Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
611/13.4TTGMR.G1
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: RECURSO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS
REJEIÇÃO
CONTRATO DE SEGURO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/04/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
1- Na fase de recurso, pressuposto inicial da junção de documentos que sempre reveste natureza excepcional, é a necessidade ou utilidade dos documentos para a descoberta da verdade.

2- A impugnação da decisão relativa à matéria de fato com fundamento na errada apreciação desta deve resultar nos seus diversos requisitos nas conclusões do recurso sob pena de estar vedado ao tribunal ad quem o seu conhecimento.

3- É de rejeitar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por violação do disposto no artº 640º nºs 1, alª b), e 2, alª a), do artº 640º do CPC quando quanto à prova oral particularizada se opta por não indicar com exactidão as passagens da gravação dos depoimentos alegadamente valoradas de forma errada.

4- Perante contrato de seguro que transfira a responsabilidade do empregador, compete à seguradora alegar e provar que o tomador do seguro agiu com dolo ou com negligência quando prestou, ou deixou de prestar as declarações ou informações sobre as circunstâncias que devia ter por significativas para ser apreciado o risco.

5- Embora a tomadora do seguro tivesse ainda mais trabalhadores relativamente aos quais não se apuraram as funções desempenhadas, a seguradora não tem o direito de recusar a cobertura do sinistro mediante contrato de seguro “sem nomes” se o mesmo reportava-se a dois trabalhadores florestais e no acidente ocorrido na tarefa de corte de árvore apenas estavam envolvidos dois que estavam abrangidos pelo risco assumido.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães

Este processo especial emergente de acidente de trabalho foi proposto por S. D., que viveu maritalmente com o sinistrado falecido C. C., e L. C., filha de ambos, contra Companhia de Seguros, para quem foi transferida a responsabilidade infortunística laboral, e Madeiras, Lda, empregadora.
Tinha sido realizada tentativa de conciliação na qual não se consideraram as partes conciliadas.

Foi declarado, designadamente:

pela 1ª R, que “não aceita qualquer responsabilidade pelo acidente dos autos, uma vez que a entidade empregadora apenas declarou a existência de dois trabalhadores, quando na realidade tinha 5 ao seu serviço, conforme comprovado no relatório do ACT. Assim, existe incumprimento doloso do dever de declaração inicial do risco, não podendo a sua representada ser responsável pelo sinistro em causa, nos termos do nº 3 do artº. 25º da Lei Contrato de Seguro e conforme cláusula 8ª, nº 3 das Condições Gerais da Apólice. Além do enunciado, verifica-se também o incumprimento das normas básicas de segurança por parte da Entidade Empregadora, conforme conclusões do relatório da ACT, tendo está incumprido em várias disposições legais”;
pela 2ª R, que “aceita a existência do acidente e a sua caracterização como de trabalho. Aceita que o sinistrado auferia a retribuição supra referida. Não aceita qualquer responsabilidade pelas consequências do acidente, em virtude de toda a responsabilidade se mostrar transferida para a entidade seguradora e não se ter verificado violação de qualquer norma legal relativa a higiene ou saúde no trabalho”.

Pede-se a condenação das RR:

A) Ao pagamento à A. de uma pensão anual, no valor de 2.347,00€, sendo 2.170,00€ da responsabilidade da entidade seguradora, aqui 1ª R. e 176,32€, da responsabilidade da entidade empregadora, aqui 2ª R.;
B) Ao pagamento à filha menor também de uma pensão anual, no valor de 1.564,67€, sendo 1.447,12€ da responsabilidade da entidade seguradora, aqui 1ª R. e 117,55€, da responsabilidade da entidade empregadora, aqui 2ª R., até aquele perfazer 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respectivamente o ensino secundário, curso equiparado ou ensino superior, ou sem limite de idade no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho;
C) Ao pagamento da quantia de 5.533,70€, a título de subsídio por morte, sendo 5.117,98€, da responsabilidade da entidade seguradora, aqui 1ª R. e 415,75€, da responsabilidade da entidade empregadora, aqui 2ª R., sendo o referido valor dividido em duas partes iguais a entregar à viúva e à filha menor;
D) Ao pagamento da quantia de 18,00€ a título de despesas de transportes;
E) Ao pagamento da quantia de 1.355,00€ de despesas de funeral, conforme factura que já junto nos autos.
F) Juros de mora à taxa legal sobre as quantias em que vierem a ser condenadas as RR., desde as datas dos respectivos vencimentos até total pagamento”.

A 2ª R, ainda:

A) A pagar às AA. uma indemnização por danos morais, em quantia nunca inferior a 60.000,00€ (sessenta mil euros).
B) Juros de mora à taxa legal sobre as quantias em que vier a ser condenada a 2ª R., desde a data do respectivo vencimento até total pagamento”.
Alegou-se, em síntese: o sinistrado viveu maritalmente com a 1ª A desde 2009 e era pai da 2ª A; o mesmo, no dia 03.06.2013, quando trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da 2ª R, auferindo a retribuição de 485,00€ x 14 meses/ano, acrescida de 93,94€ x 11 meses/ano de subsídio de alimentação, cuja responsabilidade infortunística estava transferida para a 1ª R pela retribuição de 485,00€ x 14 meses/ano, acrescida de 40,51€ x 11 meses/ano, sofreu um acidente causador de lesões que provocaram a morte; segundo o inquérito do ACT a 2ª R violou os artºs 202º da Lei 7/2009, 73º e 198º, nº 3, alª a) da Lei 102/2009; e as AA sofreram danos não patrimoniais.
Na sua contestação a 1ª R alegou, em súmula: no sentido da posição assumida na tentativa de conciliação; o acidente resultou da culpa da 2ª R; e o sinistrado, à data da ocorrência do acidente, vivia em casa dos seus pais, a quem entregava o produto do seu trabalho para as despesas domésticas.
Na sua contestação a 2ª R alegou, em suma, igualmente no sentido da sua posição assumida na tentativa de conciliação.
A 1ª R deduziu resposta.
Proferiu-se despacho saneador onde se procedeu à selecção da matéria fáctica (factos assentes e base instrutória).
Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento, respondendo-se à matéria da base instrutória.

Proferiu-se sentença, segundo a qual:

“… julgo a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:
A- condeno a R. seguradora “ Companhia de Seguros, SA” e a R. empregadora “ Madeiras Unipessoal, Ldª” a pagarem:
- À beneficiária filha, L. C., com início no dia 4 de Junho de 2013, a pensão anual de €1564,67 (mil, quinhentos e sessenta e quatro euros e sessenta e sete cêntimos), sendo €1447,12 (mil, quatrocentos e quarenta e sete euros e doze cêntimos) da responsabilidade da seguradora e €117,55 (cento e dezassete euros e cinquenta e cinco cêntimos), da responsabilidade da entidade empregadora (sem prejuízo da pensão já recebida a título de pensão provisória), a ser-lhe paga adiantada e mensalmente até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, acrescida de 1/14 nos meses de Junho e de Novembro a título de subsídio de férias e Natal, respectivamente, a qual nos termos do artº 6º do DL nº 142/99, de 30.04, na redacção dada pelo DL nº 185/07, de 10.05 e das Portarias nº 378- C/2013, de 31/12 e nº 162/2016, de 09/06 se actualiza:

- A partir de 01.01.2014 para o(s) seguinte(s) montante(s) anual(ais), acrescida(s) de 1/14 a título de subsídio de férias e de Natal: € 1 570,93 ( mil, quinhentos e setenta euros e noventa e três cêntimos), sendo € 1452,91 (mil, quatrocentos e cinquenta e dois euros e noventa e um cêntimos) da responsabilidade da seguradora e € 118,02 ( cento e dezoito euros e dois cêntimos), da responsabilidade da entidade empregadora; e
- A partir de 01.01.2016 para o(s) seguinte(s) montante(s) anual(ais), acrescida(s) de 1/14 a título de subsídio de férias e de Natal: € 1577,21 (mil, quinhentos e setenta e sete euros e vinte e um cêntimos), sendo € 1458,72 (mil, quatrocentos e cinquenta e oito euros e setenta e dois cêntimos) da responsabilidade da seguradora e € 118,49 (cento e dezoito euros e quarenta e nove cêntimos) da responsabilidade da entidade empregadora;

B- Condeno a R. Seguradora:

I- A pagar à beneficiária L. C., a quantia de € 5 533,70 (cinco mil, quinhentos e trinta e três euros e setenta cêntimos), de subsídio por morte;
II- A pagar à A. S. D.:
- A quantia de € 1355,00 (mil, trezentos e cinquenta e cinco euros) correspondente a despesas de funeral que suportou; e
- A quantia de € 18,00 (dezoito euros) despesas de transportes, que suportou nas deslocações a tribunal em representação da menor L. C..
C) No mais absolvo as RR. do pedido.
Custas pelas A. S. D. e RR. na proporção do decaimento e da responsabilidade das últimas, sem prejuízo do apoio judiciário de que a primeira beneficia”.
A 1ª R recorreu.

Conclusões:

1 - Na modesta opinião da demandada, a reapreciação, em primeira linha, dos depoimentos das testemunhas N. A., R. C. e P. B. deverá levar à alteração das respostas dadas aos Quesitos 22º, 23º, 24º, 25º e 28º, todos da Base Instrutória.
2 - Sendo certo que a demandada procurará demonstrar que, desde já, através da reapreciação da prova gravada, deverá ser esta a resposta final a dar:
- Quesitos 22º, 23º, 24º, 25º e 28º da BI): PROVADOS (até agora, ou dados como não provados, ou provados parcialmente, mas com uma redacção diferente, leia-se, restritiva).
3 - A testemunha N. A. confirma, desde logo, que havia, além do sinistrado mais três trabalhadores na empresa segurada da demandada; a testemunha N. A. confirma que a existência de mais do que dois trabalhadores, conforme consta da apólice, não foi comunicada, em momento algum, à demandada; a testemunha N. A. confirma que a apólice de seguro só cobria dois trabalhadores, sem nomes.
4 - Mas, não menos importante que tudo isto, a testemunha N. A. confirma que UM SEGURO COM CINCO TRABALHADORES ERA MAIS CARO, PELO QUE, NO SEU ENTENDIMENTO, A ÚNICA EXPLICAÇÃO PARA NÃO ESTAREM DECLARADOS CINCO TRABALHADORES NA APÓLICE, EM VEZ DE DOIS, ERA PARA PAGAR UM PRÉMIO MAIS BAIXO; Ou seja, A ENTIDADE PATRONAL, APESAR DE TER, PELO MENOS, QUATRO TRABALHADORES AO SEU SERVIÇO, MANTEVE UMA APÓLICE FIXA SEM NOMES APENAS PARA DOIS TRABALHADORES.
5 - A testemunha R. C. confirma que a entidade patronal, à data do sinistro, tinha cinco trabalhadores no quadro fixo de pessoal; a testemunha R. C. confirma que os trabalhadores tinham a categoria profissional, ou de tractoristas, ou de motosserristas.
6 - A testemunha P. B. confirma, desde logo, que a entidade patronal tinha cinco trabalhadores nos seus quadros fixos de pessoal; a testemunha P. B. confirma que havia dois trabalhadores mais antigos que o sinistrado; a testemunha P. B. confirma que o trabalhador J. R. estava no local, embora afastado, informação essa que lhe foi transmitida pelo próprio.
7 - Mas, não menos importante que tudo isto, a testemunha P. B. confirma que TODOS OS CINCO TRABALHADORES DA SEGURADA DA DEMANDADA FAZIAM TRABALHO FLORESTAL; ou seja, OU NA CATEGORIA DE TRACTORISTAS, OU NA CATEGORIA DE MOTOSSERRISTAS (A CATEGORIA PROFISSIONAL DO SINISTRADO), TODOS OS TRABALHADORES PRESTAVAM SERVIÇO NO ÂMBITO DA ACTIVIDADE LABORAL DA ENTIDADE PATRONAL.
8 - A testemunha R. C. confirma que a árvore caiu sobre o sinistrado porque este se encontrava dentro do perímetro para onde ela (a árvore) poderia cair; a testemunha R. C. confirma que não viu capacetes no local nem constatou que houvesse capacetes disponíveis; a testemunha R. C. confirma que ninguém referiu o uso de capacetes.
9 - A testemunha P. B. confirma, desde logo, que o sinistrado encontrava-se a uma distância da árvore (eucalipto) inferior ao tamanho do mesmo; a testemunha P. B. confirma que o eucalipto tinha cerca de 10 metros, pelo que o sinistrado encontrava-se a cerca de 5 metros daquele.
10 - As testemunhas supra identificadas depuseram de forma isenta, desinteressada e imparcial, com particular destaque para o inspector da ACT, que nenhuma relação tem com as partes envolvidas nos presentes autos.
11 - Face a estes factos, na modesta opinião da entidade responsável, a resposta dada aos Quesitos 22º, 23º 24º, 25º e 28º terá que mudar para PROVADOS, passando tais factos a constar dos Factos Provados.
12 - Entende a demandada que houve erro na apreciação e valoração da prova, nos termos e para os efeitos do artº 662º do Código de Processo Civil, sendo o meio probatório que serve de fundamento ao alegado erro na resposta dada aos Quesitos 22º, 23º, 24º, 25º e 28º é os depoimentos da testemunha N. A., R. C. e P. B., nas passagens da gravação também já referenciadas.
13 - Em função da alteração da resposta dada aos Quesitos 25º e 28º, ter-se-á que considerar, obrigatoriamente, que o acidente dos autos apenas ocorreu por manifesta violação das regras de segurança por parte da entidade patronal; devendo, por conseguinte, absolver-se a demandada de todos os pedidos contra ela formulados.
14 - A responsabilidade da entidade patronal pelo acidente dos autos não se encontrava transferida para a contestante.
15 - É certo que, entre a demandada e a entidade patronal, tinha sido efectuado um contrato de seguro do ramo “Acidentes de Trabalho”, titulado pela apólice nº …; porém, esse contrato era “FIXO SEM NOMES” (seguro sem indicação de nomes dos trabalhadores seguros) e “NÚMERO DE PESSOAS SEGURAS” 2 (duas).
16 - A entidade patronal ficava desonerada da obrigação de identificar os trabalhadores a incluir no contrato de seguro, mas devia incluir TODOS os trabalhadores no número das pessoas seguras, no momento da celebração do contrato ou quando ocorresse alteração do quadro de pessoal.
17 - Segundo as “Condições Particulares da Apólice”, a entidade patronal apenas segurou dois trabalhadores florestais e pelo salário que, à data do acidente dos autos, era de 485,00x14+40,51x11 (tudo, conforme condições particulares da apólice já juntas aos autos).
18 - Ora, a entidade patronal tinha ao seu serviço, na data do acidente dos autos, o sinistrado (a trabalhar ali há cerca de um ano) e mais outros quatro trabalhadores, J. R. (que ali trabalha há mais de oito anos), Albano (a trabalhar ali há cerca de quinze anos), M. P. e M. R. (ambos a trabalhar ali há cerca de dois meses).
19 - A situação acabada de referir (trabalhadores em número de cinco e, por isso, superior a dois) já se verificava antes do acidente; sendo assim, uma vez que a entidade patronal tinha ao seu serviço cinco trabalhadores e só dois se encontravam cobertos pelo contrato de seguro, o sinistro dos autos não é da responsabilidade da demandada.
20 - É público e notório que o risco de cinco trabalhadores a laborar é muito superior ao de dois trabalhadores.
21 - O prémio de seguro é calculado em função do risco transferido.
22 - Como é óbvio, a demandada nunca aceitaria correr risco por cinco trabalhadores recebendo como contrapartida um prémio por dois trabalhadores e, por isso, não aceitaria celebrar o contrato de seguro ou, se aceitasse, aplicava um prémio em função do risco; pelo contrário, a entidade patronal, ao celebrar o contrato nos termos em que o fez (declarando ter dois trabalhadores ao seu serviço quando teria mais) ou, pelo menos, não comunicando à demandada a alteração do risco na vigência do contrato, fê-lo dolosamente, para beneficiar de um seguro com prémio mais baixo.
23 - A entidade patronal praticou inexactidões dolosas na declaração inicial do risco prevista no nº 1 do artº 24º e sancionada no nº 1 mas, sobretudo, no nº 3, ambos do artº 25º, preceitos constantes do DL 72/2008, de 16/04 ou, pelo menos, não cumpriu o dever de informação nem a comunicação do agravamento do risco, previstos nos nº 1 do artº 91º e nº 1 do artº 93º, incorrendo na sanção prevista na alínea c) do nº 1 do artº 94º (já que o fez para beneficiar de um prémio mais baixo), todos preceitos do mesmo diploma legal referido.
24 - Sendo assim, a demandada tem o direito de recusar, como recusa, a cobertura do sinistro dos autos, faculdade também constante do nº 3 da Cláusula 8ª das Condições Gerais da Apólice Uniforme aprovada pela Norma Regulamentar do I.S.P. nº 1/2009-R de 08/01/2009.
25 - É este, por sinal, também o entendimento do Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 20/09/2006, cuja cópia aqui se junta.
26 - Aliás, basta, a este título (nulidade do contrato) atentar no próprio historial da apólice, que se encontra junta aos autos a fls...; com efeito, além de nunca ser discriminada a categoria dos trabalhadores (contrariando, assim, o entendimento vertido na Douta Sentença quanto a trabalhadores florestais), o número de trabalhadores varia sempre entre um e dois.
27 - Relativamente às circunstâncias do acidente, o eucalipto tinha cerca de 10 metros de cumprimento e o sinistrado estava à distância de cerca de 5 metros da respectiva base, segundo foi referido pela testemunha presencial, seu colega de trabalho.
28 - O sinistrado estava, pois, a uma distância (da base) correspondente a cerca de metade do cumprimento da árvore a abater; ora, é uma regra de segurança do abate de árvores que os trabalhadores envolvidos devem permanecer a uma distância mínima superior ao tamanho da árvore a abater.
29 - Essa regra não foi cumprida nem a entidade patronal do sinistrado se assegurou desse cumprimento, visto que não tinha nenhum delegado no local que orientasse os trabalhadores nesse sentido.
30 - Por outro lado, o equipamento individual de segurança usado no momento do acidente pelos trabalhadores envolvidos, incluindo o sinistrado, limitava-se a luvas e botas com biqueira de aço.
31 - Os trabalhadores envolvidos, incluindo o sinistrado, não estavam equipados com capacete de segurança, o que seria fundamental para evitar a tragédia que acabou por se verificar, pois as lesões que provocaram a morte do sinistrado ocorreram na cabeça e o capacete de segurança poderia evitá-las.
32 - O acidente de trabalho dos autos, a proceder a peticionada alteração da matéria de facto, ocorreu por culpa da entidade patronal.
33 - Foram violadas normas de segurança estabelecidas para a actividade em causa e mencionadas na matéria de direito também alegada na mesma douta peça e no relatório da ACT.
34 - Se tais normas tivessem sido, minimamente, observadas, o acidente não teria ocorrido; a ser assim, como aliás é, este acidente de trabalho resulta de culpa da entidade patronal (artº 18º da Lei 98/2009, de 04/09).
35 - A Douta Sentença recorrida violou, entre outros, o artº 18º da Lei 98/2009, de 04/09, bem como o nº 1 do artº 24º, os nºs 1 e 3, ambos do artº 25º, nº 1 do artº 91º e nº 1 do artº 93º, alínea c) do nº 1 do artº 94º, todos do DL 72/2008, de 16/04, bem como o nº 3 da Cláusula 8ª das Condições Gerais da Apólice Uniforme aprovada pela Norma Regulamentar do I.S.P. nº 1/2009-R, de 08/01/2009, bem como o artº 607º do Código de Processo Civil.
Termina pretendendo: “provimento ao recurso e, por conseguinte, alterando a Douta Sentença recorrida no sentido de considerar;
A) desde logo, que o contrato de seguro é nulo, não estando, por conseguinte, o sinistrado coberto pela apólice existente na demandada;
B) mas também que o acidente dos autos apenas ocorreu por manifesta violação das regras de segurança por parte da entidade patronal, …”.
A 2ª A contra-alegou.

Concluiu:

- Não existe qualquer erro na apreciação e valoração da prova por parte da julgadora que implique a alteração da matéria de facto dada como provada relativamente aos quesitos 22º a 25º e 28º;
- A factualidade provada é corolário lógica da prova produzida e a apreciação que a Mª Juíza dela fez está conforme a essa prova e as regras da experiencia comum;
- Inexistindo, por isso, qualquer erro de julgamento, que implique qualquer reapreciação da prova e, alteração da matéria de facto e da decisão proferida ou julgamento diverso do realizado nesta instância;
4º O seguro efectuado pela seguradora com a empregadora é válido e eficaz e, como tal, abrange o acidente de trabalho em causa nos autos;
A seguradora não fez, como lhe competia, qualquer prova de que o acidente de trabalho em causa nos autos, se ficou a dever a violação das regras de segurança e de saúde no trabalho e, muito menos, que qualquer eventual violação de alguma ou algumas dessa regras, foi causa exclusiva, direta e necessária do acidente;
A decisão de direito está conforme à factualidade provada e ao direito aplicável;
A sentença recorrida não violou qualquer precito legal, nomeadamente, os invocados artºs 18º, nº 1, da NLAT, 24º, nº 1, 25º, nºs 1 e 3, 91º, nº 1 e 93º, nº 1 e 94º, nº 1, alínea c), todos do D.L. nº 72/2008, de 16 de abril, cláusula 8ª, das Condições Gerias da Apólice Uniforme, aprovada pela Norma Regulamentar do ISP nº 1/2009 – R, de 18 – 1- 2009, e artº 607º, do Código de Processo Civil.
A 2ª R alegou.

Conclusões:

1) A Douta Decisão não merece qualquer censura ou reparo, com efeito, a equidade, razoabilidade e justeza da sua fundamentação é a demonstração clara daquela nossa afirmação e de uma correcta aplicação da Lei.
2) A equidade, razoabilidade e justeza da sua fundamentação é a demonstração clara daquela nossa afirmação e de uma correcta aplicação da Lei.
3) Assim, vêm os recorrentes, em síntese, demonstrar a sua discordância com a Douta Sentença recorrida, tendo por objecto o seu recurso as seguintes questões:
(…)
4) Quanto à reapreciação da prova gravada, alega a recorrente a alteração das respostas dadas aos quesitos 22º, 23º, 24º, 25º e 28º, todos da Base Instrutória, tendo para o efeito sustentado tal reapreciação no depoimento das testemunhas N. A., R. C. e P. B., sendo que, em momento algum a recorrente transcreve os depoimentos, nem excertos dos depoimentos das referidas testemunhas.
5) Por uma questão de sistematização, entendemos dever começar por tomar posição quanto à suscitada questão da decisão da matéria de facto.
6) O art. 662º do C.P.C., admite … .
(…)
8) Não tendo a recorrente invocado, até porque não existe, uma flagrante desconformidade entre os elementos de prova (depoimentos das testemunhas) e a decisão, nem sequer deve ser colocada a questão da alteração da matéria de facto dada como provada na 1ª instância.
9) A recorrente nas suas alegações tece comentários que, para além de serem a sua interpretação dos depoimentos, não deixa de ser curioso que não transcreve um único depoimento na sua íntegra, nem transcrevem excertos desses depoimentos, fazendo ou tirando conclusões totalmente descontextualizadas dos depoimentos.
10) A recorrente não transcreve os depoimentos das testemunhas, nem sequer enxertos dos mesmos, limita-se a referir a data e fazendo referência apenas ao início do registo, e noutros casos, a data e o início e termo do registo.
(…)
12) A recorrente embora indique, por referência a cada um dos depoimentos das testemunhas, o início e o termo deles por referência ao que ficou exarado nas actas de audiência de julgamento e refira a data em que os depoimentos foram realizados.
Não menciona os trechos dos depoimentos das testemunhas que, no seu entender, justificavam a alteração pretendida pela recorrente. Pois nem transcreve parte (ou excertos) dos depoimentos das testemunhas, isto é, a recorrente não fornece à Relação os elementos relevantes e concretos que permitiriam ao tribunal a reapreciação da matéria de facto. Pelo contrário, pronuncia-se quanto às testemunhas (ao seu depoimento) tirando conclusões, e não o que elas efectivamente disseram, por suas palavras.
13) Pelo que, não transcrevendo a recorrente qualquer excertos dos depoimentos, e não indicando com exactidão as passagens da gravação em que fundam a sua impugnação, não cumpriram com o disposto no art. 640º, do C.P.C, devendo o recurso ser rejeitado.
14) Entende a recorrente que o tribunal “a quo” andou muito mal na apreciação que fez da prova produzida em audiência de Julgamento, pois que, alega ela, concretamente, alega que deve ser alterada as respostas dadas aos quesitos 22º, 23º, 24º, 25º e 28º todos da Base Instrutória:
(…).
15) A motivação da decisão de facto do Tribunal “a quo”, no que concerne aos pontos controvertidos da matéria de facto, este fundou a sua convicção, e no que toca aos depoimentos das testemunhas, em particular às que a recorrente menciona nas suas alegações, e que diz o seguinte:
(…)
16) É claro e evidente que da motivação da decisão de facto do Tribunal “a quo” que atento o depoimento das testemunhas, inclusive das testemunhas que a recorrente refere nas sua alegações, que outra não podia ser a decisão sobre a matéria de facto do que aquela que sobre os quesitos recaiu.
17) Mas, e para um claro esclarecimento, e demonstração da falta de razão da recorrente, passámos a enunciar e indicar os depoimentos, embora que, porque transcritos nas alegações, aqui nas conclusões nos limitaremos a indicar as testemunhas e os registos.
18) Alega a recorrente que a testemunha N. A. disse no seu depoimento que (…).
(…)
35) Analisados os depoimentos das testemunhas supra mencionadas, não há nem existe qualquer erro nas respostas dadas aos quesitos 22º, 23º, 24º, 25º e 28º da Base Instrutória, nem houve qualquer erro na apreciação e valoração da prova, bem andou assim o Tribunal “a quo” ao decidir como decidiu e respondendo como respondeu aos quesitos, colocados agora em crise pela recorrente.
36) Nenhuma razão assiste à recorrente apesar do esforço que faz na fracassada construção que se atreve a fazer ao longo das alegações sobretudo nas Conclusões das mesmas, com o que tentam iludir e baralhar a questão dos autos.
37) Pelo que, a Douta Sentença recorrida faz uma correcta interpretação e aplicação da LEI, não merecendo, por isso, a menor censura, não devendo consequente ser a matéria de facto alterada.
38) Quanto à segunda questão levantada pela recorrente na sua alegação, que, em função da alteração da resposta dada aos quesitos 25º e 28º, ter-se-á que considerar, obrigatoriamente, que o acidente dos autos apenas ocorreu por manifesta violação das regras de segurança por parte da entidade patronal.
39) Dando-se por integralmente reproduzido o que supra se alegou e onde de sustenta e defende que não há qualquer erro na apreciação da prova, pelo que, não devem ser alteradas as respostas dadas aos quesitos 25º e 28º da Base Instrutória, deve também quanto a esta parte improceder totalmente as alegações e conclusões da recorrente.
40) Não ficou provado que o sinistrado estivesse no momento do abate da árvore a uma distância de 5 metros,
41) Não ficou provado que o sinistrado aquando do fatídico acidente não usasse capacete de segurança, como supra se demonstrou pelo depoimento das testemunhas.
42) Contudo, e sem prescindir, permitam-nos aderir à fundamentação da Douta Sentença recorrida, e que quanto a esta matéria diz o seguinte:
(…).
43) Como resulta dos factos dados como provados e do próprio relatório do ACT, “o corte da árvore que provocou a morte do sinistrado C. C. obedeceu ao que comummente se conhece como uma boa prática”.
44) E, embora o relatório refira a violação de duas regras, a saber a falta de capacete e o surgimento de ventos fortes, no entanto, ficou não provado que o sinistrado não estivesse equipado com capacete de segurança,
45) E, quanto aos ventos fortes, ficou provado que estes surgiram, infelizmente no momento em que a operação do corte da árvore já estava realizada, e no momento em que estava para cair.
46) Ficou provado e o relatório do ACT também o refere, todo o processo de corte foi feito dentro das regras de segurança, e a árvore só não caiu para o lado que devia, porque quando já se encontrava em queda no sentido pretendido pela testemunha M., já desprendido do cabresto, dançando na sua base, e por força do vento contrário que se fez sentir naquele momento, tornou impossível prever a direcção da queda da árvore, indo atingir o sinistrado que se encontrava no lado oposto onde deveria cair a árvore.
47) A recorrida Madeiras, Unipessoal, Lda., entidade patronal, não violou qualquer regra de segurança, pois o surgimento de vento forte quando a árvore já estava em queda, fazendo com a que mesma caísse no sentido contrário do pretendido pelo trabalhador, e tendo este cumprido com todas as boas práticas para o corte/abate de árvores, não era exigível que contasse com o surgimento do vento no momento da queda da árvore.
48) Toda a dinâmica do acidente foi e era totalmente imprevisível, não podendo cair sobre a recorrida o dever de prever o surgimento do vento como foi “in caso” e concluir-se que houve violação das regras de segurança.
49) Como é sustentado no Acórdão da Relação de Guimarães, de 03-03-2016, in www.dgsi.pt., este no seu sumário diz o seguinte:
(…).
(…)
51) A recorrente nas suas alegações, já na sua parte final, alega a não existência no local de um delegado que orientasse os trabalhos.
52) Foi referido pelas testemunhas e que supra transcrevemos excertos, em particular a testemunha M., única pessoa, para além do sinistrado presente no local, em que diz que este (a vítima) era quem orientava os trabalhos.
53) Temos as declarações do inspector da ACT que a instancias do Magistrado do MºPº diz o seguinte relativamente à presença de um delegado no local a orientar os trabalhadores:
(…).
54) Pelo que, muito bem andou o Tribunal “a quo” ao não imputar à recorrida o acidente dos autos a título de culpa ou situação equiparada, derivada da inobservância das regras de segurança, pois não se mostraram verificados os requisitos previstos no art. 18º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 04/09.

Pelo exposto,

55) Se conclui quanto a este ponto, que a Douta Decisão proferida pelo Tribunal “a quo” nenhuma censura merecerá, devendo o presente recurso e conclusões serem julgadas totalmente improcedentes, pelos mesmos fundamentos.
56) A responsabilidade da recorrida pelo acidente dos autos encontra-se transferida para aquela, por contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida, há vinte anos, contrato de seguro esse sem nome de prémio fixo, no ramo de acidentes de trabalho, titulado pela apólice nº ….
57) O contrato de seguro mantêm-se ainda em vigor.
58) Em que era seguras duas pessoas, com que a profissão de trabalhador florestal, e com o CAE: Arranque, corte de árvores, tocos, cepos, tudo como se pode ver nas condições particulares da apólice junta aos autos.
(…)
61) ficou provado que a recorrida Madeiras, Unipessoal, Lda., à data do acidente tinha dois trabalhadores, a vítima e o M., no abate e corte de árvores nos montes, como aconteceu no fatídico dia do sinistro.
62) Não ficou provado que à data da celebração do contrato de seguro há vinte anos, a recorrida tivesse mais que dois trabalhadores, ónus da prova da recorrente, que não logrou provar como se disse.
63) Como resulta dos documentos juntos aos autos, fls. 260 e ss, 303 a 307, e 308 a 313, quer quando foi celebrado o contrato de seguro, quer depois quando foi alterado, isto em 2011, apenas existiam dois trabalhadores ao serviço da recorrida.
64) Aderindo à fundamentação explanada na Douta Decisão em crise, e que passamos a transcrever:
(…)
65) A recorrida Madeiras, Unipessoal, Lda., não praticou inexactidões dolosas na sua declaração inicial do risco, nem omitiu qualquer facto que pudesse influir na existência do contrato de seguro, nem beneficiou de um seguro mais barato.
66) Quanto ao cumprimento do dever de informação previsto no art. 91º, nº 1 e 93º, nº 1, do Dec. - Lei nº 72/2008, de 16/04, em que segundo a recorrente incorre na sanção prevista no art. 94º do mesmo diploma legal, pretende a recorrente recusar a cobertura do sinistro.
67) No entanto, e como consta dos autos o contrato de seguro com a apólice nº …, mantêm-se em vigor até aos dias de hoje, tendo sempre a recorrente emitido a factura para pagamento e a recorrida tem sempre pago, como ocorreu agora, em que a recorrida pagou o prémio de seguro relativo ao último trimestre, conforme documento que se junta e se dá pro integralmente reproduzido, nos termos do disposto no art. 651º do CPC – doc. nº 1.
68) A recorrente nunca até à presente data resolveu o contrato de seguro, mesmo (segunda ela) a existir inexactidão dolosa na declaração inicial, mesmo referindo falta de cumprimento de informação, mesmo depois da participação do sinistro,
69) Tudo se mantêm inalterado, para receber o valor do prémio a recorrente, nada alega!!!
70) No sentido do aresto - Ac. da R.P de 25/3/2004, disponível in www.dgsi.pt, no qual se acrescenta ainda o seguinte, sobre o comportamento omissivo da seguradora:
- Porém, como talvez o que interessava à seguradora era essencialmente a celebração do contrato e recebimento dos respectivos prémios - independentemente da pessoa do outorgante.... - apressou-se a celebrá-lo.
E - como normalmente ocorre - só quando é chamada à colação para assumir a responsabilidade que emerge do contrato que celebrou é que se lembra de excepcionar por forma a evitar o ressarcimento da indemnização (…) – o sublinhado nosso.
71) Com efeito, mesmo que se entendesse que o segurado tinha prestado declarações falsas ou inexactas na proposta de seguro por si subscrita e aceite pela recorrente, é entendimento uniforme na jurisprudência dos nossos tribunais superiores que a anulabilidade (e não nulidade) do contrato de seguro, não pode ter na sua base apenas as declarações inexactas ou reticentes do segurado, sendo ainda necessário que este tenha conhecimento dos factos ou circunstâncias inexactamente declaradas ou omitidas, isto é, que se aperceba do verdadeiro alcance e relevância dessas declarações inexactas, conhecimento esse reportado ao momento da subscrição da proposta contratual.
72) Na data do acidente a realização do corte ou abate de árvores só estava adstrita a dois trabalhadores (o sinistrado e o M.), e que estavam abrangidos pelo risco assumido.
73) Como é posição do Acórdão do STJ de 12.01.2006, in sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (Secção Social) – nº 97 – Janeiro de 2006, refere este arresto no seu ponto VI que: “Constando da Apólice do contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio fixo, sem indicação de nomes, que o contrato de seguro vigorava nas seguintes condições “Natureza dos trabalhos – construção civil (pintor) ... pessoal seguro: 1 Pintor”, só fica demonstrado o agravamento desse risco se se provar que os restantes trabalhadores utilizados eram também pintores, prova que incumbe à seguradora.”
74) Nos presentes autos, apenas estavam dois trabalhadores no abate ou corte de árvores, como resultou provado; pelo que não houve, não há qualquer agravamento do risco como sustenta a recorrente.
75) Com efeito “mesmo que a segurada tenha ao seu serviço mais trabalhadores que os indicados na apólice, é indispensável para a verificação da anulabilidade, que os trabalhadores excedentes no seguro sem nomes, fossem efectivamente, utilizados nos trabalhos abrangidos pelo contrato de seguro e não em quaisquer outros” – Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 06/03/1997 – in Col. Juris, Pág. nº 62 – II e ss.
76) Resulta dos autos, o contrato de seguro celebrado entre a recorrente e recorrida, foi feito perante um mediador de seguros da recorrente, a testemunha J. A., e que, como o próprio testemunhou, foi ele que aconselhou a recorrida, dizendo que o seguro cobria apenas dois, mas que podia ter mais trabalhadores.
77) Quanto ao douto arresto junto pela recorrente com as suas alegações, e que nos vamos limitar a fazer duas observações.
78) A primeira é que no caso a seguradora resolveu o contrato arguindo a nulidade do mesmo, coisa que no caso dos autos não aconteceu, estando o contrato de seguro válido e a recorrida a pagar os respectivos prémios, conforme documentos já juntos aos autos e documento junto com a presente alegação, isto é, nunca a recorrente arguiu a nulidade e resolveu o contrato.
79) A segunda, é que no caso do arresto junto, o tomador tinha a trabalhar nos mesmos trabalhos mais trabalhadores que os referidos na proposta, tinha 19 trabalhadores, quando só declarou seis. E, nunca a apólice foi emitida, e a seguradora enviou ao tomador uma carta a indicando que a mesma ficava nula.
80) Pelo que, não tendo a recorrida prestado declarações inexactas, não tendo agido de má-fé e com o intuito de defraudar a recorrente, o contrato de seguro é válido e eficaz, estando transferido para a recorrente o risco.
81) Pelo que, a Douta Decisão recorrida faz uma correcta interpretação e aplicação da LEI, não merecendo, por isso, a menor censura,
82) Não violou nenhuma disposição legal, mais concretamente o art. 18º da Lei nº 98/2009, de 04/09, bem como, o nº 1 do art. 24º, os nºs 1 e 3, ambos do art. 25º, nº 1 do art. 91º e nº 1, do art. 93º, alínea c) do nº 1, do art. 94º, todos do Dec.-Lei nº 72/2008, de 16/04, bem como, o nº 3 da Cláusula 8ª das Condições Gerais da Apólice Uniforme aprovada pela Norma regulamentar do I.S.P. nº 1/2009-R, de 08/01/2009, bem como o art. 607º do CPC.
83) Pelo exposto, se conclui que a Douta Decisão proferida pelo Tribunal “a quo” nenhuma censura merecerá, devendo o presente recurso e conclusões serem julgadas totalmente improcedentes, pelos mesmos fundamentos.
Termina pretendendo o não provimento do recurso
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos cumpre decidir.
Indagar-se-á sucessivamente, sem prejuízo das conclusões do recurso e das questões que se encontrem prejudicadas pelo conhecimento de outras, da impugnação da decisão da matéria de facto, da inexistência de seguro válido e eficaz e da actuação culposa da empregadora.

Os factos considerados apurados na sentença:

1- A sociedade R. “Madeiras Unipessoal, Ldª “ tem sede na Rua…, Fafe, e tem como actividade o comércio por grosso de madeira em bruto e de produtos derivados (al. A) da matéria de facto assente).
2- No dia 3 de Junho de 2013, pelas 17 h, o sinistrado C. C. trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da R. “Madeiras Unipessoal, Ld.ª “ num terreno contiguo à Rua …, Fafe (al. B) da matéria de facto assente).
3- E, juntamente e na companhia de um colega de trabalho, o trabalhador M. P., procediam ao abate de árvores (al. C) da matéria de facto assente).
4- Nas circunstâncias descritas nos nºs 2 e 3 (nas als. B) e C)) da matéria de facto assente o ai mencionado M. P. procedia ao abate de um eucalipto com cerca de 27 metros de altura (resposta ao quesito 1º).
5- Nessa altura o sinistrado estava a uma distância que não foi possível apurar com precisão, mas seguramente superior a 10 metros e inferior a 27 metros do local onde se encontrava o M. P. (resposta aos quesitos 2º e 3º).
6- O M. P. cortou na base da árvore uma cunha (bica) por forma a condicionar a direcção pretendida no abate do eucalipto (resposta ao quesito 4º).
7- De seguida com o auxílio de uma motosserra, o M. P. cortou a base da árvore, deixando um cabresto (presa) (resposta aos quesitos 5º e 6º).
8- O eucalipto após ter iniciado a queda, no sentido pretendido pelo M. P., retomou a posição vertical (resposta ao quesito 7º).
9- Nessa altura já se encontrava desprendido do cabresto (resposta ao quesito 8º).
10- E, dançou na sua base por força do vento contrário que se fez sentir naquele momento (resposta ao quesito 9º).
11- O desequilíbrio da árvore na base fez com que a sua queda tenha ocorrido na direção do sinistrado (resposta ao quesito 10º).
12- O citado M. P. avisou o sinistrado para fugir (resposta ao quesito 11º).
13- O sinistrado apenas teve tempo de iniciar o movimento de fuga (resposta ao quesito 12º).
14- Nesse momento um dos galhos do eucalipto em queda atingiu a cabeça e a perna direita do sinistrado (resposta aos quesitos 13º e 14º).
15- Em consequência dos factos descritos nos números anteriores o sinistrado faleceu no local e no dia mencionado no nº 2 (na al. B)) em consequência de lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, torácico-abdomino-pélvicas e raquidianas (cfr. documento de fls. 40 a 50, cujo teor se dá por integralmente reproduzido - resposta ao quesito 15º e al. F) da matéria de facto assente).
16- O sinistrado tinha a categoria profissional de motosserrista (al. D) da matéria de facto assente).
17- E, auferia a retribuição mensal de € 485,00, acrescida de € 93,94 a título de subsídio de refeição (al. E) da matéria de facto assente).
18- O sinistrado trabalhava na R. “Madeiras Unipessoal, Ldª”, pelo menos desde 2013 (resposta ao quesito 21º).
19- Na data mencionada no nº 2 (na al. B)) a R. “Madeiras Unipessoal, Ldª” tinha ao seu serviço o sinistrado, o trabalhador M. P. e mais dois trabalhadores (resposta ao quesito 22º).
20- Os três últimos trabalhadores referidos no quesito anterior trabalhavam na R. empresa há cerca de 6 anos e dois meses (resposta ao quesito 23º).
21- A R. “Madeiras Unipessoal, Ldª” declarou à R. Seguradora 2 trabalhadores (resposta ao quesito 24º).
22- A R. “Madeiras Unipessoal, Ldª” não tinha no local nenhum delegado que orientasse os trabalhos e que garantisse que o sinistrado estivesse a uma distância mínima superior ao tamanho da árvore a abater (resposta aos quesitos 26º e 27º).
23- O ACT, efectuou uma inspecção ao local e elaborou o inquérito de fls. 17 a 23, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (al. H) da matéria de facto assente).
24- A R. “Madeiras Unipessoal, Ldª “ celebrou com a “Companhia de Seguros, SA“, por meio de acordo de seguro, titulado pela apólice nº …, “fixo sem nomes” e com dois trabalhadores florestais seguros, pela retribuição de € 485,00 x 14 meses/ano, acrescida de € 40,51 x 11 meses/ano (cfr. documento de fls. 8, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (al. G) da matéria de facto assente).
25- O sinistrado vivia com a A. S. D., desde data que não foi possível apurar com precisão, mas que seguramente se situou desde, pelo menos, o dia 3 de Abril de 2012, data em que a sua filha L. C., nasceu (resposta ao quesito 16º).
26- E, na data referida no nº 2 (al. B)) ainda vivia com as AA. e a sua retribuição era utilizada mensalmente na compra de peças de vestuário, produtos alimentares, despesas domésticas, despesas de saúde e outras para ambas (resposta ao quesito 17º).
27- As AA. sofreram dor com a morte do sinistrado (resposta ao quesito 18º).
28- A A. S. D. despendeu a quantia de € 18,00 com despesas de transporte (resposta ao quesito 19º).
29- E, a quantia de € 1355,00 de despesas de funeral (resposta ao quesito 20º).
30- A menor L. C., nasceu no dia 3 de Abril de 2012 e é filha do sinistrado e da A. S. D. (cfr. documento de fls. 36, cujo teor se dá por integralmente reproduzido- al I) da matéria de facto assente).
31- Frustrou-se a tentativa de conciliação pelos fundamentos constantes do auto de fls. 57 a 61, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (al J) da matéria de facto assente).
Da junção de documentos
A recorrente através do recurso juntou cópia de acórdão do STJ.
Este não tem força normativa sequer e o seu conhecimento não é oficioso.
Mas não se determina o desentranhamento na medida em que a junção se pode enquadrar no exercício de um dever de cooperação, ao abrigo do artº 7º do CPC.
Por seu turno, a 2ª R pretende juntar factura/recibo da recorrente com referência ao pagamento de prémio trimestral da apólice em questão, datada de 16.10.2016, como tal anterior à data da sentença (20.12.2016) e posterior ao encerramento da audiência (30.06.2016).
Não discordou da fixação da matéria de facto e o sinistro ocorreu em 03.06.2013.
Não oferece o documento directamente a qualquer factualidade discutida em audiência e só o faz em apoio da sua tese de direito concordante com a sentença.
Na fase de recurso a junção de documentos reveste sempre natureza excepcional.
Estabelece o artº 651º, nº 1 do CPC que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artº 425º do CPC (depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquela data) ou, no caso de a junção se ter tornado necessária, em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
Resulta do artº 423º do CPC que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes (nº 1); se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado (nº 2); e após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior (nº 3).
A superveniência a justificar a junção deve ser, pois, objectiva.
Contudo, pressuposto da aplicação destes normativos é, indubitavelmente, a necessidade ou utilidade dos documentos para a descoberta da verdade material e o documento junto sempre se mostra em tais termos irrelevante.
Consequentemente, atento aos interesses processuais subjacentes, também a necessidade da demonstração da matéria que versa nunca surgiria em virtude do julgamento.
Por tudo isto não sendo admissível esta conduta processual deverá a documentação ser desentranhada e restituída, após trânsito em julgado deste acórdão.
A recorrente impugna a decisão relativa à matéria de facto no que concerne aos quesitos 22º, 23º, 24º, 25º e 28º, pretendendo que seja dada a todos resposta irrestritamente positiva (22º) Na data mencionada na al. B) a R. “Madeiras Unipessoal, Ldª” tinha ao seu serviço o sinistrado e os trabalhadores J. R., Albano, M. P. e M. R.? - Na data mencionada no nº 2 (na al. B)) a R. “Madeiras Unipessoal, Ldª” tinha ao seu serviço o sinistrado, o trabalhador M. P. e mais dois trabalhadores; 23º) Os quatro últimos trabalhadores referidos no quesito anterior trabalhavam na R., respectivamente, há mais de 8 anos, cerca de 15 anos e há cerca de 2 meses? - Os três últimos trabalhadores referidos no quesito anterior trabalhavam na R. empresa há cerca de 6 anos e dois meses; 24º) A R. “Madeiras Unipessoal, Ldª” não declarou à R. Seguradora todos os trabalhadores ao seu serviço para beneficiar de um seguro com prémio mais baixo? - A R. “Madeiras Unipessoal, Ldª” declarou à R. Seguradora 2 trabalhadores; 25º) O sinistrado no momento do abate da árvore mencionada no quesito 1º estava uma distância de cerca de 5 metros? Não provado; - 28º) O sinistrado e o trabalhador mencionado na al. c) da matéria de facto assente não estavam equipados com capacete de segurança? Não provado).
Vejamos.
De forma irremediável no sentido da rejeição parcial desta impugnação, porque nessa parte indelevelmente contraditória, é a pretensão quanto à matéria do quesito 25º que se encontra em contradição com a matéria considerada assente relativa aos quesitos 2º e 3º. Nestes perguntava-se se na mesma altura o sinistrado estava a iniciar a tarefa de esgalhar um carvalho já abatido e se esse carvalho estava a uma distância de cerca de 17 metros do local onde se encontrava o M. P., recebendo resposta conjunta no sentido de “provado apenas que nessa altura o sinistrado estava a uma distância que não foi possível apurar com precisão, mas seguramente superior a 10 metros e inferior a 27 metros do local onde se encontrava o M. P.” e que não foi impugnada. Desta contradição não se pode inferir que a recorrente pretendesse simultaneamente a exclusão da factualidade da resposta conjunta tanto mais que na fundamentação da sustentação da decisão sobre a matéria de facto indicam-se prova e enunciados que a recorrente não questiona: “No que concerne à resposta aos quesitos 1º a 15º, o tribunal baseou a sua convicção na apreciação crítica e conjugada do depoimento da testemunha M. P., trabalhador que procedia ao abate da árvore que atingiu o sinistrado, que de uma forma lógica, coerente e convincente descreveu a dinâmica do acidente em conformidade com os factos descritos nos quesitos 1º a 14º, com principal incidência para a forma como procedeu ao corte da árvore e ao facto da sua queda ter ocorrido por nessa ocasião se ter verificado, de forma súbita e inesperada, uma rajada forte de vento, que motivou a que a mesma tivesse caído, contra todas as previsões, na direcção do local onde o sinistrado se encontrava, do depoimento da testemunha J. R., trabalhador da R. empregadora, que teve conhecimento do acidente após a sua ocorrência, do inquérito de Acidente de Trabalho de fls. 17 e ss., relatório de autópsia de fls. 41 a 49, que além do mais sustenta as lesões sofridas pelo sinistrado e certidão do assento de óbito de fls. 15”.
Aliás, para a demais matéria impugnada igualmente a recorrente permite-se deixar incólume, abstraindo-se dela, parte da prova de que o tribunal a quo se utilizou para fundamentar as respostas que a mesma lhe mereceu: “Na resposta aos quesitos 21º a 24º o tribunal atendeu aos depoimentos das testemunhas N. A., R. C., P. B., J. R. e J. A., respectivamente, profissional de seguros que fez a gestão do sinistro, inspector do trabalho que elaborou o inquérito de fls. 17 e ss., perito averiguador, trabalhador da R. empregadora e mediador na celebração de contrato de seguro celebrado entre as RR., tendo o penúltimo referido de uma forma espontânea e convincente o nº preciso de trabalhadores que na data do acidente a R. tinha ao seu serviço, bem como as funções por eles desempenhadas, realçando que apenas o sinistrado e o M. P. é que exerciam as funções de corte e abate de árvores, a testemunha R. C. também respondeu por forma a confirmar esse número de trabalhadores ao serviço da R. empregadora naquela data e os depoimentos das restantes testemunhas não foram prestados de forma a infirmá-los.
Importa também referir que o depoimento da testemunha J. A. foi muito relevante sobre as circunstâncias que estiveram na base da negociação deste tipo de contrato pela empregadora, tendo inclusive referido que o prémio desse tipo de seguro “fixo sem nomes” tem uma agravamento do prémio de 40% e que na ocasião o informou que mesmo que tivesse mais trabalhadores ao seu serviço aquele contrato apenas cobria dois trabalhadores, e documentos de fls. 229 a 239, 260 a 313.
(…)
No que tange à resposta restritiva aos quesitos 2º, 3º, 14º, 16º e 21º e negativa aos quesitos 25º, 28º, 29º e 30º o tribunal atendeu a que não foi produzida prova que sustentasse os respectivos factos, sendo certo que os factos vertidos nos quesitos 25º, 29º e 30º estão em manifesta contradição com a prova produzida, como resulta da fundamentação das respostas aos quesitos 3º e 16º, remetendo-se nesta parte para essa fundamentação”.
Ou seja, por incorrecção na sua valoração que deveria levar a outra decisão, a recorrente não aduz qualquer análise critica com relevância em defesa de discordância quanto a essa parte da prova e que a 1ª instância também avaliou de forma positiva.
Acresce, em pleno registo no sentido de rejeição, encontra-se ao fim ao cabo toda a matéria que se questiona por outro motivo.
Com efeito, a recorrente insurge-se contra a decisão do tribunal mediante prova oral sem associá-la a excertos directamente retirados dos depoimentos, transcrevendo-os (unicamente tece comentários e conclusões extraídos da interpretação dos depoimentos), e sem a delimitação final da temporização desses trechos que lhe poderiam interessar.
É que a impugnação da decisão relativa à matéria de facto tem regras, as advenientes dos termos conjugados dos artºs 635º, nº 4 e 640º do CPC.
Nos seus diversos requisitos a impugnação da decisão relativa à matéria de fato com fundamento na errada apreciação da prova deve resultar nas conclusões do recurso sob pena de estar vedado ao tribunal ad quem o seu conhecimento.
Segundo Amâncio Ferreira “expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão” (Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª ed, 172 e 173).
Elas desempenham, pois, um papel fundamental, não apenas porque sintetizam as razões que estão subjacentes à sua interposição, mas porque definem o objeto do recurso.
Tudo isto sob pena de estar vedado o conhecimento ao tribunal ad quem.
Para além disso estamos perante omissão múltipla, atento ao artº 640º, nºs 1 e 2 do CPC.
E não há lugar a qualquer despacho de aperfeiçoamento para o efeito (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, 127).
Com a impugnação da matéria de facto não se visa a concretização de um segundo julgamento que inclua a reapreciação global e genérica de toda a prova. Tem apenas por fim um segundo grau de apreciação da matéria de facto, de modo a colmatar eventuais erros de julgamento, nos concretos pontos de facto que ao recorrente se impõe assinalar.
O artº 640º do CPC que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
De harmonia com o previsto no n.º 2 do artigo 640º do CPC, nas situações da alínea b) do número anterior deve observa-se:
“a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante;
b) …”.
A criação de um tal ónus de alegação a cargo do recorrente no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação encontra-se justificada no preâmbulo do DL nº 39/1995, de 15.02 (que veio estabelecer a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida): “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
Como conclui Abrantes Geraldes (ob citada) “importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilização das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Por tudo isto deve-se concluir que no caso sub judice a impugnação da decisão da matéria de facto viola igualmente o disposto na alª b) do nº 1 e na alª a) do nº 2 desse preceito quando a recorrente optou por não indicar com exactidão as passagens da gravação pretensamente valoradas de forma errada, sendo que mesmo que transcritas continuava a exigir-se a indicação da concreta delimitação do excerto.
Assim sendo, está também este Tribunal impedido de reponderar a prova produzida na medida em que o recurso é nesta parte rejeitado por incumprimento de tais ónus de individualizar a prova oral a que se apela.
O que sempre seria em nome da unidade da prova: a censura que se exerce sobre um juízo do tribunal a quo baseado em diversidade da prova não se pode quedar num juízo baseado apenas em parte da mesma.
Ou seja, fundamentando-se a decisão da matéria de facto em diversos meios de prova a não valoração no recurso de um deles leva a que não se possa alterar tal decisão.
Sempre se dirá ainda que as especificações consagradas no mesmo artº 640º se relacionam com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
Igualmente com o facilitar, à outra parte e ao tribunal da localização precisa dos problemas a resolver no meio de um processo que pode ter centenas de factos e dezenas de documentos e depoimentos, por um lado só assim também se garantindo o exercício do contraditório de quem tem interesse no desfecho do recurso e, por outro lado, evitando-se que o tribunal viole o seu dever de independência e equidistância, assim como, a relatividade do decidido face à idealizada pretensão do impugnante.
A sua observância não surge, pois, desproporcionada.
Em nada diminui o grau de violação da norma, em abstracto, a circunstância do recorrido contra-alegar.
Não será seguramente por esta argumentação que se deve nortear o rigor da interpretação da lei face à realidade concreta sob pena da subjectividade imperar de modo a praticamente neutralizar a eficácia da norma.
Em conclusão ainda a prevalência da substância sobre a forma não poderá consistir na negação das regras do processo que não deixa de garantir instrumentalmente o exercício de direitos substantivos.
Não se diga que da confrontação do alegado com as provas seria fácil descortinar qual destas se devia destacar para o efeito.
É um exercício em vão: o seu desmembramento não é isento de produzir sentidos dúplices ou ambivalentes e ainda e sempre susceptível de colocar em crise os princípios do contraditório, do dispositivo e da igualdade de armas entre as partes.
Doutro passo
O conhecimento da questão da actuação culposa da empregadora encontra-se prejudicado na medida em que a recorrente o faz depender do êxito da impugnação anterior: “Em função da alteração da resposta dada aos Quesitos 25º e 28º, ter-se-á que considerar, obrigatoriamente, que o acidente dos autos apenas ocorreu por manifesta violação das regras de segurança por parte da entidade patronal; Relativamente às circunstâncias do acidente, o eucalipto tinha cerca de 10 metros de cumprimento e o sinistrado estava à distância de cerca de 5 metros da respectiva base, segundo foi referido pela testemunha presencial, seu colega de trabalho. O sinistrado estava, pois, a uma distância (da base) correspondente a cerca de metade do cumprimento da árvore a abater. Ora, é uma regra de segurança do abate de árvores que os trabalhadores envolvidos devem permanecer a uma distância mínima superior ao tamanho da árvore a abater. Essa regra não foi cumprida nem a entidade patronal do sinistrado se assegurou desse cumprimento, visto que não tinha nenhum delegado no local que orientasse os trabalhadores nesse sentido. Por outro lado, o equipamento individual de segurança usado no momento do acidente pelos trabalhadores envolvidos, incluindo o sinistrado, limitava-se a luvas e botas com biqueira de aço.; O acidente de trabalho dos autos, a proceder a peticionada alteração da matéria de facto, ocorreu por culpa da entidade patronal; 13 - Em função da alteração da resposta dada aos Quesitos 25º e 28º, ter-se-á que considerar, obrigatoriamente, que o acidente dos autos apenas ocorreu por manifesta violação das regras de segurança por parte da entidade patronal”.
Relativamente à averiguação da circunstância da recorrente ter o direito de recusar a cobertura do sinistro dos autos por inexistência de seguro válido e eficaz, soube o tribunal a quo aplicar devidamente o direito à matéria de facto.
Concordando-se em grande medida com o decidido na sentença a propósito, nela se expendeu, com apoio de jurisprudência inequívoca, quer quanto ao ónus de prova que competiria à recorrente, quer quanto ao modo como deve ser avaliado o contrato de seguro dos autos enquanto “fixo sem nomes”, perante o acidente e os trabalhadores que na altura e local laboravam por conta e ordem da 2ª R:
“Defende também a seguradora que não é responsável pela reparação do acidente por o empregador ter praticado inexactidões dolosas na declaração inicial do risco prevista no nº 1 do artº 24º e sancionada no nº 1, mas sobretudo no nº 3, ambos do artº 25º, ou pelo menos não cumpriu o dever de informação nem a comunicação do agravamento do risco previsto nos nº 1 do artº 91º e nº 1 do artº 93º, incorrendo na sanção prevista na al. c) do nº 1 do artº 94º todos do Dec.-Lei nº 72/2008, de 16/04.
As entidades empregadoras são responsáveis pela reparação dos acidentes e mais encargos previstos na lei, relativamente aos trabalhadores ao seu serviço, estando as mesmas obrigadas a transferir a responsabilidade para entidades legalmente autorizadas a realizar este tipo de seguro- cfr. artº 79º, nº 1.
O artigo 24.º DL 72/2008, de 16 de Abril (aplicável ao caso concreto atento o disposto no artº 2º, nº 1, parte final, do referido Dec.-Lei) prevê que:
«1 - O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito.
3 - O segurador que tenha aceitado o contrato, salvo havendo dolo do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, não pode prevalecer-se:
a) Da omissão de resposta a pergunta do questionário;
b) De resposta imprecisa a questão formulada em termos demasiado genéricos;
c) De incoerência ou contradição evidente nas respostas ao questionário;
d) De facto que o seu representante, aquando da celebração do contrato, saiba ser inexacto ou, tendo sido omitido, conheça;
e) De circunstâncias conhecidas do segurador, em especial quando são públicas e notórias.
4 - O segurador, antes da celebração do contrato, deve esclarecer o eventual tomador do seguro ou o segurado acerca do dever referido no n.º 1, bem como do regime do seu incumprimento, sob pena de incorrer em responsabilidade civil, nos termos gerais.»
Prescreve, por sua vez, o artº 25º nº 1, do mesmo Dec.-Lei que:
«1-Em caso de incumprimento doloso do dever referido no n.º 1 do artigo anterior, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro.
2 - Não tendo ocorrido sinistro, a declaração referida no número anterior deve ser enviada no prazo de três meses a contar do conhecimento daquele incumprimento.
3 - O segurador não está obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso referido no n.º 1 ou no decurso do prazo previsto no número anterior, seguindo-se o regime geral da anulabilidade.
4 - O segurador tem direito ao prémio devido até ao final do prazo referido no n.º 2, salvo se tiver concorrido dolo ou negligência grosseira do segurador ou do seu representante.
5 - Em caso de dolo do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, o prémio é devido até ao termo do contrato.»
Por último, o artº 26º do mesmo Dec.-Lei prevê que:
«1 - Em caso de incumprimento com negligência do dever referido no n.º 1 do artigo 24.º, o segurador pode, mediante declaração a enviar ao tomador do seguro, no prazo de três meses a contar do seu conhecimento:
a) Propor uma alteração do contrato, fixando um prazo, não inferior a 14 dias, para o envio da aceitação ou, caso a admita, da contraproposta;
b) Fazer cessar o contrato, demonstrando que, em caso algum, celebra contratos para a cobertura de riscos relacionados com o facto omitido ou declarado inexactamente.
2 - O contrato cessa os seus efeitos 30 dias após o envio da declaração de cessação ou 20 dias após a recepção pelo tomador do seguro da proposta de alteração, caso este nada responda ou a rejeite.
3 - No caso referido no número anterior, o prémio é devolvido pro rata temporis atendendo à cobertura havida.
4 - Se, antes da cessação ou da alteração do contrato, ocorrer um sinistro cuja verificação ou consequências tenham sido influenciadas por facto relativamente ao qual tenha havido omissões ou inexactidões negligentes:
a) O segurador cobre o sinistro na proporção da diferença entre o prémio pago e o prémio que seria devido, caso, aquando da celebração do contrato, tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexactamente;
b) O segurador, demonstrando que, em caso algum, teria celebrado o contrato se tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexactamente, não cobre o sinistro e fica apenas vinculado à devolução do prémio.»
A propósito da aplicação deste regime, pode ler-se no Acórdão do STJ de 02.12.2013 (proferido no processo nº 2199/10.9TVLSB.L1.S1 e disponível em www.dgsi.pt) o seguinte:
“Uma das características essenciais do contrato de seguro é ser um contrato de boa-fé.
Com efeito, se, na generalidade dos contratos, a boa-fé é um elemento extremamente importante, no contrato de seguro, a boa-fé é uma característica basilar ou determinante, uma vez que a empresa de seguros aceita ou rejeita um dado contrato de seguro com um eventual tomador de seguros e determina o valor do prémio de seguro que este deverá pagar com base nas declarações por ele prestadas.
Esta característica não visa reforçar a necessidade das partes actuarem, tanto nos preliminares, como na formação do contrato, de boa-fé (artigo 227.º, n.º 1, 1ª parte do CC) mas sim realçar a necessidade de o tomador de seguro (e o segurado) actuar com absoluta lealdade, uma vez que a empresa de seguros não controla a veracidade destas no momento da subscrição.
Ao celebrar um contrato é obrigação do segurado não prestar declarações inexactas, assim como não omitir qualquer facto ou circunstância que possam influir na existência ou condições do contrato.
Com efeito, “sobre o segurado recai o ónus de não encobrir qualquer facto que possa contribuir para a apreciação do risco por parte da seguradora e se o fizer, tendo conhecimento de tais factos que de alguma maneira possam influir sobre a formação do contrato e as condições do mesmo, perde o direito à contra – prestação da seguradora”.
No mesmo sentido, refere Moitinho de Almeida que “sobre o segurado recai o dever de declaração do risco, pois, se não completar a declaração realizada por quem fez o seguro, tendo conhecimento de factos ou circunstâncias que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato, perde o direito à prestação do segurador”.
É efectivamente obrigação do segurado não omitir quaisquer factos ou circunstâncias que se possam considerar decisivos para a apreciação do risco que a seguradora se propõe assumir e que terá por ela de ser aferido e avaliado com rigor, munida, portanto, do conhecimento de todos os respectivos elementos referenciadores.
Elemento decisivo para a celebração do contrato é o questionário apresentado ao potencial segurado, na medida em que se presume que não são aí feitas perguntas inúteis e, através dele é o próprio segurador que indica ao tomador quais as circunstâncias que julga terem influência no contrato a celebrar.
É através de tal questionário que a seguradora faz saber ao candidato “as circunstâncias concretas em que se baseia para assumir o risco”.
Deste modo, no que respeita ao tomador do seguro, este deve, pois, responder com absoluta verdade ao questionário/minuta do contrato de seguro, informando a empresa de seguros de todos os elementos necessários, para que esta possa avaliar o risco, decidir sobre a sua aceitação ou não e em que condições e, finalmente, estabelecer o respectivo prémio de seguro.
Como se referiu, é com base nas declarações prestadas pelo tomador que a seguradora vai decidir a sua vontade de contratar ou não e em que condições.
Com efeito, a propósito dos deveres de informação do tomador do seguro ou do segurado, dispõe o n.º 1 do artigo 24º que “o tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador”, acrescentando o n.º 1 do artigo 25.º que, em caso de incumprimento doloso deste dever, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro e estabelece, por sua vez, o artigo 26.º, n.º 1, que, em caso de incumprimento com negligência deste citado dever, “o segurador pode, mediante declaração a enviar ao tomador do seguro, no prazo de três meses a contar do seu conhecimento, (i) propor uma alteração do contrato, fixando um prazo, não inferior a 14 dias, para o envio da aceitação ou, caso a admita, da contraproposta; (ii) fazer cessar o contrato, demonstrando que, em caso algum, celebra contratos para a cobertura de riscos relacionados com o facto omitido ou declarado inexactamente”.
Assim, para que a declaração inexacta ou a reticência impliquem a desvinculação do segurador não é necessário que exista dolo do declarante. A declaração inexacta a que se refere o artigo 24.º, n.º 1, abrange não só a declaração falsa feita com má-fé ou dolo, como também aquela que é produzida com negligência, assim como a “reticência”, isto é, a omissão de factos que servem para apreciar o risco, tanto pode derivar de má-fé, como de mera negligência.
Deste modo, a lei não supõe o carácter doloso das omissões ou reticências de factos com relevância para a determinação da probabilidade ou grau de risco, basta que a omissão ou a declaração inexacta se devam a negligência daquele. É todavia necessário que o declarante conheça os factos ou as circunstâncias inexactamente declaradas ou omitidas.
Uma vez que é a R. seguradora que, em sede de defesa, invoca a declaração inexacta, a fim de lhes impor a ineficácia do mesmo em razão da sua nulidade, (excepção peremptória, por via da invocação de factos impeditivos – cfr. nº 3 do artº 576º do Código de Processo Civil), é à R. seguradora que incumbe a prova de que a mencionada declaração da aqui R. empregadora influiu na celebração do contrato de seguro em causa (artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil).
Vejamos o caso concreto no sentido de concluir se o contrato de seguro celebrado deve ou não ser anulado:
Com relevância para apreciação desta questão resultou provado que:
«A R. “Madeiras Unipessoal, Ldª “ celebrou com a“ Companhia de Seguros, SA“, por meio de acordo de seguro, titulado pela apólice nº …, “fixo sem nomes” e com dois trabalhadores florestais seguros, pela retribuição de € 485,00 x 14 meses/ano, acrescida de € 40,51 x 11 meses/ano (cfr. documento de fls. 8, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (al. G) da matéria de facto assente).
Na data mencionada no nº 2 (na al. B)) a R. “Madeiras Unipessoal, Ldª” tinha ao seu serviço o sinistrado, o trabalhador M. P. e mais dois trabalhadores (resposta ao quesito 22º).
Os três últimos trabalhadores referidos no quesito anterior trabalhavam na R há cerca de 6 anos e dois meses (resposta ao quesito 23º).
A R. “Madeiras Unipessoal, Ldª” declarou à R. Seguradora 2 trabalhadores (resposta ao quesito 24º).»
Da apreciação crítica e conjugada dos factos acima mencionados, resulta desde logo que a seguradora, não logrou provar, como lhe competia, que a empregadora tivesse à data da celebração do seguro e das sucessivas alterações, mais que dois trabalhadores ao seu serviço, uma vez que como resulta dos documentos de fls. 260 e ss., quer quando foi celebrado o contrato de seguro (em 1996 - fls. 303 a 307), quer posteriormente quando foi alterado, sendo a última alteração em 2011 (cfr. fls. 308 a 313), apenas existiam efectivamente dois trabalhadores ao serviço da R. empregadora, e, em consequência, que esta tenha prestado qualquer declaração inexacta nos termos configurados nas citadas disposições legais.
Suscita também a R. seguradora subsidiariamente na sua defesa que a R. empregadora, pelo menos não cumpriu o dever de informação nem a comunicação do agravamento do risco previsto nos nº 1 do artº 91º e nº 1 do artº 93º, incorrendo na sanção prevista na al. c) do nº 1 do artº 94º, todos do referido diploma legal.
Prescreve o nº1 do artº 91º que: «O tomador do seguro ou o segurado tem o dever de, durante a execução do contrato, no prazo de 14 dias a contar do conhecimento do facto, comunicar ao segurador todas as circunstâncias que agravem o risco, desde que estas, caso fossem conhecidas pelo segurador aquando da celebração do contrato, tivessem podido influir na decisão de contratar ou nas condições do contrato.»
Estipula, por sua vez, o nº 1 do artº 93º do mesmo diploma legal que: «Durante a vigência do contrato, o segurador e o tomador do seguro ou o segurado devem comunicar reciprocamente as alterações do risco respeitantes ao objecto das informações prestadas nos termos dos artigos 18.º a 21.º e 24.º»
Também relativamente a esta questão entendemos que a matéria de facto é insuficiente para concluir que, ao não comunicar posteriormente à seguradora os dois trabalhadores que tinham sido admitidos em data próxima à ocorrência do sinistro (cerca de dois meses), a empregadora tivesse agido de má-fé e com a intenção de defraudar a seguradora e de se subtrair ao pagamento do prémio devido, tanto mais que como resultou da produção de prova, mais concretamente do depoimento da testemunha J. A., mediador do contrato de seguro, a informação que transmitiu ao legal representante do empregador era no sentido de que podia ter mais trabalhadores ao seu serviço, mas aquele contrato de seguro apenas cobria dois trabalhadores (como ficou a constar a fls. 324 da motivação da decisão de facto).
Por último, e não menos relevante, não podemos ignorar que na realização da tarefa de corte de árvores apenas estavam envolvidos dois trabalhadores, os quais estavam abrangidos pelo risco assumido, e não se apuraram as funções desempenhadas pelos restantes, anotando-se que é posição dominante do STJ que para que as condições do contrato de seguro tivessem sido influenciadas era necessário que se provasse que ao serviço da empregadora se encontravam mais trabalhadores com as mesmas funções daqueles que constavam do contrato de seguro (neste sentido, entre outros, Ac. do STJ de 02/07/1997 in d.g.s.i.pt).
Nestes termos não se tendo apurado que o segurado, R. empregadora, tenha prestado declarações inexactas, que tenha agido de má-fé e com intuito de defraudar a seguradora, ter-se-á de concluir que o seguro é válido e eficaz”.
Segundo a jurisprudência citada pela sentença irreleva a interpretação do contrato pela recorrente segundo o qual “A entidade patronal ficava desonerada da obrigação de identificar os trabalhadores a incluir no contrato de seguro, mas devia incluir TODOS os trabalhadores no número das pessoas seguras, no momento da celebração do contrato ou quando ocorresse alteração do quadro de pessoal”.
No que respeita à matéria de dolo ou de negligência nas declarações prestadas ou na omissão das mesmas a recorrente não rebate o ónus de alegar e provar que lhe é conferido na sentença.
A recorrente não se insurgiu quanto às deduções de facto que o tribunal a quo retirou da factualidade que este especificamente invocou.
Como mencionam as AA, “se bem atentarmos na contestação apresentada pela Ré, esta nem sequer alegou, como lhe competia, factos que pudessem levar à nulidade do contrato de seguro que celebrou com a empregadora, qualquer vício congénito que implicasse a sua nulidade, ou qualquer outro facto ocorrido posteriormente, que pudesse, nunca eximir a seguradora do pagamento da responsabilidade devida pela celebração do seguro, mas que lhe conferisse um eventual direito de regresso sobre a empregadora”.
Diremos também que a recorrente tão pouco alegou no recurso e na contestação no sentido de desconhecer na altura da celebração do contrato e das suas alterações o número de trabalhadores da 2ª R, as suas categorias profissionais e os que intervinham na actividade que deu azo ao acidente, o que seria essencial para efeitos de avaliação de eventual conduta dolosa ou negligente.
No contrato, celebrado já no ano de 1996, explicita-se a natureza dos trabalhos e a actividade predominante (o arranque e corte de árvores, tocos, cepos e raízes e a profissão como trabalhador florestal), que é aceite expressamente pela recorrente.
Daí que se possa referir até que o próprio historial da apólice nos conduz à conclusão a que chegou a 1ª instância e sendo certo que segundo a posição adoptada na sentença não se pode concluir que a recorrente tenha assumido um risco superior aquele que o prémio do seguro permitiria e a 2ª R “não comunicando à demandada a alteração do risco na vigência do contrato, fê-lo dolosamente, para beneficiar de um seguro com prémio mais baixo”.

Pelo exposto será julgado improcedente o recurso.

Sumário, da única responsabilidade do relator

1- Na fase de recurso, pressuposto inicial da junção de documentos que sempre reveste natureza excepcional, é a necessidade ou utilidade dos documentos para a descoberta da verdade.
2- A impugnação da decisão relativa à matéria de fato com fundamento na errada apreciação desta deve resultar nos seus diversos requisitos nas conclusões do recurso sob pena de estar vedado ao tribunal ad quem o seu conhecimento.
3- É de rejeitar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por violação do disposto no artº 640º nºs 1, alª b), e 2, alª a), do artº 640º do CPC quando quanto à prova oral particularizada se opta por não indicar com exactidão as passagens da gravação dos depoimentos alegadamente valoradas de forma errada.
4- Perante contrato de seguro que transfira a responsabilidade do empregador, compete à seguradora alegar e provar que o tomador do seguro agiu com dolo ou com negligência quando prestou, ou deixou de prestar as declarações ou informações sobre as circunstâncias que devia ter por significativas para ser apreciado o risco.
5- Embora a tomadora do seguro tivesse ainda mais trabalhadores relativamente aos quais não se apuraram as funções desempenhadas, a seguradora não tem o direito de recusar a cobertura do sinistro mediante contrato de seguro “sem nomes” se o mesmo reportava-se a dois trabalhadores florestais e no acidente ocorrido na tarefa de corte de árvore apenas estavam envolvidos dois que estavam abrangidos pelo risco assumido.

Decisão

Acordam os Juízes nesta Relação em julgar improcedente o recurso, pelo que confirmam a sentença.
Custas pela recorrente, condenando-se a 2ª R na multa de 1 UC, nos termos do artº 443º, nº 1 do CPC.
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O acórdão compõe-se de 36 folhas, com os versos não impressos.
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04.10.2017