Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
329/13.8TJVNF.G1
Relator: MARGARIDA SOUSA
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Só caso a caso se pode saber se, em decorrência dos deveres de gestão e cooperação processual consagrados nos arts. 6.º e 7.º do CPC, o juiz deve proferir despacho interpelando as partes para impulsionarem os autos e advertindo-as para a eventualidade de a continuação da sua inércia integrar a deserção;

II - Quando tal dever seja de afirmar e o mesmo não tenha sido cumprido antes de decorrido o prazo da deserção, deve o juiz notificar as partes para exercício do contraditório antes de se pronunciar sobre a verificação daquela;

III - A violação do aludido dever integra uma nulidade que deve ser arguida nos termos do artigo 195º, nº1 do Código de Processo Civil, não podendo ser interposto recurso da sentença com fundamento na omissão daquele despacho tido por devido;

IV - No caso da suspensão da instância por falecimento da parte, notificadas as partes dessa mesma suspensão, é ao interessado no prosseguimento do processo que cabe deduzir o incidente de habilitação, sendo a valoração da negligência da parte em promovê-lo independente de qualquer notificação das partes para impulsionar o processo;

V - Não é eficaz e impeditivo da deserção ato processual que vise impulsionar o processo após o decurso de seis meses de inércia mas anterior ao decretamento da deserção;

VI - Ainda que o falecimento da parte tenha ocorrido antes da sentença, interposto recurso pela contraparte e posteriormente comprovado nos autos o dito falecimento, a deserção opera sobre o recurso e não sobre a instância.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO:

Inconformados com a decisão da primeira instância que julgou deserto o recurso da sentença por eles interposto, os Autores interpuseram o presente recurso, concluindo a sua alegação nos seguintes termos:

A.1. Em paralelo, co-existem, no plano do direito, a auto-responsabilidade processual das partes e os deveres de gestão e cooperação processual do juiz, conforme se mostra em absoluto consenso reconhecido por doutrina e jurisprudência a respeito da projecção daqueles auto-responsabilidade das partes e deveres de gestão e cooperação processual do juiz no regime jurídico da deserção.
A.2. Também a salvo de divergências parece estar o entendimento de que, em decorrência dos deveres de gestão e cooperação processual consagrados nos arts. 6.º e 7.º do CPC, o juiz deve proferir despacho interpelando as partes para impulsionarem os autos e advertindo-as para a eventualidade de a continuação da sua inércia integrar a deserção.
A.3. No caso dos presentes autos não foi proferido qualquer despacho no sentido de ser dirigida às partes qualquer notificação e a notificação dirigida às partes, aparentemente por iniciativa da secretaria, contendo uma interpelação para impulsionar o processo, omitia em absoluto qualquer advertência para a possibilidade da deserção ou sequer referência directa ou indirecta ao respectivo instituto ou regime legal.
A.4. A omissão de deveres de gestão e cooperação processual configura-se a questão como nulidade da decisão por excesso de pronúncia, que tem de ser suscitada através da impugnação da decisão mediante recurso, quando este seja admissível.
A.5. Omitido, assim, como foi, despacho interpelando as partes para o impulso do processo e advertindo-as para a possibilidade de deserção da instância, está, assim, configurada a nulidade do despacho recorrido, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 6.º, 7.º, 281.º e 615/1-d) do CPC, que aqui expressamente se invoca.
Sem prescindir e subsidiariamente,
B.1.1. Nos termos do disposto no art. 351.º do CPC consagra a lei uma faculdade de requerer a habilitação, não impondo qualquer obrigação, dever ou ónus processuais.
B.1.2. Sendo certo que qualquer das partes pode abster-se de requerer a habilitação e razoavelmente contar com a possibilidade de ser a outra a requerê-la, sem que pareça dever considerar-se que aquela abstenção integra a falta negligente de impulso processual
B.1.3. Sem que, ainda assim, tenha de temer-se a eternização do processo, porquanto, notificadas as partes para impulsionar o processo, passar a impender sobre ambas e cada uma um especial ónus de requerer a habilitação, momento a partir do qual a sua inércia processual pode já ser censurada como negligente.
B.1.4. Assim, notificadas as partes, em 04/04/2016, do despacho de suspensão da instância nos termos do art. 270.º do CPC e notificadas apenas 12/12/2016 para impulsionarem os autos, não deve ser qualificada como negligente a falta de impulso processual compreendida entre aquelas duas datas, para os efeitos do disposto no art. 281.º do CPC.
B.1.5. Ao entender em sentido diverso, errou o despacho recorrido na interpretação e aplicação da disposição das normas conjugadas dos arts. 270.º, 281.º e 351.º do CPC, que assim foram violadas.
Ainda sem prescindir e subsidiariamente,
B.2.1. O regime legal vigente do art. 281.º do CPC, determina que a deserção é julgada por despacho, afastando-se do regime legal do pretérito CPC, que determinava, no respectivo art. 291.º que a deserção operava independentemente de qualquer decisão judicial.
B.2.2. Não ocorrendo deserção eficaz enquanto não for judicialmente declarada, deve considerar-se eficaz e impeditivo da deserção acto processual que impulsiona o processo posterior ao decurso de seis meses de inércia mas anterior ao decretamento da deserção.
B.2.3. Assim, por ter sido devidamente requerida, pelos autores, a habilitação de herdeiros, em momento anterior ao despacho recorrido, que a decretou, não é eficaz e operante a deserção, para os efeitos do disposto no art. 281.º do CPC.
B.2.4. Ao entender em sentido diverso, errou o despacho recorrido na interpretação e aplicação da disposição da norma do art. 281.º do CPC, que assim foi violada.
Por fim, novamente sem prescindir e subsidiariamente,
C.1. Não pode fundar-se o entendimento de que a deserção opera sobre o recurso na asserção de que a instância no Tribunal recorrido se encerrou com a realização do julgamento e a prolação da sentença, invocando-se os arts. 277.º - a) e 607.º do CPC, uma vez que, após proferida a sentença, não está, ainda, extinta a instância enquanto a mesma não transitar em julgado.
C.2. Nos termos do disposto no art. 270.º/1 do CPC, suspende-se a instância quando for junto ao processo que prove o falecimento de qualquer das partes, ou imediatamente, ou, na hipótese de já se ter iniciado a audiência de discussão oral ou de o processo se já se encontrar inscrito em tabela, seguidamente à sentença ou ao acórdão, acrescentando o art. 270.º/3 do CPC que são nulos os actos praticados no processo posteriormente à data em que ocorreu o falecimento.
C.3. Nos termos do disposto no art. 270.º/1, 2ª parte, do CPC, se o falecimento do réu Manuel tivesse sido comunicado e documentado nos autos atempadamente, a suspensão da instância ocorreria na imediata sequência da sentença, o que não aconteceu, porque a ré sobreviva Maria, mulher do falecido réu Manuel, só comunicou e documentou o falecimento nos autos, em 08/06/2016, depois de lhes ter sido notificada a interposição do recurso pelos autores, aqui recorrentes.
C.4. No entanto, atenta a teleologia acima enunciada do regime legal e a disposição do art. 270.º/3 do CPC, nem por isso pode chegar-se a consequências processuais práticas distintas das que se imporiam, naquela hipótese de o falecimento ter sido atempadamente comunicado e documentado nos autos, em obediência ao art. 270.º/2 do CPC.
C.5. A suspensão da instância ocorreu sem que se tivesse dado, na instância, que não no recurso, a notificação válida e eficaz do falecido réu Manuel e a habilitação de herdeiros, que era o impulso processual que se impunha, após o despacho de suspensão da instância nos termos do art. 270.º do CPC, destinava-se, antes de tudo mais, a regularizar aquela situação processual.
C.6. Assim, a suspensão da instância operou logo na instância, ainda pendente, antes que no recurso e, consequentemente, a entender-se ter operado a deserção, só pode entender-se ter operado na instância e não no recurso.
C.7. Tendo ocorrido em 29/03/2016 o falecimento do co-réu Manuel, antes da sentença de 11/04/2016, a deserção só poderia operar sobre a instância e não sobre o recurso, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos arts. 270.º/1 e /3 e 281.º/1.
C.8. Ao entender em sentido diverso, errou o despacho recorrido na interpretação e aplicação da disposição das normas conjugadas dos arts. 270.º/1 e /3 e 281.º/1 do CPC, que assim foram violadas.”
Termina pedindo seja anulado o despacho recorrido ou revogado e proferida decisão conforme as conclusões formuladas.
A Ré apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação do decidido.
No despacho que admitiu o recurso, o Sr. Juiz que proferiu o despacho recorrido considerou inexistir qualquer nulidade a suprir.
*
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Como é sabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do NCPC).
No caso vertente, as questões a decidir que relevam das conclusões recursórias são as seguintes:

- Saber se, em decorrência dos deveres de gestão e cooperação processual consagrados nos arts. 6.º e 7.º do CPC, o juiz deve proferir despacho interpelando as partes para impulsionarem os autos e advertindo-as para a eventualidade de a continuação da sua inércia integrar a deserção;
- Saber se só depois de notificadas as partes para impulsionar o processo passa a impender sobre ambas e cada uma delas um especial ónus de requerer a habilitação, momento a partir do qual a sua inércia processual pode já ser censurada como negligente;
- Saber se se deve considerar eficaz e impeditivo da deserção ato processual que impulsiona o processo posterior ao decurso de seis meses de inércia mas anterior ao decretamento da deserção;
- Saber se tendo ocorrido o falecimento da parte antes da sentença, a deserção só poder operar sobre a instância e não sobre o recurso.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO
Factos a considerar

Na 1ª instância foi considerada a seguinte factualidade:
“Nos presentes autos foi proferida sentença em 11-4-2016.
Em 31-5-2016, os AA. M. P. e C. V. interpuseram recurso relativo àquela sentença, apresentando a respectiva alegação.
Em 8-6-2016, A R. Maria veio informar que o co-réu Manuel, seu marido, faleceu em 29-3-2016.
Por despacho 28-6-2016 foi julgada suspensa a instância até à notificação da decisão que viesse a considerar habilitado o sucessor daquele réu falecido, nos termos dos arts. 269º, nº 1, al. a), 270º e 276º, nº 1, al. a), do CPC.
A notificação às partes deste despacho foi elaborada em 29-6-2016.
Em 12-12-2016, as partes foram notificadas para requererem o que tivessem por conveniente.
Em 6-1-2017, os RR. pediram que a instância fosse considerada deserta, nos termos do art. 281º do CPC, por falta de impulso processual.
Em 10-1-2017, os AA. pugnaram pela não verificação da deserção da instância. Na mesma data, os AA. deduziram incidente de habilitação de herdeiros por morte do aludido Manuel.”

O direito

Sustenta a apelante que a sentença recorrida enferma da nulidade prevista na alínea d), primeira parte, do n.º 1 do artigo 615º do Novo Código de Processo Civil (1), decorrente do excesso de pronúncia.
De acordo com este normativo é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia conhecer.
Segundo a apelante, no caso dos autos a referida nulidade radicaria na circunstância de o julgador ter omitido despacho - prévio à decisão recorrida que julgou deserto o recurso - interpelando as partes para o impulso do processo e advertindo-as para a possibilidade de deserção da instância.
Vejamos.
Como se sabe, o excesso de pronúncia verifica-se quando o Tribunal conhece, isto é, aprecia e toma posição (emite pronúncia) sobre questões de que não deveria conhecer, designadamente porque não foram levantadas pelas partes e não eram de conhecimento oficioso: o excesso de pronúncia consiste numa apreciação ou decisão sobre questão que ultrapassa o quanto é submetido pelas partes ou imposto por lei à consideração do julgador.
Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, nomeadamente pela do autor citado pelos Recorrentes nas respetivas alegações, não é, nitidamente esse, o caso em apreço, tanto mais que foram os Réus/Recorridos que suscitaram a questão da deserção por falta de impulso processual, estando, por isso, o Tribunal obrigado a dela conhecer.
Sem prejuízo do que se acabou de dizer, poderá dizer-se que ocorreu violação do disposto nos artigos 6º, 7º e 281º do Código de Processo Civil, que imponha alteração do julgado (ou a nulidade por excesso de pronúncia para quem assim o perspetive)?
Nos termos do art. 281º do referido diploma aprovado em anexo à Lei nº 41/2013, de 26 de Junho:

1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
2 - O recurso considera-se deserto quando, por negligência do recorrente, esteja a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
3 - Tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso consideram-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
4 - A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.”
No CPC de 1961 a inércia das partes em promover os termos do processo, se negligente, dava lugar, passado mais de um ano, à interrupção da instância, originando esta, caso se mantivesse por dois anos, a deserção da instância (cfr. art.´s 285º e 291º).
Para além de encurtado o prazo em que a instância, sem o necessário impulso processual das partes, se extingue por deserção, esta passou a depender de despacho judicial que, após constatar a inércia negligente da parte em promover os ulteriores termos do processo, a julgue verificada.
A respeito da influência das alterações do Novo Código Processo Civil na deserção, escreve Paulo Ramos de Faria, in “O Julgamento da Deserção da Instância Declarativa, Breve Roteiro Jurisprudencial”, in JULGAR on line, acessível em http://julgar.pt, também citado pelos Recorrentes:
“Sendo correto dizer-se que o novo Código veio responsabilizar mais o demandante pela sua inércia, não menos seguro é reconhecer-se que veio também, em maior grau, agravar os deveres do juiz na condução do processo.
Decorre com meridiana clareza da norma contida no n.º 1 do art. 6.º que o juiz deve gerir o processo – desde logo, promovendo o seu andamento célere – em colaboração com as partes (art. 7.º).
Não se concebe que a demanda possa estar parada durante largos meses, aguardando o impulso das partes, sem que esta circunstância processual seja claramente declarada nos autos. Quando o juiz gere o processo fazendo-o aguardar um ato da parte, por entender que se está perante um caso em que o impulso apenas a esta cabe, tem a obrigação de o proclamar nos autos, ficando os contendores notificados plenamente conscientes de que a demanda aguarda o seu impulso pelo prazo de deserção.”
Assim, conclui o referido autor: “Mesmo nos casos que aparentam ser mais evidentes, não representa qualquer esforço relevante para o juiz esclarecer os restantes sujeitos processuais sobre o estado dos autos, despachando no sentido de os informar que: a) o processo aguarda o impulso do demandante; b) a inércia deste determinará a extinção da instância (em data que indicar, ou decorridos seis meses sobre a data que indicar); c) não haverá novo convite à prática do ato, sendo declarada deserta a instância, logo que decorrer o prazo apontado (art. 281.º, n.º 1); d) qualquer circunstância que impeça o autor de praticar o ato deverá ser imediatamente comunicada ao tribunal. A advertência deve surgir logo que o juiz constate que os autos carecem do impulso da parte.
Esta notificação deve ser dirigida a todas as partes, pois, ainda que não tenham o ónus de impulsionar os autos, podem elas ter o direito de o fazer. Tome-se o caso do processo especial de divisão de coisa comum, no qual será de admitir que o demandado promova os termos do processo – juntando uma certidão em falta, por exemplo –, evitando a deserção da instância.”
É também certo que em sintonia com esta posição, se entendeu, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-02-2015 (2254/10.5TBABF.L1-2), que deverá o julgador “por força do princípio da cooperação, reforçado no novo CPC, alertar as partes para as consequências gravosas que possam advir da sua inércia em impulsionar o processo, decorrido que seja o prazo fixado na lei, agora substancialmente mais curto”.
E também no Acórdão da Relação de Lisboa de 20.12.2016 se considerou:
“Atenta a gravidade dos efeitos da deserção da instância e visando o atual processo civil dar prevalência, tanto quanto possível, a decisões finais de mérito sobre decisões meramente processuais (cf. Artigo 278º, nº3, do Código de Processo Civil), deve o juiz atuar de forma preventiva de molde a que o processo não sucumba por deserção, sem prejuízo do princípio da autorresponsabilidade das partes. Com efeito, nos termos do dever de gestão processual consagrado no Artigo 6º, nº1, do Código de Processo Civil, «Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere (…)». De acordo com o princípio da cooperação, deve também o juiz cooperar com as partes, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio – Artigo 7º, nº1, do Código de Processo Civil.”
Citando Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, Lex, 2000, pp. 56-57, ali se refere que, “do ponto de vista do tribunal, o princípio da cooperação impõe deveres de esclarecimento, de prevenção, de consulta das partes e de auxílio das partes”, explanando que o dever de prevenção “é um dever do tribunal perante as partes com uma finalidade assistencial, pelo que não implica qualquer dever recíproco das partes perante o tribunal.” - Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 66. Tal dever “(…) vale genericamente para todas as situações em que o êxito da ação a favor de qualquer das partes possa ser frustrado pelo uso inadequado do processo. São quatro as áreas fundamentais em que a chamada de atenção decorrente do dever de prevenção de justifica: a explicitação de pedidos pouco claros, o caráter lacunar da exposição dos factos relevantes, a necessidade de adequar o pedido formulado à situação concreta e a sugestão de uma certa atuação.» (sublinhado nosso). Face à consagração ampla do dever de gestão processual, entendemos que – atualmente – o dever de prevenção radica, em primeira linha, no dever de gestão processual («providenciar pelo seu andamento célere») e só em segunda linha no dever de cooperação.”
Isto para concluir que “revertendo a aplicação destes princípios e do dever de prevenção à situação de negligência das partes em impulsionar o processo, cremos que o juiz deve sinalizar – de forma clara – à parte que a respetiva inércia no que tange a um concreto impulso processual poderá desembocar na extinção da instância por deserção. Assim, por exemplo, caso ocorra o óbito de um dos Réus, como foi o caso, deve o juiz sinalizar em despacho que os autos aguardam que seja suscitado o necessário incidente de habilitação “sem prejuízo do disposto no Artigo 281º, nº1, do Código de Processo Civil”.
É a estes princípios que os Recorrentes fazem apelo no sentido de defenderem que, no caso em apreço, foi violado o dever de notificação, de tais deveres alegadamente decorrente.
Pensamos que o fazem sem razão.
Na verdade, a aplicação destes princípios tem que ser feita caso a caso, sob pena de se cair em situações desrazoáveis de total desresponsabilização das partes pelo andamento do processo: o dever de prevenção só demanda concretização se for expetável que as partes possam, de algum modo, confiar em que a falta de impulso processual por elas promovido não conduzirá à deserção, não sendo caso disso se, como sucede na suspensão da instância por morte de algum dos intervenientes, da própria lei resulta que o impulso processual cabe exclusivamente às partes e desde que estas sejam notificadas dessa mesma suspensão e da respetiva causa.
Cremos, aliás, aproximar-se deste o pensamento de Paulo Ramos de Faria ao referir que esse dever incide sobre o juiz quando “entender que se está perante um caso em que o impulso apenas a esta cabe”; “a contrario”, deduzimos nós, se o ónus do impulso processual recair sobre as partes por decorrência legal, nenhuma obrigação de o “proclamar nos autos” existirá da parte do julgador.
Seja como for, mesmo que se entendesse ser de atuar, no caso dos autos, o referido dever de prevenção, a consequência a extrair da respetiva violação por omissão não seria a propugnada pelos Recorrentes.
Com efeito, como decorre ainda da leitura do citado artigo de Paulo Ramos de Faria, para este autor “o mais que se poderá dizer é que, quando estes princípios e deveres não tenham sido satisfeitos (antes de se ter completado o prazo de deserção), não se podendo concluir que o demandante foi esclarecido pelo tribunal, deve ser oferecido o contraditório prévio à decisão”, sendo certo que, no caso em apreço, embora sem despacho prévio nesse sentido, antes de ser proferida a decisão em causa a secretaria havia notificado as partes para “requererem o que tivessem por conveniente”, tendo as mesmas aproveitado a oportunidade para, do lado dos Réus, requererem a deserção da instância e, do lado dos Autores, em resposta a tal requerimento, pugnarem pela não verificação da dita deserção, não podendo, pois, considerar-se ter sido proferida uma “decisão-surpresa”, tendo, muito pelo contrário, as partes aproveitado a oportunidade para exercício pleno do contraditório relativamente à questão sobre a qual incidiu o despacho que veio a ser proferido.
Veja-se ainda a este propósito, da ausência de contraditório prévio, o que lê no acórdão do STJ de 20.09.2016, de que a decisão recorrida também cita um outro extrato, “apontando de novo para Lebre de Freitas (ob. cit., pp 124 e 125) e para ... Júlio Cunha (ob. cit., pp. 52, 53 e 54), podemos dizer que o princípio do contraditório refere-se ao direito de influenciar a decisão no que tange aos factos, provas e questões de direito que se encontrem em ligação com o objeto dialético controvertido entre as partes. Mais propriamente, e como nos diz concisamente ... Júlio Cunha (p. 52), o princípio “tem em vista garantir que a cada uma das partes seja dada a possibilidade de contestar e controlar a atividade da outra; bem que o tribunal só decida depois de a ambas as partes ser facultada a real possibilidade de se pronunciarem sobre a questão a decidir”. Particularizando, podemos dizer que no plano da alegação dos factos e da produção das provas, o princípio traduz-se na faculdade conferida a cada uma das partes de se pronunciar sobre os factos alegados pela contraparte e de impugnar a admissibilidade e força probatória das provas e de intervir na sua produção; no plano do direito (subsunção dos factos às soluções previstas na lei), o princípio consubstancia-se na exigência de que às partes seja facultada a discussão dos aspetos jurídicos em que a decisão se venha a fundamentar, visando-se assim afastar a denominada decisão-surpresa, ou seja a decisão que se funda numa perspetiva não suscitada ou antevista pelas partes. Afirma ainda ... Júlio Cunha (p. 54), a propósito deste último item, que “Não tendo nenhuma das partes suscitado uma determinada questão de direito material (que o tribunal possa conhecer oficiosamente) em que o julgador pretenda basear a sua decisão, este deverá, previamente, convidar ambas as partes a, querendo, manifestar a sua posição sobre a mesma (art. 3º, nº 3). Pretende-se que tanto quanto possível as decisões sejam previsíveis”.
Constituindo o que vem de dizer-se o exato sentido do princípio do contraditório exarado na lei, logo se vê que a decisão ora em causa (declaração da deserção da instância por ausência de impulso processual) não atenta contra a sua (do princípio) razão de ser. Pois que tratando-se na declaração de deserção simplesmente de fazer atuar um efeito processual que, associado a certo comportamento omissivo da parte, está diretamente estabelecido na lei e que em nada se resolve numa questão de facto, numa questão de prova nem numa questão de direito material suscitada pela contraparte, nem tão-pouco numa decisão-surpresa, nada há a contraditar. Isto só não seria assim se acaso a lei determinasse que nenhum despacho relativo aos termos do processo poderia ser proferido sem uma prévia audição das partes. Mas não determina, estando ela própria recheada de hipóteses em que ao silêncio ou inação das partes se segue imediatamente (isto é, sem prévia audição das partes) a declaração judicial do efeito processual cominatório que lhe está associado”.
E, mais à frente, sublinha: “Ao invés, à parte onerada com o impulso processual é que incumbe (aliás à semelhança do que sucede no caso paralelo do justo impedimento, art. 140º do CPCivil), e ainda como manifestação do princípio da sua autorresponsabilidade processual, vir atempadamente ao processo (isto é, antes de se esgotar o prazo da deserção) informar e mostrar as razões de facto que justificam a ausência do seu impulso processual, contrariando assim a situação de negligência aparente espelhada no processo. E é em função desta atividade da parte que o tribunal poderá formular um juízo de não negligência. O que a lei pretende é que a parte ativa no processo não seja penalizada em termos de extinção da instância quando a razão do não andamento da causa lhe não seja imputável. E, repete-se, o nº 3 do art. 3º do CPCivil não importa ao caso, visto que não se trata aqui do direito de influenciar a decisão (em termos de factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto dialético da causa, nem tão-pouco é configurável uma decisão-surpresa, antes trata-se simplesmente de fazer atuar uma consequência processual diretamente associada na lei à omissão negligente da parte tal como retratada objetivamente no processo.»
No mesmo sentido, pode ler-se no Acórdão do STJ de 14.12.2016 (Relator Salazar Casanova):
“33. O princípio do contraditório tem em vista questões de facto ou de direito que sejam suscitadas no processo, impondo-se ao Tribunal decidi-las, não tem em vista, o que é completamente diferente, impor ao Tribunal, no âmbito de um incidente inominado que não está previsto na lei, convidar os interessados que, no aludido período de seis meses optaram por não juntar aos autos nenhum documento nem suscitar qualquer questão, explicar o seu comportamento ou apresentar os documentos ou suscitar as questões que podiam ter suscitado e não suscitaram.
34. Cumpre in casu às partes ou aos interessados decidir no seu critério se efetivamente pretendem ou não sujeitar certas questões ao Tribunal, situando-nos, como se salientou no acórdão recorrido, no âmbito do princípio da autoresponsabilização das partes. (…) 37. No entanto, a partir desse momento, e não tendo sido levado ao conhecimento do Tribunal nenhum elemento que pudesse ao Tribunal considerar que não ocorria negligência por não ter sido ainda instaurado incidente de habilitação, é evidente que o decurso do prazo somado à ausência de quaisquer elementos que permitam excluir, nesse período, um juízo de negligência, importa que seja declarada deserta a instância.
(…) 39. Se a habilitação fosse oficiosa ou se a lei impusesse ao Tribunal averiguar a identidade dos sucessores e deles saber as razões pelas quais, no aludido prazo, não tinham ainda pedido a habilitação, seguramente a instância não seria julgada deserta, mas é manifesto que uma tal oficiosidade podia determinar a pendência de um processo por largos anos (v.g. desconhecimento da identidade dos herdeiros ou do seu paradeiro) com as inerentes desvantagens para a contraparte e para a administração da Justiça.”
E esta orientação do Supremo Tribunal de Justiça fez já inverter posições anteriormente assumidas nos Tribunais da Relação, como, nomeadamente, se pode ver pelo Acórdão da Relação de Lisboa de 06.06.2017, onde a respetiva Relatora refere expressamente que “a argumentação exposta nestes recentes arestos do STJ, tanto pela sua fundamentação teórica, como pela sua razoabilidade prática justifica que, revendo a posição que antes sustentámos, a ela adiramos”.
Por outro lado, ainda que, não obstante o que se referiu, fosse defensável a necessidade de advertir as partes para as consequências da falta do respetivo impulso processual ou, na ausência de uma tal advertência antes do decurso do prazo de deserção, notificá-las para exercício do contraditório antes da tomada de decisão relativa à deserção, certo é que, como já se disse, em causa não estaria a nulidade da decisão mas, dizemo-lo agora, a nulidade emergente da falta de sinalização ou de notificação para exercício do contraditório eventualmente exigida pelos referidos princípios.
Isso mesmo se enfatizou no supra citado acórdão da Relação de Lisboa de 20.12.2016 nos seguintes termos:
“A omissão do dever de gestão por parte do juiz integra uma nulidade que deve ser arguida nos termos do Artigo 195º, nº1 do Código de Processo Civil, quando estiverem preenchidos os requisitos aí consignados. «Todavia, não sendo reclamada oportunamente a putativa nulidade, não poderá vir a ser interposto recurso da sentença com fundamento na omissão daquele despacho tido por devido. A sentença não sanciona, apenas pelo facto de ter sido proferida, as nulidades pretéritas, não se pronunciando implicitamente sobre elas, nem “ratificando” o processado – o que, a acontecer, permitiria que dela se recorresse com esse fundamento -, sob pena de as nulidades deixarem de dever ser reclamadas nos prazos legais, reservando-se a parte para o recurso (com esse fundamento) do despacho subsequente ou, mesmo, da sentença final, em aberta afronta ao princípio da preclusão e à máxima: dos despachos recorre-se; contra as nulidades reclama-se (tempestivamente).» - Paulo Ramos de Faria, Primeiras Notas do Novo Código de Processo Civil, 2013, I Vol., p. 56.
Com efeito, mantém-se a atualidade e pertinência do brocardo segundo o qual dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se. Conforme explicava Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 2º Vol., p. 507, «a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou formalidade, o meio próprio para reagir, contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente.»
Na explicitação de Luís Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, p. 52, «A reclamação por nulidade e o recurso articulam-se, portanto, de harmonia com o princípio da subsidiariedade: a admissibilidade do recurso está na dependência da dedução prévia da reclamação.
Assim, o que pode ser impugnado por via do recurso é a decisão que conhecer da reclamação por nulidade – e não a nulidade ela mesma. A perda do direito à impugnação por via da reclamação – caducidade, renúncia, etc. – importa, simultaneamente, a extinção do direito à impugnação através do recurso ordinário.
Isto só não será assim no tocante às nulidades cujo prazo de arguição só comece a correr depois da expedição do recurso para o tribunal ad quem e no tocante às nulidades – exceções – que sejam oficiosamente cognoscíveis.»
Também Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, p. 372, afirma que «(…) quando a reclamação for admissível, não o pode ser o recurso ordinário, ou seja, esses meios de impugnação não podem ser concorrentes; - se a reclamação for admissível e a parte não impugnar a decisão através dela, em regra está precludida a possibilidade de recorrer dessa mesma decisão.»
Isto para dizer que, mesmo na hipótese de se entender ter ocorrido violação de algum daqueles princípios, não tendo os ora Recorrentes reclamado da nulidade alegadamente emergente da falta de sinalização no sentido de que a sua inércia quanto à habilitação poderia desembocar na decidida deserção da instância de recurso, nunca se poderia admiti-los a recorrer da dita decisão com tal fundamento, pelo que, como se decidiu no citado aresto, nunca poderia “este tribunal ad quem retirar qualquer consequência prática da omissão do dever de prevenção por parte do tribunal a quo.”
É, portanto, negativa a resposta à primeira das questões suscitadas no âmbito do presente recurso.
E negativa é também, face ao que já se foi dizendo, a resposta à segunda, aqui se recordando que esta correspondia a saber se só depois de notificadas as partes para impulsionar o processo passa a impender sobre ambas e cada uma um especial ónus de requerer a habilitação, momento a partir do qual a sua inércia processual pode já ser censurada como negligente.
Com efeito, sabendo-se que por despacho 28-6-2016 foi julgada suspensa a instância até à notificação da decisão que viesse a considerar habilitado o sucessor daquele réu falecido, nos termos dos arts. 269º, nº 1, al. a), 270º e 276º, nº 1, al. a), do CPC, despacho esse que foi notificado às partes em 29-6-2016, forçoso é concluir que os ora Recorrentes sabiam e estavam informados pelo tribunal desde o início da suspensão que teria de ser instaurado incidente de habilitação, correndo, pois, desde então o prazo para a deserção, sendo, como se sublinha no acórdão da Relação de Évora de 10.03.2016, ao interessado no prosseguimento do processo que cabe deduzir o incidente de habilitação.
“E (como ali se diz), das duas uma: ou deduz esse incidente, porque nele tem interesse, ou não deduz, optando por manter o processo suspenso. A escolha é da parte mas acarta as respetivas consequências. Se a parte não quer impulsionar o processo, se a parte deixa decorrer o prazo da suspensão sem que deduza o incidente obrigatório para o prosseguimento do processo - que se pode chamar a isto senão negligência em impulsionar os autos?”
Como escrevem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, se «a habilitação não tiver lugar, por não ser requerida ou ser julgada improcedente, observa-se o art.º 281-1 (deserção da instância)» (Cód. Proc. Civil Anotado, vol. 1.º, 3.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 681).”
Passando, agora, a responder à terceira questão: saber se se deve considerar eficaz e impeditivo da deserção ato processual que impulsiona o processo posterior ao decurso de seis meses de inércia mas anterior ao decretamento da deserção.
Sobre esta matéria e face a tudo que antes já se disse, cremos ser suficiente invocar o que refere Paulo Ramos de Faria, in obra citada, pág.’s 14 e 15:

“O julgamento da deserção traduz-se no reconhecimento judicial da verificação do seu primeiro requisito – paragem do processo por inércia das partes – por seis meses e um dia. É aqui que ocorre a deserção; é aqui que os seus pressupostos constitutivos se reúnem. O juízo exigido pela norma contida no n.º 4 do art. 281.º é, neste sentido, meramente declarativo.
O facto jurídico processual extintivo da instância não é interpretado (praticado) pelo juiz, ao contrário do que ocorre com o julgamento (art. 277.º, al. a)), resultando tal extinção, sim, diretamente da deserção declarada pelo tribunal – isto é, da deserção julgada verificada, por verificados estarem os seus pressupostos de facto. Confrontando os enunciados das als. a) e c) do art. 277.º, nota-se que a lei não estabelece que a instância se extingue por força do julgamento da deserção, embora ele seja necessário para que esta tenha repercussões processuais. Desta asserção, que, em boa verdade, nos parece apodítica, retira-se que, após a ocorrência da deserção e antes de ser ela judicialmente reconhecida, os atos putativamente processuais espontaneamente praticados pelas partes são potencialmente desprovidos do seu efeito jurídico processual típico.
Tais atos não são idóneos a impedir o julgamento de deserção da instância.
A ideia de que o demandante ainda pode praticar um ato redentor após a deserção, mas antes de ela ser declarada, assim impedindo o seu conhecimento, tem cabimento num sistema que, ao contrário do que ocorre com o nosso, tenha um fundamento subjetivo, apoiando-se na renúncia presumida à lide (vontade de abandono) – presunção esta que é serodiamente ilidida com o referido ato.
A declaração da ocorrência deste facto jurídico involuntário tem, pois, efeitos constitutivos ex tunc sobre o processo, reportando-se à data da ocorrência do facto jurídico extintivo, isto é, da deserção declarada. O conhecimento oficioso da deserção é coerente com esta conclusão, revelando tal oficiosidade que não está na disponibilidade das partes aceitar a sobrevivência da instância (réu) ou, por paridade, praticar atos após a ocorrência da deserção (autor).”
Neste sentido veja-se ainda o Ac. do STJ de 17.06.2004, onde se decidiu que: “Extinta a instância por deserção, os actos eventualmente praticados depois são inexistentes porque não têm nenhum processo (juridicamente falando) a sustentá-los”.
Frise-se ainda que na nota de rodapé nº 38 dá o referido autor notícia de que, tal como referem os Recorrentes, era efetivamente outro o entendimento de ALBERTO DOS REIS, à luz do art. 296.º do Código de Processo Civil de 1939, “defendendo que o ato útil praticado após o decurso do prazo de deserção impede que esta venha a ser declarada pelo tribunal – cfr. JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Comentário, cit. (nota de rodapé 3), p. 439 e segs.. Defendia, ainda, que as partes não podem impulsionar os autos depois de o processo ser concluso ao juiz, após o decurso do prazo de deserção”. Todavia, ali se explica que Alberto dos Reis sustentava a sua posição, “num argumento assente em circunstâncias burocráticas e contingentes, não transponível para o moderno processo civil”, já que defendia o autor do projeto do Código de 1939 que, “depois desse momento [as partes] perderam a oportunidade de dar impulso ao processo, visto o juiz não ser obrigado a abrir mão dos autos para colocar as partes em condições de promover o seguimento da instância” – ibidem, p. 444.
Isto para concluir que a requerida habilitação de herdeiros após o decurso do prazo de deserção não é idónea a impedir o julgamento de deserção formulado nos autos.
Por último, impõe-se ainda responder à questão de saber se tendo ocorrido o falecimento da parte antes da sentença, a deserção só poder operar sobre a instância e não sobre o recurso.
Como ensinava Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, III, “a instância de recurso funciona, para efeitos de deserção, como uma instância nova e distinta” (pág. 461) e “a deserção ou perempção do recurso não afecta a subsistência da fase anterior do processo” (pág. 460); “
E exemplifica o referido princípio: “pende uma ação na primeira instância; proferiu-se despacho ou sentença interlocutória; interpôs-se recurso de agravo para a Relação. Se o recurso foi julgado deserto, é claro que o recurso ou sentença de que se recorrera transita em julgado.” (pág. 460).
Estes ensinamentos mantêm-se inteiramente válidos, pelo que não assiste razão aos Recorrentes quando começam por referir que, para o efeito em causa, a instância não se extingue enquanto não transitar em julgado.
Mas a questão colocada pelos Recorrentes prende-se sobretudo com saber se, no caso dos autos, se pode considerar que, aquando da prolação do despacho recorrido, já os autos se encontravam na instância recursória ou se, pelo contrário, não obstante ter sido, pelos Autores, ora Recorrentes, interposto recurso da sentença proferida, deve o mesmo ser desconsiderado por, apesar de só ter sido comunicado e documentado nos autos em 08/06/2016, depois de aos restantes co-Réus ter sido notificada a interposição do recurso pelos Autores, o falecimento que originou a suspensão da instância ter ocorrido antes da prolação da própria sentença.
Vejamos.
Dispõe o art. 270º - e dispunha do mesmo modo o anterior art. 277º - do Cód. Processo Civil que:
“1 - Junto ao processo documento que prove o falecimento ou a extinção de qualquer das partes, suspende-se imediatamente a instância, salvo se já tiver começado a audiência de discussão oral ou se o processo já estiver inscrito em tabela para julgamento. Neste caso a instância só se suspende depois de proferida a sentença ou o acórdão.
2 - A parte deve tornar conhecido no processo o facto da morte ou da extinção do seu comparte ou da parte contrária, providenciando pela junção do documento comprovativo.
3 - São nulos os actos praticados no processo posteriormente à data em que ocorreu o falecimento ou extinção que, nos termos do n.º 1, devia determinar a suspensão da instância, em relação aos quais fosse admissível o exercício do contraditório pela parte que faleceu ou se extinguiu.
4 - A nulidade prevista no número anterior fica, porém, suprida se os actos praticados vierem a ser ratificados pelos sucessores da parte falecida ou extinta”.
Pode ler-se no acórdão desta Relação de 28.01.2016 que “com as alterações introduzidas no artº 277º, do CPC pretérito, logo com a reforma de 1995/1996, como que veio o legislador a comungar o entendimento já perfilhado anteriormente [ e tendo por objecto a redacção anterior do artº 277º, nº 2, do CPC, o qual rezava que “A parte deve tornar conhecido no processo o facto da morte ou da extinção do seu comparte ou da parte contrária logo que tenha notícia dele e lhe seja possível obter o documento comprovativo; se assim o não fizer, ficam sem efeito os actos praticados posteriormente à data em que a ocorrência devia estar certificada “ ] por João de Castro Mendes, no sentido de que, o despacho de suspensão da instância opera retroactivamente ao momento da morte da parte”, o que pode envolver a inutilização dos actos praticados após a morte da parte, sendo ainda certo que, no âmbito do preâmbulo do DL 329-A/95, de 12/12, o legislador precisa que “No que se reporta à suspensão da instância por falecimento da parte, prescreve-se a nulidade de todos os actos processuais praticados após a data em que ocorreu o falecimento ou extinção da parte, em relação aos quais fosse admissível o exercício do contraditório, inviabilizado pela circunstância de ter deixado de existir uma das partes na causa.”
Todavia, não se pode olvidar que, como o citado acórdão também refere, “em rigor, dir-se-á que, a nulidade cominada no referido n.º 3, é estabelecida a favor dos representantes do falecido que não estão no processo como partes, pois só estes podem ser prejudicados por actos processuais praticados em tempo que lhes não permitia qualquer interferência nesses actos – em tempo ou ocasião em que, portanto, não podiam defender os direitos em litígio que lhes tivessem sido transmitidos pela parte falecida.”
Isso mesmo se consignou no acórdão do STJ de 28.05.2009:
“É patente que não se trata de uma nulidade determinada pelo interesse público, como claramente se infere não só da limitação acabada de enunciar (a nulidade não atinge todos os actos processuais) mas ainda do facto de os sucessores da parte falecida posteriormente habilitados poderem ratificar os actos viciados, suprindo a nulidade (n.º 4 do mesmo preceito).
Temos, pois, por irrecusável que a nulidade cominada naquele n.º 3 é apenas estabelecida a favor dos representantes do falecido que não estão no processo como partes, pois só estes podem ser prejudicados por actos processuais praticados em tempo que lhes não permitia qualquer interferência nesses actos – em tempo ou ocasião em que, portanto, não podiam defender os direitos em litígio que lhes tivessem sido transmitidos pela parte falecida.
Ora, não tendo, no caso, os habilitados sucessores da falecida BB arguido a nulidade de qualquer acto praticado no processo entre a data da morte desta e a data em que foi decretada a suspensão da instância, e sendo a nulidade estabelecida a favor deles – e só a favor deles – não deverá conhecer-se da eventual existência da mesma, já que à ora recorrente não é lícito argui-la, por não se mostrar que, no mencionado período temporal, decorrente entre o falecimento da contraparte e a suspensão da instância, fosse, ela própria, interessada na observância de qualquer formalidade que não houvesse sido praticada ou na repetição ou eliminação de acto que tivesse sido levado a cabo (art. 203º/1).”
Do exposto e da circunstância de nenhuma nulidade ter sido invocada por aqueles a favor de quem a lei a estabeleceu (sendo óbvio que, julgado deserto o recurso, da parte dos mesmos nenhum interesse existe em a arguir) resulta que o recurso interposto operou válida e eficazmente o início de uma nova instância - a recursiva - sendo essa a instância que foi declarada suspensa e ulteriormente deserta.
Improcede, pois, a apelação.

Sumário:

I - Só caso a caso se pode saber se, em decorrência dos deveres de gestão e cooperação processual consagrados nos arts. 6.º e 7.º do CPC, o juiz deve proferir despacho interpelando as partes para impulsionarem os autos e advertindo-as para a eventualidade de a continuação da sua inércia integrar a deserção;
II - Quando tal dever seja de afirmar e o mesmo não tenha sido cumprido antes de decorrido o prazo da deserção, deve o juiz notificar as partes para exercício do contraditório antes de se pronunciar sobre a verificação daquela;
III - A violação do aludido dever integra uma nulidade que deve ser arguida nos termos do artigo 195º, nº1 do Código de Processo Civil, não podendo ser interposto recurso da sentença com fundamento na omissão daquele despacho tido por devido;
IV - No caso da suspensão da instância por falecimento da parte, notificadas as partes dessa mesma suspensão, é ao interessado no prosseguimento do processo que cabe deduzir o incidente de habilitação, sendo a valoração da negligência da parte em promovê-lo independente de qualquer notificação das partes para impulsionar o processo;
V - Não é eficaz e impeditivo da deserção ato processual que vise impulsionar o processo após o decurso de seis meses de inércia mas anterior ao decretamento da deserção;
VI - Ainda que o falecimento da parte tenha ocorrido antes da sentença, interposto recurso pela contraparte e posteriormente comprovado nos autos o dito falecimento, a deserção opera sobre o recurso e não sobre a instância.

*
IV. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos Recorrentes.

Guimarães, 12 de Outubro de 2017

Relator
1º Adjunto
2º Adjunto

1 - Diploma a que pertencerão os restantes preceitos citados sem indicação de origem.