Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1585/05-1
Relator: ANTÓNIO GONÇALVES
Descritores: SUSPENÇÃO DA EXECUÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/12/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: 1. A prestação de caução pelo executado embargante não conduz ao levantamento da penhora, pois que a penhora não se destina a garantir exclusivamente o pagamento da quantia exequenda, mas sim a obter a cobrança coerciva da dívida, e, por isso, subsiste, mesmo no caso de ser prestada caução para suspender a execução.
2. Todavia, a penhora não tem nada a legitimar a sua manutenção se a obrigação exequenda, ela própria, tem já amplas e capazes garantias que comprovem a sua integral satisfação;
3. Se a dívida exequenda e as custas estiverem já garantidas por penhora ou por outra garantia real constituída antes (hipoteca, por exemplo) na altura em que é pedida a suspensão, nenhum fundamento existe para substituir a penhora já efectuada por prestação de caução pois que, não sendo a penhora um meio de forçar o devedor ao cumprimento mas antes e apenas o modo de fazer paralisar a afectação jurídica dos bens a ela sujeitos, ela desempenha, tal como a caução, uma função de garantia (lato sensu) do cumprimento de obrigações.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:


Da decisão proferida no processo de Execução Comum n.º 1454/04.1TBBCL, a correr seus termos 1.º Juízo Cível do T. J. da comarca de Barcelos, que "A" e outros moveram contra "B" e outros e que indeferiu o requerimento dos executados no sentido de que lhes fosse devolvido o valor entretanto depositado por força da penhora entretanto realizada, recorreram os executados "B" e mulher que alegaram e concluíram do modo seguinte:
1…A caução de € 21 000,00 prestada, destina-se apenas a garantir o crédito peticionado pelos exequentes de € 17 956,72 (não são devidos juros e os executados estão isentos de custas), representando já um excesso de € 3 043,28.
2…A penhora do “direito de crédito” dos executados sobre a “Cooperativa Agrícola de ...” foi substituída pela caução prestada, efeito este que se repercute no início da penhora – vd. art.º 623.º CC e n.º 5 art.º 834.º do CPC.
3…Não há justificação para que se mantenha a apreensão dos valores depositados pela “Cooperativa…” no período compreendido entre a notificação da penhora e a notificação da decisão que julgou validamente prestada a caução.
Terminam pedindo que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que mande restituir aos recorrentes os valores depositados por efeito da penhora do “direito de crédito” sobre a “Cooperativa Agrícola de ...”.

Não foram apresentadas contra-alegações e o Ex.mo Juiz manteve a decisão recorrida.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

Seguindo os recorrentes, com interesse para a decisão em recurso estão assentes os factos seguintes:
1. Corre seus termos pelo 1.º Juízo cível do tribunal judicial de Barcelos a execução comum n.º 1454/04 pelo valor de € 17 956,72, instaurada em 19.04.04 pelos recorridos contra os recorrentes.
2. Em 23.11.04 foi penhorado o direito de crédito dos executados sobre a “Cooperativa Agrícola de ...” referente ao pagamento dos fornecimentos de leite que eles fazem cada mês.
3. Por sentença proferida em 14 14.01.05 no apenso de caução “B” deferiu-se a prestação de caução, por fiança bancária, sem limite temporal e no montante de € 21 000,00, sem prejuízo de eventual reforço.
4.Nesse mesmo apenso, em 27.02.05 “julgou-se validamente prestada, por fiança – garantia bancária - a caução e, dessa forma, suspensos os termos da execução”.
5. No seguimento dessa decisão, em 28.02.05 requereram os executados a notificação do solicitador de execução para lhes devolver os valores entretanto depositados à sua ordem por efeito da penhora referida em 2.
6. Apreciando este requerimento, por falta de fundamento legal o Ex.mo Juiz indeferiu a pretensão dos executados, pois que a suspensão dos termos da execução não tem como consequência que fique sem efeito a penhora já ordenada.
7. É desta decisão de que se recorre.

Passemos agora á análise das censuras feitas à decisão recorrida nas conclusões do recurso, considerando que é por aquelas que se afere da delimitação objectiva deste (artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do C.P.C.).

A questão posta no recurso é a de saber se a prestação de caução, efectivamente concretizada, tem como consequência o levantamento da penhora entretanto já efectivada.

I. Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 818.º do C.P.Civil, a oposição à execução não suspende a sua tramitação, salvo se o embargante requerer a suspensão e prestar caução.

Numa primeira abordagem do texto deste normativo assim descrito, logo somos levados a inferir que deixa de ter justificação a tramitação do processo de execução no caso de o executado querer e preste caução capaz de garantir o cumprimento da dívida exequenda e, por isso, a execução deve ser imediatamente paralisada se estiverem preenchidos os pressupostos da caução requerida e concretizada pelo executado: se o embargante requerer a suspensão e prestar caução, então a execução suspende-se, diz a lei.
Mas se detivermos um pouco mais a nossa atenção sobre a disciplina jurídica preconizada por aquele preceito legal, o exigente intérprete também fica a pensar que o legislador poderia ir mais longe neste modo de disciplinar a questão suscitada pelo executado, que desta forma demonstra ter respeito pelo credor, adiantando que in casu a penhora já realizada igualmente não deve subsistir pois que, caracterizando-se a penhora como um direito real de garantia (art.º 822.º do C.P.Civil), tal qual o arresto (artigos 619.º do C.Civil e 406.º do C.P.Civil), o direito de retenção (artigos 754.º a 761.º, do C.C.), a consignação de rendimentos (art.º 656.º a 665.º), o penhor (art.º 666.º a 678.º), a hipoteca (art.º 686 a 733.º) e privilégios creditórios (art. 733.º a 753.º), deste modo visando reforçar a obtenção do objectivo próprio de um direito de crédito, E que se consegue, essencialmente, por duas formas: - pelo aspecto compulsório que envolve, incitando o devedor ao cumprimento e pela especial tutela que confere à posição do credor quando, havendo incumprimento, haja que recorrer aos esquemas da coacção jurídica, conferindo-lhe uma posição de privilégio, em caso de incumprimento (A. Meneses Cordeiro; Direitos Reais; I; pág. 568). haverá um excesso de garantias injustificadas atribuídas ao credor.
Era esta a visão que deste assunto tinha o Prof. Anselmo de Castro - assim ensinava - para quem a caução não tem outro objectivo que não seja o de uma mera garantia da dívida exequenda e, por isso, prestada a caução, ao executado deve ser permitido o direito de beneficiar do levantamento da penhora que sem razão está a onerar o seu património. In “A Acção Executiva, Singular, Comum e Especial; 1970; pág. 316/317”.
Neste mesmo sentido ajuíza ainda Lebre de Freitas que entende que “havendo garantia constituída, a caução só se justifica pela diferença presumível eventualmente existente entre o seu valor e o do crédito exequendo e acessórios, incluindo os juros que, em estimativa, se preveja que venham a vencer em resultado da paragem do processo executivo”. In “A Acção Executiva”, 2.ª edição, pág. 166, nota (76).
A jurisprudência, porém, por melhores razões, vem enveredando por caminhos diferentes.
Tomando a argumentação delineada já pelo Prof. Alberto dos Reis no sentido de que “desde que o exequente tem a segurança de que, se os embargos improcederem, encontrará à sua disposição valores que lhe assegurarão a realização do seu crédito, o seguimento da execução não tem razão de ser In “Processo de Execução”; II; pág. 304. e, tendo como certo que a “ratio legis” que superintende a este regime jurídico é a de que “a exigência legal que o embargante preste caução para alcançar a suspensão da execução, visa colocar o exequente a coberto dos riscos de demora no seguimento da acção executiva, obviando a que, por virtude de tal demora, o embargante-executado possa empreender manobras delapidatórias do seu património” e acrescentando que não basta a garantia da penhora para que a execução deixe de prosseguir, porquanto a caução nem sequer é dispensada para desencadear a suspensão da execução quando o crédito exequendo esteja antecipadamente provido de outra garantia real nomeadamente hipotecária, unanimemente se vem julgando que a prestação de caução pelo executado embargante não conduz ao levantamento da penhora - a penhora não se destina a garantir exclusivamente o pagamento da quantia exequenda, mas sim a obter a cobrança coerciva da dívida, e, por isso, subsiste, mesmo no caso de ser prestada caução para suspender a execução. Ac. STJ de 11-11-93; www. dgsi.pt. e Ac. STJ de 08-04-97, Col. Jur, 1997, 2, 30.

II. Tomando posição sobre esta temática e lembrando que, ao contrário da generalidade da doutrina aceite no quadro da lei processual de 1961, a actual jurisprudência se tem invariavelmente orientado no sentido da inadmissibilidade da substituição (e, portanto, o levantamento) da penhora já efectuada por caução J.P. Remédio Marques, após definir os termos em que deve entender-se a prestação de caução que, citando Almeida Costa Direito das Obrigações, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, 1994, pág. 766., se destina a prevenir o cumprimento de obrigações que possam vir a ser assumidas ou o já tenham sido, adianta que no caso concreto a prestação de caução é ainda requisito da concessão de uma vantagem com relevo jurídico-processual: a suspensão da execução.
Pesquisando a percepção que sobre esta matéria aquele autor detém, imediatamente damos conta que a penhora não tem nada a legitimar a sua manutenção se a obrigação exequenda, ela própria, tem já amplas e capazes garantias que comprovem a sua integral satisfação.
Perspectivando embora o assunto sob a égide da obrigatoriedade ou desnecessidade da prestação de caução em casos pontualmente delimitados, acaba por convir que a suspensão da execução deve ter lugar contanto que a dívida exequenda tenha já uma garantia anteriormente constituída que cabalmente assegure o seu cumprimento e devendo, se assim acontecer, suspender-se a execução mesmo sem necessidade de prestação da atinente caução - parece, por isso, que a ratio do n.º 1 do art.º 818.º do CPC só impõe a prestação de caução se à data do pedido de suspensão da execução ainda não tiver sido promovida a penhora, contanto que a dívida exequenda não esteja provida de garantia real cujo valor seja igual ou superior ao crédito exequendo. In “Curso de Processo Executivo Comum; pág.162/163.
Para este tratadista não pode seguir-se como regra dogmática o princípio que a hodierna jurisprudência vem acatando porquanto, se a dívida exequenda e as custas estiverem já garantidas por penhora ou por outra garantia real constituída antes (hipoteca, por exemplo) na altura em que é pedida a suspensão, nenhum fundamento existe para substituir a penhora já efectuada por prestação de caução pois que, não sendo a penhora um meio de forçar o devedor ao cumprimento mas antes e apenas o modo de fazer paralisar a afectação jurídica dos bens a ela sujeitos, ela desempenha, tal como a caução, uma função de garantia (lato sensu) do cumprimento de obrigações – à prestação de caução é alheia a finalidade de o exequente ficar a salvo dos riscos e prejuízos resultantes da demora da execução. J.P. Remédio Marques; obra citada; pág.

III. Esta doutrina agora enunciada e individualizada não é aplicável ao caso “sub judice”.
Na verdade, não compreendendo a penhora já concretizada a garantia de satisfação total da dívida exequenda e custas - lembremos que a penhora em exame compreende tão-só o direito de crédito dos executados sobre a “Cooperativa Agrícola de Barcelos” referente ao pagamento dos fornecimentos de leite que eles fazem cada mês - segue-se que a caução continua a ser um pressuposto exigível de suspensão da execução requerida pelos executados.
A este propósito salientemos a falta de rigor da afirmação dos recorrentes quando dizem que não são devidas custas porque os executados litigam com o benefício de apoio judiciário, porquanto o exercício deste benefício concedido não é inalterável e pode perder-se se para tanto houver motivo que o justifique.

Pelo exposto, negando-se provimento ao agravo, mantém-se o despacho recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Guimarães, 12 de Outubro de 2005.