Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5220/21.1T8VNF-A.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
CONVENÇÃO DE HAIA
RESIDÊNCIA HABITUAL DO MENOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Não ocorre a invocada nulidade da sentença, por falta de fundamentação, se a sua leitura permite a imediata e exigível compreensão e apreensão dos factos que considerou provados e relevantes para a aferição da exceção de incompetência absoluta do Tribunal, por infração das regras de competência internacional, sendo inteiramente percetíveis os elementos em que se baseou.
II - A lei de processo fixa os fatores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais, a qual se fixa no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei.
III - Em face do disposto no artigo 59.º do CPC, importa aferir se a situação em análise está abrangida por qualquer regulamento europeu ou outro instrumento internacional que vincule o Estado Português, caso em que as respetivas disposições prevalecerão no âmbito dos critérios determinativos da competência internacional.
IV - A Convenção Relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Proteção das Crianças, adotada em Haia em 19 de outubro de 1996 (CH96), foi subscrita por ambos os Estados (Portugal e o Reino Unido), sendo, por isso, aplicável ao procedimento tutelar em apreciação, por força dos seus artigos 5.º e seguintes, posto que, à data em que foi instaurado, a criança efetivamente tinha a sua residência habitual num outro Estado (Reino Unido), que também é parte na Convenção, onde reside com a sua progenitora, competindo então ao órgão jurisdicional desse Estado a competência para tomar as medidas necessárias à proteção da pessoa ou bens da criança, como sucede nos presentes autos.
V - O conceito de residência habitual da criança, como critério determinativo da competência internacional, nos termos do artigo 5.º, n.º 1 da CH96, deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponda ao local onde se encontra organizada a sua vida familiar, social e escolar em termos de estabilidade e permanência.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

Em 07-07-2023, AA intentou, no Juízo de Família e Menores ..., providência tutelar cível relativamente à criança BB, nascido a ../../2021, pedindo a condenação da requerida CC: A) a assegurar o convívio do requerente com o menor de acordo com as responsabilidades parentais acordadas; B) seja a requerida condenada pelo incumprimento do regime de convívio em multa, nos termos do n.º 1, da Lei 141/2015, de 8 de setembro; C) seja a requerida condenada numa sanção pecuniária compulsória, até ao cumprimento do acordo celebrado quanto ao regime de contactos e convívio do menor com o requerente, nos termos do art.º 829.º - A do Código Civil.
Para tal alegou, em síntese: requerente e requerida são pais do BB; no dia 29 de junho de 2022 foi homologado por sentença, transitada em julgado, o acordo relativo à regulação das responsabilidades parentais do BB, nos termos do regime que transcreve; a requerida não cumpriu o acordado, quanto convívio do requerente com o menor, durante 30 dias nas férias de verão do ano de 2022; não cumpriu o acordo quanto às férias de Natal de 2022, já que o requerente apenas esteve com o menor durante 11 dias, e não os 15 acordados, porque a requerida não permitiu; não cumpriu o acordo quanto às férias da Páscoa do corrente ano, apesar de ter prometido ao requente que nessa data viria a Portugal, para o requerente estar com o menor; e não cumpre o acordo quanto aos contactos do requerente com o menor, pois não permite o contacto com o menor por videochamada, sendo que o requerente respeita os horários de descanso do menor, contudo aproveitando-se disso, sempre que o requerente liga ou a requerida diz que não pode porque não está em casa, ou porque menor está a dormir, embora em horários diurnos; a requerida apenas permite que o requerente contacte com o menor à terça-feira; e já afirmou, que não trará o menor a Portugal nestas férias de Verão, nem posteriormente; a requerida afirmou como razão para não vir a Portugal a obrigação de se apresentar nas autoridades para prestar declarações.

No requerimento de início de processo, o requerente indicou como sua morada, a seguinte: Rua ..., ..., ... ....
No requerimento de início de processo, o requerente indicou a requerida como residente em ... 6, ..., ..., ..., ..., Inglaterra.
Em 20-09-2023, o Ministério Público invocou a incompetência internacional dos tribunais portugueses para tramitar e conhecer o presente processo, promovendo fosse declarada a incompetência absoluta do tribunal, por aplicação da Convenção de Haia relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de responsabilidade parental e medidas de proteção de crianças (1996), de que o Reino Unido é signatário, porquanto a residência habitual da criança é no Reino Unido.
Em 27-09-2023, pelo Tribunal recorrido foi proferida decisão, na qual se declarou internacionalmente incompetente para apreciar o pedido formulado e, em consequência, absolveu a requerida da instância, visto resultar do teor destes autos, bem como do processo apenso, que a criança reside no Reino Unido desde os 4 meses de idade, com a sua mãe (a aqui requerida), sendo a residência habitual do BB no Reino Unido e não em Portugal, pelo que o incidente suscitado deverá ser tramitado num Tribunal do Reino Unido, de acordo com o disposto no artigo 5.º da Convenção de Haia, celebrada em 19 de outubro de 1996, relativa à competência, à lei aplicável ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de responsabilidade parental e de medidas de proteção da criança.
É o seguinte o teor da decisão recorrida:
«Nos termos do artº 36º, nº 1, do CPC, fixo à acção o valor de €30.000,01.
*
AA, residente em ..., ..., veio intentar incidente de Incumprimento da Regulação das Responsabilidades Parentais contra CC, residente em ... 6, ..., ..., ..., ..., em favor da criança BB, residente com a sua mãe.

O Digno Curador das Crianças emitiu o seguinte parecer:
“ - ser de declarar a incompetência absoluta deste tribunal, porquanto a residência habitual da criança é no Reino Unido;
- não sendo o Reino Unido já Estado-membro da União Europeia, não se aplica o Regulamento N.º 2201/2003, do Conselho de 27 de Novembro de 2003 (Bruxelas II bis) relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, mas sim a Convenção de Haia relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de responsabilidade parental e medidas de proteção de crianças (1996), de que o Reino Unido já era anteriormente signatário.
A Convenção de Haia de 1996 regula a competência, a lei aplicável, o reconhecimento, a execução e a cooperação no âmbito das responsabilidades parentais e medidas protetoras das crianças definindo:
- O país competente para tomar medidas de proteção da criança ou da sua propriedade;
- A lei aplicável no exercício desta competência;
- A lei aplicável à responsabilidade parental;
- Os mecanismos com vista ao reconhecimento e a execução das medidas de proteção em todos os países signatários;
- A cooperação entre os países signatários.
Em matéria de competência internacional, o país competente para tomar medidas de proteção é, em geral, o país da residência habitual da criança (artigo 5.º Convenção de Haia).”
Cumpre apreciar.
Do teor destes autos, bem como do processo apenso, resulta que a requerida reside com o BB, no Reino Unido, desde ../../2021.
O BB nasceu a ../../2021.
A questão jurídica que nos compete apreciar consiste em saber se este Tribunal é internacionalmente competente, ou, pelo contrário, o caso deverá ser tramitado e julgado num tribunal no Reino Unido, onde reside a mãe que tem a guarda da criança.
No âmbito dos processos tutelares cíveis, sobre a competência territorial, preceitua o artº 9º, nº 1, do RGPTC, que “para decretar as providências cautelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado”.
Deste normativo legal ressalta desde logo o seguinte: a regra capital ou básica de determinação do tribunal territorialmente competente para decretar as providências que vêm enumeradas no artº 3º do citado diploma legal - entre elas a regulação do exercício das responsabilidades parentais - vem no nº1 desse preceito: é competente o tribunal da área do local de residência da criança no momento em que o processo foi instaurado. Intervêm aqui dois factores: um de natureza espacial (local da residência da criança); outro de natureza temporal (data da instauração do processo).
O artº 9º da citada lei, preceitua no seu nº 7 o seguinte: Se no momento da instauração do processo, a criança residir no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, é competente para apreciar e decidir a causa o tribunal da residência do requerente ou do requerido.
E o seu nº 9 preceitua que, sem prejuízo das regras de conexão e do previsto em lei especial, são irrelevantes as modificações de facto que ocorram após a instauração do processo.
Estamos em sede de competência absoluta, uma vez que está em causa a competência internacional deste tribunal - artº 96º alª a) do NCPC.
Por força do disposto no artº 8º da Constituição da República Portuguesa, as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial - nº2 - e as normas dos tratados que regem a União Europeia e as emanadas das suas instituições, são directamente aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito comunitário, ainda que com salvaguarda dos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático - nº 4, do mesmo normativo.
No caso em apreço, o Reino-Unido já não é membro da União Europeia, não se aplicando, por isso, o Regulamento (EU) 2019/1111 do Conselho de 25 de Junho de 2019, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de criança.
Assim, neste caso, aplicar-se-á a CONVENÇÃO RELATIVA À COMPETÊNCIA, À LEI APLICÁVEL, AO RECONHECIMENTO, À EXECUÇÃO E À COOPERAÇÃO EM MATÉRIA DE RESPONSABILIDADE PARENTAL E DE MEDIDAS DE PROTECÇÃO DA CRIANÇA (Convenção de Haia, celebrada em 19 de Outubro de 1996).
No seu artº 5º diz-se o seguinte: “1. As autoridades, tanto judiciárias como administrativas, do Estado Contratante da residência habitual da criança são competentes para tomar medidas para a protecção da sua pessoa ou dos seus bens.”
“2. Sem prejuízo do disposto no artigo 7.o, em caso de mudança da residência habitual da criança para outro Estado Contratante, são competentes as autoridades do Estado da nova residência habitual”.
Não define a Convenção o que deva entender-se por residência habitual. Trata-se, em nosso entender, de um conceito autónomo que deve ser interpretado em conformidade com os objectivos e as finalidades da Convenção, e que deve ser procurado caso a caso pelo juiz, mas tendo em conta, desde logo, que o adjectivo “habitual” tende a indicar uma certa duração.
Neste contexto, resulta deste processo, bem como do apenso, que a criança reside no Reino Unido desde os 4 meses de idade com a sua mãe (a aqui requerida).
Deste modo, podemos afirmar com rigor que a residência habitual do BB é no Reino Unido e não em Portugal.
Daqui decorre que o incidente suscitado deverá ser tramitado num tribunal do Reino Unido.
Pelo exposto, e nos termos dos artº 9º, nº 1, do RGPTC, artº 96º, al. a, 97º, 98º e 99º, 278º, nº 1, al. a), 576º, nºs 1 e 2, 577º, al. a) e 578º todos do CPC, e da Convenção de Haia, declara-se este tribunal internacionalmente incompetente para apreciar o pedido formulado e, em consequência, absolvo a Requerida da instância.
Custas do incidente pelo requerente.
Notifique e registe.
(…)».
Inconformado com tal decisão, dela apelou o requerente, pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que julgue os tribunais portugueses competentes para decidir o pedido formulado pelo recorrente.
Termina as alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:
«1ª: Não resulta da sentença que o menor resida habitualmente em Inglaterra, porque em violação do disposto no n.º 3, do art.º 607º do CPC, o Tribunal não fez uma enunciação da matéria de facto.
2ª: O Tribunal a quo regulou as responsabilidades parentais, tendo-se declarado competente para o efeito, e, desde essa data, nada mudou quanto à residência do menor.
3ª: O Tribunal a quo é o Tribunal com melhores condições para decidir do incidente de incumprimento das responsabilidades parentais
4ª: Para além dos Tribunais Ingleses serem totalmente alheios às responsabilidades parentais que foram reguladas em Portugal, o menor, o requerente e a requerida têm estreitas ligações com Portugal, sendo todos eles Portugueses.
4ª: Tem sido decidido pela jurisprudência que quanto à competência territorial deverá ser avaliada a conexão existente com uma ou mais ordens jurídicas e avaliada qual a relação com o ordenamento jurídico português, não devendo ser feita uma avaliação meramente genérica quanto à residência do menor.
5ª: A sentença viola o princípio da autonomia da vontade que garante às partes a possibilidade de escolha de jurisdição pelos interessados em determinadas condições ou na ausência de oposição.
6ª: Neste incidente pretende-se a condenação da requerida por incumprimento das responsabilidades parentais, que reguladas no Tribunal a quo».
Pelo Ministério Público e pela requerida foram apresentadas contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação de Guimarães, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) -, importa aferir:
 a) se a decisão recorrida é nula, por ser completamente omissa quanto à matéria de facto capaz de sustentar o decidido;
b) se, atenta a natureza da relação material controvertida, a competência internacional para decidir o presente processo tutelar cível instaurado em relação à criança BB, nascido a ../../2021, deve ser deferida aos tribunais portugueses como sustenta o requerente/apelante, ou se o Tribunal recorrido é internacionalmente incompetente para apreciar o pedido formulado, conforme entendeu o Tribunal a quo na decisão recorrida.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda para a decisão do objeto do recurso o que se pode constatar através do acesso eletrónico ao processo em referência, bem como do processo n.º 5220/21...., já arquivado, nos termos seguintes:
1. Em 24-09-2021, AA intentou, no Juízo de Família e Menores ..., providência tutelar cível relativamente à criança BB, nascido a ../../2021, requerendo: a) que decrete o imediato regresso do menor BB a Portugal; b) que provisoriamente fique o menor à guarda e cuidados do Requerente e família paterna; c) que, a final, sejam reguladas as responsabilidades parentais do menor, ficando o mesmo definitivamente à guarda do Requerente.
2. Em 20-10-2021, o Tribunal regulou provisoriamente as responsabilidades parentais relativamente à criança, BB, nos exatos termos acordados pela progenitora e avó paterna da criança, em sede de conferência de pais, até à maioridade do progenitor, 14-04-2022, nos seguintes termos:
Cláusula 1ª.
1 - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança serão exercidas em comum pela Mãe e pela avó paterna DD.
2 - O exercício das responsabilidades parentais relativo aos actos da vida corrente da criança caberá à Mãe ou à Avó paterna com quem a mesma em cada momento se encontrar (não podendo, no entanto, o progenitor/avó não residente ao exercer as suas responsabilidades, contrariar as orientações educativas mais relevantes tal como elas são definidas pela progenitora residente).
Cláusula 2ª.
1 - A Criança, fica a residir habitualmente com a Mãe, (tendo tal morada por domicílio), a quem caberá o exercício quotidiano das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente e a prestação de cuidados pessoais ao filho (por si ou por delegação do seu exercício).
Cláusula 3ª.
1 - A Criança poderá estar com a Avó paterna/Pai sempre que este desejar, sem prejuízo dos horários de vida dela (descanso, alimentação, escolares, actividades), contactando previamente a Mãe e/ou através das redes sociais.
2 - A Criança poderá conviver com o Pai/Avó no período de 26 a 30 de dezembro de 2021.
3 - A Criança poderá conviver com o Pai/Avó 5 dias em fevereiro e 7 dias em abril de 2022, devendo tais períodos serem combinados previamente entre a Mãe, Pai e Avó até ao dia ../../2022.
4 - O Pai, para efeitos de contacto com e sobre o filho, informações e comunicações de despesas indicam: Pai n.º de Telm ...96 e o e-mail ....
Cláusula 4ª.
1 - O Pai/Avó contribuirá, a título de alimentos devidos ao filho, abrangendo-se nesta prestação, o comer, o vestir, o calçar, lazer e os produtos de higiene, com a quantia mensal de € 100,00 (cem euros), valor que o pai depositará ou transferirá para a conta bancária da qual a Mãe é titular, até ao dia 8 (oito) de cada mês, com início no próximo mês de Novembro.
2 - O Pai/Avó também comparticipará na proporção de metade, em todas as despesas médicas, medicamentosas, escolares e extra-curriculares (de preferência previamente combinadas ou de necessidade comprovada), designadamente as respeitantes a matrículas, livros, material escolar e visitas de estudo, a pagar no prazo de pagamento da prestação do mês seguinte após comunicação dos respectivos comprovativos.
3 - O recebimento de quantias relativas a subsídio familiar a crianças e jovens (antigo abono de família) ou outros a que o filho tenha direito compete à MÃE do mesmo.
3. Em 29-06-2022, no âmbito do processo referenciado em 1., foi proferido despacho a convolar o procedimento instaurado em regulação das responsabilidades parentais, após o que foi homologado, por sentença já transitada em julgado, o acordo dos progenitores quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais do filho menor de ambos, BB, nos seguintes termos:
Cláusula 1ª.
1 - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança continuarão a ser exercidas em comum por ambos os progenitores.
2 - O exercício das responsabilidades parentais relativo aos actos da vida corrente da criança caberá ao pai ou à mãe com quem a mesma em cada momento se encontrar.
Cláusula 2ª.
A criança fica a residir habitualmente com a Mãe (tendo tal morada por domicílio), a quem caberá o exercício quotidiano das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente e a prestação de cuidados pessoais ao filho (por si ou por delegação do seu exercício), sendo a pessoa Encarregada de Educação do filho.
Cláusula 3ª.
1 - A criança poderá estar com o pai sempre que este desejar, sem prejuízo dos horários de vida dela (descanso, alimentação, escolares, actividades), contactando previamente a mãe, e, indo buscá-la e entregá-la ao seu domicílio (ou estabelecimento escolar, conforme combinado entre pais).
2 - O pai poderá contactar com a criança através de videochamadas efectuadas através das redes sociais.
3 - O pai poderá estar com a criança, em Portugal, nas férias de verão, preferencialmente em agosto, pelo período de 30 dias.
4 - O pai poderá estar com a criança, em Portugal, nas férias do Natal, pelo período de 15 dias.
5 - O período de Natal e de Ano Novo (vésperas e dias festivos), serão passados pela criança rotativa e alternadamente com a mãe e com o pai. Passando a criança, este ano, os dias 24 de dezembro e 1 de janeiro com o pai e os dias 25 de dezembro e 31 de dezembro com a mãe.
6 - O pai poderá estar com a criança, em Portugal ou em Inglaterra, nas férias da Páscoa, pelo período de 8 dias, devendo combinar previamente com a mãe tal período.
Cláusula 4ª.
1 - O pai contribuirá, a título de alimentos devidos ao filho, abrangendo-se nesta prestação, o comer, o vestir, o calçar, os produtos de higiene e o lazer, com a quantia mensal de €:100,00 (cem euros), valor que o pai entregará à mãe, através de transferência bancária para a conta desta com o IBAN:  ...23, até ao dia 8 (oito) de cada mês.
2 - O pai também comparticipará na proporção de metade, em todas as despesas médicas e medicamentosas, escolares e extracurriculares (estas, de preferência previamente combinadas ou, não havendo acordo, desde que de necessidade comprovada), designadamente as respeitantes a creche, infantário, ATL, explicações, matrículas, livros, material escolar e visitas de estudo, a pagar no prazo de pagamento da prestação do mês seguinte após comunicação dos respectivos comprovativos, comunicação essa a efectuar em 30 dias após a realização da mesma.
3 - O montante previsto no n.º 1 será actualizado anual e cumulativamente, no mês seguinte ao perfazer da anualidade da decisão homologatória do acordo, em quantia nunca inferior a 3%.
4 - O recebimento de quantias relativas a subsídio familiar a crianças e jovens (antigo abono de família) ou outros a que o filho tenha direito compete à mãe do mesmo.
Cláusula 5ª.
1 - Os Pais desde já se autorizam, reciprocamente, à deslocação para o estrangeiro do filho, em regime de passeio/férias e de actividades escolares, bastando a prévia informação de destino e período de ausência no estrangeiro.
2 - Os Pais, para efeitos de contacto com e sobre o filho, informações e comunicações de despesas indicam:
Pai - Telmóvel n.º ...96 - email: ...;
Mãe -Telemóvel n.º ...68 - email: ....

2. Apreciação sobre o objeto do recurso
2.1. Da nulidade da decisão recorrida
Nas alegações da apelação, o recorrente vem invocar a nulidade da decisão recorrida, sustentando que a mesma não contém a enunciação dos factos que servem de base à decisão, violando o disposto no artigo 607.º, n.º 3 do CPC.
As causas de nulidade da sentença encontram-se previstas no n.º 1 do artigo 615.º do CPC, nos termos do qual é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
O vício imputado pelo recorrente à decisão recorrida é suscetível de consubstanciar a causa de nulidade da sentença prevista no citado artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC - aplicável aos despachos por força do artigo 613.º, n.º 3, do mesmo diploma -, que está diretamente relacionada com a violação do preceituado no artigo 154.º do CPC, impondo ao juiz o dever de fundamentar as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo (n.º 1), sendo que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade (n.º 2).
O aludido artigo 154.º do CPC está em consonância com o artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa o qual prevê que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Também o artigo 607.º, n.º 3 do CPC, impõe o dever de discriminar os factos que julga provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
A generalidade da doutrina e da jurisprudência vem sustentando que só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de indicação dos fundamentos de facto ou de direito, gera a nulidade prevista na al. b), do n.º 1 do citado artigo 615.º do CPC, não se verificando perante uma fundamentação meramente deficiente, incompleta, não convincente[1].
Assim, existe falta de fundamentação de facto da sentença, gerando a nulidade desta, nos casos em que a sentença não exibe os factos em se baseia a solução jurídica levada à decisão. Se da sentença constam os factos a que a decisão fez aplicação do direito, não falta aquela fundamentação nem a sentença é nula[2].
A este propósito, importa salientar que a enunciação dos factos provados deve ser adequada às circunstâncias e exigências do caso, tendo em conta designadamente as virtualidades que decorram de uma maior concentração da factualidade apurada ou de uma maior discriminação ou pormenorização que, além de antecipar a resolução de problemas de integração jurídica, possa ainda obviar a eventuais impugnações sustentadas em argumentos de pendor formal em redor da delimitação do que constitui matéria de facto ou matéria de direito[3].
Revertendo ao caso em apreciação, facilmente se verifica que o Tribunal a quo enunciou os fundamentos de facto que determinaram o sentido e alcance da decisão impugnada, ainda que por referência às concretas incidências resultantes dos autos, o que decorre de forma expressa dos seguintes segmentos da fundamentação da decisão recorrida:
- «Do teor destes autos, bem como do processo apenso, resulta que a requerida reside com o BB, no Reino Unido, desde ../../2021.
O BB nasceu a ../../2021»;
- «Neste contexto, resulta deste processo, bem como do apenso, que a criança reside no Reino Unido desde os 4 meses de idade com a sua mãe (a aqui requerida).
(…)».
Com efeito, os factos que o Tribunal tem que atender na decisão impugnada são os relevantes para a aferição da sua competência internacional, tendo em conta os concretos normativos legais e as normas insertas nas convenções internacionais que considere aplicáveis à situação.
Por outro lado, importa considerar que a competência internacional dos tribunais portugueses afere-se pelos termos em que o autor configura a relação jurídica controvertida[4], sem necessidade de produção de prova sobre os correspondentes factos, sendo certo que a decisão recorrida foi proferida em processo de jurisdição voluntária (artigo 12.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro - RGPTC), nos quais o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, só sendo admitidas as provas que o juiz considere necessárias (artigo 986.º do CPC), de forma a adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, sem sujeição a critérios de legalidade estrita (artigo 987.º do CPC), sendo que entre as providências tutelares cíveis previstas no RGPTC inclui-se a regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes (artigo 3.º, al. c).
Tal como decorre das concretas incidências do processo, foi o próprio requerente a indicar ao Tribunal recorrido que a requerida reside em ... 6, ..., ..., ..., ..., Inglaterra.
Aliás, a residência do BB no Reino Unido, em conjunto com a sua progenitora, configura um dos elementos essenciais, constitutivo, da situação jurídica complexa de que depende o reconhecimento do direito que o requerente pretende fazer valer no âmbito dos presentes autos, consubstanciando um fundamento objetivo da pretensão formulada e pressuposto do que vem alegado pelo requerente, designadamente, que a requerida não cumpriu o acordado quanto convívio do requerente com o menor, durante 30 dias nas férias de verão do ano de 2022; não cumpriu o acordo quanto às férias de Natal de 2022, já que o requerente apenas esteve com o menor durante 11 dias, e não os 15 acordados, porque a requerida não permitiu; não cumpriu o acordo quanto às férias da Páscoa do corrente ano, apesar de ter prometido ao requente que nessa data viria a Portugal, para o requerente estar com o menor; e não cumpre o acordo quanto aos contactos do requerente com o menor, pois não permite o contacto com o menor por videochamada, sendo que o requerente respeita os horários de descanso do menor, contudo aproveitando-se disso, sempre que o requerente liga ou a requerida diz que não pode porque não está em casa, ou porque menor está a dormir, embora em horários diurnos; a requerida apenas permite que o requerente contacte com o menor à terça-feira; e já afirmou, que não trará o menor a Portugal nestas férias de Verão, nem posteriormente; a requerida afirmou como razão para não vir a Portugal a obrigação de se apresentar nas autoridades para prestar declarações.
É preciso não esquecer que, de acordo com o que também vem alegado pelo ora recorrente em sede de requerimento inicial, o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais em vigor foi homologado por sentença de 29-06-2022 (devidamente transitada em julgado), resultando do mesmo que a Criança, fica a residir habitualmente com a Mãe, (tendo tal morada por domicílio), a quem caberá o exercício quotidiano das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente e a prestação de cuidados pessoais ao filho (por si ou por delegação do seu exercício) - Cláusula 2.ª.
Como - bem - salienta a propósito a recorrida nas contra-alegações de recurso, «o Requerido não só não alegou que a criança já não reside em Inglaterra, mas sim em Portugal, como confirma ele próprio o contrário, para fundamentar o seu pedido. O próprio Acórdão identificado pelo Recorrente nos diz que: “A incompetência do Tribunal, em geral deve ser aferida em função do pedido formulado pelo autor e dos fundamentos (causa de pedir) que o suportam, ou seja, de acordo com a relação jurídica tal como é configurada pelo autor”. In casu, de acordo com a causa de pedir formulada pelo Recorrente, a residência do menor é em Inglaterra».
Assim sendo, não ocorre a invocada nulidade, por falta de fundamentação, posto que a fundamentação da decisão recorrida permite a imediata e exigível compreensão e apreensão dos factos que considerou provados e relevantes para a aferição da exceção de incompetência absoluta do Tribunal, por infração das regras de competência internacional, sendo inteiramente percetíveis os elementos em que se baseou.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, cumpre concluir que a sentença recorrida não padece da nulidade invocada, nem de qualquer outra que cumpra verificar ou declarar, improcedendo, nesta parte, a apelação.

2.2. Na presente apelação importa apreciar e decidir se, atenta a natureza da relação material controvertida, a competência internacional para decidir o presente processo tutelar cível instaurado em relação à criança BB, nascido a ../../2021, deve ser deferida aos tribunais portugueses como sustenta o requerente/apelante, ou se o Tribunal recorrido é internacionalmente incompetente para apreciar o pedido formulado, conforme entendeu o Tribunal a quo na decisão recorrida, enunciando, para o efeito, os seguintes fundamentos:
«(…)
Do teor destes autos, bem como do processo apenso, resulta que a requerida reside com o BB, no Reino Unido, desde ../../2021.
O BB nasceu a ../../2021.
A questão jurídica que nos compete apreciar consiste em saber se este Tribunal é internacionalmente competente, ou, pelo contrário, o caso deverá ser tramitado e julgado num tribunal no Reino Unido, onde reside a mãe que tem a guarda da criança.
No âmbito dos processos tutelares cíveis, sobre a competência territorial, preceitua o artº 9º, nº 1, do RGPTC, que “para decretar as providências cautelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado”.
Deste normativo legal ressalta desde logo o seguinte: a regra capital ou básica de determinação do tribunal territorialmente competente para decretar as providências que vêm enumeradas no artº 3º do citado diploma legal - entre elas a regulação do exercício das responsabilidades parentais - vem no nº1 desse preceito: é competente o tribunal da área do local de residência da criança no momento em que o processo foi instaurado. Intervêm aqui dois factores: um de natureza espacial (local da residência da criança); outro de natureza temporal (data da instauração do processo).
O artº 9º da citada lei, preceitua no seu nº 7 o seguinte: Se no momento da instauração do processo, a criança residir no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, é competente para apreciar e decidir a causa o tribunal da residência do requerente ou do requerido.
E o seu nº 9 preceitua que, sem prejuízo das regras de conexão e do previsto em lei especial, são irrelevantes as modificações de facto que ocorram após a instauração do processo.
Estamos em sede de competência absoluta, uma vez que está em causa a competência internacional deste tribunal - artº 96º alª a) do NCPC.
Por força do disposto no artº 8º da Constituição da República Portuguesa, as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial - nº2 - e as normas dos tratados que regem a União Europeia e as emanadas das suas instituições, são directamente aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito comunitário, ainda que com salvaguarda dos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático - nº 4, do mesmo normativo.
No caso em apreço, o Reino-Unido já não é membro da União Europeia, não se aplicando, por isso, o Regulamento (EU) 2019/1111 do Conselho de 25 de Junho de 2019, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de criança.
Assim, neste caso, aplicar-se-á a CONVENÇÃO RELATIVA À COMPETÊNCIA, À LEI APLICÁVEL, AO RECONHECIMENTO, À EXECUÇÃO E À COOPERAÇÃO EM MATÉRIA DE RESPONSABILIDADE PARENTAL E DE MEDIDAS DE PROTECÇÃO DA CRIANÇA (Convenção de Haia, celebrada em 19 de Outubro de 1996).
No seu artº 5º diz-se o seguinte: “1. As autoridades, tanto judiciárias como administrativas, do Estado Contratante da residência habitual da criança são competentes para tomar medidas para a protecção da sua pessoa ou dos seus bens.”
“2. Sem prejuízo do disposto no artigo 7.o, em caso de mudança da residência habitual da criança para outro Estado Contratante, são competentes as autoridades do Estado da nova residência habitual”.
Não define a Convenção o que deva entender-se por residência habitual. Trata-se, em nosso entender, de um conceito autónomo que deve ser interpretado em conformidade com os objectivos e as finalidades da Convenção, e que deve ser procurado caso a caso pelo juiz, mas tendo em conta, desde logo, que o adjectivo “habitual” tende a indicar uma certa duração.
Neste contexto, resulta deste processo, bem como do apenso, que a criança reside no Reino Unido desde os 4 meses de idade com a sua mãe (a aqui requerida).
Deste modo, podemos afirmar com rigor que a residência habitual do BB é no Reino Unido e não em Portugal.
Daqui decorre que o incidente suscitado deverá ser tramitado num tribunal do Reino Unido.
Pelo exposto, e nos termos dos artº 9º, nº 1, do RGPTC, artº 96º, al. a, 97º, 98º e 99º, 278º, nº 1, al. a), 576º, nºs 1 e 2, 577º, al. a) e 578º todos do CPC, e da Convenção de Haia, declara-se este tribunal internacionalmente incompetente para apreciar o pedido formulado e, em consequência, absolvo a Requerida da instância».
Conforme determina o artigo 37.º, n.º 2 da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26-08), a lei de processo fixa os fatores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais, decorrendo do artigo 38.º, n.º 1 do mesmo diploma legal que, a competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei.
A competência internacional dos tribunais portugueses encontra-se, no caso, regulada no artigo 59.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 33.º, n.º 1 do RGPTC, ao prever que, sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.
Com efeito, o artigo 9.º do RGPTC, com a epígrafe competência territorial, fixa o critério geral de atribuição de competência, na ordem interna, ou seja, o tribunal competente, em razão do território, para conhecer e decretar as providências tutelares cíveis, pela respetiva ordem de prevalência, só funcionando caso os tribunais portugueses sejam internacionalmente competentes para decretar a providência tutelar cível adequada[5], o que significa que se o tribunal português não for internacionalmente competente a providência tutelar cível tem de ser requerida no tribunal tido por conveniente à luz do direito internacional[6].
Deste modo, em face do disposto no artigo 59.º do CPC, importa aferir se a situação em análise está abrangida por qualquer regulamento europeu ou outro instrumento internacional que vincule o Estado Português, caso em que as respetivas disposições prevalecerão no âmbito dos critérios determinativos da competência internacional - cf. ainda o disposto no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.
Ora, perante o que resulta dos factos provados, não minimamente postos em causa pelo recorrente, não subsistem quaisquer dúvidas de que a requerida/progenitora reside com a criança no Reino Unido, desde ../../2021, encontrando-se o progenitor, que intenta a ação, a residir em Portugal.
Como - bem - salienta o Tribunal a quo na fundamentação da decisão recorrida, o Reino-Unido já não é membro da União Europeia, não se aplicando, por isso, o Regulamento (EU) 2019/1111 do Conselho de 25 de junho de 2019, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de criança.
Por seu turno, a Convenção Relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Proteção das Crianças, adotada em Haia em 19 de outubro de 1996 (doravante CH96), foi subscrita por ambos os Estados (Portugal e o Reino Unido), tendo como objeto, entre outros, determinar qual o Estado cujas autoridades têm competência para tomar as medidas orientadas à proteção da pessoa ou bens da criança (artigo 1.º, al. a); determinar qual a lei aplicável por estas autoridades no exercício da sua competência (artigo 1.º, al. b); determinar a lei aplicável à responsabilidade parental (artigo 1.º, al. c); assegurar o reconhecimento e a execução de tais medidas de proteção em todos os Estados Contratantes (artigo 1.º, al. d); estabelecer entre as autoridades dos Estados Contratantes a cooperação necessária para realizar os objetivos da Convenção (artigo 1.º, al. e), sendo, por isso, aplicável ao procedimento tutelar em apreciação, por força dos seus artigos 5.º e seguintes, posto que, à data em que foi instaurado, a criança efetivamente tinha a sua residência habitual num outro Estado (Reino Unido) que também é parte na Convenção, competindo então ao órgão jurisdicional desse Estado a competência para tomar as medidas necessárias à proteção da pessoa ou bens da criança, como sucede nos presentes autos.
Ademais, tal como se prevê no n.º 2 do artigo 5.º da CH96, em caso de mudança da residência habitual da criança para outro Estado Contratante, as autoridades do Estado da nova residência habitual terão a competência, sendo que, no caso, o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais em vigor foi homologado por sentença de 29-06-2022 (devidamente transitada em julgado), resultando do mesmo que a Criança, fica a residir habitualmente com a Mãe, (tendo tal morada por domicílio), a quem caberá o exercício quotidiano das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente e a prestação de cuidados pessoais ao filho (por si ou por delegação do seu exercício) - Cláusula 2.ª.
A propósito da residência habitual da criança como critério determinativo da competência internacional, nos termos do artigo 5.º, n.º 1 da CH96, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que tal conceito «deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponda ao local onde se encontra organizada a sua vida familiar, social e escolar em termos de estabilidade e permanência»[7].
Neste enquadramento, resulta indiscutível que o BB não reside em Portugal, mas sim de forma habitual e contínua no Reino Unido, posto que nasceu a ../../2021, residindo com a sua progenitora no Reino Unido desde ../../2021, ou seja, desde os 4 meses de idade.
Atendendo então ao objeto da ação, na configuração dada pelo requerente na petição inicial, e perante o que resulta dos factos provados, afigura-se-nos inteiramente correta a fundamentação vertida na decisão recorrida, pelo que importa reafirmar a incompetência absoluta do Juízo de Família e Menores ..., por ser internacionalmente incompetente para apreciar e decidir a presente providência tutelar cível.
Daí que a decisão recorrida não mereça censura, pois fez uma correta interpretação das determinações legais e dos princípios aplicáveis.
Em consequência, cumpre julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso em apreciação, como a apelação foi julgada improcedente, as custas da apelação são integralmente da responsabilidade do recorrente, atento o seu decaimento.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, assim confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação pelo recorrente.
Guimarães, 07 de março de 2024
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator)
Ana Cristina Duarte (Juíza Desembargadora - 1.º adjunto)
Afonso Cabral de Andrade (Juiz Desembargador - 2.º adjunto)



[1] Neste sentido, cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, 1984, p. 140; Lebre de Freitas-Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, p. 736; na Jurisprudência cf. por todos, o Ac. STJ de 02-06-2016 (relator: Fernanda Isabel Pereira), proferido na revista n.º 781/11.6TBMTJ.L1. S1 - 7.ª Secção, acessível em www.dgsi.pt.
[2] Cf. o Ac. TRP de 05-03-2015 (relator Aristides Rodrigues de Almeida), p. n.º 1644/11.0TMPRT-A. P1, disponível em www.dgsi.pt.
[3] Cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 720.
[4] Cf. por todos, o Ac. do STJ de 07-06-2022 (relator: Fernando Baptista), p. 24974/19.9T8LSB.L1. S1, acessível em www.dgsi.pt.
[5] Tal como decorre dos seus n.ºs 7 e 8, ao atribuir a competência ao tribunal da residência do requerido ou do requerente desde que a criança ou os progenitores residam no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente.
[6] Cf. Tomé d´Almeida Ramião, Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado e Comentado, Lisboa, QUID JURIS? - Sociedade editora Ld.ª, 3.ª edição, 2018, pgs. 45/49, em anotação ao artigo 9.º do RGPTC.
[7] Cf. o Ac. do STJ de 27-06-2019 (relator: Raimundo Queirós), p. 1789/18.6T8PTM-A. E1. S1; disponível em www.dgsi.