Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3642/19.7T8GMR.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
INADEQUAÇÃO DO MEIO PROCESSUAL
ACÇÃO ESPECIAL DE RECONHECIMENTO DE EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – A nulidade da sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando fique por decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, o que não sucede quando o tribunal não se debruce sobre simples conclusões, argumentos, opiniões, factualidade irrelevante ou contraditória com outra apurada.
II - A acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é uma acção de simples apreciação positiva, cujo objecto não se esgota com a celebração em data posterior à visita inspectiva da ACT, de um contrato de trabalho com efeitos reportados a uma data posterior à da visita.
III - O contrato de trabalho celebrado entre empregador e trabalhador só inutilizará a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, se for reconhecido pelos outorgantes e existência do contrato de trabalho nos precisos termos peticionados pelo Ministério Público, ou seja, desde a data indicada na petição inicial ou numa outra anterior a esta.
IV – Estando por reconhecer a relação estabelecida entre trabalhador e empregador desde o início da relação contratual e até 31-12-2018, de forma a fixar-se a data de início da relação laboral em conformidade com o previsto no art.º 186.º-O, nºs. 8 e 9 do CPT., que deve ser comunicada à ACT e ao Instituto da Segurança Social, com vista à regularização das contribuições, é de concluir pela manutenção da utilidade da acção.
V - A defesa do interesse público, no caso, não se esgotou com reconhecimento do contrato de trabalho com início em data posterior aos factos constatados pela ACT aquando das visitas levadas a cabo no âmbito da acção de fiscalização, mantendo-se assim o interesse em agir do Ministério Público, que transcende o interesse particular do próprio trabalhador.
VI - Decorre do disposto no art.º 12.º do CT, que presume-se a existência de um contrato de trabalho sempre que ocorram alguns dos seguintes indícios: o local de trabalho coincidir com instalações do beneficiário da actividade ou por ele controladas [al. a) do n.º 1]; a pertença ao beneficiário da actividade dos equipamentos e instrumentos de trabalho [al.b) do n.º 1]; a existência de horário de trabalho [al.c) do n.º 1]; o carácter periódico da retribuição paga como contrapartida da actividade [al. d) do n.º 1]; o desempenho de funções de direcção ou chefia na empresa pela prestador da actividade [al.e) do n.º 1 do art.º 12.º].
VII - Tendo estes indícios natureza meramente exemplificativa, teoricamente basta que se verifiquem dois destes indícios para que se possa presumir a existência de um contrato de trabalho.
VIII – É de reconhecer a existência de contrato de trabalho quando se verifique a existência de quatro dos cinco indicadores de laboralidade, elencados na presunção legal do art. 12.ºdo CT, que a Ré não afastou, já que dos factos provados não resulta que a prestação da actividade tivesse sido exercida de modo autónomo, característico da prestação de serviço.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – Relatório:

Na sequência de acção inspectiva levado a cabo pela Autoridade para as Condições do Trabalho, no âmbito da qual se deparou com indícios de utilização indevida do contrato de prestação de serviço por parte da ASSOCIAÇÃO EMPRESARIAL ..., relativamente a S. B. deu entrada no Tribunal da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Guimarães, a respectiva participação.
Após o recebimento de tal participação, o MINISTÉRIO PÚBLICO intentou a presente ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, nos termos previstos no art.º 186.º-K, n.º 1 do CPT, contra ASSOCIAÇÃO EMPRESARIAL ... pedindo que se declare e reconheça como de trabalho subordinado, o contrato celebrado em 24 de Março de 2015 e ainda vigente, com S. B..
*
Citada a Ré apresentou contestação defendendo-se por excepção (invoca a impossibilidade originária da lide, a falta de interesse em agir do Ministério Público, o uso inadequado da forma de processo, a ilegitimidade do Ministério Público e a nulidade de actos praticados pelo Ministério Público) e por impugnação, alegando em resumo, que atualmente a S. B. mantêm consigo um contrato de trabalho subordinado, sendo certo que até 31 de Dezembro de 2018, a relação contratual que manteve com aquela não tinha a natureza de trabalho subordinado, mas sim de prestação de serviços, como atestam os respectivos contratos celebrados.
O Ministério Público veio responder à matéria das excepções e nulidade invocadas pela ré, concluindo pela sua improcedência.
*
Notificada a S. B. de que poderia aderir ao articulado apresentado pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir advogado, nada veio dizer.
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Procedeu-se à realização de audiência de julgamento e por fim foi proferida sentença da qual consta o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo a presente acção provada e procedente nos termos sobreditos e, em consequência:
Condeno a ré, “Associação Empresarial ...”, a reconhecer a existência de contrato de trabalho com início desde 24 de Março de 2015 em diante, relativamente à trabalhadora S. B..
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Custas a cargo da ré, tendo a acção o valor de € 30.000,01.
Notifique e faça menção no registo informático.
Oportunamente, comunique à ACT e ao Instituto da Segurança Social, I.P. nos termos e para os efeitos previstos no art. 186º-O, nº 9, do C.P.T. e do art. 15º-A, nº 4, da Lei nº 107/2009, de 14-9.
Oportunamente, dê conhecimento à trabalhadora sobre o disposto no art. 186º-R do C.P.T. em conjugação com o art. 7º, al. a), do mesmo diploma.
D.n.”
*
Inconformada com a decisão dela veio a Ré “ASSOCIAÇÃO EMPRESARIAL ... “ interpor recurso de apelação, pugnando pela revogação da decisão recorrida.
O recurso foi admitido com o modo de subida e efeitos próprios.
Nas alegações apresentadas foram formuladas as seguintes conclusões:
“INTRÓITO
(…)
DO ENQUADRAMENTO FACTUAL E DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
V. O presente recurso versa sobre matéria de Facto e de Direito, nos termos infra consignados, incidindo sobre a Sentença proferida na parte em que julgou a acção totalmente procedente e em que considerou improcedentes as excepções arguidas pela Recorrente,
VI. (...).
VII. A principal questão a decidir-se na Sentença prendia-se com a qualificação jurídica do contrato que a prestadora S. B. celebrou com a Recorrente.
VIII. a X. (…).

DA NULIDADE DA SENTENÇA A QUO POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
XI. Segundo a al. d) do nº 1 do art.º 615.º do C.P.C., a sentença é nula “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.
XII. O Tribunal a quo não apreciou grande parte da factualidade descrita pela Recorrente na sua Contestação, onde constavam factos essenciais à boa e justa composição do litígio, ao apuramento da verdade material e, inerentemente, à decisão da causa.
XIII. Agiu como se o contraditório exercido pela Recorrente fosse inexistente e letra-morta para a boa apreciação da causa, desconsiderando-o de forma atroz, atropelando para esse efeito os mais basilares princípios do Direito.
XIV. No que tange à omissão de pronúncia invocada, e na esteira do estabelecido no n.º 2 do artigo 608.º C.P.C., o Tribunal a quo «deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação», impondo-se-lhe uma pronúncia acerca das pretensões deduzidas pelas partes que representam as controvérsias centrais que este deverá dirimir.
XV. (…)
XVI. Tendo em conta as considerações expostas supra nas Alegações, facilmente se conclui que ocorreu nulidade por omissão de pronúncia sobre a vasta factualidade invocada e trazida aos autos pela Recorrente através da sua Contestação, tendo a decisão recorrida violado o disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d) CPC, impondo-se a declaração desta nulidade e a reabertura da audiência para julgamento e decisão da matéria controvertida e relevante para a boa decisão da causa.

DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
XVII. (…)
XVIII. A omissão ou incorrecção da fundamentação da decisão da matéria de facto que ora se demonstrará dará lugar à baixa dos autos à 1ª instância com vista à referida fundamentação nos termos referidos nos preceitos transcritos.
XIX. (...)
XX. Da leitura da presente motivação, não se encontra qualquer fundamentação relativa a muitos dos factos provados, desconhecendo-se a que factos se referem os documentos invocados nessa motivação, qual o sentido da decisão que determinaram e o que levou efectivamente a que viessem a ser considerados
XXI. In casu, a fórmula utilizada pelo Tribunal a quo para fundamentar a decisão da matéria de facto não é, tal como supra se referiu, a correcta, porquanto essencialmente se limita a identificar as testemunhas que concorreram para a formação da convicção, não consignando o sentido dos respectivos depoimentos, não conexionando cada facto ou cada grupo de factos com os concretos meios de prova que nela se invocam.
XXII. Não pode o Tribunal de primeira instância extrair conclusões de carácter genérico, abstracto e indeterminado, como sucede no caso em apreço, e que a serem válidas, serviriam para fundamentar qualquer tipo de decisão. Ora, é clarividente que em momento algum a Mm.ª Juiz demonstra, in concretum, a(s) testemunha(s) em cujo(s) depoimento(s) as respostas assentaram.
XXIII. O procedimento adoptado pela Meritíssima Juíz a quo apresenta uma manifesta insuficiência de fundamentação.
XXIV. Desde logo, há que levar em consideração que os factos dados como provados nos pontos 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 15, 16, 17, 18 e 19 condicionaram a sentença proferida, pelo que a sua alteração, no que àqueles factos diz respeito, assume crucial importância.
XXV. É apodíctico que a fundamentação deve ser adequada à necessidade que se imponha em cada caso concreto e, no caso em apreço, afigura-se-nos que a fórmula utilizada é insuficiente no sentido de se entender a razão do decidido, havendo razões (mais que) suficientes para determinar a baixa dos autos à 1ª instância para melhor fundamentação.

DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
XXVI a XXXII (…).
XXXIII. Analisada a matéria de facto dada como provada na douta sentença por contraposição com a prova produzida nos autos, verifica-se que ocorreu um erro de julgamento notório e grave, que conduz à alteração da matéria de facto e impõe uma decisão diversa da proferida, nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
XXXIV. Pelo que deve a decisão da sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que considere esta acção totalmente procedente e absolva a Recorrente inteiramente dos pedidos contra si formulados, como é imperativo inderrogável de Justiça.

VEJAMOS:
XXXV. São vários os concretos pontos dos Factos Provados que a Recorrente considera incorrectamente julgados, sendo que no seu entender impunha-se que os mesmos constassem antes do elenco de Factos Não Provados, designadamente os Pontos5, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20.
XXXVI. (…).
XXXVII. De facto, o Tribunal a quo decidiu não valorar o depoimento das testemunhas arroladas pela Recorrente, o que é manifestamente inaceitável e incompreensível numa persecução da descoberta da verdade material e na justa composição de um litígio, por vários motivos.
XXXVIII. a XL.(…).
XLI. Jamais poderiam os pontos 5, 6, 7, 8, 9 e 19 ter sido considerados como provados pelo Tribunal a quo na sua plenitude, designadamente, na parte em que refere que a prestadora S. B. foi admitida como docente ao serviço da Recorrente.
XLII. Tal não corresponde à verdade, nem resulta de qualquer elemento probatório constante do processo. Nem poderia, porque na verdade o trabalhador (independente, àquela data) S. B. não reúne os requisitos legais para ser considerada como “Docente.
XLIII. Com efeito, tal resulta dos próprios contratos de prestação de serviços outorgados entre a Recorrente e a trabalhadora S. B., onde consta a sua contratação para a prestação de serviços de “Formador Externo”.
XLIV. Também dos próprios recibos verdes emitidos pela trabalhadora S. B. se pode retirar que o mesmo não desemprenhava qualquer actividade de docência, mas de Formador [cfr. “dados do transmitente de bens ou da prestadora de serviços” dos recibos-verde emitidos]
XLV. e XLVI. (…)
XLVII. Como tal, e visto de nenhum elemento probatório constante dos autos se demonstrar que a trabalhadora S. B. reunia as qualificações profissionais para ser considerado “Docente”, impõe-se a alteração da matéria de facto, dando o referido ponto como não provado na parte em que considera que a trabalhadora S. B. “foi admitido ao serviço da ré () como docente”, mas como Formador Externo.
XLVIII. Do mesmo jeito, jamais poderiam os pontos 11 e 20 ter sido dados como provados.
XLIX. Desde logo, jamais a formadora S. B. executou os seus serviços sob ordens ou fiscalização da Recorrente, contrariamente ao erroneamente dado como provado pelo Tribunal.
L. a LV. (…).
LVI. Impõe-se, por conseguinte, a alteração da matéria de facto, dando os referidos pontos 11 e 20 como não provados, na parte em que referem que a trabalhador desenvolvia actividade “sob as ordens e fiscalização” da Recorrente.
LVII. Para além disso, o mesmo se diga quanto ao ponto 12 dado erroneamente como provado.
LVIII. Não é verdade que a Recorrente definisse unilateralmente o horário da formadora S. B., uma vez que o mesmo era elaborado tendo por base as disponibilidades manifestadas pela própria formadora.
LIX. Era a própria formadora que indicava as suas disponibilidades para prestar os seus serviços. E em função dessas disponibilidades é que o horário era, então, elaborado.
LX. A este propósito, atente-se à prova documental nos autos, onde, através de e-mail, o prestador S. B. informou à Direcção Pedagógica da Recorrente a necessidade de serem efectuadas alterações ao seu horário de prestação de serviços.
LXI. a LXV (…).
LXVI. Como é bom de ver, a prova foi indevidamente perscrutada, dando-se como assentes factos sem qualquer prova nesse sentido, valendo, por si só, para provar a matéria cuja decisão pugnamos pela alteração, no sentido de ser considerada NÃO PROVADA, impondo-se, assim, a alteração da matéria de facto, dando o referido ponto 12 como NÃO PROVADO.
LXVII. Também o ponto 15 não poderia ter sido considerado provado, da forma como o foi pelo Tribunal a quo.
LXVIII. Relativamente aos instrumentos e equipamentos pertencentes à Recorrente e utilizados pela trabalhadora, deve desde já dizer-se que é totalmente desconhecido onde suporta o Tribunal a quo a consideração de que tais equipamentos eram utilizados pelo trabalhador.
LXIX. Da prova produzida em juízo – e que deveria ter sido convenientemente auscultada pelo Tribunal a quo até resulta que a trabalhador não utilizava sempre estes equipamentos, sendo que apenas ficou demonstrado que, além do seu computador pessoal, utilizaria as mesas e as cadeiras da Recorrente – que tinha forçosamente de possuir para os seus cursos de formação serem homologados.
LXX. Todos os restantes equipamentos/instrumentos referidos na sentença a quo não são por ele utilizados.
LXXI. a LXXIII. (…).
LXXIV. Assim, sendo, porquanto inexiste matéria que permita retirar essas ilações e suportar peremptoriamente tais convicções, é liminar que inexiste prova a se perscrutada sobre esta matéria, pelo que jamais se poderia dar como assentes factos sem qualquer prova nesse sentido, valendo, por si só, para evidenciar a matéria cuja decisão pugnamos pela alteração, no sentido de se considerar como NÃO PROVADO o referido ponto 15.
LXXV. Também o Ponto 13 e 14 considerado como provado pelo Tribunal a quo não poderia ter sido considerado que a Formadora S. B. comparecia a reuniões de trabalho, ou que apreciava o desempenho escolar dos alunos e notava-os. Também não poderia considerar provado que registava faltas ou elaborava aulas de reposição, ou que elaborava um dossier, etc, etc. etc.
LXXVI. De facto, tal não corresponde à verdade, nem resulta de qualquer elemento probatório constante do processo e produzido em sede de Audiência de Discussão e Julgamento.
LXXVII. Impõe-se, portanto, a alteração da matéria de facto, dando o referido ponto 13 e 14 como não provados, atenta a escassez (inexistência?) de matéria probatória dos mesmos.
LXXVIII. Por sua vez, o Ponto 16 considerado como provado pelo Tribunal a quo não poderia ter sido considerado enquanto tal na sua plenitude, designadamente na parte em que refere que o trabalhador S. B. entrava no e-schooling com um qualquer login próprio.
LXXIX. De facto, tal não corresponde à verdade, nem resulta de qualquer elemento probatório constante do processo. Nem poderia, porque na verdade a trabalhadora não tem qualquer acesso personalizado próprio, utilizando o acesso geral destinado aos Formadores Externos à Recorrente.
LXXX. Impõe-se, portanto, a alteração da matéria de facto, dando o referido ponto 16 como não provado na parte em que considera que a trabalhadora S. B. “entrava através do seu “login” no programa/plataforma “e-schooling”.
LXXXI. Simultaneamente, também os pontos 17 e 18 não poderiam ter sido considerados provados, atenta a escassez de matéria probatória dos mesmos, e até efectivamente elementos probatórios dissonantes quanto à sua veracidade/prova.
LXXXII. É liminar que não existia qualquer regulamento interno que fosse aplicável à trabalhadora, nem tão pouco que a Recorrente tivesse qualquer poder disciplinar.
LXXXIII. Veja-se que jamais a prestação da trabalhadora S. B. era controlada pela Recorrente. Tal é plenamente atestado do depoimento da testemunha N. M., que confirma que não havia qualquer controlo da prestação da trabalhadora, havendo autonomia e nenhuma subordinação (a partir do tempo 00:13:28 até ao tempo 00:16:49 do depoimento desta testemunha).
LXXXIV. Também é incontestável que a trabalhadora não estava obrigada a comunicar, e justificar, quaisquer faltas, permutas ou substituições.
LXXXV. (…).
LXXXVI. é liminarmente inverídico que a trabalhador tivesse que justificar as suas faltas quando era prestador de serviços. Esta testemunha afirma peremptoriamente que não tinha que justificar faltas, muito menos por escrito, e que tinha total liberdade para realizar permutas/substituições, sem consentimento prévio da Recorrente.
LXXXVII. e LXXXVIII. (…)
LXXXIX. Também não resulta – de forma alguma – demonstrado que o trabalhador S. B. estivesse sujeita a qualquer sanção disciplinar que fosse pela Recorrente em caso de incumprimento de alegados deveres.
XC. (…).
XCI. É inevitável proceder-se também neste âmbito à alteração da matéria de facto, considerando-se os referidos pontos 17 e 18 como NÃO PROVADOS.
XCII e XCIII. (…).
XCIV. Pelo contrário, as testemunhas que serviram de base à base da matéria de facto considerada como provada pelo Tribunal não podem merecer qualquer credibilidade, sendo que a valoração dos seus depoimentos está naturalmente condicionada – só poderá estar, sob pena de se subverter princípios e garantias basilares da Recorrente – pelo facto de não terem qualquer conhecimento directo de vasta factualidade erroneamente considerada como provada.
XCV. Essa credibilidade que o Tribunal a quo lhe pretende atribuir não pode merecer aqui qualquer tipo de acolhimento, não só porque as testemunhas F. A. e A. F. revelaram, em alguns dos pontos que foram questionados, ter falta de conhecimento directo e pessoal dos mesmos, confrontadas com a prova documental junta aos autos, não lograram sequer explicar nem justificar a coerência de muito do que haviam afirmado, perante os elementos não corroborantes que decorrem daquela prova documental.
XCVI. a XCVIII. (...)
XCIX. Ao contrário do tentando difundir pelo Tribunal a quo, só podemos concluir que o auto da ACT presente nos autos também não tem – nem pode ter – per si qualquer conteúdo probatório. Até porque os factos relatados no mesmo nem sequer foram presenciados pelo Inspector Autuante.
C. Além do conteúdo probatório pleno e per si, a verdade é que o auto da ACT jamais se poderá substituir à prova testemunhal produzida.
CI.(…).
CII. Ora, sustentando a decisão sobre a matéria de facto dada como provada com base em prova documental, desvalorizando, em absoluto, os testemunhos apresentados, e não permitindo o direito do contraditório, jamais poderia o mesmo ter sido valorado da forma como o foi pelo Tribunal a quo, acentuando- se dessa forma o erro de julgamento que grassa nos presentes autos.
CIII. O especial valor probatório do auto da ACT, que não é absoluto nem definitivo – nem pode. O próprio Tribunal da Relação de Guimarães, no seu acórdão de 25 de Maio de 2013, afirma concludentemente que: «Um auto de notícia pode ser valorado como meio de prova, mas as comprovações nele feitas valem exclusivamente em relação aos puros factos presenciados pela entidade que o elaborou».
CIV. a CVI. (…).
CVII. E, portanto, o conteúdo de tal auto, no que toca à sua veracidade, pode ser colocado em causa através de prova testemunhal. O que aconteceu nos presentes autos: as testemunhas afastaram o teor desta prova documental, demonstrando razão de ciência e conhecimento directo dos factos que abalavam o conteúdo nele vertido
CVIII. Como tal dúvidas nem sequer poderão subsistir de que a contestação judicial à qualificação da relação jurídica existente entre Recorrente e a prestadora S. B. como sendo uma relação laboral, e prova testemunhal produzida por duas testemunhas [e sustentada até por pinceladas dos testemunhos dos próprios Srs. Inspectores] põe necessariamente em causa o valor probatório do auto da ACT, enquanto documento autêntico, que passa então a constituir um meio de prova como qualquer outro, e sem “privilégios”, não podem sem mais o Tribunal a quo formar a sua convicção no mesmo.

AINDA ASSIM,
CIX. e CX.(…).
CXI. De outra banda, do elenco de factos não provados, e atenta a sua relevância para a justa apreciação do mérito da causa, DEVERIAM FORÇOSAMENTE – atenta a prova testemunhal e documental produzida nos autos – TER SIDO CONSIDERADOS COMO PROVADOS OS FACTOS A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N:
A) A Formadora não tinha qualquer dependência económica da Recorrente durante o período de vigência dos contratos de prestação de serviços, obtendo outros rendimentos – artigos 201.º, 202.º e 203.º da Contestação;
B) Os cursos de formação que a Ré promove não são sempre os mesmos, sendo mutável todos os anos, e variando em função das carências dos profissionais da região que é necessário suprir, e em função da aprovação externa (de candidatura pedagógica e de candidatura ao seu financiamento) - artigos 120.º a 131.º da Contestação;
C) São as entidades externas que tutelam a actuação da Ré que dão orientações de quantas turmas/cursos podem ser aprovados para cada Comunidade Intermunicipal, e posteriormente são definidos pela ANQEP (Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional) os critérios para ordenamento da rede de cursos a aprovar, para o ano lectivo em causa, o número mínimo e máximo de turmas - artigos 95.º a 100.º da Contestação;
D) Só depois de aprovada a rede de oferta formativa é que a Ré fica em condições de divulgar a sua oferta de cursos de formação e “angariar” alunos para os cursos aprovados, no entanto nem sempre se consegue, por falta de alunos, abrir os cursos pretendidos - artigo 101.º da Contestação;
E) A oferta formativa da Ré fica igualmente dependente da concessão, ou não, de financiamento de determinadas instituições à Ré, de forma a permitir-lhe avançar com a leccionação daqueles Cursos de Formação pretendidos - artigo 107.º da Contestação;
F) O horário da leccionação dos módulos pela trabalhador era elaborado em função das suas disponibilidades, sendo alvo de alterações subsequentes por força da (in)disponibilidade superveniente dos Formadores pretendidos - artigos 135.º a 139.º e 144.º da Contestação;
G) As ausências da Formadora são insusceptíveis de sancionamento disciplinar - artigo 141.º da Contestação;
H) A Ré não efectua qualquer controlo ou fiscalização da assiduidade ou pontualidade da trabalhador, não fazendo a Autora quaisquer registos de entrada e saída - artigos 169.º a 172.º da Contestação;
I) A Ré nunca marcou qualquer falta à Formadora, seja justificada ou injustificada, ou sequer advertiu a Formador por qualquer ausência, ou sequer intentou qualquer procedimento disciplinar, nem nunca exigiu qualquer justificação de falta - artigos 141.º, 142.º, 157.º e 158.º da Contestação;
J) Entre Ré e a trabalhadora não existia qualquer exclusividade na prestação da actividade pela trabalhadora, ao contrário do que acontece desde a celebração do contrato de trabalho – artigos 180.º e 181.º da Contestação;
K) Os pagamentos efectuados à Formadora variavam em função da respectiva disponibilidade de prestar serviços à Ré, não sendo um pagamento periódico ou efectuado todos os meses do ano – artigo 197.º da Contestação;
L) A actividade exercida pela Formadora tem obrigatoriamente de ser desenvolvida em local pertencente à Ré, o qual tem de ser obrigatoriamente autorizados/homologados pelo Ministério da Educação - artigos 220.º e 221.º da Contestação;
M) A Ré é obrigada por imposição legal a ter/disponibilizar equipamentos/instrumentos nas salas de aulas, sem os quais os cursos não homologados e financiados - artigo 225.º da Contestação;
N) Cada um dos contratos de prestação de serviços eram independentes, sendo que após a sua extinção deixava de existir qualquer relação entre a Ré e a Formadora S. B. – artigos 120.º, 121.º, 131.º .º da Contestação.
CXII. Os Pontos B), C, D), E) e F) deveriam ter sido dado como provados, sendo notório de todos os depoimentos produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento a factualidade inerente ao mesmo.
CXIII. a CXVI. (…).
CXVII. Isto, sem esquecer a prova documental existente nos autos, nomeadamente documento n.º 2, 3, 4 e 5 da Contestação, dos quais resulta toda esta factualidade, bem como que os cursos de formação não eram sempre os mesmos ano após ano, alterando as necessidades de serviços a serem prestados.
CXVIII. Deveriam também os Pontos F), G) e I) ter sido considerados como PROVADOS, sendo manifesta a prova produzida em julgamento acerca desta matéria de facto, pelo que se reveste surpreendente como os mesmos não foram considerados provados.
CXIX. É indubitável de toda a prova produzida e do já exposto que o horário da Formadora S. B. era elaborado pela Recorrente em função das disponibilidades manifestadas pelo trabalhador, e nunca forma unilateral.
CXX. a CXXII. (…)
CXXIII. Portanto, dúvidas não poderão restar de que o horário era definido pela Recorrente sempre em função das disponibilidades concedidas pelo trabalhador S. B..
CXXIV. É também liminar que o trabalhador não estava obrigado a comunicar, e justificar, quaisquer faltas, permutas ou substituições. Isto resulta de forma transparente e notória dos vários depoimentos constantes dos autos.(…).
CXXV. a CXXVI. (…)
CXXVII. Por sua vez, o Ponto H) foi inexplicavelmente considerado como não provado por parte do Tribunal a quo, quando só poderia ter sido considerado PROVADO, atento o teor dos depoimentos das várias testemunhas.
CXXVIII. (…).
CXXIX. Também os Pontos A), J) e K) foram inexplicavelmente considerados como não provados por parte do Tribunal a quo, quando só poderiam ter sido considerado PROVADOS.
CXXX. Ora, neste âmbito, veja-se bem como eram realizados os pagamentos dos serviços prestados pela trabalhadora S. B. durante a pendência das relações jurídicas de prestação de serviços que foi mantendo com a Recorrente.
CXXXI. Os recibos verdes por si emitidos, e sempre pagos como resultou da prova produzida, não deixam margem para qualquer dubiedade acerca da frequência dos pagamentos e do seu sempre diferenciado montante (cfr. documento n.º 9 da Contestação).
CXXXII. Os valores nunca eram os mesmos. Nem tão pouco eram pagos periodicamente, mas tão só em função da prestação de serviços e da emissão do respectivo recibo-verde para pagamento. Como qualquer profissional liberal…
CXXXIII. a CXXXVI. (…).
CXXXVII. Os Pontos L) e M) foram inexplicavelmente considerados como não provados por parte do Tribunal a quo, quando só poderiam ter sido considerado PROVADOS, atento o teor dos depoimentos das várias testemunhas.
CXXXVIII. a CXL. (…).
CXLI. Também o Ponto N) foi inexplicavelmente considerado como não provado por parte do Tribunal a quo, quando só poderiam ter sido considerado PROVADO, atento o teor dos depoimentos das várias testemunhas.
CXLII. O contrato de prestação de serviços era extinto assim que leccionasse o módulo de formação para cuja leccionação havia sido contratado, ou seja, assim que atingisse o resultado da sua contratação.
CXLIII. a CXLV. (…).

DO DIREITO
CXLVI. (…).
DAS EXCEPÇÕES
I - DA IMPOSSIBILIDADE ORIGINÁRIA DA LIDE E VALIDADE DA ACÇÃO
CXLVII. (…).
CXLVIII. De facto, constitui motivo legitimador da Acção de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho, a necessidade de se ver reconhecido um contrato de trabalho, combatendo a precariedade laboral e as suas consequências individuais e sociais.
CXLIX. (…)
CL. A Recorrente e S. B. celebraram um contrato de trabalho em 30 de Abril de 2019, com efeitos retroactivos a 1 de Janeiro de 2019, acordando de comum, livre e consciente acordo uma modificação na relação jurídica que então mantinham, com repercussões naturais nas suas recíprocas obrigações.
CLI. Apesar de verificada a existência deste vínculo laboral, veio, na decorrência da participação da ACT, o Ministério Público suscitar, mediante proposição de Acção de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho, a necessidade de, literalmente, reconhecer a existência de um contrato – que já existia...
CLII. Perante o que antecede não se verifica, como é claro e líquido, a inexistência do contrato e, por conseguinte, não se encontra preenchido o requisito, objecto e objectivo primordial da presente acção: a declaração da existência do contrato de trabalho.
CLIII. Resulta que a letra da lei é clara, expressando no n.º 8 do artigo 186.º-O que “A sentença que reconheça a existência de um contrato de trabalho fixa a data do início da relação laboral.”, sendo incontestável e jurisprudência assente que o objectivo da Acção de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho é o reconhecimento de uma relação laboral!
CLIV. Decorre, também, do citado preceito legal, por um lado, a natureza principal do reconhecimento do contrato de trabalho e, por outro lado, o carácter acessório e subsidiário da aferição da antiguidade do contrato.
CLV. Nestes termos, jamais a estatuição de qualquer obrigação relativa ao contrato de trabalho (tal como a antiguidade…) poderá ser fundamento único para a determinação e existência da referida acção especial, sob pena de uso ilegítimo e inapropriado de um meio processual que impõe severas restrições quanto às garantias do réu, nomeadamente no tocante à marcha do processo e à prova.
CLVI. Assim, não se verificando a inexistência de contrato de trabalho, falta à acção um pressuposto essencial para que esta possa prosseguir. Com efeito, inexistindo o referido pressuposto, inexiste causa de pedir, devendo, em consequência, ter sido julgada procedente a exceptio inominada para qual se remete e que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.

II – MEIO PROCESSUAL INADEQUADO

CLVII. Na senda do exposto, verificando-se a existência de um contrato de trabalho a acção não estará adequada a prosseguir o seu fim fundamental e legitimador, ou seja, a declaração da existência do contrato de trabalho, não se afigurando como o meio processual adequado para aferir apenas e só da antiguidade do contrato de trabalho.
CLVIII. É, portanto, falso que este seja o único meio processual capaz de determinar a antiguidade e obrigações decorrentes do contrato de trabalho, isto porque, como dissemos e repetimos, o contrato já existe e é válido. Cumpre, então, à trabalhadora, querendo, intentar acção comum para que se determine a antiguidade do seu contrato e todos respectivos os efeitos, sendo, claramente, esta uma matéria do seu exclusivo domínio.
CLIX. Quanto ao objectivo de regularização das contribuições em dívida, será esse, nos termos da Lei, também um efeito decorrente da sentença nos casos em que se reconheça a existência de contrato de trabalho e se determine sua antiguidade, não podendo ser considerado como pressuposto para a propositura da desta acção, visto que não se enquadra na sua ratio.
CLX. Pugna, ainda, a Recorrente por afirmar que a determinação da antiguidade de contrato de trabalho carece de ser determinada através da proposição de ação comum pela trabalhadora, parte legítima e com interesse processual activo.
CLXI. Mais se diga, tendo a trabalhadora definido por acordo, aquando da celebração do contrato de trabalho, o início da sua vigência, tal acordo será lícito e eficaz, não podendo o Ministério Público substituir-se à trabalhadora e às suas decisões numa questão eminentemente privada da relação laboral.
CLXII. A este respeito, diga-se que apesar de se ter retirado a figura da audiência de partes e conciliação da estrutura desta acção especial, é inconstitucional e violador das garantias da trabalhadora o facto de esta não poder adequar e determinar as condições da sua prestação laboral, ainda mais, fazendo-o em momento anterior à acção.
CLXIII. a CLXIV. (…).
CLXV. Facto é que à trabalhadora não pode ser negado o domínio da sua relação de trabalho e a definição dos seus termos. Fazendo-se constar que não se viu limitado um direito existente da trabalhadora, antes, protegidas as suas pretensões e reconhecido o contrato de trabalho, tudo mediante a sua vontade, entendimento e acordo, relevantes e imperiosos.
CLXVI. Por estes motivos não se afigura lícita a intervenção do Ministério Público, constituindo essa uma clara violação do princípio da autonomia privada e da liberdade das partes, violando, portanto, os direitos de personalidade do trabalhador nos termos do artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa, bem como o direito ao trabalho na sua vertente da possibilidade de conformação e determinação pelo trabalhador das suas condições e vigência.
CLXVII. Em síntese, a Acção de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho além de não ser meio lícito para se reconhecer em exclusivo da antiguidade do contrato, não será também (e muito menos) o único meio processual adequado para se discutir tal questão.
ATENTE-SE QUE: CLXVIII. Veio o muito douto Tribunal a quo afirmar que “não se descortina em que legislação estará elencada a alegada inadequação do meio processual como sendo uma alegada nulidade processual que a ré nem sequer fundamenta – já que no CPT e no Código de Processo Civil não está prevista como tal.”.
CLXIX. Esquece, contudo, o Tribunal de observar o cumprimento das exigências do princípio da legalidade e do princípio da adequação formal, que exigem o respeito pela tramitação adequada dos processos. Ora, nos termos dos artigos 547.º e 193.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPT, o Tribunal deveria, verificado o uso de meio processual desadequado, pois apenas se discute in casu a antiguidade do contrato de trabalho, ter oficiosamente procedido à convolação do pedido para a forma processual adequada, com todas as consequências legais.
CLXX. Contudo, não sendo aproveitáveis os actos praticados por falta de legitimidade de uma das partes para intervir e por se preencher o disposto no artigo 193.º n. º2, dado que o aproveitamento dos actos redundaria numa diminuição das garantias da Recorrente, devia ter o tribunal, oficiosamente, conhecido da nulidade do processo, convidando o trabalhador a, querendo, propor acção comum, pois outro caminho não se afigura possível prosseguir.

III – DA FALTA DE INTERESSE EM AGIR - INTERESSE PÚBLICO INSUFICIENTE
CLXXI. Facto é que o Ministério Público ao tramitar a presente acção usa de um meio processual inadequado para se substituir à trabalhadora, único sujeito com legitimidade para suscitar a apreciação da sua antiguidade, pois apenas esse será capaz de aferir e definir, com o empregador, os concretos termos da sua prestação, não se podendo olvidar que a relação de trabalho é uma relação de raiz privada e conformada pela vontade das partes.
CLXXII. Destarte, não pode o Ministério Público “substituir” a trabalhadora, muito menos em contradição com a vontade por este declarada, corroborada e contratualizada. Fazendo-o exorbita claramente as suas funções e competências, permitindo uma ingerência pública indevida no seio de uma relação e questão iminentemente privada.
CLXXIII. Posto isto, tal argumento bastará para a improcedência da presente acção, pelo que mal andou o Tribunal a quo a decidir como decidiu, pugnando-se, hic et nunc, pela revogação da sentença recorrida.

AINDA QUE NÃO SE PARTILHE DESTE ENTENDIMENTO,
CLXXIV. reveste-se da maior importância aferir se o interesse público subjacente à determinação da antiguidade do contrato de trabalho é questão justificativa da intervenção do Ministério Público, ou se será esse um interesse público insuficiente.
CLXXV. Acontece que o interesse público na determinação da antiguidade e, eventualmente, no pagamento de contribuições à Segurança Social, não é suficiente para fazer surgir na esfera do Ministério Público o direito de propor a Acção Especial de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho, sendo perigoso um raciocínio, no seio de uma relação privada, que usando o fito de proteger a trabalhadora, a prejudica, não lhe dando liberdade de conformação, e não permitindo disponha dos seus direitos.
CLXXVI. A realidade é que in casu não há interesse público preponderante, susceptível de se sobrepor à vontade da trabalhadora e que sustente a intervenção do Estado, nestes termos e com estas prerrogativas, na determinação da antiguidade de contrato de trabalho, que se consubstanciará, essencialmente, na determinação de créditos e contribuições devidas pelo empregador.
CLXXVII. Dizer-se, então, que esta acção é susceptível de ser intentada para aferir da antiguidade seria criar toda uma nova válvula de escape para a determinação de todas as questões relacionadas com o início do contrato de trabalho, confundindo-se, irremediavelmente, a determinação da existência do contrato com a sua duração.
CLXXVIII. Assim, perante tudo que antecede deve a sentença ser revogada.

SE ASSIM NÃO SE ENTENDER, O QUE NÃO SE CONCEDE,
CLXXIX. existe, claramente, uma clara desigualdade entre a pretensa trabalhadora e o trabalhador dito comum que terá que recorrer a uma acção de processo comum para aferir da sua antiguidade. Deste modo, a aceitar-se o recurso à acção especial apenas e tão só para discutir a antiguidade, entende-se que existe uma diferenciação injustificada e (porque não dizer) desproporcional entre os regimes destes dois tipos de acção, cuja finalidade é exactamente a mesma,
CLXXX. acrescendo o facto de se conferir uma protecção e tutela jurídica/processual maior e mais favorável a uma situação em que não existe conflito entre as partes (impulsionada pela ACT e judicialmente intentada pelo Ministério Público), em confrontação com a protecção conferida na situação em que tal conflito existe e é real e que, por isso, seria mais urgente solucionar (casos em que o Trabalhador requer que seja reconhecida a antiguidade do contrato de trabalho através do processo comum).
CLXXXI. A entender-se o contrário, está-se a violar o direito à igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e, como tal, fará incorrer o artigo 186.º- O do Código de Processo do Trabalho, à luz de tal interpretação, em inconstitucionalidade, a qual se deixa para todos os legais efeitos arguida.
CLXXXII. Conclui-se, por isso, num percurso intelectual e cognoscitivo transparente e de facílima interpretação e seguimento, que a decisão proferida viola, entre outras disposições, o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, revelando-se desrazoável, arbitrária e destituída de fundamento.
CLXXXIII. Pelas razões aqui invocadas, e ainda pelo que dispõe o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, a sentença aqui em sindicância, deve ser revogada, porque as normas em que se fundou – concretamente o artigo 186.º - O do Código de Processo de Trabalho - foram interpretadas em desconformidade com aquela norma constitucional, pois impunham um tratamento claramente desigual entre Trabalhadores na mesma situação -a de visarem verem estendida a antiguidade do seu Contrato de Trabalho - podendo, concretamente, uns gozar da intervenção da ACT e do Ministério Público e de uma acção que concretamente lhes acarreta maior celeridade e, até certo ponto, garantias, enquanto outros trabalhadores teriam de se munir de acção comum, tendencialmente mais lenta e onde por si e pelos seus meios teriam de fazer valer as suas pretensões, visando um fim idêntico.
CLXXXIV. Conforme o que aqui se alega e expõe andou mal o Tribunal a quo a decidir como decidiu, não justificando o uso da presente Acção Especial de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho, e fazendo errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 186.º- O, bem ainda do disposto nos artigos 1.º, 2.º, 12.º, 13.º, 202.º da Constituição da República Portuguesa, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.

DA EXISTÊNCIA DE UM CONTRATO DE TRABALHO
I - DA DISTINÇÃO ENTRE CONTRATO DE TRABALHO E CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CLXXXV. (…)
CLXXXVI. (…)
CLXXXVII. Como facilmente se retira da letra da lei, os elementos essenciais tradicionalmente reconhecidos ao contrato de trabalho são o elemento do trabalho ou actividade laboral, o elemento da retribuição e o elemento da subordinação jurídica.
CLXXXVIII. (…).
CLXXXIX. a CXCIII. (…)
CXCIV. e ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, o contrato sub judice consubstancia um contrato de prestação de serviços.
CXCV. De facto, no que ao objecto contratual respeita, sobre o devedor recaía a obrigação de apresentar um resultado ao credor: ser leccionado um Módulo de Formação constituído por um concreto e determinado número de horas.
CXCVI. E, no que tange ao relacionamento inter partes, o devedor agia com completa autonomia no modo como prestava a sua actividade a favor do credor.

II - DA AUTONOMIA PRIVADA E DA LIBERDADE CONTRATUAL
CXCVII a CC. (…)
CCI. Uma das manifestações da liberdade contratual é a liberdade de fixação do conteúdo do contrato, expressamente prevista no artigo 405.º do Código Civil, que estabelece que «(...) as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver» (n.º 1) e que «as partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei» (n.º 2).
CCII. A liberdade de celebração do contrato é outra manifestação da liberdade contratual e consiste na faculdade conferida às partes de, no momento e nas condições em que entenderem, utilizar (ou não utilizar) a figura do contrato para regular os seus interesses.
CCIII. Constitui igualmente uma manifestação da liberdade contratual a liberdade de negociação (e de não negociação) com vista à celebração de um contrato, encontrando-se subentendida nas liberdades de fixação do conteúdo do contrato e de celebração do contrato.
CCIV. Ora, no Direito Português, é indubitável até que a liberdade contratual tem a natureza de direito fundamental e, verdadeiramente, nos presentes autos, o que está em causa é este princípio estruturante do Direito Privado e a própria liberdade das partes.
CCV. Na prossecução e na regulamentação dos seus legítimos interesses, as partes celebraram o contrato que produzia os efeitos jurídico-privados por estas pretendidos. E, ao abrigo da sua liberdade contratual, o tipo contratual celebrado pelas partes foi o contrato de prestação de serviços, que foi escolhido e tido pelas partes como o mais adequado para a regulamentação dos seus interesses, até decidirem de livre e autodeterminada vontade alterarem a sua relação jurídica passando-a a uma efectiva relação laboral em 2019.
CCVI. No caso sub judice, perante a factualidade dada como provada, e tendo em consideração que o que se discute é a qualificação contratual do contrato celebrado entre a Ré e a interessada, impõe-se a conclusão de que estamos perante um contrato de prestação de serviços.
CCVII. a CCIX. (…)
CCX. Face a todo o exposto, não podem existir dúvidas de que estamos perante um produto da autonomia privada, resultante do encontro de duas vontades – uma proposta e uma aceitação –, cuja disciplina legal se insere no Direito Privado, com as suas componentes da autonomia da vontade e da autonomia contratual, como expressão do princípio da liberdade.
CCXI. Como tal, não pode o poder judicial intervir e intrometer-se no campo da liberdade contratual e da autonomia privada, de modo a sujeitar dois titulares de um contrato de prestação de serviços à qualificação jurídica dessa relação como contrato de trabalho, sem os próprios revelarem essa vontade, sob pena de tal constituir ingerência excessiva e, consequentemente inconstitucional, de um princípio constitucionalmente garantido, o da autonomia privada.
CCXII. De facto, qualquer tentativa de coarctar a liberdade de contratar da Recorrente e da prestadora S. B. que, a ocorrer como pretende impor o Tribunal a quo, redunda igualmente numa violação gritante do consagrado no artigo artigos 13.º, 26.º n.º1, 27.º n.º1, 47.º, 58.º n.º 2, alínea b), 61.º, n.º1 e 62.º, n.º1 da C.R.P., padecendo de incurável inconstitucionalidade, a qual se deixa arguida para todos os efeitos tidos por convenientes.
CCXIII.Com efeito, tal inconstitucionalidade é resultante da violação do princípio da autonomia privada por coarctação da sua vontade da sua liberdade de contratar, do princípio da igualdade, violação do seu direito de escolha livre do género de trabalho e violação da livre iniciativa económica privada, direitos fundamentais que tem agora a incumbência o Tribunal ad quem de proteger e salvaguardar.

III - DA PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
CCXIV. a CCXVIII. (…)
CCIX. É com base nesta presunção de laboralidade que o Tribunal a quo entende que entre a Recorrente e FA. vigorou um contrato de trabalho entre 24 de Março de 2015 e 31 de Dezembro de 2018.
CCXX. Entende a Recorrente que, ao fazê-lo, o Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento da matéria de direito, como se passa a demonstrar.
CCXXI. Tratando-se de uma presunção iuris tantum, e atenta toda a produção de prova e matéria carreada para os autos, a Recorrente logrou ilidi-la, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho, conforme advém do nº 2 do artigo 350º do CC.
CCXXII. Analisando a prova produzida nos autos, a subordinação jurídica dos formadores à Ré demonstra ser inexistente para constituir qualquer relação laboral, só podendo ser reconhecida a existência de uma efectiva prestação de serviços, conclusão a que chegamos também com a ponderação e avaliação global dos indícios no caso concreto.
CCXXIII. Assim, existe uma correspondência real e efectiva entre a realidade concreta e a qualificação da relação jurídica existente entre o prestador e o beneficiário da actividade.

VEJAMOS:
A)O LOCAL DE TRABALHO COINCIDENTE COM INSTALAÇÕES DO BENEFICIÁRIO DA ACTIVIDADE OU POR ELE CONTROLADAS

CCXXIV. Um formador ou professor exerce habitualmente a sua actividade em escolas ou centros de formação, porque são estas as instalações legalmente homologadas pelo Ministério da Educação para o efeito, não sendo possível a ministração de aulas noutros locais.
CCXXV. Não se olvide também que o local para prestação de serviços era escolhido de comum acordo, sendo o próprio formador a preferir que os serviços fossem prestados nas instalações da Ré, por uma questão de conveniência pessoal, porque não possuía instalações legalmente homologadas pelo Ministério da Educação para o efeito.
CCXXVI. Conclui-se que a própria natureza da actividade de leccionação e formação exigia e exige que os serviços fossem e sejam prestados nas instalações da Ré.
CCXXVII. Assim, no caso concreto, o facto de local de prestação dos serviços ser coincidente com as instalações do beneficiário da actividade ou por este controladas não constitui qualquer indício de que estamos perante uma relação jurídica de trabalho subordinado.
CCXCI. (…).
B) A PERTENÇA DOS EQUIPAMENTOS E INSTRUMENTOS DE TRABALHO AO BENEFICIÁRIO DA ACTIVIDADE
CCXXIX. A própria natureza da actividade de formação e leccionação exige que haja um mínimo de equipamentos e condições nas instalações para que a actividade em si possa ser realizada, não só para os formadores, mas também para os formandos. Se assim não fosse, o Ministério da Educação não poderia homologar as instalações para esse efeito.
CCXXX. Não obstante, a formadora não utilizava exclusivamente equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à Ré, mas também equipamentos e instrumentos de trabalho próprios, como, por exemplo, computador portátil, com o qual preparava as suas formações.
CCXXXI. Assim, também o facto de os equipamentos e instrumentos de trabalho serem propriedade do beneficiário da actividade prestada, in casu, a Ré, não constitui qualquer indício de que estamos perante uma relação jurídica de trabalho subordinado.
CCXXXII. (…)

C) A EXISTÊNCIA DE HORÁRIO DE TRABALHO
CCXXXIII. A formadora nunca foi ajustada ou esteve obrigada a qualquer período de tempo de trabalho, apenas tinha que proceder à leccionação de concretos e determinados módulos formativos aos formandos, o que aceitava e se comprometia a fazer perante a Ré – era este o objecto contratual.
CCXXXIV. Mais, o próprio horário de leccionação aos formandos, ou seja, o horário lectivo não era unilateralmente fixado pela Ré, pois era o próprio formador que indicava a sua disponibilidade e preferência de horário, que eram tidas em conta na fixação do horário de leccionação de aulas.
CCXXXV. E, ainda que pré-estabelecido, o horário de leccionação era passível de ser alterado em função da (in)disponibilidade superveniente do formador, sendo, aliás, alterado com regularidade por esse motivo e por indicação dos formadores.
CCXXXVI. Ademais, a formadora não tinha qualquer controlo de assiduidade ou pontualidade, não existindo qualquer registo de tempos de entrada. O software e-schooling, servia o único propósito de registo dos sumários das aulas leccionadas e das eventuais faltas dadas pelos formandos.
CCXXXVII. Como se torna fácil de perceber, a existência de horário para ministrar as aulas não é determinante para a qualificação do contrato, uma vez que numa escola profissional com várias turmas, vários professores e múltiplos alunos, em diferentes fases de aprendizagem, é essencial a existência de horários para que as aulas funcionem com o mínimo de organização, independentemente da natureza do vínculo contratual dos professores e formadores que aí prestem serviço.
CCXXXVIII. Assim, o facto de existir um horário definido para leccionação de aulas aos formandos, numa escola, não constitui qualquer indício de que estamos perante uma relação jurídica de trabalho subordinado.
CCXXXIX. (…).

D) O CARÁCTER PERIÓDICO DA RETRIBUIÇÃO PAGA COMO CONTRAPARTIDA DA ACTIVIDADE
CCXL. Como ficou provado, a formadora não recebia uma retribuição da Ré, mas, antes, pagamentos referentes aos serviços prestados, sem qualquer regularidade ou periodicidade.
CCXLI. De facto, a formadora obrigava-se perante a Ré a leccionar um concreto e determinado módulo formativo aos formandos, mas o número de horas semanais ou mensais que leccionava ficavam ao seu arbítrio.
CCXLII. Ao longo da execução do contrato de prestação de serviços, até por uma questão de razoabilidade, a Ré ia liquidando à formadora os montantes referentes às horas já leccionadas. No entanto, estes pagamentos não tinham qualquer carácter regular ou periódico.
CCXLIII. Para além disso, a formadora emitia para quitação das quantias que lhe eram pagas, a título de honorários, os chamados “recibos verdes” (recibos do tipo fiscalmente definido para o rendimento de trabalho independente).
CCXLIV. Ademais, a formadora nunca recebeu retribuição de férias nem subsídios de férias ou de Natal, como seria próprio de uma relação de natureza laboral.
CCXLV. Assim, não existia uma dimensão de estabilidade e continuidade nas tarefas executadas nem na sua remuneração, o que evidencia a inexistência de uma relação de subordinação jurídica.

E) O DESEMPENHO DE FUNÇÕES DE DIRECÇÃO OU CHEFIA NA EMPRESA PELA PRESTADORA DA ACTIVIDADE
CCXLVI. Como se torna evidente da prova produzida nos presentes autos, a formadora nunca desempenhou funções de direcção ou chefia na organização da Ré.

FACE AO AGORA EXPOSTO,
CCXLVII. Ainda que, a prima facie, se possa considerar terem sido preenchidos os mínimos legais de alegação e posterior demonstração cumulativa de dois ou mais dos elementos, índices ou características elencados no art. 12.º do Código do Trabalho, o vínculo consensualmente celebrado pelas partes não pode ser qualificado como contrato de trabalho.
CCXLVIII. A verdade é que, ponderados os indícios no seu conjunto e avaliados no caso concreto, torna-se evidente a existência de um contrato de prestação de serviços.
CCXLVIII. Atenta toda a produção de prova e matéria carreada para os autos, a presunção de laboralidade deve ser considerada totalmente ilidida pela Ré.

IV - DA INEXISTÊNCIA DE UMA RELAÇÃO JURÍDICA DE TRABALHO SUBORDINADO
CCL. Como visto supra, a factualidade apurada evidencia uma clara demonstração da inexistência de subordinação jurídica, o que determina a ilisão da presunção legal de existência de contrato de trabalho.
CCLI. Assim, o Ministério Público não logrou provar factualidade donde resulte que a Formadora se vinculou à Ré através de contrato de trabalho.
CCLII. Pelo contrário, os factos provados mais se afeiçoam ao contrato de prestação de serviços, tal como a lei o define no art. 1154.º do CC: «Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição».
CCLIII. Efectivamente, e antes do mais, a existência de ordens e instruções específicas e a obrigatoriedade do seu cumprimento, só por si, não importa a conclusão de que existe subordinação jurídica, na medida em que aquelas são compatíveis e próprias do contrato de prestação de serviços, como resulta do disposto no art. 1161.º, al. a), conjugado com o art. 1156.º, ambos do CC.
CCLIV. Com efeito, estando em causa uma actividade de ensino pela qual a Ré é responsável por organizar e garantir aos seus formandos, é da natureza das coisas que a actividade do formador tivesse de obedecer a regras e procedimentos «uniformizados», quer fosse prestada mediante contratos de trabalho, quer o fosse ao abrigo de contratos de prestação de serviços.
CCLV. Perpassa pela matéria de facto provada que a formadora tinha um elevado grau de autonomia na organização e planificação da sua actividade, posto que respeitando os parâmetros gerais estabelecidos pelos órgãos competentes, organizavam as aulas como melhor entendiam.
CCLVI. a CCLVII. (…).
CCLVIII. E, sendo certo que o nomen iuris que as partes dão ao contrato não pode ser o elemento determinante para a aferição da sua natureza, não deixa de ser um elemento que deve ser tido em conta, no sentido de que as partes se nortearam de acordo com o título que escolheram para o contrato.
CCLIX. O consignado nos contratos escritos outorgados entre a Ré e a formadora – note-se, com formação académica superior –, é verdadeiramente impressivo no sentido de que as partes quiseram realmente, e esclarecidamente, vincular- se através de um contrato de prestação de serviços.
CCLX. Acresce que, face à factualidade apurada não resulta indiciada – bem pelo contrário – a exclusividade de prestação de trabalho à Ré ou a subordinação económica da formadora relativamente à mesma, o que tudo torna menos verosímil a existência de relações de subordinação da formadora à Ré.
CCLXI. Assim, os factos apurados não são suficientemente reveladores de que se verificasse uma situação de subordinação jurídica da formadora relativamente à Ré. Antes, os factos provados apontam para, se não um efectivo querer, pelo menos uma aceitação, de ambas partes, da natureza do contrato como de prestação de serviços, sendo que, na execução do assim acordado, a formadora, ao longo do tempo e nos termos supra assinalados, prestou o seu labor e comportou-se como se efectivamente estivesse vinculado por um contrato de prestação de serviços, amoldando-se a factualidade apurada ao cumprimento de obrigações decorrentes de um contrato de prestação de serviços.
CCLXII. Daí que, face ao retro exposto, torna-se evidente a inexistência de uma relação jurídica de trabalho subordinado entre a Ré e a formadora, razão pela qual deve a decisão do Tribunal a quo ser revogada totalmente.
CCLXIII. Na subsunção dos factos ao direito, relativamente a casos em tudo semelhantes ao presente, os tribunais nacionais têm sido unânimes na consideração de se estar na presença de um contrato de prestação de serviços.
CCLXIV. (…).
CCLXV. Sempre se diga que entre a Ré e a Formadora não vigorou uma relação laboral contínua, já que, na verdade, o contrato celebrado entre as partes era apenas referente a um concreto ano lectivo.
CCLXVI. A Ré não sabia se, no ano subsequente, aquele concreto curso de formação seria aberto e, consequentemente, se iria precisar dos serviços da Formadora.
Nesta medida, a Formadora sempre teve consciência que o contrato que celebrava conhecia o seu termo com o encerrar daquele ano lectivo.
CCLXVII. Significa isto que, entre Ré e Formadora, ocorreram tantos contratos de trabalho quantos anos lectivos. Com efeito, o contrato de trabalho cessava no termo do ano lectivo e, de meados Julho a meados de Setembro, não existia qualquer relação jurídica entre as partes.
CCLXVIII. No final do ano lectivo, o contrato de trabalho cessava; e no início do ano lectivo subsequente, poderia ser celebrado um novo contrato de trabalho.
CCLXIX. Perante esta factualidade, sempre se diga que, a considerar-se a relação existente entre a Ré e a Formadora como de trabalho subordinado – o que, repete-se, não se concede e apenas por dever de patrocínio se equaciona – estamos na presença de vários contratos de trabalho, tantos quantos os anos lectivos em que a Formadora prestou serviços a favor da Ré, sendo liminar que cada um dos contratos se extinguiu em Julho do ano subsequente, deixando de produzir quaisquer efeitos jurídicos, razão pela qual, para efeitos de antiguidade, apenas poderá ser considerada a existência da última relação jurídica constituída, a saber a constituída em Setembro de 2018.
CCLXX. Mesmo que assim não se entenda, então será sempre manifesto que seria imperativo que fosse demonstrado para cada um dos referidos contratos (vigentes durante cada ano lectivo) a existência de indícios e da factualidade tendente à qualificação da relação jurídica como contrato de trabalho em cada um deles, e não tendo em consideração a relação jurídica “como um todo”, como se fosse una apenas. O que, salvo melhor entendimento, não ocorreu nos presentes autos, razão pela qual – no limite – apenas se poderá reconhecer a existência de um contrato de trabalho a partir de Setembro de 2018.

FACE AO SUPRA EXPOSTO:
CCLXXI. É perfeitamente notório que o Tribunal a quo não fez a melhor interpretação do Direito aplicável, violando, entre outros, os artigos 219.º, 236.º, 405.º, 1152.º e 1154.º do Código Civil, os artigos 10.º e 12.º do Código do Trabalho, e ainda os artigos 13.º, 26.º/1, 27.º/1, 47.º, 58.º/2, 61.º/1, 62.º/1 e 85.º/1 da Constituição da República Portuguesa.
CCLXXII. Termos em que, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a Sentença proferida, dando-se assim provimento ao recurso que ora se interpõe.”
O Ministério Público veio responder ao recurso concluindo pela sua total improcedência com a consequente manutenção da decisão recorrida.
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.

II – Do Objecto do Recurso

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, temos que as questões a decidir consistem no seguinte:

1 – Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
2 – Da falta de fundamentação dos factos dados como provados e não provados;
3 – Das excepções:
a) Da impossibilidade originária da lide;
b) Da inadequação do meio processual;
c) Da falta de interesse em agir do Ministério Público

4 – Da impugnação da decisão de facto
a) Dos factos provados;
b) Dos factos não provados
5 – Da qualificação do contrato.

III – Fundamentação de Facto

Factos provados:
1 - A ré (Associação Empresarial ...), MPC ……, NISS ……, com sede na Rua …, Fafe, exerce como atividade principal organizações económicas e patronais, à qual corresponde o CAE — …..
2 - No desenvolvimento dessa sua atividade é proprietária da Escola Profissional ..., titular da autorização prévia de funcionamento no 140, emitida em 9 de maio de 2000, pelo Ministério da Educação/Direção Regional da Educação Norte.
3 – Os locais de trabalho onde se desenvolve esta atividade são geridos pela ré e situam-se na Praça …, Fafe, na Rua ..., Fafe e no Pavilhão Gimnodesportivo, na Travessa ..., …, Fafe.
4 - A ré tem como Presidente da Direção, J. C., NIF …, residente na Travessa de …, Fafe.
5 -A trabalhadora S. B. foi admitida ao serviço da ré, como docente/formadora de Português do grupo 300, estando a leccionar nas disciplina/turmas de Português e, também, como orientadora educativa de turma/directora de turma relativamente a uma turma, por três contratos celebrados entre a ré e a trabalhadora, datados de 24 de Março de 2015, para o ano letivo 2014/2015, com o período de vigência até 31 de Julho de 2015 e intitulados pela ré como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma/Director de Turma” para o exercício das respectivas funções pela trabalhadora, nos termos constantes de fls. 10-12 e cujo teor aqui se dá por reproduzido” (alterado em conformidade com o decidido no ponto IV- 4 a)).
6 – Para o ano letivo de 2015/2016, a ré e a trabalhadora assinaram dois novos contratos datados de 1 de Setembro de 2015 que a Ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma/Director de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente/formador externo nas disciplina/turmas de Área de Integração e, também, como orientadora educativa de turma/directora de turma relativamente a duas turmas, durante esse ano lectivo e com período de vigência até 29 de Julho de 2016, nos termos constantes de fls. 13-14 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
7 - Para o ano letivo de 2016/2017, a ré e a trabalhadora assinaram dois novos contratos, datados de 12 de setembro de 2016, que a ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma/Director de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente/formador externo nas disciplinas/turmas de Área de Integração e, também, como orientadora educativa de turma/directora relativamente a duas turmas, com período de vigência até 31 de julho de 2017, nos termos constantes de fls. 15-16 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
8 - Para o ano letivo de 2017/2018, a ré e a trabalhadora assinaram dois novos contratos, datados de 8 de setembro de 2017, que a Ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma/Director de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente/formador externo nas disciplinas/turmas de Área de Integração e , também, como orientadora educativa de orientador educativo de turma/director de turma relativamente a duas, com período de vigência até 31 de Julho de 2018, nos termos constantes de fls. 17-18 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
9 - Para o ano letivo de 2018/2019, a ré e a trabalhadora assinaram dois novos contratos, datados de 6 de setembro de 2018, que a Ré intitulou “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente/formador externo nas disciplinas/turmas de Área de Integração e, também, como orientadora educativa de duas turmas, com período de vigência até 31 de Julho de 2019, nos termos constantes de fls. 19-20 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
10 – O mês de Agosto dos sobreditos anos corresponde a um dos períodos de interrupção das actividades escolares e lectivas do ano lectivo correspondente, conforme neles se referia e conforme decorre do Regulamento Interno da Escola Profissional ..., aprovado pela Ré [na Secção VI (Calendário Escolar), do Capítulo III (Direitos e Deveres da Comunidade Escolar), define (no art. 1280, no 1) que "o ano escolar é o período compreendido entre o dia 1 de Setembro de cada ano e o dia 31 de Agosto seguinte” e estabelecendo de seguida (os nos 2, 3 e 5, do mesmo artº) que: o calendário escolar anual é definido por despacho do Ministério da Educação; que se organiza em 3 períodos letivos, ocorrendo a avaliação sumativa no final de cada um deles e que o mês de agosto é reservado para as férias de verão e (o art. 129º cuja epígrafe é "Períodos de interrupção letiva”) estabelece que: o ano escolar é organizado de modo que sejam cumpridas, no mínimo, 3 interrupções das atividades escolares, coincidentes com o Natal, Carnaval e a Páscoa; e uma quarta, por um período nunca inferior a 22 dias úteis seguidos, a ocorrer, em cada ano escolar, entre 1 de agosto e 1 de setembro.
11 - A trabalhadora desenvolveu, ao longo dos sobreditos anos lectivos, tal actividade de docente/formadora e, também, de orientadora educativa/directora de turma, nas instalações da ré e/ou por si geridas, referidas no item 3, nomeadamente nas instalações sitas na Praça ... e na Rua ..., actividade que desenvolvia sujeita às directrizes/orientações internas quer emanadas pelos órgãos de direcção da Escola quer plasmadas nos contratos celebrados (em especial na cláusula primeira) quer no regulamento interno (em especial sob os arts. 104º, 190º, 196º a 210º) quer na caderneta informativa (em especial sob os pontos 5.3 e 5.5) e nos demais documentos da ré, todos juntos com a participação da ACT sob docs. 2, 4, 6, 7 e 11 cujo teor aqui se dá como reproduzido na íntegra.
12 - A trabalhadora dava as aulas que estavam previamente estabelecidas pela ré, de acordo com horário por esta previamente definido para a trabalhadora e demais docentes, para cada um dos anos lectivos e no seu início, de acordo com as turmas e as disciplinas que a trabalhadora ministrava e que a ré afixava nas instalações.
13 – Para além disso, a trabalhadora comparecia às reuniões de trabalho e de organização da ré, se fosse caso disso também como directora de turma, para que era convocada pela ré, apreciava o desempenho escolar dos alunos e notava-os.
14 - Como diretora de turma a trabalhadora registava as faltas, elaborava a reposição de aulas aos alunos, mapas das faltas, atendia semanalmente os encarregados de educação dos alunos, reunia com os encarregados de educação, pelo menos 2 vezes por período escolar, procedia ao registo dos sumários pedagógicos, elaborava um dossiê de direção de turma segundo índice determinado pela Diretora pedagógica e elaborava todo o processo de matrícula inerente ao processo individual de cada aluno em formato de papel e digital, ocupava-se da preparação e elaboração de toda a documentação inerente às reuniões de avaliação formativa e sumativa e transmitia aos encarregados de educação as informações relativas aos seus educandos.
15 - Para o desempenho das suas funções a trabalhadora sempre utilizou – para além do seu computador pessoal - instrumentos e equipamentos pertencentes à ré, nomeadamente: mobiliário nos locais de trabalho (mesa, cadeira e quadro interactivo e branco), computador, videoprojector, fotocópias, colunas, canetas. E trabalhava, ainda, com os softwares específicos para o exercício das suas funções: nomeadamente, os programas informáticos(e-schooling) onde escrevia os sumários, a presenças dos alunos e registo de ocorrências e a plataforma (moodle) para interagir com os alunos, nomeadamente entrega de trabalhos e testes e fornecimento de material.
16 - A trabalhadora registava as aulas dadas com os respectivos sumários e as presenças dos respectivos alunos através de uma plataforma informática/programa existente na ré denominada “e-schooling”, na qual entrava por meio de “login”.
17 - A trabalhadora estava obrigada, de acordo com o respectivo Regulamento Interno (art. 208º), a comunicar e justificar, em impresso próprio dirigido ao diretor da ré, as faltas referentes às aulas e reuniões, assim como em caso de permutas entre si e outros docentes.
18 - A ré, conforme decorre do respectivo Regulamento Interno (nos seus arts. 209º e 210º), podia aplicar sanções à trabalhadora e restantes colegas docentes, por incumprimento dos seus deveres, estando a trabalhadora sujeita a avaliação de desempenho para além dos demais deveres elencados nesse mesmo Regulamento Interno (arts. 104º e 196º a 208º) com os inerentes direitos para a ré. Designadamente, estava a trabalhadora sujeita ao deveres: de pontualidade e assiduidade no cumprimento dos horários, de estar presente em todas as actividades para que seja convocada, de apresentação atempada de toda a documentação exigida, nomeadamente planificações, avaliações, planos de recuperação, proposta e relatório de visitas de estudo e actividades, de colaboração com orientadores/directores de turma ou de curso, de ser a primeira a entrar e a última a sair da sala de aulas, de desligar o telemóvel durante as aulas, de solicitar autorização, sempre que julgue necessário, da ocorrência de aulas fora da escola, assim como de aulas extra à planificação, de participar no seu próprio processo de avaliação, fazendo a sua auto-avaliação com relatório crítico de desempenho e, em especial, a obrigatoriedade de presença em todas as reuniões previstas/convocadas, devendo a não participação ser justificada, e o dever de sumariar e assinar o livro de ponto e de registo de aula na plataforma informática.
19 – A trabalhadora trabalhou na ré com as seguintes funções, pelo menos, nas seguintes horas dos anos lectivos respectivos: 1056 em 2015/2016 como docente/formador; 1070 em 2016/2017 como docente/formador; e 1036 em 2017/2018 como docente/formador (conforme consta de fls. 23 a 30 dos autos aqui dadas como reproduzidas). E em 2018/2019 tinha o horário base constante de fls. 31 dos autos cujo teor aqui se dá como reproduzido. (alterado em conformidade com o decidido no ponto IV- 4 a)).
20 – Como contrapartida do trabalho que prestava nos termos sobreditos, sob as directrizes/orientações internas da ré e seus corpos directivos, a trabalhadora recebia da ré o valor de € 12,50/hora, acrescido de IVA. E cujo cálculo das horas de docência era feito em função das aulas registadas no “e-schooling” e cujo pagamento era efectuado após a trabalhadora emitir o respectivo recibo verde.
21 – Foram emitidos pela trabalhadora relativamente à ré facturas-recibos constantes de fls. 180 a 208 dos autos aqui dadas por reproduzidas.
22 – No final de cada um de todos esses sobreditos anos lectivos (até à celebração do contrato de trabalho a seguir mencionado), a ré não garantia à trabalhadora a sua contratação para o ano lectivo seguinte, alegando depender da aprovação dos cursos e da respectiva inscrição de alunos.
23 - Após a instauração do processo pela Autoridade para as Condições no Trabalho, a ré comunicou à Segurança Social a admissão desta trabalhadora (S. B.), a 30 de Abril de 2019 como trabalhadora por conta de outrem (a ré) mediante contrato de trabalho sem termo, mas apenas com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2019.
24 - A trabalhadora está inscrita na Segurança Social, como trabalhadora independente, desde Novembro de 2015 até Abril de 2019 e como trabalhadora por conta de outrem (a ré) desde Janeiro de 2019 em diante, tendo declarado respectivas remunerações como tal nos termos constantes de fls. 215 a 216 dos autos aqui dados por reproduzidos.
25 – O Conselho Intermunicipal de Educação da CIM do Ave reunido em 23/2/2016 e 16/3/2016, aprovou a proposta intermunicipal de cursos profissionais, incluindo da Escola da ré, nos termos e para os efeitos constantes de fls. 163 verso a 173 verso aqui dadas por reproduzidas.
26 – Nos anos de 2017 e 2019, a propósito das autorizações de funcionamento dos cursos na Escola da ré houve as comunicações constantes de fls. 174 a 176 aqui dadas por reproduzidas.

Factos não provados:

Não se provaram os demais factos alegados pelas partes nos articulados, nomeadamente,
os alegados montantes e respectivas datas de alegados pagamentos pela ré e por alegada transferência bancária para conta da trabalhadora,
que tivesse sido a trabalhadora a recusar a celebração de contrato de trabalho durante esses mesmos anos lectivos,
que os cursos da ré e respectivas horas não sejam sempre os mesmos,
que a ré sempre dependesse da concessão de financiamento de determinadas instituições,
que a ré nunca tivesse marcado qualquer falta à trabalhadora,
que a ré nunca tivesse sancionado esta trabalhadora,
que após a intervenção da ACT a trabalhadora tivesse recusado, inicial e totalmente, celebrar contrato de trabalho.
Para além disso não foram atendidos os factos meramente conclusivos e os que estejam em contradição e/ou prejudicados pela factualidade acima dada como assente

IV – Fundamentação de Direito

1. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia

A Recorrente sustenta que a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, porquanto a juiz a quo não apreciou grande parte da factualidade descrita na contestação, consistindo a mesma em factos essenciais à boa decisão da causa, designadamente no que respeita aos factos a que constam dos artigos 72.º, 81.º, 82.º, 127.º; 128.º, 135.º, 136.º,140.º, 146.º, 147.º, 148.º, 149.º, 153.º, 169.º, 171.º, 172.º, 176.º, 179.º, 180.º, 181.º, 220.º, 221.º, 225.º, 233.º, 234.º, 235.º e 236.º da contestação.
Conclui assim que a decisão padece da nulidade por omissão de pronúncia prevista no artigo 615º n.º 1 al. d) e 608º n.º 2 todos do C.P.C., uma vez que não se pronunciou sobre as questões legitimamente invocadas, agindo como se o contraditório fosse inexistente.
Nos termos do artigo 615º.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil é nula a sentença “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar” (1ª parte) “ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” (2ª parte).
A nulidade da sentença por omissão de pronúncia, decorre do incumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, nos termos do qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras», prevendo ainda aquele dispositivo que o juiz não «pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Importa salientar que conforme dispõe o art.º 5.º, n.º 3, do CPC., o Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação das regras de direito, mas apenas tem de se pronunciar “sobre questões que devesse apreciar” e “conhecer de questões de que não podia deixar de tomar conhecimento”.
Quer isto dizer que ao Tribunal cabe o dever de conhecer do objecto do processo, definido pelo pedido deduzido e respectiva causa de pedir.
O Tribunal tem assim de apreciar e decidir as questões processuais trazidas aos autos pelas partes – pedidos formulados e excepções deduzidas - e todos os factos em que assentam, mas não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos esgrimidos pelas partes nos autos.
Como é jurisprudência unânime, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, prevista no artigo 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C., só ocorre quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as “questões” que as partes tenham submetido à sua apreciação, ou se deva conhecer oficiosamente, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões jurídicas, pareceres ou doutrinas aduzidas pelas partes no esgrimir das teses em presença - neste sentido ver entre outros Acórdão do STJ de 8/02/2011, Proc. n.º 842/04.8TBTMR.C1.S1, disponível em dgsi.pt.
Como bem refere a recorrente nas alegações e depois repete nas conclusões de recurso, citando o acórdão da Relação de Coimbra de 15/10/2008.
«O vício processual de omissão de pronúncia reconduz-se a uma ausência de emissão de um juízo apreciativo sobre uma questão processual ou de direito material-substantivo que os sujeitos tenham, expressamente, suscitado ou posto em equação perante o tribunal e que este, em homenagem ao princípio do dever de cognoscibilidade, deva tomar conhecimento.»
Ora, foi precisamente o que não sucedeu com a decisão proferida pelo tribunal a quo, no âmbito da qual foi apreciado o objecto do processo, bem como a questão de direito material substantivo suscitada pelos sujeitos processuais, respeitante à qualificação jurídica do contrato celebrado entre a S. B. e a Ré, e as demais questões processuais suscitadas, designadamente as enumeras excepções e nulidade arguida pela Ré.
Temos por certo que a nulidade da sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando fique por decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, o que não sucede no caso em apreço, uma vez que a juiz a quo pronunciou-se sobre todas as questões submetidas à sua apreciação.
O facto de o tribunal não se debruçar sobre simples conclusões, argumentos, opiniões, factualidade irrelevante, meramente conclusiva, meramente instrumental ou contraditória com outra apurada, não constitui qualquer “questão” que só por si impusesse a sua apreciação.
Na verdade, a factualidade ora indicada pela Recorrente ou constitui factualidade que é contraditória com a factualidade apurada, ou tem natureza meramente conclusiva ou é totalmente inócua para a boa decisão da causa ou constitui matéria de direito, não sendo por isso merecedora de pronúncia expressa em sede factual.
Em face do exposto consideramos que a decisão que pôs termo ao litígio não padece do vício invocado, razão pela qual improcede, nesta parte, as conclusões XI a XVI da alegação de recurso.

2. Da falta de fundamentação dos factos dados como provados e não provados
Insurge-se a Recorrente quanto à falta de fundamentação da matéria de facto, peticionando a baixa dos autos à 1ª instância com vista à fundamentação de tal decisão, uma vez que relativamente a muitos dos factos provados não se encontra motivada e por outro lado desconhece-se a que factos se referem os documentos invocados nessa motivação, ou seja falta o exame crítico dos documentos e a especificação dos factos a que respeitam. E por fim a juiz a quo não demonstra em momento algum, em concreto, as testemunhas em cujo depoimento assentam as respostas dadas à matéria de facto.
Antes de mais importa salientar que em conformidade com o previsto no n.º 7 do art.º 186.º -O do CPT “a sentença é sucintamente fundamentada, regendo-se a sua gravação e transcrição para a ata pelo disposto no art.º 155.º do Código do Processo Civil.
Daqui resulta inequívoco não só que finda a produção de prova deve ser logo proferida sentença, como esta é gravada/transcrita para a ata, impondo-se assim que a sua fundamentação, quer de facto, quer de direito seja sucinta.
Acresce dizer que em conformidade com o disposto no art.º 662.º n.º 2 al. d) do CPC. só a total ausência de fundamentação de facto, relativamente aos factos essências para o julgamento, justifica a devolução à primeira instância para que esta a fundamente. A deficiência, o diminuto pormenor ou a apreciação em bloco da fundamentação de facto, apenas fragiliza sentença, o que pode vir a relevar em sede de impugnação da matéria de facto.
Ora, a análise da motivação da matéria de facto não nos permite concluir pela sua manifesta insuficiência/ausência a impor a baixa dos autos para complementar a motivação de facto.
Tenha-se presente que uma fundamentação sucinta é aquela que permite ao destinatário normal apreender o percurso cognoscitivo e valorativo da decisão, referindo os motivos que assim a determinaram.
Na verdade, ainda que de forma abrangente, mas exaustiva, clara, precisa e suficientemente especificada, a juiz a quo explica das razões pelas quais apurou a factualidade provada designadamente mencionando a avaliação que fez de cada um dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, precisando das razões pelas quais os valorizou parcialmente ou na sua totalidade, realçando e analisando criticamente os documentos mais relevantes juntos aos autos. É assim perceptível o fio condutor que levou a dar como provados determinados factos e dar outros como não provados.
Ora, ainda que a juiz a quo não tenha fundamentado a decisão de facto da forma pretendida pela recorrente, o certo é que no caso, a tal não estava obrigada, sendo apenas exigível que fundamenta-se de forma sucinta da matéria de facto, razão pela qual consideramos que na sentença recorrida tal desiderato se mostra mais do que suficientemente cumprido, nada havendo a ordenar.
Improcedem as conclusões XVII a XXV.

3 – Das excepções:

a) Da impossibilidade originária da lide;
b) Da inadequação do meio processual;
c) Da falta de interesse em agir do Ministério Público

Defende a recorrente que a presente acção destina-se a reconhecer a existência de uma relação laboral e caso, tal se verifique que se determine a data do seu início. No caso em apreço a relação laboral encontra-se já reconhecida, pelo que a presente acção se limita a discutir questões de antiguidade e não de existência de contrato de trabalho.
Por um lado, não é de permitir a propositura desta acção apenas para discutir uma questão acessória, já que o pressuposto essencial deste tipo de acção que se traduz na (in)existência de um contrato de trabalho já estava reconhecido pela ré à data da propositura da acção.
Por outro lado o meio processual utilizado é inadequado, já que apenas está em causa a antiguidade do contrato, devendo ser o trabalhador interessado a propor a correspondente acção comum.
Por fim, defende a recorrente, que o interesse em agir do Ministério Público esgota-se com o reconhecimento da existência do contrato de trabalho, já que se mostra assegurada a defesa do interesse público, não existindo qualquer razão para que o Ministério Público se substitua ao trabalhador quando apenas o que está em causa é a sua antiguidade laboral.
Vejamos.
Como é consabido, a impossibilidade da lide, nos termos do art.º 277.º al. e) do C.P.C., ocorre quando a instância se revele de desnecessária ou desprovida de efeito útil, não chegando assim a ser proferida decisão sobre o mérito causa, dando lugar à sua extinção.
A instância extingue-se porque se tornou inútil a decisão final sobre a demanda, designadamente por impossibilidade de atingir o fim visado: ou seja verificado o facto, ocorrido antes ou na pendência da acção, o tribunal não conhece do mérito da causa, limitando-se a declarar aquela extinção.
A acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é uma acção de simples apreciação positiva, cujo objecto não se esgota com a celebração em data posterior à visita inspectiva da ACT, de um contrato de trabalho com efeitos reportados a uma data posterior. Tal resulta desde logo claro do disposto no artigo 15-A, n.º 2 da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro ao estabelecer que o procedimento é imediatamente arquivado, nos casos em que o empregador faça prova da regularização da situação do trabalhador, reportada à data do início da relação laboral.
Tenha-se presente o escopo desta acção especial, que visa por termo ao falso trabalho autónomo, que impede que o trabalhador beneficie da tutela que a legislação laboral lhe confere.
Esta acção surgiu assim como mais um mecanismo de combate à precariedade social e laboral aos apelidados falsos “recibos verdes”, que não deixam de ser verdadeiras relações contratuais de natureza laboral, tendo por base assim a defesa de um interesse de ordem pública.
Daí, o Autor desta acção ser o Ministério Público, que representa o Estado – colectividade, visando o combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações por excelência de trabalho subordinado, onde o interesse de cariz público se sobrepõe aos interesses pessoais quer do trabalhador, quer do empregador.
O Ministério Público (depois da Autoridade para as Condições do Trabalho ter, no âmbito da sua actividade fiscalizadora, procedido à instauração de um procedimento contra ordenaçional, que fica suspenso até ao trânsito em julgado da decisão da acção judicial proposta), na sequência da existência de uma situação de prestação de atividade aparentemente autónoma, em condições análogas ao contrato de trabalho e quando o empregador não tenha regularizado a situação mediante a apresentação de contrato de trabalho reportado à data do início da relação laboral, instaura a competente acção – art.º 15-A da Lei n.º 107/2009, de 14/09.
Como ultimamente tem sido defendido por este Tribunal da Relação de Guimarães, na sequência das alterações introduzidas pela Lei n.º 55/2017, de 17 de Julho, que alteraram a redacção do art.º 186.º-O n.º 1 do CPT (a qual previa que, se o empregador e o trabalhador estivessem presentes ou representados, o juiz realizava a audiência de partes, procurando conciliá-los, antes do início da audiência de julgamento) ainda que a propósito da validade da transacção celebrada entre o beneficiário da actividade e o prestador da actividade, que não podendo as partes transigir sobre direitos de que lhes não é permitido dispor, (arts. 1248.º e 1249.º do Código Civil) é de entender que, atentos os contornos e os interesses económicos e políticos subjacentes a esta acção especial, ao prestador e ao beneficiário da actividade não era lícito afastar a pretensão de reconhecimento da existência de contrato de trabalho formulada pelo Ministério Público – como se disse, sustentada em elementos de facto constatados directamente pela Autoridade para as Condições de Trabalho na data da inspecção realizada –, mas apenas indicar data diferente para o respectivo início, desde que anterior àquela, sendo certo que os inspectores indicam uma data mediante conhecimento necessariamente indirecto.

Neste sentido, ver o Acórdão da Relação de Guimarães de 18/10/2018, proferido no processo n.º 545/18.6T8BRG., consultável in www.dgsi.pt., no qual se sumariou o seguinte:

I. “Sendo a finalidade da transacção pôr termo ao litígio mediante recíprocas concessões, não podendo as partes, contudo, transigir sobre direitos de que lhes não é permitido dispor (arts. 1248.º e 1249.º do Código Civil), entendeu-se, no âmbito da redacção originária do n.º 1 do art. 186.º-O do Código de Processo do Trabalho, em face das motivações políticas, económicas e sociais subjacentes à acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, que ao prestador e ao beneficiário da actividade não era lícito afastar a pretensão de reconhecimento da existência de contrato de trabalho formulada pelo Ministério Público – sustentada em elementos de facto constatados directamente pela Autoridade para as Condições de Trabalho na data da inspecção realizada –, mas apenas indicar data diferente para o respectivo início, desde que anterior àquela, sendo certo que os inspectores indicam uma data mediante conhecimento necessariamente indirecto.
II. Tendo a Lei n.º 55/2017, de 17 de Julho, vindo revogar o citado n.º 1 do art. 186.º-O do Código de Processo do Trabalho, que era a base de justificação da admissão, com razoabilidade, dum acordo equitativo entre o prestador e o beneficiário da actividade quanto aos termos da pretensão formulada pelo Ministério Público, é duvidoso que se possa sustentar aquele entendimento nas acções em que é aplicável a nova redacção.
III. Com efeito, sendo o Ministério Público o titular da acção, a título principal, parece que não pode ser aceite qualquer acordo que o não tenha como outorgante, agora que já não consta da lei a aludida norma. “
Retornando ao caso dos autos, fácil é de concluir que o objecto dos autos, não se tornou, nem é impossível, pois o desiderato da acção não foi ainda atingido, já que continua por apurar se a relação contratual existente entre a Recorrente e a S. B., com início em 24 de março de 2015, manteve ou não sempre a mesma natureza e em caso afirmativo impõe-se o seu reconhecimento, desde a data da sua admissão e não numa outra data fixada comodamente pela Recorrente, com o fito de obter o arquivamento do processo iniciado pela Autoridade para as Condições do Trabalho.
A presente acção mantém a sua utilidade, pois está ainda por reconhecer se tem ou não natureza laboral a relação estabelecida entre a S. B. e a Recorrente desde o início da relação contratual e até à data que já se mostra reconhecida pela recorrente, de forma a fixar-se a data de início da relação laboral em conformidade com o previsto no art.º 186.º-O, ns.º 8 e 9 do CPT., que deve ser comunicada à ACT e ao Instituto da Segurança Social, com vista à regularização das contribuições.
Em resumo, o contrato de trabalho celebrado entre empregador e trabalhador só inutilizará a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, se for reconhecido pelos outorgantes e existência do contrato de trabalho nos precisos termos peticionados pelo Ministério Público, ou seja desde a data indicada na petição inicial ou numa outra anterior a esta.
Por outro lado, como se refere no acórdão recentemente proferido por este tribunal, em 7/05/2020, proc. n.º 3644/19.3T8GMR a propósito de idêntica questão “o processo contra ordenacional está suspenso a aguardar o resultado da acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, tendo, esta acção, também efeitos de outra ordem pública e contraordenacional que não se encontram solucionados com a celebração de um contrato de trabalho que cobre apenas parcialmente a relação contratual.
Terá a acção de prosseguir e ser o tribunal a decidir se a relação laboral deve abranger todo ou parte do período que está em causa, relembrando-se que a acção, embora tutele também aquela relação particular, tem uma função e um alcance mais vasto que entronca no seu carácter de natureza pública e imperativa, não disponível pelo trabalhador.”.
Em suma, o facto do vínculo de natureza laboral ter sido entretanto reconhecido não implica só por si a impossibilidade da lide.
Improcedem as conclusões CXLVII a CLVI da alegação de recurso.
Quanto à inadequação do meio processual utilizado, por estar apenas em causa a antiguidade do contrato, devendo ser o trabalhador interessado a propor a correspondente acção comum, não podemos concordar com a recorrente.
Como todos sabemos deve ocorrer uma adequação entre o pedido formulado e as razões pelas quais a lei determina que se siga determinado processado – forma do processo. Daí que incumba ao autor escolher a forma de processo que melhor se adeqúe à sua pretensão determinada quer pelo pedido, quer pela causa de pedir.
No caso em apreço, não está apenas em causa a data de admissão da formadora ao serviço da recorrente, mas sim está também em causa apurar o tipo de relação contratual que existiu entre a S. B. e o empregador desde o seu início até à data da produção de efeitos do contrato de trabalho celebrado na pendência da acção fiscalizadora levada a cabo pela ACT, ou seja o pedido de reconhecimento do direito está contido na tutela conferida neste tipo de acção.
Voltamos a repetir que este tipo de acção não depende da vontade ou do impulso de trabalhador ou do empregador, nem depende da vontade da ACT ou do Ministério Público, está sobretudo em causa o interesse publico que importa acautelar
Assim sendo, a forma de processo a utilizar não é só a correta, como é o único meio processual aplicável, tendo presente que está suspenso um procedimento contra-ordenacional que para chegar ao seu término implica não só a decisão sobre a interposição ou não da acção, como a decisão transitada em julgado a proferir na acção especial de reconhecimento do contrato de trabalho.
Improcede assim a excepção e consequentemente as conclusões CLVII a CLX da alegação de recurso.
Quanto à falta de interesse em agir do Ministério Público diremos desde já que não podemos concordar com a recorrente no que defende a este propósito, pois a defesa do interesse público, no caso, não se esgotou com reconhecimento do contrato de trabalho com início em data posterior aos factos constatados pela ACT aquando das visitas levadas a cabo no âmbito da acção de fiscalização.
Com efeito, decorre do regime especial deste tipo de acção que depois de impulsionado o procedimento pela ACT, incumbe ao Ministério Público, em representação do Estado e assumindo as vestes de defensor do interesse publico, que no caso se configura no combate à precaridade laboral resultante dos falsos contratos de prestação de serviços, mais conhecidos por falsos recibos verdes, propor a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
Tal como assertivamente refere a sentença recorrida “…é precisamente por esta controvérsia existir, mais concretamente, por a ACT entender que já existia um camuflado contrato de trabalho desde data anterior à do aludido reconhecimento extrajudicial entre a ré e aquela trabalhadora que não foi arquivado o processo por esta entidade administrativa. Razão pela qual foi remetida a participação ao tribunal, cujo recebimento deu início à instância (por imposição contida no já referido art. 26º, nº 6, do CPT) e razão pela qual foi proposta a presente acção pelo Ministério Público, em obediência ao que se lhe impunha (nos termos previstos nos já citados arts. 5º-A, al. c), 186º-K, nº 1, e 186º-L, nº 1, do CPT).
Esta instauração da acção por parte do Ministério Público é independente quer da vontade do empregador quer da vontade do trabalhador. Pelo que, independentemente, da vontade destes, o Ministério Público tem de instaurar como instaurou, oficiosamente, este tipo acção.
Por isso, tem o Ministério Público (enquanto parte principal/autor na presente acção sob a forma de processo especial) quer interesse em agir quer legitimidade ou competência para a propositura desta acção - de simples apreciação positiva e denominada como acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, destinada a isso mesmo. E, em caso de procedência da mesma, a decisão judicial respectiva terá de conter não só o reconhecimento da existência de contrato de trabalho como, também, terá de fixar a data do início da relação laboral (conforme impõe o disposto no art. 186º-O, nº 8, do CPT).”
O interesse processual consiste na necessidade de usar o processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção para solucionar um litígio existente ou tutelar um qualquer interesse material que careça de intervenção judicial e constitui uma excepção dilatória inominada que impede que se conheça do mérito da causa e origina a absolvição da instância – cfr. art.º 278º n.º 1 al. e), do CPC.
Na verdade, não se mostrando totalmente solucionado o conflito, uma vez que está por apurar a natureza da relação contratual estabelecida entre a formadora e a recorrente durante um determinado período de tempo, que não o contemplado no contrato de trabalho é manifesto o interesse em agir do autor.
Acresce dizer que não se vislumbra qualquer violação do princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da CRP entre o trabalhador que recorre à acção comum para reconhecer determinado contrato como de trabalho e a instauração pelo Ministério Público desta acção especial, que tem propósito distinto como acima já deixámos expresso, de combate à precaridade e à laboralidade camuflada, agindo o Ministério Público não em nome de um qualquer interesse particular, mas em nome do interesse público. As situações são diferentes e não se confundem pelo que não se impõe tratamento igual, para o que à partida já é diferente.
Importa salientar que o trabalhador subordinado tem acesso e beneficia de toda a protecção legal conferida a este tipo de relação contratual, enquanto o falso prestador de serviços, sujeito de forma camuflada à autoridade do empregado e dependendo economicamente daquele, vê-se colocado numa posição mais frágil no que respeita ao acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos, designadamente para ver reconhecido os seus direitos de natureza laboral. E por outro lado, o que está em causa preponderantemente é o interesse público.
Não se verifica qualquer violação nem direito à igualdade, nem de qualquer outro direito com assento constitucional.
Improcede esta excepção bem como as conclusões CLXXI a CLXXXIV da alegação de recurso.

4. Da impugnação da decisão de facto

a) Da impugnação da matéria de facto provada

A Recorrente/Apelante impugna a decisão da matéria de facto apurada pelo tribunal recorrido, no que respeita aos pontos de facto provados 5.º, 6.º a 9.º, 11.º 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 18.º, 19.º e 20, defendendo que o tribunal a quo errou na valoração da prova testemunhal ao decidir não valorar os depoimentos prestados pelas testemunhas por si arroladas, que aliás eram as únicas que tinham conhecimento direto quer da organização da recorrente, quer da relação contratual estabelecida com a S. B..
Indica como meios de prova para fundamentar a sua pretensão essencialmente os depoimentos prestados pelas testemunhas por si arroladas.

Vejamos:

Os Tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.
Dispõe o artigo 662.º n.º 1 do C.P.C. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do C.P.T. e no que aqui nos interessa, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por seu turno, resulta do artigo 640.º do C.P.C. que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto” que quando se impugne a decisão proferida quanto à matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa, bem como, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Importa ainda referir que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade do julgador ou da prova livre, consagrado no artigo no n.º 5 do artigo 607.º do CPC, segundo tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha formado acerca de cada um dos factos controvertidos, salvo se a lei exigir para a prova de determinado facto formalidade especial.
No que respeita à prova testemunhal mostra-se consagrado no artigo 396.º do CC, o princípio da livre apreciação da prova testemunhal, segundo o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e livre convicção do julgador, ao dispor o citado preceito legal que a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal.
Relacionado com este princípio estão os princípios da oralidade e da imediação.
O primeiro exige que a produção de prova e a discussão na audiência de julgamento se realizem oralmente, para que as provas, excepto aquelas cuja natureza o não permite, sejam apreendidas pelo julgador por forma auditiva. O segundo diz respeito à proximidade que o julgador tem com o participante ou intervenientes no processo, ao contacto com todos os elementos de prova através de uma perceção directa ou formal. Esta perceção imediata oferece maiores possibilidades de certeza e da exacta compreensão dos elementos levados ao conhecimento do tribunal.
Defende o Prof. Manuel de Andrade, em “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 386, que estes princípios possibilitam o indispensável contacto pessoal entre o juiz e as diversas fontes de prova. Só eles permitem fazer uma avaliação, o mais corretamente possível, da credibilidade dos depoimentos prestados pelas testemunhas.
Todavia importa ter presente para além do princípio da liberdade do julgador na apreciação da prova, que toda a apreciação da prova pelo tribunal da 1ª instância tem a seu favor o princípio da imediação, que não pode ser esquecido no convencimento da veracidade ou probabilidade dos factos.
Sobre a reapreciação da prova impõe-se toda a cautela para não desvirtuar os mencionados princípios, sem esquecer que não está em causa proceder-se a novo julgamento, mas apenas examinar a decisão da primeira instância e respectivos fundamentos, analisar as provas gravadas e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, a fim de averiguar se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido quanto aos concretos pontos impugnados assentou num erro de apreciação.
Em suma, o uso dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de manifesta desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos impugnados, acrescendo dizer que estando em causa a análise de prova gravada só se deve abalar a convicção criada pelo juiz a quo, em casos pontuais e excepcionais, ou seja quando não estando em causa a confissão ou qualquer facto só susceptível de prova documental, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer suporte nos elementos de prova trazidos aos autos ou estão em manifesta contradição com a prova produzida, ou não têm qualquer fundamento perante a prova constante dos autos.
Cabe assim ao Tribunal de recurso verificar se o juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria de facto controvertida em face dos elementos a que teve acesso, de forma a verificar ou não um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas, aferindo-se da adequação, ou não, desse julgamento, que possa vir a impor decisão diversa.
Ora, depois de termos ouvido todos depoimentos prestados na audiência de julgamento e analisado a prova documental junta aos autos, passamos à apreciação da impugnação da matéria de facto, uma vez que se mostram minimamente cumpridos os ónus de impugnação previstos no citado art.º 640.º do CPC.
Pretende a Recorrente que os pontos de facto provados sob os n.ºs 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 sejam alterados, já que não podiam ter sido dados como provados na sua plenitude.

Tais pontos de facto têm a seguinte redacção:

5 - A trabalhadora S. B. foi admitida ao serviço da ré, como docente profissionalizada de Português do grupo 300, estando a leccionar nas disciplina/turmas de Português e, também, como orientadora educativa de turma/directora de turma relativamente a uma turma, por três contratos celebrados entre a ré e a trabalhadora, datados de 24 de Março de 2015, para o ano letivo 2014/2015, com o período de vigência até 31 de Julho de 2015 e intitulados pela ré como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma/Director de Turma” para o exercício das respectivas funções pela trabalhadora, nos termos constantes de fls. 10-12 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
6 - Para o ano letivo de 2015/2016, a ré e a trabalhadora assinaram dois novos contratos datados de 1 de Setembro de 2015 que a Ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma/Director de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente/formador externo nas disciplina/turmas de Área de Integração e, também, como orientadora educativa de turma/directora de turma relativamente a duas turmas, durante esse ano lectivo e com período de vigência até 29 de Julho de 2016, nos termos constantes de fls. 13-14 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
7 - Para o ano letivo de 2016/2017, a ré e a trabalhadora assinaram dois novos contratos, datados de 12 de setembro de 2016, que a ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma/Director de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente/formador externo nas disciplinas/turmas de Área de Integração e, também, como orientadora educativa de turma/directora relativamente a duas turmas, com período de vigência até 31 de julho de 2017, nos termos constantes de fls. 15-16 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
8 - Para o ano letivo de 2017/2018, a ré e a trabalhadora assinaram dois novos contratos, datados de 8 de setembro de 2017, que a Ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma/Director de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente/formador externo nas disciplinas/turmas de Área de Integração e, também, como orientadora educativa de orientador educativo de turma/director de turma relativamente a duas, com período de vigência até 31 de Julho de 2018, nos termos constantes de fls. 17-18 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
9 - Para o ano letivo de 2018/2019, a ré e a trabalhadora assinaram dois novos contratos, datados de 6 de setembro de 2018, que a Ré intitulou “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente/formador externo nas disciplinas/turmas de Área de Integração e, também, como orientadora educativa de duas turmas, com período de vigência até 31 de Julho de 2019, nos termos constantes de fls. 19-20 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
11 - A trabalhadora desenvolveu, ao longo dos sobreditos anos lectivos, tal actividade de docente/formadora e, também, de orientadora educativa/directora de turma, nas instalações da ré e/ou por si geridas, referidas no item 3, nomeadamente nas instalações sitas na Praça ... e na Rua ..., actividade que desenvolvia sujeita às directrizes/orientações internas quer emanadas pelos órgãos de direcção da Escola quer plasmadas nos contratos celebrados (em especial na cláusula primeira) quer no regulamento interno (em especial sob os arts. 104º, 190º, 196º a 210º) quer na caderneta informativa (em especial sob os pontos 5.3 e 5.5) e nos demais documentos da ré, todos juntos com a participação da ACT sob docs. 2, 4, 6, 7 e 11 cujo teor aqui se dá como reproduzido na íntegra.
12 - A trabalhadora dava as aulas que estavam previamente estabelecidas pela ré, de acordo com horário por esta previamente definido para a trabalhadora e demais docentes, para cada um dos anos lectivos e no seu início, de acordo com as turmas e as disciplinas que a trabalhadora ministrava e que a ré afixava nas instalações.
13 – Para além disso, a trabalhadora comparecia às reuniões de trabalho e de organização da ré, se fosse caso disso também como directora de turma, para que era convocada pela ré, apreciava o desempenho escolar dos alunos e notava-os.
14 - Como diretora de turma a trabalhadora registava as faltas, elaborava a reposição de aulas aos alunos, mapas das faltas, atendia semanalmente os encarregados de educação dos alunos, reunia com os encarregados de educação, pelo menos 2 vezes por período escolar, procedia ao registo dos sumários pedagógicos, elaborava um dossiê de direção de turma segundo índice determinado pela Diretora pedagógica e elaborava todo o processo de matrícula inerente ao processo individual de cada aluno em formato de papel e digital, ocupava-se da preparação e elaboração de toda a documentação inerente às reuniões de avaliação formativa e sumativa e transmitia aos encarregados de educação as informações relativas aos seus educandos.
15 - Para o desempenho das suas funções a trabalhadora sempre utilizou – para além do seu computador pessoal - instrumentos e equipamentos pertencentes à ré, nomeadamente: mobiliário nos locais de trabalho (mesa, cadeira e quadro interactivo e branco), computador, videoprojector, fotocópias, colunas, canetas. E trabalhava, ainda, com os softwares específicos para o exercício das suas funções: nomeadamente, os programas informáticos(e-schooling) onde escrevia os sumários, a presenças dos alunos e registo de ocorrências e a plataforma (moodle) para interagir com os alunos, nomeadamente entrega de trabalhos e testes e fornecimento de material.
16 - A trabalhadora registava as aulas dadas com os respectivos sumários e as presenças dos respectivos alunos através de uma plataforma informática/programa existente na ré denominada “e-schooling”, na qual entrava por meio de “login”.
17 - A trabalhadora estava obrigada, de acordo com o respectivo Regulamento Interno (art. 208º), a comunicar e justificar, em impresso próprio dirigido ao diretor da ré, as faltas referentes às aulas e reuniões, assim como em caso de permutas entre si e outros docentes.
18 - A ré, conforme decorre do respectivo Regulamento Interno (nos seus arts. 2090 e 2100), podia aplicar sanções à trabalhadora e restantes colegas docentes, por incumprimento dos seus deveres, estando a trabalhadora sujeita a avaliação de desempenho para além dos demais deveres elencados nesse mesmo Regulamento Interno (arts. 104º e 196º a 208º) com os inerentes direitos para a ré. Designadamente, estava a trabalhadora sujeita aos deveres: de pontualidade e assiduidade no cumprimento dos horários, de estar presente em todas as actividades para que seja convocada, de apresentação atempada de toda a documentação exigida, nomeadamente planificações, avaliações, planos de recuperação, proposta e relatório de visitas de estudo e actividades, de colaboração com orientadores/directores de turma ou de curso, de ser a primeira a entrar e a última a sair da sala de aulas, de desligar o telemóvel durante as aulas, de solicitar autorização, sempre que julgue necessário, da ocorrência de aulas fora da escola, assim como de aulas extra à planificação, de participar no seu próprio processo de avaliação, fazendo a sua auto-avaliação com relatório crítico de desempenho e, em especial, a obrigatoriedade de presença em todas as reuniões previstas/convocadas, devendo a não participação ser justificada, e o dever de sumariar e assinar o livro de ponto e de registo de aula na plataforma informática.
19 – A trabalhadora trabalhou na ré com as seguintes funções, pelo menos, nas seguintes horas dos anos lectivos respectivos: 1056 em 2015/2016 como docente; 1070 em 2016/2017 como docente; e 1036 em 2017/2018 como docente (conforme consta de fls. 23 a 30 dos autos aqui dadas como reproduzidas). E em 2018/2019 tinha o horário base constante de fls. 31 dos autos cujo teor aqui se dá como reproduzido.
20 – Como contrapartida do trabalho que prestava nos termos sobreditos, sob as directrizes/orientações internas da ré e seus corpos directivos, a trabalhadora recebia da ré o valor de € 12,50/hora, acrescido de IVA. E cujo cálculo das horas de docência era feito em função das aulas registadas no “e-schooling” e cujo pagamento era efectuado após a trabalhadora emitir o respectivo recibo verde.

A Mmª Juiz a quo motivou a sua decisão da seguinte forma:

“A convicção do tribunal, relativamente àquela matéria dada como provada com interesse para a decisão da causa, resultou da apreciação conjugada do acordo parcial das partes nos articulados, do teor da presunção legal contida no art. 12º, nº 1, do Código do Trabalho, do teor quer de todos os sobreditos documentos quer de todos os demais constantes dos autos e dos seguintes depoimentos prestados em audiência que incidiu sobre essa factualidade, nos termos a seguir indicados. Sendo de salientar que o auto da ACT com documentos anexos (nos termos constantes de fls. 2 a 108 aqui reproduzidos) faz fé em juízo e cujo valor probatório não foi infirmado e, aliás, o seu teor foi corroborado em audiência pelas seguintes pessoas inquiridas: F. A. e A. F. (inspectores da ACT – revelaram conhecimento dos factos respectivos de uma forma isenta, sincera, segura, coerente e merecedora de credibilidade, confirmando e explicitando de forma detalhada toda a matéria factual constante do auto e todos seus documentos anexos, sendo de salientar que, a propósito do auto de declarações da trabalhadora (a fls. 21-22), aqueles explicaram em que termos foram colhidas tais declarações de forma livre e esclarecida, assim como a assinatura pela mesma, tudo em tempo real e após a leitura integral do seu teor à trabalhadora, sem que esta tivesse feito qualquer ressalva); N. M. (directora pedagógica da ré desde 2014 – apenas na parte a seguir indicada depôs de forma coerente e credível, à luz da sobredita apreciação conjugada, quando confirmou a contratação desta trabalhadora e respectivas funções e horas contratadas, nas turmas e salas constantes do respectivo horário dessa professora, que lhe dava indicações pedagógicas e orientações, que havia avaliação do seu desempenho, que a mesma utilizava instrumentos e equipamentos da ré para além do seu computador pessoal, que não a ré nunca garantia àquela a manutenção de tal prestação no final de cada ano lectivo, o registo pela trabalhadora no e-schooling e o pagamento em função dessas aulas e após esta emitir os recibos verdes); J. L. (director geral da ré há mais de 20 anos – apenas na parte a seguir indicada depôs de forma coerente e credível, à luz da sobredita apreciação conjugada, quando confirmou a contratação desta trabalhadora por contratos intitulados de prestação de serviços e com um número de horas pré-fixado para cada ano lectivo, a utilização pela trabalhadora de instrumentos e equipamentos da ré para além do computador pessoal, o pagamento à trabalhadora em função do número de horas e após esta emitir os recibos verdes).
Contrariamente ao demais depoimento em audiência desta testemunha J. L. (director geral da ré) que não mereceu credibilidade na restante parte por ter sido manifestamente parcial, comprometido, não espontâneo e incoerente, à luz das regras de experiência comum e verosimilhança e da apreciação crítica e conjugada com todos os sobreditos elementos probatórios – nomeadamente ao referir (que durante esses mais de 4 anos lectivos) que aquela trabalhadora sempre fora mera prestadora de serviços, que apenas lá ia dar aulas, que ela nunca pedira contrato de trabalho, que a ré tão pouco lhe podia dar tal por ser incomportável e ser imprevisível os cursos para o ano lectivo seguinte, que os horários só eram elaborados em função da disponibilidade da trabalhadora, que os instrumentos e equipamentos de trabalho era por exigência de certificação da escola da ré, que não sendo controlado o conteúdo do seu desempenho se houvesse motivo de desagrado apenas e tão só rescindiram a prestação de serviços com a trabalhadora, sem que a trabalhadora estivesse sujeita a sanções, que a trabalhadora podia findar o ano lectivo antes do período respectivo, terminando logo o contrato, se tivesse dado todas as horas contratualizadas e que a ré só celebrara o contrato de trabalho com esta trabalhadora quase no final do 6º ano lectivo por causa da ACT a considerar teoricamente como trabalhadora subordinada).
Contrariamente ao demais depoimento em audiência da testemunha N. M. (directora pedagógica da ré) que não mereceu credibilidade na restante parte por ter sido manifestamente parcial, comprometida, não espontânea e incoerente, à luz das regras de experiência comum e verosimilhança e da apreciação crítica e conjugada com todos os sobreditos elementos probatórios – nomeadamente ao referir que (durante esses mais de 4 anos lectivos) esta docente e directora de turma era mera prestadora de serviços, que fazia os horários dela em função da prévia disponibilidade, que ela não estava sujeita às suas ordens nem sanções se não cumprisse, apenas chamaria a atenção e cessaria a respectiva prestação de serviços e que até podia findar num mês todas as horas contratadas e cessar o vínculo antes do final do respectivo ano lectivo, só não o fazia porque havia limite pedagógico para o número de horas diária da disciplina e tinham de repartir pelo ano lectivo).
Quando é certo que a contratação desta trabalhadora por tempo indeterminado em 29/4/2019, apesar de ter sido retroagida a período anterior ou com efeitos desde 1/1/2019, incongruentemente, nem sequer coincidiu com o início do respectivo ano lectivo (2018-2019), deixando de fora o período de Setembro até final de Dezembro de 2018 e quando tal contratação correspondia já à realidade dos factos existentes antes desse último trimestre lectivo e até desde data ainda muito mais anterior e consecutivamente, desde há 4 anos lectivos anteriores (desde 2014-2015 até então).
E, aliás, o conteúdo desses anteriores contratos de prestação de serviços constantes dos autos (a fls. 10-20), por si só, desmentia a denominação dada aos mesmos, assim como o teor quer do regulamento interno da ré quer da caderneta informativa do docente/formador (a fls. 32-93) também desmentiam tal denominação. Sendo de salientar as regras e os deveres, quer para o docente quer para o diretor de turma e em todos eles consignados, são idênticos e em todos eles constam detalhadamente, tais como a obrigação de preparação de cada ano lectivo, a obrigação de cumprir o plano de curso, a obrigação de avaliação dos alunos no final de cada um dos 3 períodos lectivos de cada ano lectivo, da comparência nas reuniões marcadas pela ré, a obrigação de comunicação e justificação de faltas e permutas, a incumbência de esclarecer os alunos sobre os regulamentos e normas seguidos pela escola, de planificar e acompanhar a avaliação formativa e sumativa, visitas de estudo e actividades extracurriculares, de organizar e manter actualizado o dossier de curso, de atender os alunos e de alertar os colegas para o cumprimento das planificações dos módulos e disciplinas. E os e-mails constantes dos autos (nomeadamente a fls. 99 e 179 verso) não desmentem tal.
Sendo de salientar que o facto de não constar dos autos nenhum desses formulários (de fls. 94-95) para justificação de faltas e/ou permutas assinados pela trabalhadora não significa que, ao longo desses mais de 4 anos lectivos, esta nunca o tivesse feito e sem ficar com cópia.
Sendo que tão pouco os documentos juntos pela ré (a fls. 159vº-163 e 174-177) foram de molde a desvirtuar a realidade dos sobreditos factos assentes com base nos sobreditos elementos probatórios, desde logo, porque a alegada dependência da oferta formativa e da inscrição de alunos para cada ano lectivo e/ou do alegado financiamento - tão pouco demonstrados ao longo de todos e cada um desses mais de 4 anos lectivos -, por si só, não seriam de molde a descaracterizar a prestação da trabalhadora em apreço, nem justificaram sequer contratação a termo e/ou a tempo parcial em qualquer desses anos lectivos anteriores. Para além disso, o alegado histórico de turmas desde 2000 a 2018 não tem qualquer comprovação documental pela ré das aludidas disciplinas em termos das respectivas turmas e carga horária. Por outro lado, o facto de poder haver, a pedido da trabalhadora, ajustes ao horário base fixado pela ré para a professora para cada ano lectivo, não retira o poder determinativo da ré a esse propósito, nomeadamente para fazer face a aumento de disciplinas e turmas a cargo desta trabalhadora, devido às respectivas necessidades da ré e sua estrutura organizativa, na qual tinha de atentar aos demais docentes quer dessas turmas quer das demais turmas e aos alunos, necessidades que se impunham às da trabalhadora e não sendo a vontade desta a impor-se, prévia ou posteriormente, àquelas necessidades da ré. Tanto mais podendo a ré, a qualquer momento, fazer cessar os seus serviços através de carta resolutória registada com oito dias de antecedência e/ou podendo a ré, simplesmente, aguardar pelo final de cada ano lectivo em que operava a rescisão automática de cada prestação de serviços, sem ter de pagar qualquer indemnização à trabalhadora. À trabalhadora só restava aceitar, ou não aceitar, em cada ano lectivo respectivo e sem lhe estar garantida a renovação dessa prestação de serviços.
Por outro lado, tão pouco a ré juntou sequer os respectivos registos das aulas ou livro de ponto informático (e-schooling) e só juntou recibos-facturas emitidos pela trabalhadora, sendo o mais antigo datado de Julho de 2015 enquanto que a sua inscrição como trabalhadora independente só veio a ocorrer em Novembro de 2015 e sendo que de todos eles constava uma vaga menção a propósito da descrição de serviços e como data da prestação a da emissão desses documentos. E nem sequer juntou eventual extracto bancário ou outro documento discriminativo e comprovativo dos exactos montantes pecuniários alegados por esta a favor da trabalhadora.
E nunca sendo por demais salientar o princípio geral do nosso Direito segundo o qual «Os contratos são o que são, não o que as partes dizem que são». E (por maioria de razão direi eu) que não, necessariamente, os contratos são o que as partes pensam que são, nem as partes são, necessariamente, aquilo que se inscrevem ser. Por outras palavras, a pretensa autonomia privada ou liberdade contratual das partes (aquando da escolha da forma e modo de prestação da actividade laboral e da qualificação do contrato celebrado, dentro dos limites da lei, esgota-se aí) não pode impôr ao mundo jurídico uma qualificação que não esteja de acordo com os parâmetros reais e legais. E, por outro lado, a existência de alguma autonomia técnica inerente a este tipo de actividade profissional de docência e de direcção de turma não é incompatível com a subordinação jurídica correspectiva ao poder de direcção e fiscalização do estabelecimento de ensino da ré relativamente àquela sua docente e directora de turma durante mais de 4 anos lectivos consecutivos. E a existência do poder disciplinar por parte do estabelecimento de ensino da ré não depende do seu exercício efectivo por parte desta sua titular e, muito menos, depende do registo, ou não, de alguma sanção disciplinar relativamente àquela sua docente e directora de turma durante mais de 4 anos lectivos consecutivos.”
A fundamentação da decisão de facto afigura-se-nos de clara, precisa e suficiente, indo de encontro à prova produzida, revelando-se compreensível e apreensível o fio condutor do raciocínio crítico do julgador que ditou a materialidade fáctica dada como provada, impondo que aquela que se lhe opunha fosse dada como não provada.
Na verdade, a juiz a quo explica por que motivo deu credibilidade aos depoimentos de umas testemunhas em detrimento de outras, bem como as razões porque apenas valorizou parcialmente o depoimento das testemunhas arroladas pela recorrente, tudo isto conjugado com todos documentos juntos aos autos, sobretudo os emanados pela Ré, não impugnados e que por si só vem corroborar a versão dos factos dada como provada, permitindo assim que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade da sua convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados
Após audição da integral da prova produzida em audiência de julgamento e análise de todos os documentos juntos aos autos verificamos o acerto do juízo probatório efectuado pelo tribunal a quo, importando contudo proceder a algumas precisões, que irão implicar alguma alteração na factualidade provada.
Tenha-se presente que o Tribunal da Relação só deve proceder à alteração da matéria de facto quando depois de proceder à audição da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.
Como refere Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 609 «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.»

Vejamos:
Quanto aos pontos 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 9.º e 19.º da factualidade provada defende a recorrente que deve ser substituída a expressão “docente” por “formadora externa” uma vez que docentes são apenas os portadores de qualificação profissional para o desempenho de funções de educação ou de ensino, sendo certo que àquela data a S. B. não reunia os requisitos para ser considerada como “docente”.
Se por um lado é certo que dos contratos de “prestação de serviços” consta que a S. B. foi admitida como “formadora externa”, por outro lado também resulta de alguns documentos emitidos pela Ré que a S. B. exerceu funções de docente leccionando algumas disciplinas, sendo apelidada pela Ré indiscriminadamente como “formadora externa”, como “docente/formador” ou apenas como “docente”, designadamente no doc. respeitante ao horário atribuído pelo Ré, junto com a participação no qual a S. B. é identificada da seguinte forma: “docente: 100 S. B.”
Com efeito o correto é afirmar-se que a S. B. foi contratada para exercer as funções de docente/formador, já que nestes se incluíam todos aqueles que leccionavam disciplinas, independentemente de serem ou não profissionalizados.
Procede de forma parcial a impugnação e consequentemente iremos alterar no local próprio a expressão docente, passando a constar docente/formador, como aliás já consta dos pontos 6.º, 7.º, 8.º e 9.º da factualidade provada que se mantêm assim inalterados.
Insurge-se a recorrente quanto à factualidade que consta dos pontos 11 e 20 dos pontos de facto provados defendendo que foram erroneamente dados como provados, uma vez que a S. B. jamais executou os seus serviços sob as ordens e fiscalização da Ré, contrariamente ao dado como provado, razão pela qual se deve proceder à alteração de tal factualidade na parte em que se refere que a trabalhadora desenvolvia actividade “sob as ordens e fiscalização da Ré e dos seus corpos directivos”.
Ora, efectivamente não assiste razão à recorrente, porque a redacção que imputa a tal factualidade não corresponde à redacção dada como provada sob os pontos 11 e 20 da factualidade provada, já que em lado algum se afirma que “a trabalhadora desenvolveu sob as ordens e fiscalização da ré”, nem se afirma que “Como contrapartida do trabalho que prestava sob as ordens e ficalização da ré e dos seus corpos directivos.
Por outro lado, ficou exuberantemente provado, não só do teor dos documentos juntos aos autos, como dos testemunhos prestados por N. M. e J. L. (testemunhas arroladas pela recorrente), que a autora efectivamente exercia as suas funções mediante directrizes/orientações internas da Ré, quer emanadas pelos órgãos de direcção da Escola, quer plasmadas nos contratos celebrados, quer no regulamente, quer na caderneta informativa.
Assim sendo, improcede nesta parte a impugnação.
Insurge-se a recorrente quanto à factualidade respeitante ao horário de trabalho que consta do ponto 12 da factualidade provada, dizendo não ser verdade que fosse a ré a definir de forma unilateral o horário de trabalho da S. B..
Ao contrário do entendido pela recorrente, não vislumbramos qualquer razão para dar como não provado estes factos, os quais resultam exuberantemente demonstrados na cláusula 1ª al. i) ou j) dos contratos assinados ao longo dos anos entre as partes, na qual se faz constar de forma clara e sem deixar qualquer margem para dúvida, que não só é a Ré quem fixa/atribui o horário da trabalhadora, como salvaguarda, que o mesmo pode ser de forma unilateral por si alterado, ao consignar em cada um dos contratos formalizados uma cláusula com o seguinte teor “competindo ao trabalhador desenvolver o seu trabalho nesta Escola de acordo com o horário atribuído pela Direcção, o qual poderá ser alterado pela Entidade Proprietária, sempre que necessário”
Com efeito, ainda que as testemunhas da Ré, nos seus depoimentos, tivessem proferido declarações, que poriam em causa ou contradizem este facto, o certo é que em conformidade, com a convicção assumida e devidamente motivada pelo tribunal a quo, com a qual não podemos deixar de concordar, tais depoimentos não se afiguram de credíveis, nem de revelaram de suficientes, para por em causa o que se fez constar dos respectivos contratos. O auscultar os formadores sob as suas disponibilidades, não passava de mera cortesia, a satisfazer quando tal se revelasse de viável, pois que os horários eram fixados pela Ré, mais precisamente pela sua direcção pedagógica, podendo ser alterado quando tal se viesse a revelar-se de necessário, como aliás, deixa bem claro, nos contratos que celebra com a sua formadora e de alguma forma acaba por resultar dos depoimentos das testemunhas.
É assim de manter a redacção do ponto 12 da factualidade provada.
No que respeita à factualidade que consta do ponto 15 dos pontos de facto provados, referente à titularidade dos instrumentos e equipamentos de trabalho utilizados pela formadora, defende a recorrente que apenas ficou demonstrado que a S. B. para além do seu computador utilizava as mesas e as cadeiras da recorrente, ficando sem se saber onde é que o tribunal a quo alicerçou a sua convicção para dar como provada a utilização dos demais equipamentos de que a recorrente dispõe.
Mais uma vez urge dizer que não assiste razão há recorrente, não se vislumbrando que a decisão da matéria de facto padeça de qualquer erro que se imponha corrigir.
Na verdade, sobre equipamentos e instrumentos de trabalho a generalidade das testemunhas inquiridas pronunciaram-se sobre a titularidade dos mesmos, resultando suficientemente provado, que os instrumentos e equipamentos de trabalho pertenciam à Ré, sendo certo que alguns destes equipamentos atenta a sua natureza teriam de ser utilizados pela trabalhadora e outros, desde que estivessem disponíveis, a formadora podia utilizá-los. Acresce dizer que, quer do questionário junto aos autos no decurso da audiência de julgamento, quer das declarações prestadas pela formadora S. B. e registadas pela ACT, confirmadas pelos Srs. Inspectores em sede de julgamento, resultam discriminados os diversos equipamentos e instrumentos de trabalho que a formadora utilizava demonstrado de forma suficiente que a formadora utilizava preponderantemente os instrumentos de trabalho pertencentes à Ré.
É assim de manter a redacção do ponto de facto n.º 15 da factualidade provada, já que a prova produzida revela-se suficiente para o efeito.
No que respeita aos pontos de facto 13 e 14 referentes ao concreto desempenho de funções atribuídas à trabalhadora pela Ré, que se pretende que sejam dadas como não provadas, defende a recorrente que tal factualidade não resulta de qualquer elemento probatório constante do processo.
Ora, ainda que de forma explícita nenhuma das testemunhas inquiridas tenha referido esta factualidade, o certo é que resulta das regras da experiência conjugadas com os demais elementos probatórios juntos aos autos designadamente do depoimento dos inspectores da ACT que confirmaram o teor das declarações prestadas pela S. B., que se encontram juntas aos autos e demais documentação junta aos autos. Nomeadamente o regulamento interno no qual se encontram previstas as funções do director de turma (artigos 31.º a 34.º define as funções, competência e requisitos de admissão do orientador educativo, artigo 104.º a deveres e direitos do corpo docente – formadores e artigo 139.º agentes do processo de avaliação, neles se inclui o docente formador e o orientador educativo de turma/director de turma) e da caderneta informativa do docente/formador (onde também se definem os critérios de avaliação e progressão do aluno e se estipulam os normativos do docente/formador), pois sendo a autora formadora e directora de turma, é óbvio que lhe incumbiam as tarefas quer de avaliação e notação dos seus alunos, quer de organização de cada um dos processos, quer o atendimento aos encarregados de educação, quer o registo das faltas, quer de reunir com os encarregados de educação, quer todas as demais tarefas inerentes às funções de director de turma.
Acresce dizer, que em conformidade com a motivação elaborada pelo tribunal a quo os contratos assinados entre a Trabalhadora e a Ré, tendo em vista o desempenho das funções de Orientador Educativo de Turma/Directora de Turma são esclarecedores quanto a estes factos, pois da cláusula 1ª al. g) faz-se consignar que compete à trabalhadora “reunir sempre que necessário com o Conselho de Turma, Orientador Educativo de Turma/Diretor de Turma e com o Diretor de Curso”, resultando as demais funções especificadas nos pontos 22 e 23 quer do regulamento interno, quer da caderneta informativa do docente/formador.
Como bem explica o Tribunal a quo em sede de motivação da prova destes factos “… aliás, o conteúdo desses anteriores contratos de prestação de serviços constantes dos autos (a fls. 10-20), por si só, desmentia a denominação dada aos mesmos, assim como o teor quer do regulamento interno da ré quer da caderneta informativa do docente/formador (a fls. 32-93) também desmentiam tal denominação. Sendo de salientar as regras e os deveres, quer para o docente quer para o diretor de turma e em todos eles consignados, são idênticos e em todos eles constam detalhadamente, tais como a obrigação de preparação de cada ano lectivo, a obrigação de cumprir o plano de curso, a obrigação de avaliação dos alunos no final de cada um dos 3 períodos lectivos de cada ano lectivo, da comparência nas reuniões marcadas pela ré, a obrigação de comunicação e justificação de faltas e permutas, a incumbência de esclarecer os alunos sobre os regulamentos e normas seguidos pela escola, de planificar e acompanhar a avaliação formativa e sumativa, visitas de estudo e actividades extracurriculares, de organizar e manter actualizado o dossier de curso, de atender os alunos e de alertar os colegas para o cumprimento das planificações dos módulos e disciplinas. E os e-mails constantes dos autos (nomeadamente a fls. 99 e 179 verso) não desmentem tal.”
Em suma, não só se encontra devidamente e suficientemente motivada a decisão que levou os factos que constam dos pontos 13 e 14 fossem dados como provados, como não foi cometido pelo tribunal a quo qualquer erro que imponha que seja proferida decisão diversa.
São assim de manter os pontos de facto 13 e 14.
No que respeita ao ponto 16 dos pontos de facto provados defende a recorrente que não foi feita qualquer prova de que a S. B. entrava no programa “e-schooling” através do seu próprio “login”, razão pela qual se deve proceder à alteração parcial deste ponto de facto, eliminando tal referência.
Salvo o devido respeito por opinião em contrário, a recorrente incorre em confusão/erro, pois no ponto 16 da factualidade provada em lado algum se afirma que a S. B. entrava no e-schooling com um qualquer login próprio.
Improcede nesta parte a impugnação.
No que respeita ao pontos 17 e 18 da factualidade provada referentes a justificação de faltas, poder disciplinar, avaliação de desempenho, e deveres que a S. B. estava obrigada a observar, defende a recorrente que atenta a escassez da matéria probatória tais factos devem ser dados como não provados, defendendo que não existia qualquer regulamento interno que fosse aplicado àquela formadora, tendo as testemunhas por si arroladas negado que a S. B. fosse controlada pela recorrente e afirmado que àquela não estava obrigada a comunicar ou a justificar, quaisquer faltas, permutas ou substituições.
Quanto à factualidade constante do ponto 17, diremos desde já, que ao invés do defendido pela recorrente a prova documental é exuberante e mais do suficiente para dar como provado tal facto, pois este não resulta apenas do que se faz constar do regulamento interno, mas sim resulta expressamente prevista na cláusula primeira de qualquer um dos contratos assinados pela S. B., bem como da caderneta informativa do docente/formador (ponto 5.5.).
Por outro lado, a prova testemunhal produzida em sentido oposto não mereceu a credibilidade do tribunal a quo, nos termos devidamente motivados, com os quais não podemos deixar de concordar, pois não se afigura minimamente credível, com tantas instruções escritas quanto a forma de justificação de faltas, que relativamente à S. B. tais orientações não lhe eram aplicáveis.
Por fim, no que respeita à não aplicação do regulamento interno, não podemos deixar de dizer que estamos perante uma posição absurda assumida pela Ré, pois destinando-se o regulamento interno a definir as normas de funcionamento interno da escola profissional, bem como os direitos e deveres dos membros da sua comunidade escolar, neles se incluindo, quer os alunos, quer os docentes, muito se estranharia que não lhes fosse aplicado, quando do mesmo se faz constar que a contratação dos docentes é feita por contrato de prestação de serviços de duração limitada à leccionação da disciplina/módulo no ano lectivo em causa (artigo 135.º n.º 3 do regulamento) encontrando-se prevista a aplicação de sanções para os docentes que o infrinjam (art.º 209.º do regulamento) e sendo certo ainda que o corpo de docente, que como nos parece óbvio, teria de constar e constava como resulta do regulamento, do organigrama da empresa, sendo no entanto constituído essencialmente por apelidados “prestadores de serviços”, já que num universo de 13 docentes, apenas 3 seriam trabalhadores subordinados, ao que tudo indica, apenas por desempenharem outras funções para além docência.
Em suma é de manter o teor do ponto 17 dos factos provados.
Quanto ao ponto 18 dos factos provados respeitante além do mais ao poder disciplinar, também não podemos concordar com a recorrente no que respeita à escassez de prova a este propósito.
Se por um lado as testemunhas por si arroladas foram peremptórias ao afirmarem a inexistência de poder disciplinar e ao justificarem a necessidade de avaliação de desempenho com exigências exteriores à vontade da Ré, designadamente para poderem ser creditados em termos de qualidade de prestação de serviço. Por outro lado, a restante prova produzida, designadamente a documental conjugada com os depoimentos dos inspectores da ACT não deixa margem para dúvidas, que de forma encapotada a Ré exercia o poder disciplinar sobre os docentes/ prestadores de serviço e procedia à avaliação de desempenho da trabalhadora, dela retirando as respectivas consequências, designadamente mantendo ou fazendo cessar o contrato com a trabalhadora consoante o resultado do seu desempenho.
Com efeito, não nos cansamos de repetir, que o regulamento da Ré prevê que os docentes sejam contratados como prestadores de serviço, sendo por isso as sanções aplicadas pela Ré, apelidadas de “não cumprimento dos deveres por parte do docente/formador” (art.º 209 do Regulamento interno), limitadas, à impossibilidade de celebração de novo contrato com o prestador, ao pagamento de uma indemnização à Escola e à rescisão do contrato no seu término, ou em qualquer altura, caso o docente falte reiterada e culposamente ao cumprimento das suas obrigações contratuais ou ocorram circunstâncias que tornem impossível a manutenção da relação contratual, mediante carta registada com a antecedência mínima de 8 dias, tal como resulta da cláusula 4ª n.º 3 dos diversos contratos celebrados com a S. B..
Não se verifica qualquer circunstância que imponha que os pontos de facto 17 e 18 da factualidade provada passem a constar dos factos não provados, que se mantêm assim inalterados.
Resumindo, apesar da demonstração da realidade a que tende a prova não visar a certeza absoluta, mas sim criar no espirito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto, o que se verifica no caso em apreço, entendemos que o tribunal a quo indicou os fundamentos suficientes para que através das regras da experiência e da lógica se controle a razoabilidade da convicção sobre o julgamento, permitindo-nos dizer que não encontramos qualquer deficiência ou insuficiência na fundamentação da matéria de facto que imponha correcção da decisão nos termos pretendidos pela recorrente.
É assim de manter a decisão proferida pelo tribunal a quo quanto à matéria de facto provada, apenas com as pequenas alterações de redacção de alguns dos pontos de facto provados, por nós acima determinadas, uma vez que a globalidade da prova produzida não permite outra conclusão, sendo que os juízos de valor subjectivos, formulados pelo recorrente, não têm o condão de impor a sua própria convicção à convicção do juiz julgador.

b) Da impugnação da matéria de facto não provada

Atenta a prova testemunhal e documental junta aos autos entende a recorrente que devem ser considerados como provados os seguintes factos:

A) A Formadora não tinha qualquer dependência económica da Recorrente durante o período de vigência dos contratos de prestação de serviços, obtendo outros rendimentos;
B) Os cursos de formação que a promove não são sempre os mesmos, sendo mutável todos os anos, e variando em função das carências dos profissionais da região que é necessário suprir, e em função da aprovação externa (de candidatura pedagógica e de candidatura ao seu financiamento;
C) São as entidades externas que tutelam a actuação da Ré que dão orientações de quantas turmas/cursos podem ser aprovados para cada Comunidade Intermunicipal, e posteriormente são definidos pela ANQEP (Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional) os critérios para ordenamento da rede de cursos a aprovar, para o ano lectivo em causa, o número mínimo e máximo de turmas.
D) Só depois de aprovada a rede de oferta formativa é que a Ré fica em condições de divulgar a sua oferta de cursos de formação e “angariar” alunos para os cursos aprovados, no entanto nem sempre se consegue, por falta de alunos, abrir os cursos pretendidos.
E) A oferta formativa da Ré fica igualmente dependente da concessão, ou não, de financiamento de determinadas instituições à Ré, de forma a permitir-lhe avançar com a leccionação daqueles Cursos de Formação pretendidos.
F) O horário da leccionação dos módulos pela trabalhadora era elaborado em função das suas disponibilidades, sendo alvo de alterações subsequentes por força da (in)disponibilidade superveniente dos Formadores pretendidos.
G) As ausências da Formadora são insusceptíveis de sancionamento disciplinar.
H) A Ré não efectua qualquer controlo ou fiscalização da assiduidade ou pontualidade da trabalhadora, não fazendo a Autora quaisquer registos de entrada e saída.
I) A Ré nunca marcou qualquer falta à Formadora, seja justificada ou injustificada, ou sequer advertiu a Formadora por qualquer ausência, ou sequer intentou qualquer procedimento disciplinar, nem nunca exigiu qualquer justificação de falta.
J) Entre Ré e a trabalhadora não existia qualquer exclusividade na prestação da actividade pela trabalhadora, ao contrário do que acontece desde a celebração do contrato de trabalho.
K) Os pagamentos efectuados à Formadora variavam em função da respectiva disponibilidade de prestar serviços à Ré, não sendo um pagamento periódico ou efectuado todos os meses do ano.
L) A actividade exercida pela Formadora tem obrigatoriamente de ser desenvolvida em local pertencente à Ré, o qual tem de ser obrigatoriamente autorizados/homologados pelo Ministério da Educação
M) A Ré é obrigada por imposição legal a ter/disponibilizar equipamentos/instrumentos nas salas de aulas, sem os quais os cursos não homologados e financiados.
N) Cada um dos contratos de prestação de serviços eram independentes, sendo que após a sua extinção deixava de existir qualquer relação entre a Ré e a Formadora S. B..

Cumpre apreciar

Quanto aos pontos B) C), D) e E) referentes à dependência da recorrente de um conjunto de entidades que têm de aprovar a oferta formativa antes da mesma ser divulgada, defende que a prova de tais factos resulta dos depoimentos prestados por J. L. e N. M., conjugados com os documentos 2 a 5 juntos com a contestação.
Ora, como bem anota a juiz a quo, ao desvalorizar os depoimentos destas testemunhas relativamente à prova destes factos, é precisamente o facto de a S. B. desempenhar as suas funções, quer de formadora, quer de directora de curso, desde o ano lectivo de Março de 2015 de forma interrupta, o que contraria e impede que estes factos possam constar da factualidade provada, pois não é com certeza a imprevisibilidade da necessidade da contratação da trabalhadora que impediu a Ré de celebrar com esta um contrato de trabalho, designadamente a termo certo ou a termo parcial, caso se verificassem os respectivos requisitos para o efeito, o que não colhe é a tese de Ré de que estava impedida de celebrar contratos de trabalho com os docentes da sua Escola, quer por os cursos que ministra e as respectivas horas não serem sempre os mesmos, quer porque a sua realização dependia da concessão de financiamento de determinadas instituições.
Por outro lado, os documentos juntos pela Ré também não se revelam de suficientes para dar os referidos factos como provados, já que dos mesmos não resulta a dependência da Ré da oferta formativa e da inscrição de alunos para cada ano lectivo e do alegado financiamento, nem o alegado histórico de turmas desde 2000 a 2018 tem qualquer comprovação documental, quer das disciplinas ministradas em termos das respectivas turmas e carga horária.
Em suma, a Ré não logrou provar que os cursos de formação ministrados por não serem sempre os mesmos implicavam a alteração dos serviços a serem prestados em cada ano lectivo, o que interferia com a contratação da S. B.. É assim de manter o decidido pelo tribunal a quo.
Quantos aos pontos F), G) H) e I), referentes a horários, ausências e fiscalização, que a recorrente defende que devem ser dados como provados, apenas se nos afigura-se-nos que, quer por não ter sido produzida prova convincente e credível, quer por terem sido dado como provados factos que contradizem estes, não se vislumbra qualquer razão que imponha que passem a constar dos pontos de factos provados.
Improcede também nesta parte o aditamento à matéria de facto.
Quanto aos pontos A), J), K) e N) por se tratar de juízos meramente conclusivos, que podem ou não ser extraídos do teor dos documentos juntos aos autos, pelas razões sobejamente sabidas, não podem nem devem constar da factualidade provada – cfr. art.º 607.º n.º 4 do CPC.
Quanto aos pontos L) e M) referentes a obrigações legais que a recorrente tem de observar no que respeita a instalações e a equipamentos, para poder leccionar, afigura-se-nos dizer, que estes factos não contradizem nenhum outro facto dado como provado, sendo certo que não passam de constatações resultantes da lei, não contendo factualidade que importe dar como assente, já que referência aos normativos legais apenas pode relevar em sede de aplicação de direito aos factos.
Em suma improcede na sua totalidade a impugnação da matéria de facto no que respeita aos factos não provados.

5. Da qualificação do contrato
Tendo-se procedido apenas a algumas correcções/precisões na matéria de facto apurada é com base no quadro factual agora fixado que se irá proceder à análise da questão de direito que urge apreciar e que respeita à qualificação jurídica da relação contratual estabelecida entre a Recorrente e a S. B. no período compreendido entre 24 de Março de 2015 até 31 de Dezembro de 2018, designadamente apurar se a relação contratual é de trabalho subordinado.
Consigna-se que para apreciação do pleito iremos convocar apenas as normas da Código do Trabalho de revisto (doravante CT.), e do Código Civil, atenta a data de início da relação contratual estabelecida entre as partes.
Cabe-nos desde já dizer que a questão a decidir fica parcialmente prejudicada no que respeita à argumentação utilizada pela recorrente (designadamente no que respeita à aplicação do regulamento interno à formadora, às orientações/diretrizes internas, à fixação de horário, à justificação de faltas e ao exercício do poder de fiscalização), por as alterações a que se procedeu na matéria de facto não irem de encontro ao defendido pela recorrente, mas sim vêm apenas a precisar, o que já havia sido apurado em 1ª instância, em nada interferindo com a decisão assumida pelo tribunal a quo.
Vejamos.
Estabelece o artigo 11.º do CT, indo de encontro ao disposto no artigo 1152.º do Código Civil, que o contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.
Por seu turno prescreve o artigo 1154.º do Código Civil, que contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
Destes conceitos resulta que o contrato de trabalho tem por objecto a prestação de uma actividade e o contrato de prestação de serviço a obtenção de um certo resultado proveniente do trabalho prestado por outrem, sendo certo que apenas o primeiro é necessariamente oneroso.
Quer a doutrina, quer a jurisprudência têm vindo ao longo dos anos a salientar, que o que verdadeiramente distingue o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços é a chamada subordinação jurídica de uma das partes em relação à outra, subordinação essa que só no contrato de trabalho existe. Tenha-se presente que a subordinação jurídica atualmente não está apenas associada à sujeição de ordens e instruções, pois as atuais formas de organização laboral que premeiam a autonomia técnica dos trabalhadores, levam a que a subordinação jurídica signifique que o prestador esteja inserido num ciclo de trabalho produtivo alheio, estando vinculado à observação dos parâmetros de organização e funcionamento definidos pelo beneficiário da actividade.
Ora, o contrato de trabalho tem assim como objecto a prestação de uma actividade e como elemento que o distingue dos demais a subordinação jurídica, que se traduz não só no poder que o empregador tem de através de ordens, instruções e directivas, conformar a prestação a que o trabalhador se obrigou, mas também que o prestador do trabalho esteja integrado na estrutura organizativa do beneficiário da actividade.
Por seu turno, o contrato de prestação de serviço visa, apenas, a obtenção de um determinado resultado que a parte sujeita a tal obrigação obterá por si, em regime de autonomia, não sendo este trabalho dominado e organizado pelo beneficiário da actividade (que apenas controla o produto final), mas sim por quem o fornece. Em suma não está sujeita ao poder de direcção e de fiscalização da outra parte.
Nem sempre é fácil distinguir estas duas figuras contratuais, por em diversas situações ser difícil de perceber o que ficou estabelecido e o que era pretendido – se a actividade em si ou se o seu resultado, razão pela qual a subordinação jurídica é, pois, o elemento fundamental e diferenciador do contrato de trabalho e traduz-se numa posição de supremacia do credor da prestação de trabalho (o empregador) e na correspondente sujeição do prestador da actividade (o trabalhador), cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
Podemos assim concluir que o contrato de trabalho se caracteriza essencialmente pelo estado de dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face à entidade empregadora e que resulta da circunstância do trabalhador se encontrar inserido na organização produtiva do empregador e submetido à autoridade e direcção deste, enquanto na prestação de serviço não se verifica essa subordinação, considerando-se apenas o resultado da actividade.
Importa salientar que em termos de repartição do ónus da prova, cabe ao trabalhador fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, isto é, demonstrar que presta uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do beneficiário (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Contudo, atualmente o Código do Trabalho consagra no seu artigo 12.º a presunção de laboralidade, vindo assim a inverter o ónus da prova da existência do contrato de trabalho nos termos do art.º 350.º do Código Civil, dai decorrendo que na presença dos indícios enunciados no citado art.º 12 do CT, fica-se dispensado de demonstrar, nos termos gerais do artigo 342.º do Código Civil, que a actividade desenvolvida para o empregador mediante o pagamento de uma importância monetária é prestada numa posição de subordinação. Naturalmente esta qualificação pode ser afastada se o empregador lograr provar a autonomia do trabalhador ou a falta de qualquer outro elemento essencial do contrato de trabalho.

Assim decorre do disposto no art.º 12.º do CT, que presume-se a existência de um contrato de trabalho sempre que ocorram alguns dos seguintes indícios:

- o local de trabalho coincidir com instalações do beneficiário da actividade ou por ele controladas (al. a) do n.º 1);
- a pertença ao beneficiário da actividade dos equipamentos e instrumentos de trabalho (al.b) do n.º 1);
- a existência de horário de trabalho (al.c) do n.º 1);
- o carácter periódico da retribuição paga como contrapartida da actividade (al. d) do n.º 1);
- o desempenho de funções de direcção ou chefia na empresa pela prestador da actividade (al.e) do n.º 1 do art.º 12.º).

Tendo estes indícios natureza meramente exemplificativa, teoricamente basta que se verifiquem dois destes indícios para que se possa presumir a existência de um contrato de trabalho.
Neste mesmo sentido de que basta de dois dos indícios enumerados para que se considere que o trabalhador beneficia da presunção de existência de contrato de trabalho, passando a competir ao empregador a prova do contrário, vejam-se António Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, Almedina, 2012, pp. 126-127), João Leal Amado (Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, 2009, pp. 76-77), Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, Almedina, 2013, p. 307) e, ainda que de forma mitigada, Bernardo da Gama Lobo Xavier (Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2014, pp. 366 e ss.).
A presunção legal do transcrito artigo 12.º é uma presunção juris tantum, que importa a inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre a parte adversa a prova do contrário do facto que serve de base à presunção ou do próprio facto presumido.
No caso em apreço, não temos dúvidas em afirmar que a factualidade apurada é suficiente para o preenchimento da presunção, já que nos permite concluir que a S. B. estava não só inserida na estrutura organizativa do beneficiário da actividade, como exercia a sua actividade de docente/formador e Orientador Educativo de Turma/Director de Turma, sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré.
Analisemos a factualidade provada.
Quanto ao local de trabalho constamos que desde do início da prestação da actividade a S. B. desempenhou as suas funções de docente/formadora e Directora de Turma, em instalações da Ré e por si geridas, nomeadamente, nas instalações sitas na Praça ... e na Rua ....
Quanto aos instrumentos e equipamentos de trabalho, com excepção do seu computador pessoal, o demais material e equipamento que a S. B. utilizava no desempenho das suas funções, era fornecido/disponibilizado pela Ré.
Quanto ao horário de trabalho, a S. B. cumpria o horário fixado/atribuído pela Ré e que por esta podia ser alterado de forma unilateral, no sentido de desempenhar a sua actividade em determinado período temporal definido pela Ré, ainda que antes de proceder à sua fixação tivesse em atenção a situação de disponibilidade de cada um dos seus docentes, não sendo assim a S. B. quem estabelecia as horas a que desenvolvia a sua actividade, mas estava sujeita a uma séria de obrigações, nela se incluindo o facto de manter disponibilidade para outras actividades solicitadas pela Ré, quando assim o entendesse.
Com efeito, provou-se que a S. B. dava as aulas que estavam previamente estabelecidas pela ré, de acordo com horário por esta previamente definido, para a trabalhadora e demais docentes, comparecia às reuniões de trabalho e de organização da ré incluindo como directora de turma, apreciava os desempenhos escolares dos alunos e notava-os.
Mais se provou que para cada um dos anos letivos era a ré, quem no início do respetivo ano lectivo, definia o horário de trabalho da trabalhadora e dos restantes colegas docentes, de acordo com as disciplinas que ministravam e que afixava nas instalações
Acresce ainda dizer a este propósito que a S. B. tinha que comunicar e justificar as faltas, bem como as permutas que realizasse, o que evidencia que estava integrada e submetida á organização da Ré.
E por último ainda a propósito do horário de trabalho, resulta quer Regulamento Interno da Ré (cfr. art.º 104 n.º 4 al. b)), quer da Caderneta informativa do docente formador (cfr. ponto 5.3 referente aos deveres do docente, do qual consta o seguinte: do dever de assiduidade e pontualidade no cumprimento dos horários (al. d), da necessidade de estar presente em todas as reuniões, provas e exames para que seja convocado (al. e), de não entrar na aula 10 m depois no caso do inicio do 1º bloco da manha/tarde e após 5m nos restantes casos (al. k), do dever de colaboração com várias entidades (als. f, h e i, com directores de turma, orientadores, directores de curso…), de disponibilidade para uma actuação permanente extra fora da sala de aulas (al. v).)
Daqui resulta o assumir do cumprimento de horários de presença em aulas ou noutras actividades, designadamente nas reuniões para as quais era convocada e disponibilidade para o que fosse necessário, o que se revela incompatível com a auto organização do tempo, quer com a ideia que a Ré pretender passar de que a S. B. apenas estava na escola para leccionar, sem que tivesse integrada na estrutura organizativa da Ré.
Quanto ao pagamento periódico de contrapartida pela prestação das funções contratadas, resultou provado que a S. B. recebia um valor por hora, cujo cálculo era feito em função das aulas registadas no e-schooling, sendo o pagamento efectuado após a trabalhadora emitir o respectivo recibo verde. Resulta ainda dos diversos contratos assinados pela S. B. que o pagamento era efectuado até ao final do mês subsequente ao da prestação do serviço, mediante entrega pela prestadora, até ao 5.º dia do mês subsequente à prestação do serviço de documento comprovativo do valor do serviço prestado.
Está assim também verificado o requisito da periodicidade no recebimento da contrapartida, mensal e certa, pois era calculada em função do tempo de actividade e não em função do resultado.
Em suma, está verificada a presunção legal da existência do contrato de trabalho, pois verificámos a existência de quatro dos cinco indicadores de laboralidade, elencados na presunção legal do art.º 12.ºdo CT, que a Ré não afastou, já que dos factos provados não resulta que a prestação da actividade tivesse sido exercida de modo autónomo, característico da prestação de serviço.
Ao invés, apurou-se que, durante quatro anos lectivos consecutivos a formadora esteve inserida na estrutura organizativa do empregador, exercendo a sua actividade de docente/formador e directora de turma, recebendo como contrapartida uma quantia mensal ainda que variável em função da horas mensalmente prestadas, recebendo ordens e orientações do empregador, que detinha o poder de fiscalização, quer porque procedia a avaliação do desempenho, quer porque em caso de violação das normas regulamentares que a formadora estava obrigado a observar lhe podia aplicar as sanções que constam do seu regulamento interno, entre as quais se destaca a cessação imediata do contrato celebrado, sem direito a indemnização.
Como refere a decisão recorrida, com a qual não podemos deixar de concordar, “[e] - contrariamente à pretensão da ré, a quem cabia o respectivo ónus de (com a necessária certeza) ilidir aquela presunção – a demais factualidade apurada, no caso em apreço, veio contextualizá-la de uma forma positiva, realçando os elementos constitutivos de uma verdadeira relação de trabalho subordinado ou jus-laboral.
Não sendo suficientes para, por si só, se desvirtuar tal relação jus-laboral, os meros factos de a ré ter intitulado tais contratos como de prestação de serviços, de o pagamento à trabalhadora depender da emissão por esta de facturas-recibos/vulgarmente chamados como recibos-verdes e de, entre Novembro de 2015 até Março de 2019, esta ter estado inscrita na Segurança Social como trabalhadora independente declarando rendimentos como tal e de, desde Janeiro de 2019 em diante, ter ficado inscrita como trabalhadora por conta da ré).
Pois, durante esses mais de 4 anos lectivos consecutivos (iniciados a 24 de Março de 2015), esta trabalhadora estava obrigada, mediante certa contrapartida pecuniária unitária, a prestar ou estar disponível para prestar essa sua actividade quer como docente quer como directora de turma, onde, quando, como e com os meios que a ré lhe determinava deverem ser executadas as funções inerentes a tais actividades, sujeitando-se a trabalhadora ao âmbito da organização dessa escola profissional da ré. Na qual a trabalhadora estava inserida, funcionalmente, na respectiva estrutura organizativa dessa escola da ré, predisposta e dirigida pela ré. E na qual estava a trabalhadora sujeita à autoridade da ré que tinha o poder de, através de diretrizes, orientações e instruções, conformar a prestação de trabalho daquela sua trabalhadora em seu proveito.
E em cuja execução a trabalhadora lhe devia obediência - sem prejuízo da autonomia técnica inerente às suas qualificações académicas, às suas funções e categoria profissional na escola da ré e até à sua experiência profissional na escola da ré e que permitiam à trabalhadora saber como realizar algumas daquelas tarefas que lhe estavam adstritas pela ré -. Tanto mais que esta trabalhadora, ao longo de mais de 4 anos lectivos consecutivos, para além da docência profissionalizada, tinha funções de direcção de turma com as inerentes responsabilidades e todas elas estavam reguladas, para além do calendário escolar nacional, pelo regulamento interno da ré que consignava, expressamente, os respectivos deveres inerentes a tais funções, assim como pelos deveres consignados nos aludidos contratos que a ré lhe fora apresentando ao longo de todos esses anos e que a ré intitulara como de prestação de serviços. O que significa que tal subordinação à ré, para existir na prática, não tinha nem tem de estar sempre a ser manifestada e a todos os níveis, bastando que a qualquer momento possa vir a ocorrer e sendo tal prestação laboral da trabalhadora sindicável e fiscalizável quer pelos directores da ré quer pelo legal representante da ré.
Pelo que, todo este ambiente contratual desta execução contratual e com este real objecto da prestação desta trabalhadora na ré fazem concluir pela existência de uma relação de trabalho subordinado entre ambas e desde então…”
Acresce ainda cotejar todos estes índices de subordinação jurídica com a vontade das partes na conclusão do contrato, que tem sempre um papel decisivo na qualificação do negócio, pois tratando-se de um negócio de natureza consensual tem de se atender à vontade real das partes, que não se basta apenas com a qualificação que atribuíram ao contrato, mas sobretudo com a definição das condições do exercício da actividade acordadas entre as partes. Tudo isto para dizer que o relevo da vontade real das partes na qualificação do negócio, tendo presente o disposto no art.º 236.º do Código Civil, obrigará a não atender ao nome titulado ao contrato, “prestação de serviços”, quando, como no caso, os indícios relevantes apontem para a subordinação do trabalhador, sendo certo que da factualidade provada não resulta que a S. B. tivesse pretendido celebrar um contrato de prestação de serviços.
Assim, o facto de a formadora estar inscrita no regime fiscal dos trabalhadores independentes, emitindo recibos verdes pela remuneração que aufere, não ter direito a férias, nem a subsídios de férias e de Natal, mas por outro lado, desenvolve a sua actividade com sujeição aos poderes laborais é de concluir que é titular de um contrato de trabalho, sendo aqueles índices de considerar de irrelevantes na qualificação do contrato.
Por último, cabe-nos referir que a recorrente defende que a considerar-se que estamos perante um contrato de trabalho para efeitos de antiguidade terá apenas de se considerar a última relação jurídica constituída em Setembro de 2018, uma vez foram celebrados diversos contratos, tantos quantos os anos lectivos respeitantes, sendo certo que entre meados de Julho e Setembro nunca existiu qualquer relação jurídica entre as partes.
Esta posição da Recorrente também não merece acolhimento, pois provada que se mostra a relação contratual de natureza laboral estabelecida entre a recorrente e a S. B., com início em 24 de Março de 2015, apenas se impõe reconhecer e fixar a data do seu início, revelando-se de inadmissível a pretensão de converter os diversos contratos celebrados entre as partes em contratos de trabalho a termo certo, pois tal violaria as mais elementares normas de direito laboral no que respeita à contratação a termo resolutivo, designadamente os artigos 140.º, 141.º, 147º e 148.º do Código do Trabalho.
Em face do exposto mais não resta do que julgar o recurso improcedente, sendo de manter a decisão recorrida, na qual se fez a correta aplicação do direito aos factos apurados.

V– Decisão

Pelo exposto e nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por ASSOCIAÇÃO EMPRESARIAL ....
Custas a cargo da Recorrente
Notifique.
3 de Dezembro de 2020

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga