibilidade de uma necessidade futura ou de uma prestação futura. De qualquer forma o juízo de previsibilidade, assenta em dados presentes, que nos permitem concluir em termos futuros. Não é possível provar que a pessoa só se irá casar aos 25 ou aos 30 ou mesmo se se vai casar (o futuro não se prova e o hipotético também não). A prova que se exige é em termos de probabilidade – alguém, se fosse vivo, provavelmente não se casaria antes dos 30 anos ou que até essa idade integraria o agregado dos pais e contribuiria com determinada quantia em dinheiro para os ajudar. Esta prova terá de assentar nos dados conhecidos quanto a essa concreta pessoa, trazidos ao processo (o projecto pessoal de vida do falecido e as condições em que vivia), ou, na sua falta, no que acontece na normalidade dos casos. Na falta de outros elementos, terá de se recorrer a critérios de equidade (prudente arbítrio do juiz). Assim, mesmo que não se tenha provado, pelos depoimentos das testemunhas (que o afirmaram, mas não convenceram o Mmo juiz a quo) que o falecido filho iria ajudar os Autores até aos 30 anos, não está excluído que, em sede de sentença, se atenda à duração provável dessa ajuda, em termos do que é habitual ou se verifica na generalidade dos casos, tal como se faz para o cálculo da indemnização pelo dano patrimonial de perda de rendimentos futuros em resultado da incapacidade (() Como se lê no Ac. do STJ de 06.07.00, na atribuição da indemnização pela perda de rendimento do trabalho decorrente de incapacidade, o julgamento da equidade, como processo de acomodação dos valores legais às características do caso concreto, não pode prescindir do que é normal acontecer no que se refere à duração da vida, à progressão profissional do lesado e finalmente à flutuação do dinheiro quando perspectivado um período correspondente ao da vida provável do lesado.). De qualquer forma e atenta a formulação do artº 495º nº 3 do Código Civil, não se poderá limitar (ou negar) a indemnização em função da “não prova” do tempo durante o qual a “contribuição” ou a prestação alimentícia se manteria, senão em função do próprio tempo em que a necessidade existiria ou, inclusivamente, em que os alimentos deveriam continuar a ser prestados (vida dos autores). Por tudo o que se expôs, este Tribunal não está habilitado a decidir o recurso interposto pelos Autores, em virtude de matéria factual essencial à decisão do concreto pedido objecto deste recurso, atentas as plausíveis soluções da questão de direito, apesar de alegada, não ter sido quesitada. É assim indispensável, nesta parte e quanto a este concreto pedido, objecto do recurso interposto pelos autores, que os autos voltem à 1ª instância, para ampliação da matéria de facto, aditando-se à base instrutória a matéria do artº 23º da P.I. (como supra referido), notificando-se as partes para requerem as provas e repetindo-se o julgamento, restrito a esta matéria e proferindo-se sentença restrita ao concreto pedido a que se reporta (€70.000 pelo prejuízo patrimonial que sofreram em consequência da morte do filho – artº 24º da P.I.) – nos termos do artº 712º nº 4 do Código de Processo Civil. Conclusões: 1ª Face á prova testemunhal de sentido contrário ao quesito e na ausência de qualquer informação sobre o estado do cinto de segurança, o facto da vítima ter sido projectada para fora do veículo, nas concretas circunstâncias deste acidente e só por si, não permite concluir que não trazia o cinto de segurança. 2º O condutor é o responsável pela segurança dos passageiros e da carga bem como pela condução, na qual se engloba a escolha da via por onde circula, sendo irrelevante o facto do filho dos autores ter, ou não, aceitado ser transportado por aquela via. De qualquer forma, face à prova produzida, não houve erro na apreciação da prova. 3º Em caso de julgamento segundo a equidade, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida. 4º Da análise da jurisprudência das Relações e do Supremo Tribunal de Justiça dos últimos anos e atenta a concreta factualidade provada, a valorização, segundo um critério de equidade, da perda do direito à vida deste jovem, de 20 nos de idade, robusto, militar de carreira, saudável, muito alegre, muitíssimo amigo de seus pais e irmã, com ânsia e alegria de viver e com grandes projectos de futuro quer para si, quer para a sua família, em €60.000,00, não se mostra exagerada. Também o montante de €25.000 para cada um dos Autores, pela perda do filho, em face da dor que lhes causou e por ter destroçado a respectiva vida familiar, se coaduna com os valores praticados noutros casos. 5º Não é indemnizável o dano indirecto, sofrido pelos pais, decorrente do facto da vítima, ao falecer, ter deixado de auferir rendimentos, com que contribuiria para o património do agregado familiar, a não ser no quadro do artº 495º nº 3 do Código Civil. 6º Não o é por via sucessória, pois a incapacidade para o trabalho que confere ao lesado o direito a uma indemnização por frustração de rendimentos futuros, só se verifica até à morte, por só até à morte ser previsível que os auferiria. Acresce que, em termos definitivos, esse direito só surge com a alta (incapacidade definitiva). No caso, a incapacidade definitiva ocorre com a morte e por isso o direito não chegou a nascer na esfera jurídica da vítima, que, por isso mesmo, nunca o poderia transmitir aos pais. Quando muito e se tal se tivesse provado, os pais, por via hereditária, teriam direito aos dois dias de perda de salários pela incapacidade temporária que as lesões determinaram. 7º Também não o é como “dano directo”, pois o prejuízo futuro ou lucro cessante (rendimentos que engrossariam o património dos pais se o filho fosse vivo), não foi directamente causado pelo lesante, não emerge directamente do facto ilícito, mas sim da morte que aquele causou. É um efeito reflexo da morte do filho dos Autores e não da acção ou omissão do lesante. Este efeito reflexo não está abrangido pelo artº 483º do Código Civil. 8º Para a apreciação deste pedido (objecto único do recurso dos Autores), atento o disposto no nº 3 do artº 495º do Código Civil e as várias teses da doutrina e da jurisprudência sobre esta questão jurídica, tem interesse saber se o filho dos Autores os ajudava, quanto lhes entregava e se os pais careciam dessa ajuda. Tal matéria foi alegada pelos Autores no artº 23º da petição inicial e não foi levada à base instrutória. 9º É assim indispensável, nesta parte e quanto a este concreto pedido, objecto do recurso interposto pelos autores, que os autos voltem à 1ª instância, para ampliação da matéria de facto, aditando-se à base instrutória a matéria do artº 23º da P.I. nos termos do artº 712º nº 4 do Código de Processo Civil. V - DELIBERAÇÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em: A) Recurso da Ré – Julgar improcedente a apelação interposta pela Ré, mantendo-se o decidido pela 1ª instância, na parte a que este recurso respeita. – As custas deste recurso ficam a cargo da Ré. B) Recurso dos Autores – Ao abrigo do estatuído no nº 4 do artº 712º do Código de Processo Civil, determinar que o processo baixa à 1ª instância, para aditamento à base instrutória da factualidade omitida – artº 23º da petição inicial – determinando-se a repetição do julgamento, restrito à apreciação de tal matéria, proferindo-se sentença também restrita ao pedido de indemnização por dano patrimonial referido no artº 24º do mesmo articulado. – As custas deste recurso (com referência ao valor €70.000) ficam a cargo da parte vencida a final no tocante a este pedido. Guimarães, 15 de Dezembro de 2009 |