Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2820/14.0TBBRG.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CONSERVADOR DO REGISTO PREDIAL
REGISTO PROVISÓRIO DE AQUISIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - A simples inscrição provisória no registo, de uma aquisição – com base ou não em contrato-promessa – não pode limitar a eficácia substantiva de uma eventual e futura atuação legítima de terceiro, designadamente, através de arresto decretado por sentença contra o titular definitivamente inscrito.
2 – Se o sujeito passivo de um arresto é o titular inscrito (definitivamente) de um imóvel, deve aquele ser registado definitivamente e não provisoriamente, ainda que, previamente, haja inscrição provisória por natureza de aquisição a favor de pessoa diversa do arrestado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO
V… apresentou Impugnação Judicial do despacho do Sr. Conservador do Registo Predial de Braga que recusou a prática do acto de registo relativo a arresto, requerido pela apresentação n.º 1454 de 07/05/2014 e respeitante ao prédio descrito na CRP de Póvoa de Lanhoso, freguesia de Nossa Senhora do Amparo, sob o número 969/19961203-A, nos termos requeridos, qualificando-o antes como provisório por natureza por aplicação do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 92.º do CRP.
O Conservador emitiu despacho de sustentação.
O processo foi com vista ao Ministério Público, tendo este emitido parecer no sentido da manutenção da classificação do registo requerido como provisório por natureza, nos termos do artigo 92.º, n.º 2, alínea b) do CRP.
Foi proferida sentença que julgou procedente a impugnação judicial e, consequentemente, insubsistente a recusa da prática do ato nos termos requeridos pelo impugnante, devendo o Exmº Sr. Conservador lavrar o registo recusado, com base na apresentação correspondente, ou converter oficiosamente o registo provisório do arresto que recaiu sobre o prédio descrito na CRP da Póvoa de Lanhoso, freguesia de Nossa Senhora do Amparo, sob o n.º 969/19961203-A.
Discordando da sentença, dela interpôs recurso o Presidente do Conselho Diretivo do Instituto dos Registos e do Notariado I.P., tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
1 – A presente apelação é interposta ao abrigo da permissão para o efeito concedida pela norma do n.º 1 do artigo 147.º CRP.
2 – O registo provisório de aquisição a que se reporta a ap. 2289 do dia 14/02/2014 foi efetuado com base em “simples” declaração da sociedade proprietária definitivamente inscrita, conforme se admite no artigo 47.º/1 do CRP, e não com base em contrato-promessa com eficácia meramente obrigacional que os sujeitos ativo e passivo daquele registo provisório entre si possam ter celebrado, como no n.º 4 da mesma disposição legal igualmente se admite, e como na sentença recorrida (em linha com o alegado pelo ora recorrido na sua petição de impugnação da qualificação registal aqui em tabela), parece dar-se por assente.
3 – A sentença recorrida erra quando, para sua fundamentação, se apoia integralmente no texto do Ac. da Relação de Lisboa de 11/02/2010, proferido no processo 788/08.0TCSNT.L1-2, porquanto, ao invocar tal precedente jurisprudencial, dá por adquirido que a questão que nesse aresto se aprecia é a mesma que se lhe impõe que aprecie – quando a verdade é que é de questões bem distintas que num e noutro processo se trata: a questão controvertida, no Ac. da Relação, era basicamente a de saber da possibilidade de procedência da ação de execução específica prioritariamente registada em face do superveniente decretamento e registo de arresto requerido por credor do titular definitivamente inscrito, promitente-alienante; já nos presentes autos a questão não está – como ali estava – em decidir quem tem o “melhor direito” (se o titular do registo provisório de aquisição, se o credor a quem foi deferido o arresto), mas sim e apenas em saber em que termos se impõe legalmente registar o arresto que se mostre dependente ou incompatível com o registo provisório de aquisição anterior.
4 – A sentença recorrida erra porquanto decide a questão puramente tabular (como qualificar o registo do arresto posterior ao registo provisório de aquisição?) com base em fundamentação, transplantada do mencionado Ac. da Relação do Lisboa, toda ela elaborada para dar resposta a uma questão puramente substantiva (qual o direito que deve prevalecer: o do promitente adquirente que primeiro registou a ação de execução específica ou o do credor que depois registou o arresto decretado contra o promitente-alienante?).
5 – Embora não seja a questão substantiva (a definição do “melhor direito”) o que nos presentes autos se pede ao tribunal que decida, deve entender-se que o registo provisório de aquisição efetuado a coberto da ap. 2289 do dia 14/02/2014 assegura ao seu titular a reserva de uma posição privilegiada, e prevalente, na defesa do direito de propriedade a adquirir no futuro, em virtude da efetiva celebração da compra e venda mencionada no registo (provisório) como titulus adquirendi.
6 – Embora não seja a questão substantiva o que nestes autos se pede ao tribunal que decida, deve entender-se que, substantivamente, perante terceiros, mercê do disposto no n.º 3 do artigo 6.º do Cód. do Registo Predial, nos termos do qual “o registo convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha como provisório”, tudo se passa como se o beneficiário do registo provisório de aquisição, uma vez ele convertido, tivesse adquirido o direito de propriedade desde a data do registo provisório (e não quando, como inter partes acontece, só no momento da celebração do contrato real quoad effectum, conforme estatuído no artigo 408.º, n.º 1 do Código Civil).
7 – Embora não seja a questão substantiva o que nestes autos se pede ao tribunal que decida, deve entender-se que a disposição do artigo 819.º do CCivil (que rege acerca da oponibilidade dos atos de disposição dos bens objeto de penhora praticada pelo executado, e que o artigo 622.º CCivil manda aplicar ao arresto), ao ressalvar expressamente as regras do registo, está antes de tudo a ressalvar as regras da prioridade registal definidas no artigo 6.º CRP, pelo que também por aí é o intérprete-aplicador conduzido à conclusão da prevalência (substantiva), sobre a penhora ou o arresto, do direito de propriedade que tabularmente se reflita na conversão de registo provisório de aquisição prévio ao registo de qualquer daquelas providências (dirigidas contra o anterior titular definitivamente inscrito, transmitente do direito de propriedade).
8 – A questão que nos presentes autos se pede ao tribunal que aprecie, que é a de saber em que termos deve ser efetuado o registo de arresto decretado contra o titular definitivamente inscrito quando com antecedência se tenha efetuado registo provisório de aquisição a favor de sujeito diverso, por isso que é uma questão eminentemente tabular, é de acordo com as regras e princípios tabulares que deve ser decidida.
9 – Os princípios tabulares básicos á luz dos quais a questão decidenda tem que ser resolvida são os princípios da prioridade, constante do artigo 6.º CRP (maxime os seus n.ºs 1 e 3), e o princípio do trato sucessivo, enunciado no artigo 34.º/4 CRP.
10 – É a provisoriedade do registo provisório antecedente e a sua relação, em termos de trato sucessivo, com os registos subsequentes que determinam a provisoriedade por natureza destes, conforme o disposto no artigo 92.º/2-b) CRP.
11 – A relação de incompatibilidade pressuposta na norma do artigo 92.º/2-b) é de natureza e “espaço” exclusivamente tabular, e radica na circunstância de o registo posterior não se filiar, em termos de trato sucessivo, no imediatamente anterior registo provisório de aquisição, mas sim na situação tabular que está antes deste.
12 – O registo de arresto peticionado sob a ap. 1454 do dia 07/05/2014 é incompatível, nos seus efeitos estritamente tabulares, com o registo provisório de aquisição requerido sob a ap. 2289 do dia 14/02/2014, pelo que deve ser efetuado como provisório por natureza nos termos da al. b) do n.º 2 do artigo 92.º
13 – Foram expressamente violadas (no sentido de mal interpretadas) as normas dos artigos 6.º/1 e 3, 34.º/4 e 92.º/2-b)/6/7/8, todas do Código do Registo Predial.
Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente e revogada a decisão, confirmando-se a qualificação do registo de arresto peticionado sob a ap. 1454 do dia 07/05/2014 na 2.ª conservatória do registo predial de Braga, onde foi decidido efetuá-lo como provisório por natureza nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 92.º do CRP.

O recorrido contra alegou, pugnando pela confirmação da sentença sob censura.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito suspensivo.
A única questão a resolver traduz-se em saber se o registo recusado deve ou não ser lavrado.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Na decisão sob recurso não foram fixados os factos assentes – artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil - , o que agora se faz, da seguinte forma:
1 – Sobre o prédio descrito na CRP de Póvoa de Lanhoso, freguesia de Póvoa de Lanhoso, com o n.º 969/19961203-A, encontram-se as seguintes inscrições:
a) Sob a ap. 1892 de 28/09/2009, a inscrição definitiva da aquisição a favor da sociedade “V…, Lda., por compra aos anteriores titulares inscritos;
b) Sob a ap. 2289 de 14/02/2014, a inscrição provisória por natureza (artigo 92.º, n.º 1, g) CRP) da aquisição a favor de D…, por compra à “V…”;
c) Sob a ap. 1454 de 07/05/2014, a inscrição provisória por natureza (artigo 92.º, n.º 2, b) CRP) do arresto a favor de V… e em que é sujeito passivo a sociedade “V…”.
2 – O arresto em causa foi decretado por sentença de 29/04/2014.
3 – A 07/05/2014 foi entregue na 2.ª conservatória do registo predial de Braga pedido de registo definitivo do arresto.
4 – O registo recebeu a qualificação de provisório por natureza, nos termos do artigo 92.º, n.º 2, alínea b) do CRP, sem ter sido objeto de qualquer despacho.

É com estes factos que temos de lidar para resolver a questão de saber se o registo de arresto poderia/deveria ter sido inscrito como definitivo – conforme tinha sido solicitado pelo requerente – ou tinha que ter sido inscrito como provisório por natureza, uma vez que se encontrava inscrita, previamente, a aquisição provisória por natureza do referido prédio a favor de terceiro, que não o titular inscrito definitivamente (sujeito passivo do arresto).

O recorrente indigna-se com o facto de a decisão recorrida ter apreciado a questão mais de um ponto de vista substantivo – saber se um arresto registado após um registo provisório de aquisição é oponível ao titular de tal registo provisório - do que de um ponto de vista tabular – estando apenas em causa saber se o registo do arresto teria que ser provisório em função do anterior registo provisório da aquisição.
Apesar disso, o recorrente “gasta” cinco das suas treze conclusões a tentar dar solução – sob o seu ponto de vista – à questão substantiva que, diremos nós, não pode deixar de estar subjacente à questão tabular, sob pena desta perder por completo a sua relevância ou o seu interesse, pois este terá sempre que ter como referência a solução substantiva para as questões de registo.
Desde já adiantaremos que, do ponto de vista substantivo, que o recorrente refuta, não poderíamos estar mais de acordo com a sentença proferida.
Com efeito, a simples inscrição provisória de uma aquisição – com base ou não em contrato-promessa – não pode limitar a eficácia substantiva de uma eventual e futura atuação legítima de terceiro, designadamente, como no caso que nos ocupa, através de arresto decretado por sentença contra o titular definitivamente inscrito.
Como muito bem refere Mónica Jardim, na sua Comunicação feita na FDUC, no Congresso de Direitos Reais, em 29/11/2003, sob o titulo “O registo provisório de aquisição”, disponível para consulta na página da Faculdade de Direito da UC (textos): “Reconhecer ao registo provisório de aquisição os mesmos efeitos que ao registo do contrato-promessa dotado de eficácia real, é deixar entrar pela janela aquilo que o legislador, no C.C., impediu que entrasse pela porta (…) pois, apesar de o registo provisório de aquisição se traduzir numa reserva de prioridade própria e que o legislador, através dele, permite que o titular registal inscrito, que pretenda alienar o seu direito apenas no futuro, limite a eficácia substantiva de actos posteriores que se revelem incompatíveis com o direito que virá a nascer na esfera jurídica daquele a favor de quem é feita a inscrição provisória (…) tal limitação apenas opera em face de posteriores direitos incompatíveis que assentem em título dispositivo proveniente do titular inscrito, não assegurando, portanto, o futuro adquirente em face de actos praticados por terceiros contra o titular do registo definitivo (v.g. arresto, penhora ou apreensão em processo de falência), já que não é razoável supor que o legislador tenha pretendido atribuir ao titular registal inscrito a possibilidade de limitar a eficácia substantiva de uma eventual e futura atuação legítima de um terceiro”
Daí que, com inscrição definitiva ou provisória de arresto, sempre o requerente estaria protegido nos termos supra definidos.

Relativamente à questão estritamente tabular, entendemos que, mesmo aí, o recorrente não tem razão.
Não há dúvida que o artigo 92.º, n.º 2, alínea b) do Código de Registo Predial manda efetuar provisoriamente por natureza as inscrições dependentes de qualquer registo provisório ou que com ele sejam incompatíveis.
Já a alínea a) do mesmo artigo 92.º, n.º 2 CRP refere que são provisórias por natureza as inscrições de …”arresto, se existir sobre os bens registo de aquisição ou reconhecimento do direito de propriedade ou de mera posse a favor de pessoa diversa do executado, do insolvente ou do requerido”. Ora, como vimos, tal não acontece no nosso caso, uma vez que o bem sobre que incide o arresto encontra-se registado definitivamente a favor do sujeito passivo daquele (requerido no arresto).
Acontece, também, que a inscrição do arresto não está dependente do registo provisório de aquisição previamente efetuado (alínea b)), uma vez que o sujeito passivo do arresto é o titular inscrito relativamente ao imóvel em questão e não o sujeito passivo da aquisição registada provisoriamente por natureza.
E se é certo que a inscrição provisória por natureza da aquisição se pode converter em definitiva com data posterior à inscrição do arresto, revertendo os seus efeitos à data do registo provisório, por aplicação do princípio da prioridade do registo previsto no artigo 6.º, n.º 3 CRP, é também certo que tal aquisição não pode ser oposta ao sujeito ativo do arresto registado sobre o mesmo bem, antes do registo de aquisição ter sido convertido em definitivo (veja-se os fundamentos de lei substantiva já aduzidos e o disposto no n.º 1 do artigo 622.º do Código Civil : “Os actos de disposição dos bens arrestados são ineficazes em relação ao requerente do arresto…”).
Não pode, portanto, falar-se de uma relação de dependência do registo do arresto relativamente ao registo provisório de aquisição, uma vez que se mantém como titular inscrito o sujeito passivo do arresto (daí a não aplicação da alínea a) deste artigo 92.º, n.º 2) e, muito menos, o registo de arresto é incompatível com aquele registo provisório de aquisição, uma vez que, nos termos já vistos, ele é oponível ao titular de tal registo provisório (pelo que não pode aplicar-se aqui a alínea b) do n.º 2 do artigo 92.º do CRP).
Neste sentido se pode ver o Acórdão do STJ de 25/06/2002, processo n.º 01A4305, in www.dgsi.pt, onde se pode ler: “Daí que o simples registo provisório de aquisição com base em contrato-promessa não possa ter o efeito de fazer retroagir a aquisição da propriedade à do registo provisório. Fá-lo se o direito substantivo o permitir, isto é se do contrato resultar uma garantia ou direito real, não se dele apenas resultarem direitos de natureza obrigacional. Acresce que nos termos do disposto no art.º 622, n.º 1, do Código Civil, os actos de disposição dos bens arrestados são ineficazes em relação ao requerente do arresto, de acordo com as regras próprias da penhora, cujos efeitos são extensivos ao arresto.
Isto é, o arresto ainda que registado provisoriamente, e não o devia ter sido com base na alínea a), do número dois do artigo 92.º, do Código do Registo Predial, porquanto a propriedade não estava registada a favor de pessoa diversa do arrestado, produz logo os seus efeitos de ineficácia de actos de disposição em relação ao requerente, mesmo antes da sua conversão em penhora”.
De outra forma, as regras registais estariam em linha de colisão com o direito substantivo, o que, de forma nenhuma, deverá ter sido desejado pelo legislador.
Quer do ponto de vista substantivo, quer do ponto de vista estritamente tabular, não há razão para que este registo seja efetuado provisoriamente por natureza, pelo que, haverá que concluir pela improcedência da apelação e consequente confirmação da sentença recorrida (ainda que por motivos não inteiramente coincidentes).

Sumário:
1 - A simples inscrição provisória no registo, de uma aquisição – com base ou não em contrato-promessa – não pode limitar a eficácia substantiva de uma eventual e futura atuação legítima de terceiro, designadamente, através de arresto decretado por sentença contra o titular definitivamente inscrito.
2 – Se o sujeito passivo de um arresto é o titular inscrito (definitivamente) de um imóvel, deve aquele ser registado definitivamente e não provisoriamente, ainda que, previamente, haja inscrição provisória por natureza de aquisição a favor de pessoa diversa do arrestado.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Guimarães, 10 de novembro de 2014
Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Maria Purificação Carvalho