Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2871/21.8T8GMR.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
DOCUMENTOS
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/01/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – A inversão do ónus da prova, tal como se encontra prescrita no n.º 2 do art.º 344.º do Código Civil, só ocorre nas situações limite em que se verifique uma intenção inequívoca de destruir ou ocultar meios de prova para impedir a contraparte de efectivar o seu direito.
II - Só as situações em que a parte culposamente impossibilite a prova é que são geradoras da inversão do ónus, todas as demais situações geradoras da violação do dever de cooperação para a descoberta da verdade devem ser analisadas atendendo à natureza da recusa, sendo o valor da recusa livremente apreciado pelo tribunal para efeitos probatórios – cfr. art.º 417.º n.º 2 do CPC.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., ..., ..., ..., instaurou ação declarativa emergente de contrato de trabalho com processo comum contra EMP01..., LDA., com sede na Rua ..., ..., ...  pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia global de €7.148,25, acrescida dos respetivos juros computados à taxa legal de 4%, desde a data dos respetivos vencimentos até efectivo e integral pagamento, a qual integra as seguintes parcelas:
- 3.414,63€, a remunerações respeitantes ao exercício da profissão de motorista para além do vencimento base, devidas e não pagas;
- 462,90€, a título de duodécimos dos subsídios de férias e de Natal, ambos de 2019;
- 798,00€, a título de duodécimos dos subsídios de férias e de Natal, ambos de 2020;
- 770,00€, o título de vencimento base, relativo a 2020,;
- 144,18€, a título de pagamento do trabalho prestado em dias de descanso e feriado;
- 48,06€ a título de indemnização por descanso compensatório não gozado, nem pago;
- 104,34 €, a título de proporcionais de férias e de subsídio de férias relativos ao trabalho prestado em 2021;
- 834,00€, a título de pagamento do trabalho prestado em janeiro de 2020;
- 2.462,00€, a título de férias e subsídio de férias vencidos a 01 de janeiro de 2021;
- 30,14€, a título de proporcionais de subsídio de Natal relativos ao trabalho prestado em 2021;
Ao total desta importância é necessário subtrair 420,00€ (relativos o período de aviso prévio em falta) e 1.500,00€ (transferidos pela Ré ao Autor, em fevereiro de 2021).
Para tanto alega ter sido admitido, em 15/02/2019, para trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, como motorista. O contrato cessou por denúncia, sendo-lhe devidos pela Ré diversos créditos laborais peticionados à luz da CCTV assinado entre a ANTRAM e a FECTRANS, publicado no BTE, 1ª Série, nº 34, de 15 de Setembro de 2018 (com Portaria de extensão nº 287/2018, publicada no DR de 24/10/2018), revisto pelo CCT publicado no BTE nº 45, de 08/12/2019 (com Portaria de extensão nº 49/2020, publicada no DR de 26/02/2020), que pugna ser aplicável à relação laboral dos presentes autos.
A Ré contestou, impugnando a alegação do autor da exigibilidade da retribuição peticionada pelo desempenho da atividade profissional de “motorista de pesados”, atento o objeto social da ré de “extração de granito, à exploração florestal, à comercialização por grosso de madeiras em bruto e produtos derivados e de materiais de construção e ao transporte rodoviário de mercadorias”, alegando não ser filiada na ANTRAM e ser aplicável à relação laboral dos autos a CCT entre a ANIET — Associação Nacional da Indústria Extrativa e Transformadora e a FEVICCOM — Federação Portuguesa dos Sindicatos da Construção, Cerâmica e Vidro publicada no BTE, 1ª serie, n.º 46 de 15/12/2009, da qual resulta, que para esse ano e para a categoria profissional de “motorista de pesados” a remuneração mínima é no valor de €505,50. Alega que sempre pagou ao autor a remuneração mensal de 1.500,00€ por tal regime remuneratório assim ter sido entre ambos acordado e ser claramente mais favorável para aquele. Subsidiariamente, alegou, que os 1.500,00€ pagam a “retribuição base de 700,00€; o complemento salarial previsto na cláusula 59ª (de 21,00€ porque o A. conduziu um veículo de 40 toneladas); a prestação pecuniária prevista na cláusula 61ª (no valor de 346,08€); a ajuda de custo TIR estipulada na cláusula 64ª (no valor de 115,00€ para o transporte ibérico)”, ou seja, tudo num total de 1.182,08€ nada mais lhe sendo exigível. Por fim, defende que o autor não tem direito às peticionadas remunerações por trabalho noturno e em dia de descanso por não o ter prestado, e relativamente às “remunerações variáveis referentes às ajudas de custo diárias” pagou ao A., na pendência do Contrato de Trabalho, (1.500,00€ - 1.182,08€) 317,92€ pelo que pagou as “ajudas de custo diárias” devidas.

Os autos prosseguiram os seus normais trâmites e por fim foi proferida sentença, pela Mmª. Juiz a quo, que terminou com o seguinte dispositivo:

“Pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condeno a ré EMP01..., Lda., a pagar ao autor AA:
1. A quantia a liquidar posteriormente e nunca podendo exceder os montantes peticionados a estes títulos pelo autor, relativa aos pedidos referidas em 3.3.1, pontos I) a VII), devidos no âmbito do trabalho prestado pelo autor ao serviço da ré de acordo com o instrumento de regulamentação coletiva do trabalho aplicável, excluindo o pagamento de todos os demais pedidos e depois de descontados os montantes referidos em 3.3.1, pontos VIII), acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos desde a data de vencimento de cada uma das prestações e até efetivo e integral pagamento.
2. Mais se decide absolver a ré do demais peticionado pelo autor.
*
Custas da ação a cargo de autor e ré, provisoriamente (a corrigir depois de um eventual incidente de liquidação) e na proporção de ½, a cargo de autor e ré, sem prejuízo da isenção de que beneficie o autor (tudo nos termos Art. 527º, n.os 1 e 2 e 528º, n.º 1 do Novo Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no art. 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, aderindo-se, quanto à parte ilíquida da condenação, à posição expressa no Acórdão da Relação do Porto de 27 de junho de 1996, CJ III, p. 243, e por ABRANTES GERALDES, Temas Judiciários I, Coimbra, 1998, p. 240-242, uma vez que ambas as partes devem ser consideradas, neste momento, como parcialmente vencidas quanto a essa parte da condenação), fixando-se o valor da presente ação, nos termos do art. 306º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil, atento o disposto nos arts. 296º, 297º, n.os 1 e 2 e 299º do mesmo diploma legal.
*
Registe e notifique.”

Inconformado com o assim decidido apelou o Autor formulando as seguintes conclusões:
“CONCLUSÕES:
1) De acordo com a decisão ora posta em crise, não ficou provado que “o autor tenha pernoitado fora da sua residência de 2ª a 6ª feira, em Espanha (ou Portugal), no mês de maio de 2019, 18 vezes; em Junho de 2019, 16 vezes; em julho de 2019, 19 vezes; setembro de 2019, 17 vezes; outubro de 2019, 19 vezes; novembro de 2019, 16 vezes; em janeiro de 2020, 18 vezes; em fevereiro de 2020, 15 vezes; março de 2020, 18 vezes; junho de 2020, 18 vezes; setembro de 2020, 18 vezes e em outubro de 2020, 15 vezes”.
2) O Autor entende que o Tribunal a quo dificultou, de forma injustificada, a prova de que, nas referidas datas, pernoitou fora da sua residência.
3) A Ré, após notificada para o efeito, recusou-se a juntar aos autos os mapas de viagens preenchidos pelo Autor, alegando, em suma, que os mesmos são elementos de preenchimento manual pelo trabalhador que não obedecem a qualquer tipo de rigor, servindo, apenas, como elementos de controlo do seu funcionamento interno.
4) Apesar de notificada para o efeito, a Ré também não procedeu à junção dos registos do tacógrafo do Autor, tendo-se limitado a alegar que os mesmos não permitem obter a localização do veículo.
5) Pese embora a solicitação do Autor, o Tribunal a quo não notificou a empresa responsável pela descarga dos elementos constantes do referido tacógrafo, que, como o Autor salientou, estão ligados ao sistema global de navegação por satélite.
6) A Ré actuou, assim, de forma dolosa, com o propósito de impedir o Autor de produzir a competente prova a respeito dos factos por si alegados.
7) Perante o referido comportamento, o Tribunal a quo deveria ter decretado a inversão do ónus da prova, já que, conforme decorre do artigo 7º, nº 4 do Código de Processo Civil, o juiz deve, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo que dificulte a obtenção de determinado documento ou informação.
8) Ora, no caso dos autos, a Ré nem sequer alegou a existência de obstáculos à junção dos referidos documentos, tendo, pura e simplesmente, declinado a junção dos mesmos, o que revela má-fé processual.
9) Decretada, como devia, a inversão do ónus da prova, forçosamente se concluiria serem verdadeiros os factos alegados pelo Autor e dados como não provados no nº 4) do segmento “Factos Não Provados”.
10) Considerando que o Tribunal a quo, ao não decretar a inversão do ónus da prova, dificultou, injustificadamente, a prova dos factos alegados pelo Autor e que a Ré não alegou quaisquer factos que permitissem colocar em causa a veracidade dos mesmos, deve, salvo melhor opinião, reconhecer-se como verdadeiros os factos dados como não provados no nº 4 do segmento decisório “Factos Não Provados”, o que desde já se requer.
11) Por outro lado, a sentença recorrida enferma do vício de omissão de pronúncia, já que, no segmento decisório 3.3.1, não procede, como devia, ao apuramento dos valores concretamente devidos ao Autor, optando, antes, por relegá-lo para fase posterior.
12) Ora, o Tribunal a quo dispunha dos elementos necessários para proferir uma sentença da qual constassem os valores concretamente devidos ao Autor, já que, na sua Petição Inicial, o Autor discrimina, por referência a cada uma das rúbricas, os valores que entende serem-lhe devidos.
13) De acordo com o referido em I) do dito segmento, o Autor tem direito ao pagamento “da eventual diferença a favor do autor entre o valor pago e devido pela ré a título dos duodécimos dos subsídios de férias e de natal, ambos de 2019”.
14) Assim, em conformidade com o artigo 84º da Petição Inicial, deveria o Tribunal a quo ter decidido que o Autor tem direito a receber a quantia de 462,90€ a título de duodécimos dos subsídios de férias e de Natal, ambos de 2019, devidos mas não pagos.
15) De acordo com o referido em II) do dito segmento, o Autor tem direito ao pagamento “da eventual diferença a favor do autor entre o valor pago e devido pela ré duodécimos dos subsídios de férias e de natal, ambos de 2020”.
16) Em conformidade com o artigo 84º da Petição Inicial, devia o Tribunal a quo ter decidido que o Autor tem direito a receber a quantia de 798,00€ a título de duodécimos dos subsídios de férias e de Natal, ambos de 2020, devidos mas não pagos.
17) De acordo com o referido em III) do dito segmento decisório, o Autor tem direito ao pagamento da “diferença entre o valor que lhe foi pago e o devido a título de vencimento base, relativo ao ano de 2020”.
18) Em conformidade com o artigo 84º da Petição Inicial, devia o Tribunal a quo ter decidido que o Autor tem direito a receber a quantia de “770,00€, a título de vencimento base, relativo a 2020, devido mas não pago”.
19) De acordo com o referido em IV) do dito segmento decisório, o Autor tem direito ao pagamento da “retribuição do trabalho prestado em dias de descanso e feriado: 01 de Fevereiro e 02 e 09 de Maio de 2020 (coincidiram dias de descanso)”.
20) Em conformidade com o artigo 84º da Petição Inicial, devia o Tribunal a quo ter decidido que o Autor tem direito a receber a quantia de 144,18€ a título de pagamento do trabalho prestado em dias de descanso e feriado.
21) De acordo com o referido em V) do segmento decisório em questão, o Autor tem direito ao pagamento de “indemnização por descanso compensatório não gozado, nem pago, equivalente à sua remuneração diária e que auferiria se lho tivesse pago (dois dias)”.
22) Em conformidade com o artigo 84º da Petição Inicial, devia o Tribunal a quo ter decidido que o Autor tem direito a receber da Ré a quantia de 48,06€ a título de indemnização por descanso compensatório não gozado, nem pago”.
23) De acordo com o referido em VI) do dito segmento decisório, o Autor tem direito ao “pagamento da retribuição dos 15 dias de trabalho prestado em Janeiro de 2021, aos “proporcionais de férias e de subsídio de férias relativos ao trabalho prestado em 2021” e, ainda, aos “proporcionais de subsídio de Natal correspondentes aos 15 dias de trabalho prestados em 2021”.
24) Ora, em conformidade com o artigo 84º da Petição Inicial, devia o Tribunal a quo ter decidido que o Autor tem direito a receber a quantia de 104,34€ a título de proporcionais de férias e de subsídio de férias relativos ao trabalho prestado em 2021, a quantia de 834,00€ a título de pagamento do trabalho prestado em
Janeiro de 2021 e a quantia de 30,14€ a título de proporcionais de subsídio de Natal relativos ao trabalho prestado em 2021.
25) De acordo com o referido em VII) do segmento decisório em apreço, o Autor tem direito a receber o pagamento da “retribuição e respetivo subsídio dos 22 dias úteis de férias vencidas em 2021 e não gozadas”.
26) Em conformidade com o artigo 84º da Petição Inicial, devia o Tribunal a quo ter decidido que o Autor tem direito a receber a quantia de 2.462,00€ a título de férias e subsídio de férias vencidos a 01 de Janeiro de 2021.
27) Temos, assim, que a sentença recorrida, na medida em que não concretiza quais os concretos valores que o Autor tem direito a receber e relega para fase posterior o respectivo apuramento, enferma de um vício de omissão de pronúncia, que, salvo melhor opinião, deve ser sanado pelo douto acórdão que vier a ser proferido.”
Termina peticionando que a revogação da sentença recorrida nos termos por si requeridos.
A Ré apresentou contra alegações, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
O recurso interposto pelo Autor foi admitido na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito e foram os autos remetidos a esta Relação.
*
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pela Exma. Senhor Procuradora Geral-Adjunta foi emitido parecer no sentido da procedência parcial do recurso.
Mostram-se colhidos os vistos dos senhores juízes adjuntos e cumpre decidir.

II - OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, no recurso interposto pelo Autor/Apelante sobre a sentença recorrida, coloca-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

1 –Inversão do Ónus da Prova e Respetivas Consequências;
2 – Nulidade da Sentença por Omissão de Pronúncia.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS
A. A ré "EMP01..., Lda.", pessoa coletiva nº...19, com sede na Rua ..., ..., ..., tem o objeto social a “extração de granito, à exploração florestal, à comercialização por grosso de madeiras em bruto e produtos derivados e de materiais de construção e ao transporte rodoviário de mercadorias”;
B. (…) com o CAE principal 49410-R3 e o CAE secundário 08112-R3;
C. (…) o CAE principal 49410-R3 refere-se à atividade económica de transporte rodoviário de mercadorias.
D. O Autor foi admitido ao serviço da Ré no dia .../.../2019, mediante contrato de trabalho sem termo;
E. (…) passando, desde então, a conduzir veículos pesados de mercadorias com destino principal Espanha, com cargas e descargas em Portugal;
F. (…) iniciava e finalizava as viagens nas instalações da Ré, sitas na Rua ..., na freguesia e concelho ..., seguindo as instruções de destinos e que a Ré lhe transmitia por SMS;
G. (…) o que fez sob as ordens, autoridade, direção, fiscalização, da Ré, conduzindo veículos de 40 toneladas, com carga e velando por esta;
H. (…) as horas de início e termo do trabalho, assim como a duração dos intervalos, foram estabelecidos diariamente, sem prejuízo do limite de 8 horas diárias e 40 horas semanais;
I. (…) tinha o seu dia de descanso semanal ao domingo e o dia de descanso complementar ao sábado.
J. O Autor é associado e encontra-se representado pelo STRUP - Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal, que integra a FECTRANS – Federação de Sindicatos dos Transportes e Comunicações (Cfr. BTE nº 47, da 1ª série, de 22/12/2007, pág. 4448).
K. O Autor enviou à Ré a denúncia do contrato de trabalho que os vinculava, com pré-aviso, que foi por esta recebida a 06/01/2021;
L. (…) para produzir efeitos no dia 18/01/2021.
M. Entre autor e ré foi acordada a retribuição de mensal de 1.500€;
N. (…) compulsados os recibos de vencimento, verifica-se que a Ré pagou ao autor a retribuição base, ajudas de custo nacionais e subsídio de alimentação;
O. (…) os destinos das viagens do Autor foram Espanha e locais em Portugal continental;
P. (…) que implicavam frequentes repousos diários fora da sua residência;
Q. (…) os veículos conduzidos pelo Autor ao serviço da Ré estavam equipados com aparelho tacógrafo;
R. (…) o autor procedeu à descarga dos dados do seu cartão tacógrafo, após a cessação do contrato de trabalho com a ré, numa empresa que possui o programa adequado para o fazer, no entanto, apenas lhe foi entregue o registo dos dados posteriores a 6 de maio de 2020 e sem qualquer referência ao local onde iniciava e acabava as jornadas de trabalho;
S. (…) para registo de todas as vicissitudes das viagens, a ré fez a transferência dos dados armazenados no aparelho de controlo o nos cartões do autor, seu motorista, pelo menos de 28 em 28 dias.
T. No ano de 2019, a remuneração base mensal do autor foi 645,00€;
U. (…) recebeu mensalmente dois duodécimos de 53,31€;
V. Em 2020 o autor recebeu mensalmente dois duodécimos de 53,75€ de subsídio de férias;
W. O Autor trabalhou nos dias 01.02, 02.05 (sábado e domingo) e 09.05.2020 (sábado), que coincidiram com feriado e dias de descansos;
X. (…) não lhe foi paga a retribuição devida pelo trabalho de sábado, domingo ou feriado trabalhados;
Y. (…) trabalhou em dias em que devia ter descansado, nomeadamente, trabalhou nos dias 11, 12 e 13 de maio de 2020;
Z. O autor trabalhou durante 15 dias em 2020;
AA. Sem prejuízo do pagamento referido em CC), o autor não gozou os 22 dias úteis de férias vencidas em 2022 nem lhe foi paga a respetiva retribuição;
BB. (…) nem recebeu o subsídio de Natal, férias e subsidio de férias correspondente aos 15 dias de trabalho prestados em 2021;
CC. A ré em fevereiro de 2021 transferiu para a conta bancária do Autor, a quantia de 1.500,00€.
DD. O pagamento efetuado mensalmente pela ré aio autor de 1.500,00€ inclui “retribuição base de 700,00€; o complemento salarial previsto na cláusula 59ª (de 21,00€ porque o A. conduziu um veículo de 40 toneladas); a prestação pecuniária prevista na cláusula 61ª (no valor de 346,08€); a ajuda de custo TIR estipulada na cláusula 64ª (no valor de 115,00€ para o transporte ibérico)”, num total de 1.182,08.
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FACTOS NÃO PROVADOS

1. O destino das viagens realizada pelo autor ao serviço da ré fosse exclusivamente Espanha;
2. (…) a viagens, fossem realizadas pelos trajetos definidos e transmitidos pela ré;
3. (…) a transferência de dados referida em S), contenha a informação relativa ao local onde o veículo se encontra estacionado;
4. (…) o autor tenha pernoitado fora da sua residência de 2ª a 6ª feira, em Espanha (ou e Portugal), no mês de maio de 2019, 18 vezes; em junho de 2019, 16 vezes; em julho de 2019, 19 vezes; setembro de 2019, 17 vezes; outubro de 2019, 19 vezes; novembro de 2019, 16 vezes; em janeiro de 2020, 18 vezes; em fevereiro de 2020, 15 vezes; março de 2020, 18 vezes; junho de 2020, 18 vezes; julho de 2020, 18 vezes; setembro de 2020, 18 vezes e em outubro de 2020, 15 vezes;
5. O autor tenha presado trabalho noturno:
6. (…) o autor tenha presado trabalho noturno no mês de janeiro de 2020;
7. A retribuição de 645,00€ sujeita aos respetivos descontos legais, acrescida de um subsídio de refeição de 5,12€ por cada dia útil de trabalho seja mais favorável para o A. que a CCTV assinado entre a ANTRAM e a FECTRANS, publicado no BTE, 1ª Série, nº 34, de 15 de setembro de 2018.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

1 –  Da inversão do ónus da prova
O Recorrente/Apelante pretende a alteração da decisão sobre a matéria de facto, decorrente da inversão do ónus da prova, o qual impõe que passe a constar da factualidade provada a matéria de facto dada como não provada designadamente a que consta do ponto 4 dos pontos de facto não provados, factualidade esta que respeita à pernoita fora da sua residência por força do trabalho prestado por conta da Ré. 
É entendimento reiterado e unânime, quer da doutrina, quer da jurisprudência, que o Tribunal da Relação pode modificar a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto sempre que se verifique qualquer uma das situações previstas no n.º 1 do art.º 662.º do CPC.
Dispõe o artigo 662.º n.º 1 do C.P.C. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do C.P.T. e no que aqui nos interessa, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
 Importa salientar que se trata de meios de prova que imponham decisão diversa da impugnada e não que permitam ou admitam ou consintam apenas decisão diversa da impugnada.
O n.º 2 do art.º 662º do Código de Processo Civil prevê as situações que justificam a modificação da decisão facto, podendo tal ocorrer mesmo oficiosamente, devendo assim o Tribunal da Relação:
“a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Por seu turno, o art.º 640º do C.P.C. que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Como se defendeu no Acórdão deste Tribunal de 04-02-2016, no Proc. 283/08.8TBCHV-A.G1, disponível em www.dgsi.pt, «para que a decisão da 1.ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada na resposta que se deu à factualidade controvertida, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.»
Retornando ao caso dos autos e analisada a alegação e as conclusões de recurso acima transcritas, constatamos, ao contrário do defendido em sede de contra-alegações, mostra-se minimamente cumprido o ónus de alegação pelo recorrente.
Com efeito que o Recorrente pretende que o ponto 4 dos pontos de facto não provados passe a constar dos pontos de facto provados. Para prova desta factualidade referente à pernoita ao serviço da Ré, requereu que a R. fosse notificada para juntar aos autos os mapas de viagem preenchidos pelo autor e os registos do tacógrafo relativos a toda a sua condução, de onde conste a localização do veículo.
Defende o Recorrente que não tendo a Ré apresentado em conformidade com o que lhe foi determinado, os mapas de viagem defendendo que se tratam de meras folhas de preenchimento manual por parte dos trabalhadores, desprovidos de qualquer tipo de rigor, não cumpriu o ordenado pelo tribunal, impedindo-o a apreciação critica dos mesmos. Nem tendo a Ré junto o registo do tacógrafo de onde conste a localização do veículo conduzido pelo autor, deveria o Tribunal, em conformidade com o por si requerido em 23.12.2021, decretado a inversão do ónus da prova, nos termos dos artigos 429º, 430º, 417º nº2 do CPC e artigo 344º do Código Civil, já que não o tendo feito dificultou injustificadamente a produção de prova por parte do autor. Conclui assim, que deve ser dado como provado o ponto 4 dos pontos de facto não provados.
Na verdade, quanto à falta de junção de documentos pela Ré, o tribunal a quo recusou a aplicação da inversão do ónus da prova, por considerar não provada a acção ou omissão culposa da Ré, procedendo aqui à transcrição do que a este propósito se consignou na sentença recorrida.
“Autor e testemunha referiram que se a ré juntasse aos autos as folhas de serviço preenchidas e entregues pelo autor e a localização efetiva do veiculo conduzido pelo mesmo seria possível verificar que o autor pernoitava frequentemente de segunda sexta feira fora de casa.
Refere-se, nesta parte, a respeito da pernoita do autor fora de casa de segunda a sexta feira, que a ré foi efetivamente notificada para juntar aos autos os documentos que se encontram na sua posse e cujo conhecimento se revelava relevante para a boa decisão da causa (ao abrigo do disposto nos artigos 417º, nº 1, do art. 429º, e sob a cominação do disposto nos artigos 542º, alínea c), 430º e 417º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), a saber, recibos de vencimento de abril de 2019, abril, maio, novembro e dezembro de 2020 e de janeiro de 2021; todos os mapas das viagens efetuadas pelo Autor, ao serviço da Ré, em 2019, 2020 e 2021; registo tacógrafo relativo a todo o período de duração do contrato de trabalho do Autor, desde fevereiro de 2019 até janeiro de 2020, de onde conste a localização do veículo conduzido pelo Autor e Ficha individual de trabalhador do Autor.
Na resposta dada não efetuou a junção da ficha individual de trabalhador do autor, alegando não a possuir, e declinou a junção dos “mapas de viagem”, alegando tratar-se de “(…) folhas de preenchimento manual por parte dos trabalhadores da R., incluindo o A., não obedecendo a qualquer tipo de rigor nem, se encontrando regulamentados em qualquer legislação, servindo, única e exclusivamente, para controlo interno desta”. Quanto à localização do veiculo GPS a ré esclareceu (requerimento de 0303.2022) que o relatório de atividade desenvolvida pelo autor para a ré e junto aos autos é obtido através do sistema T..., usado para a leitura automática de tempos de condução, períodos de repouso, intervalos e períodos de atividade a partir de gráficos tacho bem como para a análise das horas de condução em relatórios ..., não incluindo a localização do veículo. Esta resposta não foi questionada pelo autor, não existindo nos autos informação que a permita contrariar.
Apreciada criticamente a prova produzida, concluímos, que apesar da convergência entre as declarações de parte e do depoimento da testemunha arrolada pelo autor, um e outro só por si não foram suficientes para conduzir à prova de qualquer um dos factos controvertidos nos autos, porque nos parecerem marcadamente comprometidos com a versão alegada pelo autor na petição inicial. Por isso, ambos foram integrado e conformados com os demais meios de prova objetivos produzidos nos autos, tendo sido as partes divergentes das declarações e depoimentos interpretados à luz da experiencia e do senso comum. Nesta sequência, concluindo-se com segurança que o autor trabalhou para a ré, como motorista de veículos pesados de mercadorias com destino a Espanha, região da ..., e outros locais que lhe foram indicados pela ré, bem assim, por um transitário terceiro que matinha relações comercias com a ré, atividade compreendida no objeto social da ré como resulta da certidão da sua matricula junta aos autos em 09.07.2021 (cfr. CAE principal 49410-R3 que respeita à atividade económica de transporte), o que fez de segunda a sexta feira. Terá pernoitado fora de casa, mas desconhecesse em que dias em concreto tal aconteceu, e recebeu as quantias que constam dos recibos de vencimento juntos aos autos (até por o A. nunca ter posto em causa o recebimento dos montantes que aí constam).
No mais, foi considerado todo o acervo documental junto pelas partes aos autos, sopesado e ponderado de forma crítica e conjugada com a restante prova produzida, em especial: o contrato de trabalho celebrado por A. e R. e a carta destinada à cessação desse contrato de trabalho por parte do A. e enviada por este à R. registo postal e aviso de receção; os recibos de vencimento do A. emitidos pela R; certidão da matricula da ré junta aos autos em 09.07.2021, onde resulta que o CAE principal 49410-R3 e o CAE secundário 08112-R3. O CAE principal 49410-R3 respeita à atividade económica de transporte; declaração de rendimentos do autor do ano de 2019; declaração emitida pela STRUP da qualidade de associado do autor e registos digitais de tacógrafo ou descargas de cartões de motorista (doc.... junto com a petição inicial e sob documento nº ... pela ré em 15.12.2023 - Relatório atividade para EMP02..., Lda. do 15/02/2019 a 31/01/2021), relativos a transportes efetuados pela R. e/ou à atividade da R. ou do A. enquanto seu trabalhador. De facto, como se sabe, “Tacógrafo, aparelho que serve para registar as velocidades, é um vocábulo recente (ou neologismo) do ramo tecnológico formado pelos elementos taco- e grafo. Taco- é um elemento antepositivo derivado do grego ‘tákhos, -eos’, que contém a ideia de rapidez, e -grafo, também de origem grega, é relativo à ideia de escrita.1
” O tacógrafo é, assim, um instrumento de controlo, que visa controlar os tempos de trabalho e de condução dos motoristas e permite, desde logo, possibilitar a fiscalização do cumprimento das regras legais aplicáveis, que constam da legislação portuguesa e comunitária. Trata-se de um aparelho que produz uma notação técnica, que serve, no que ora interessa, para controlar o período em que o condutor conduz o veículo (e também em que descansa ou realiza outra atividades), fazendo a notação automática desses valores. Essa notação destina-se também a fazer prova de um facto juridicamente relevante, servindo, desde logo, para as autoridades competentes fiscalizarem os factos que essa notação regista, podendo, de seguida, iniciar o correspondente processo contraordenacional se forem infringidas as disposições legais aplicáveis (que dizem respeito ao direito estradal e ao direito de mera ordenação laboral). O teor destes documentos é suficiente, quando para dar como provado que o A. esteve ao serviço da R. em todos os Dias que constam destes documentos. Aliás, é a ré quem (cf. requerimento de 03.03.2022) afirma que “O relatório de atividade do A. pela R. já junto aos presentes autos é obtido através do sistema T...”, usado para a leitura automática de tempos de condução, períodos de repouso, intervalos e períodos de atividade a partir de gráficos tacho bem como para a análise das horas de condução em relatórios ..., mas não inclui a localização do veículo.
Quanto à falta de registo de fevereiro de 2019 até janeiro de 2020, da localização do veículo conduzido pelo Autor, mapas de viagem e ficha individual de trabalhador do autor, impõe que se refira mais o seguinte.
Como se referiu supra, na resposta dada a ré não efetuou a junção da ficha individual de trabalhador do autor, alegando não a possuir, e declinou a junção dos “mapas de viagem”, alegando tratar-se de “(…) folhas de preenchimento manual por parte dos trabalhadores da R., incluindo o A., não obedecendo a qualquer tipo de rigor nem, se encontrando regulamentados em qualquer legislação, servindo, única e exclusivamente, para controlo interno desta”. Esclareceu, também, que relatório de atividade obtido através do sistema T... não inclui a localização.
Ora nos autos não existe prova de que a ré dispunha de informação que dolosamente se recusou a juntar aos autos, pese embora a importância probatória dos documentos em apreço, mormente dos mapas de viagem para a prova do facto alegado pelo autor de que não tinha regresso à residência de 2ª a 6ª feira e que, em consequência, lhe são devidas as ajudas de custo diárias, concretamente as previstas na cláusula 59º do CCT. Com efeito, não se pode afirmar que a ré mantenha esses mapas, mormente que dolosamente está a dificultar a prova destes factos, assim se justificando a inversão da prova.
O autor poderia ter produzido essa prova por outros meios, designadamente se tivesse guardado cópia dos mapas de viagem que preencheu e entregou à ré com base nos quais a ré conferiu as retribuições variáveis que lhe entregou, como motorista, ou com recurso a outros meios de prova como testemunhal. Sucedeu que a prova que o autor apresentou em juízo foi desmaiada, não conseguiu especificar ou concretizar os factos que invocou como causa de pedir para os pedidos deduzidos nos autos. Recorda-se que a única testemunha, BB, não partilhava o camião nem as viagens com o autor, cingindo-se no essencial, a defender a “versão” dos factos que beneficiava o autor, sendo certo que, como referimos, também o autor é sua testemunha na ação pendente que tem contra a ré, baseando-se a razão de ciência no desempenho de funções idênticas no âmbito da relação de trabalho estabelecidas com a ré. Sabe-se que em que dias concretos o autor esteve em viagem sob ordens da ré e embora se possa admitir que viagens com pernoita em Espanha, não se apurou em que dias tal sucedeu, o mesmo sucedendo com o trabalho noturno e em dia de descanso complementar, porque em rigor nenhuma prova concreta a esse respeito produziu. Por falta de prova, julgou-se não provado que o tenha pernoitado fora da sua residência de 2ª a 6ª feira, em Espanha ( ou e Portugal), no mês de maio de 2019, 18 vezes; em junho de 2019, 16 vezes; em julho de 2019, 19 vezes; setembro de 2019, 17 vezes; outubro de 2019, 19 vezes; novembro de 2019, 16 vezes; em janeiro de 2020, 18 vezes; em fevereiro de 2020, 15 vezes; março de 2020, 18 vezes; junho de 2020, 18 vezes; julho de 2020, 18 vezes; setembro de 2020, 18 vezes e em outubro de 2020, 15 vezes; tenha presado trabalho noturno, designadamente, no mês de janeiro de 2020.
Concluímos que não logrou o autor provar o número de dias que em cada mês e ano de 2019 e 2020 pernoitou fora do seu domicilio em execução do contrato de trabalho, que tenha prestado trabalho noturno e em dia de descanso para além dos três dias referidos em W) dos factos provados, cujo ónus da prova lhe pertencia.
Assim concluímos por não vermos, pelas razões expostas quanto à não junção de documentos pela ré, que seja de julgar invertido o ónus da prova dos factos que o autor pretendia provar com a sua junção, nos termos dos arts. 417º, n.º 2 do Código de Processo Civil e 344º, n.º 2 do Código Civil, dado que o autor não provou que esses documentos estejam, neste momento, na posse da ré – que não se recusou a proceder à sua junção, antes tendo procedido à junção daqueles que tinha na sua disponibilidade – e que esta tenha tornado impossível culposamente a prova desses mesmos factos por parte do autor, que sempre os poderia provar de outra forma, mormente até com a prova testemunhal que indicou, dado que a única testemunha que arrolou se referiu, embora não de forma totalmente convincente, e com generalidade aos mesmos – cfr., por todos e no âmbito laboral, o Acórdão da Relação do Porto de 21 de fevereiro de 2005, disponível em www.dgsi.pt, onde se concluiu que “De acordo com o artigo 344, n.2 do Código Civil, para que haja inversão do ónus da prova, é necessário: a) que a prova de determinada factualidade se tenha tornado impossível de fazer, por ação (comissiva ou omissiva) da parte contrária; e b) que tal comportamento lhe seja imputável a título culposo”).
Da fundamentação transcrita resulta que o Autor não logrou provar, como lhe incumbia, nos termos do art.º 342º nº1 do Código Civil, os factos constitutivos do direito alegado, ou seja, que tenha pernoitado fora da sua residência de 2ª a 6ª feira, em Espanha (ou e Portugal), diversas vezes, que enumera, ao longo dos meses e dos anos que trabalhou por conta da Ré.
A questão que se coloca consiste em apurar se o incumprimento da Ré ao não proceder à junção dos documentos em conformidade com o solicitado determina a inversão do ónus da prova, passando por isso a incumbir à Ré a prova de que a pernoita do Autor ao serviço da Ré não teve lugar.
Prescreve o n.º 2 do art.º 344.º do Código Civil que há inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado.
Assim, para que se verifique a inversão do ónus da prova são necessários dois requisitos, a saber:
- que a conduta da parte seja culposa (não bastando a mera negligência);
- que tenha tornado impossível prova ao onerado, o que inculca que a prova inviabilizada seja decisiva para demonstrar a realidade do facto.
O mencionado normativo sanciona com a inversão do ónus da prova a atuação da parte com ele não onerada que culposamente impeça o onerado de fazer a prova do facto
O princípio violado é o do dever de cooperação para a descoberta da verdade com vista a uma sã administração da justiça.
Como refere Lebre de Freitas e Isabel Alexandre no Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª ed., Almedina, 2017, p. 222/223, verifica-se o condicionalismo do citado art. 344º, n.º 2 do CC quando o comportamento do recusante «impossibilita a prova do facto a provar, a cargo da contraparte, por não ser possível consegui-la com outros meios de prova, já por a lei o impedir (exs.: 313-1 CC; art. 364 C.C), já por concretamente não bastarem para tanto os outros meios produzidos (por exemplo, a destruição pelo condutor do automóvel, logo após o acidente, dos indícios da sua culpa no acidente de viação, o obstáculo eficaz erguido à deslocação a tribunal duma testemunha da parte contrária ou a não apresentação dum documento na posse da parte pode, se outra prova dos factos em causa não existir ou, existindo, for insuficiente, dar lugar à inversão do ónus da prova, que ficará a cargo da parte não cooperante)». O mesmo sucederá quando, por exemplo, «a parte notificada para apresentar um documento não o apresenta (art. 430º do CPC) ou declara que não o possui, tendo-o já possuído e não provando que ele desapareceu ou foi destruído sem culpa sua (art. 431º do CC) «e quando, duma maneira geral, a parte recusa colaborar para a descoberta da verdade» - Cfr. José Lebre de Freitas, Código Civil Anotado (Ana Prata Coord.), volume I, pp. 427/428.
Como também se escreve no comentário ao n.º 2 do art.º 344.º do Código Civil, Rita Lince de Faria, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, pág. 817 e segs. este preceito “prevê a inversão do ónus da prova no caso de a prova se ter tornado impossível para o onerado, sendo essa impossibilidade causada por uma atitude culposa da parte contrária. Assim acontece se, por exemplo, o réu, contra quem é arguida uma nulidade do testamento, o destrói. Nessa eventualidade, passa a ser o réu a suportar o risco da falta de prova daquele facto e não o autor, como resultaria das regras gerais de distribuição do ónus da prova. Naturalmente que por detrás desta inversão se encontra, para além de uma intencionalidade sancionatória para aquele que culposamente impossibilitou a prova, a regra empírica de que aquele que destrói culposamente um meio de prova receará o seu resultado. Chama-se a atenção para dois aspectos. Em primeiro lugar, há que demonstrar, em juízo, a efectiva impossibilidade da prova, bem como a atitude culposa da parte contrária como causa desse facto. Só nessa circunstância ocorre inversão.
De tudo isto resulta que só ocorre a inversão do ónus da prova, nas situações limite em que se verifique uma intenção inequívoca de destruir ou ocultar meios de prova para impedir a contraparte de efectivar o seu direito. Ou seja, só as situações em que a parte culposamente impossibilite a prova é que são geradoras da inversão do ónus, todas as demais situações geradoras da violação do dever de cooperação para a descoberta da verdade devem ser analisadas atendendo à natureza da recusa, sendo o valor da recusa livremente apreciado pelo tribunal para efeitos probatórios – cfr. art.º 417.º n.º 2 do CPC.
Como se refere no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13-07-2017, proc. n.º 1056/11.6TTSTB.E1 (relator Mário Coelho)
1. A inversão do ónus da prova constitui uma solução drástica para situações limite em que houve intenção inequívoca de destruir meios de prova para impedir a contraparte de efectivar o seu direito, e não deve ser aplicada quando a parte tem à sua disposição, ainda, outros meios probatórios para estabelecer a prova do facto.
2. A atitude da parte não onerada com o ónus da prova que constitua violação do dever de cooperação para a descoberta da verdade, é livremente apreciada para efeitos probatórios.
3. Fora das situações limite em que se justifique a inversão do ónus da prova, a violação do dever de cooperação para a descoberta da verdade tem de ser apreciada concretamente atendendo à natureza das provas recusadas.”
Acresce ainda dizer, que a circunstância da recusa da contraparte tornar culposamente a prova impossível ou tornar particularmente difícil a prova não dá lugar, sem mais, a que o facto controvertido se tenha por verdadeiro ou como provado.
Na verdade, tal recusa, não tem como consequência necessária que o facto se tenha por provado contra a parte recusante pois, não se trata de estarmos perante um meio de prova com força probatória plena. Atender à dita recusa apenas significa que passou a caber à parte recusante a prova da falta de realidade desse facto, não estando, por isso, o tribunal dispensado de valorar essa recusa para efeitos da formação da sua convicção com vista a dar, como provado, ou não, o facto em causa.
O art. 7.º n.º 1 do CPC estabelece o princípio da cooperação, abrangendo as próprias partes, com vista a obter-se com brevidade e eficácia a justa composição do litígio. Prevendo os seus ns.º 2 e 3 que às partes compete prestar todos os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes, devendo comparecer em juízo sempre que para isso sejam notificadas e a prestar os esclarecimentos que lhes forem pedidos, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 417.º.
Por fim salientamos que as partes devem agir de boa-fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no citado art.º 7º  - cfr. art.º 8º do CPC. e que o Código de Processo Civil consagra ainda a pena de multa como sanção (acessória) cumulável com a inversão ou livre apreciação da prova, para a falta de cooperação da contraparte, o que resulta da conjugação do art. 344º, n.º 2, do CC com o disposto nos arts. 437º e 417º, n.º 2 do CPC.
No caso em apreço, não temos dúvidas em afirmar que o comportamento da Ré, ao não ter apresentado dos mapas de viagem elaborados pelo autor, bem como o registo do tacógrafo de onde conste a localização do veículo, estando em causa a prestação de trabalho que não se cingia apenas à condução, pode ter constituído uma violação do dever de cooperação e dificulta a prova do mesmo por parte do Autor, contudo não tem a virtualidade de tornar impossível a prova ao onerado. Para além dos mapas de viagem se tratarem de documentos elaborados pelo autor, o que por si só se revelaria de insuficiente para dar como provada a factualidade referente às pernoitas do autor ao serviço da Ré. Igual raciocínio se aplica ao registo do tacógrafo de onde conste a localização do veículo, mas o certo é que, nada impedia que a prova da pernoita do autor ao serviço da ré tivesse sido efectuada através da prova testemunhal ou com recurso a outros documentos, tais como faturas/recibos de refeições e alojamento/dormida.
Por outro lado, não existem nos autos quaisquer elementos que permitam concluir que a Ré culposamente tornou impossível a prova, no sentido de que podia e devia de agir de outro modo. Ao invés, a Ré juntou os registos do tacógrafo que tinha na sua posse, os quais não incluíam a localização do veículo, não existindo qualquer indicio de que a ré dispunha de informação que dolosamente se recusou a juntar aos autos.
Ao contrário do que defende o recorrente, o comportamento omissivo da Ré, que consubstancia, sem dúvida (pelo menos no que respeita aos mapas de viagem preenchidos pelo autor), a violação do princípio da cooperação em sentido material, não determinou culposamente a impossibilidade da prova do facto àquele a quem a competia fazer.
Voltamos a reafirmar que em conformidade com o prescrito no n.º 2 do art.º 344.º do Código Civil, para a inversão do ónus da prova, não basta que a parte recuse ou não justifique a falta de colaboração, é ainda necessário que essa falta de colaboração tenha tornado impossível a prova do facto ao onerado com essa prova, no caso, o recorrente, e que esse comportamento tenha sido culposo. E nesse âmbito como já acima deixámos expresso não se verifica uma impossibilidade de produção de prova por culpa da Ré.
O recorrente não estava impossibilitado de cumprir o ónus da prova, pois poderia ter utilizado qualquer outro meio de prova legalmente admitido (arts. 341.º e 345.º do Código Civil).
Com efeito, a pernoita no estrangeiro alegada pelo recorrente, tendente à obtenção de ajuda de custo não são factos de prova vinculada, podendo a sua prova ser feita por qualquer meio legal ou contratualmente admissível. Cabe-nos referir, que o recorrente não esgotou sequer os meios de prova que tinha ao seu dispor para tentar demonstrar o facto em causa, posto que não chegou a requerer o depoimento de parte do legal representante da Ré, nem indicou como testemunhas os funcionários da Ré que pudessem ter conhecimento de tais factos, designadamente os que organizavam as viagens que o autor tinha de realizar ao serviço da Ré.
Não obstante o pedido formulado de junção de documentos na posse da Ré e a postura assumida, nada impedia que o recorrente tivesse requerido o depoimento de parte, arrolado testemunhas e junto outros documentos para demonstrar os factos relativos à pernoita ao serviço da Ré.
Tudo isto para concluir que da falta de prestação de colaboração da Ré, nos termos e no contexto em que a mesma se verificou, não é possível concluir que daí adveio a impossibilidade da prova do facto à parte onerada, até porque era possível consegui-la com outros meios de prova legalmente admitidos (mas que não foram requeridos).
Acresce ainda dizer que fazendo apelo ao princípio da proporcionalidade, entendemos que não faz sentido penalizar a parte não colaborante se o meio por esta inviabilizado não for de importância decisiva para o apuramento de facto principal, e, portanto, para o desfecho da ação.
Como já deixámos consignado, a obtenção dos documentos em falta designadamente os mapas de registo de viagens não era indispensável para a apreciação do pedido, pois a sua recusa, naturalmente, ilegítima não implicou a impossibilidade de o onerado provar facto absolutamente essencial à verificação da sua pretensão si, já que dispunha de (outros) meios probatórios aptos à sua demonstração, designadamente o depoimento de parte da legal representante da Ré, o depoimento de testemunhas e a junção de outro tipo de documentos.
Por outro lado, não existem nos autos quaisquer elementos que permitam concluir que a Ré culposamente tornou impossível a prova, no sentido de que podia e devia de agir de outro modo. Ao invés, a Ré juntou os registos do tacógrafo que tinha na sua posse, os quais não incluíam a localização do veículo, não existindo qualquer indicio de que a ré dispunha de informação que dolosamente se recusou a juntar aos autos.
Em suma, não podemos concluir pela inversão do ónus da prova, já que a não apresentação da documentação solicitada pelo autor à ré –mapa de registo de viagens e registo do tacógrafo com localização do veículo – não impossibilitou o Autor da prova da factualidade que lhe poderia vir a conferir a atribuição de ajudas de custo, designadamente as previstas na cláusula 59.º do CCT, mas dificultou quanto muito tal prova, já que autor até logrou provar através de outros meios de prova parcialmente o trabalho suplementar.
Assim sendo, bem andou o tribunal a quo ao recusar a aplicação do instituto jurídico da inversão do ónus da prova, já que não está provada nem a recusa culposa, nem a impossibilidade de prova ao onerado
É de julgar totalmente improcedente o recurso, no que respeita à questão do ónus da prova, sendo de manter inalterada a matéria de facto apurada pelo Tribunal a quo.

Da nulidade por omissão de pronuncia

O recorrente insurge-se quanto ao facto de na sentença recorrida não se ter procedido à concretização dos valores concretos que lhe seriam devidos, o que devia de ter sido feito, em função dos valores indicados na petição inicial, inexistindo assim fundamento para relegar o seu apuramento para fase posterior (liquidação de sentença), considera, assim, o Recorrente ser a sentença nula por omissão de pronúncia.

Cumpre apreciar.

Dispõe o art.º 615º, nº. 1, do C.P.C., que é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal “supra” citado.
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da sentença.
As nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cfr. Acórdão desta Relação de 4/10/2018, relatora Eugénia Cunha, e do STJ de 17/10/2017).
Conforme se refere no Acórdão desta Relação de 4.10.2018, relatado por Maria João Matos “As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à sua eficácia ou validade): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do C.P.C. (neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo nº 00858/14, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).”
A alínea d) do art.º 615.º do CPC contempla duas situações: a) quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (omissão de pronúncia) ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia).
O vício da sentença decorrente da omissão de pronúncia está correlacionado com a 1.ª parte do n.º 2 do art.º 608º do C.P.C., designadamente, com o seu n.º 2, o qual prescreve: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;”
Esta disposição legal tem em vista as questões essenciais, ou seja, o juiz deve conhecer todos os pedidos, todas as causas de pedir e todas as excepções invocadas e as que lhe cabe conhecer oficiosamente (desde que existam elementos de facto que as suportem), sob pena da sentença ser nula por omissão de pronúncia.
Da conjugação destas normas podemos afirmar que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida na sentença não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras (cfr. Ac. RG de 5/4/2018, www.dgsi.pt).
Acresce dizer que questões não são factos, argumentos ou considerações. A questão a decidir está, em regra, intimamente ligada ao pedido e à respetiva causa de pedir. Importa atentar, de um modo geral, nas pretensões deduzidas e nos elementos integradores do pedido e da causa de pedir.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ, de 9/2/2012, segundo o qual “a nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (...), sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão.”
Ao tribunal incumbe conhecer de “todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer” (Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, 2º, 2ª edição, pág. 704).
Atualmente que para estarmos perante a nulidade de omissão de pronúncia é necessário que ocorra omissão absoluta de conhecimento relativamente a cada questão não prejudicada e não perante uma fundamentação meramente deficiente.
Retornando ao caso dos autos temos por certo que o Tribunal a quo apreciou todas as questões que lhe foram submetidas pelas partes, simplesmente por não ter elementos suficientes para concretizar os valores devidos ao Autor remeteu a apreciação da concretização de tais valores para liquidação de sentença, e tal resulta evidente do teor do ponto3.3.1 da sentença recorrida, no qual se enunciam todos os pedidos formulados pelo autor e se procede à sua apreciação em consonância com os factos provados.
Tal como se fez constar no parecer do Ministério Público junto aos autos “a circunstância de o autor, na petição inicial, propugnar pela condenação da ré no pagamento de valores que liquidou, não significa, evidentemente, que o tribunal venha a condenar nos termos peticionados, sendo que, na sentença são fixadas as retribuições devidas (ainda que não liquidadas) bem como as deduções a efetuar”, justificando a Mmª. Juiz das razões pelas quais não procedeu à liquidação dos valores nos seguintes termos:
“Desta forma, desconhecendo-se a quanto deverão ascender as retribuições totais do autor (sendo que nos cálculos a efetuar se deve ter em conta a factualidade dada como provada, estripando-se o trabalho noturno, a pernoita de segunda a sexta feira do autor fora do domicilio e o trabalho em dia descanso, dos três dias referidos em W), dos factos provados, esta quantia será a liquidar posteriormente (através do incidente de liquidação previsto nos Arts. 358º e ss. do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no art. 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho), sendo que nos termos do art. 609º, n.º 2 do Código de Processo Civil – “Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”, nunca podendo exceder, de qualquer forma, os montantes peticionados a este título pelo autor.
No caso dos autos não se apurou, prima facie, os dias concretos em que o autor fez viagens com pernoita em Espanha e Portugal, por isso não tem o autor direito às peticionadas quantias a titulo de ajudas de custo diárias, o mesmo sucedendo com o trabalho noturno e em dia de descanso complementar. (….)
Quanto aos restantes pedidos como referido e, em síntese, haverá que proceder ao apuramento da retribuição do autor, de acordo com a materialidade dada como provada, e integrada com o instrumento de regulamentação coletiva do trabalho aplicável, por ser nula a alteração da estrutura remuneratória, decorrendo. que o trabalhador tem direito a receber da entidade empregadora parcialmente as quantias referentes às peticionadas cláusulas; porém, tem também o dever, por força do estatuído no art. 289, n. 1, do CC, de restituir as importâncias que recebeu a tal título, sob a rubrica "ajudas de custo". Porém, desconhecendo-se qual o montante que seria devido ao autor, com base nas referidas cláusulas e depois de subtraído aquilo que ele recebeu a título de "ajudas de custo", deve relegar-se a liquidação desse montante para execução de sentença”, além de que deve ser descontando no valor apurado os valores de €1.500,00 (pagos pela ré ao autor em fevereiro de 2021) e 420,00€ (a titulo de indemnização do autor à ré correspondente aos 18 dias em falta do pré-aviso).
Em face do exposto, mais não resta do que concluir que não se verifica qualquer omissão de pronúncia, uma vez que o Tribunal a quo se pronunciou sobre todas as questões objeto do processo, simplesmente, e em cumprimento do prescrito no n.º 2 do art.º 609.º n.º 2 do CPC., por não constarem dos autos todos os elementos que lhe permitissem fixar os montantes devidos ao autor, como efetivamente não constam, foi tal apuramento relegado para liquidação.
Improcede a arguida nulidade, bem coo o recurso interposto.

V - DECISÃO

Nestes termos, acorda-se neste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação do Autor AA e consequentemente confirma-se a sentença recorrida
Custas a cargo do Recorrente, sem prejuízo da isenção de que beneficia.
Notifique.
Guimarães 1 de Fevereiro de 2024

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Francisco Sousa Pereira
Antero Dinis Ramos Veiga