Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1385/10.6TBBCL-C.G1
Relator: ISABEL ROCHA
Descritores: INVENTÁRIO
DIVÓRCIO
RELAÇÃO DE BENS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Em sede de inventário para partilha do património comum de um ex-casal, devem ser relacionados os créditos de “compensação de um dos cônjuges sobre o outro.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem a 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO
No inventário para partilha de ex-casal, dissolvido por divórcio, a que respeitam os presentes autos, o ali cabeça de casal, Joaquim …, apresentou relação de bens onde relacionou, sob a verba 7 o “crédito do cabeça de casal sobre a interessada Rosalina originado pelo pagamento, com dinheiro próprio do cabeça de casal, de um empréstimo contraído por ambos, em proveito comum e da responsabilidade de ambos, no valor de 805 milhões de n.º 7escudos, por volta de meados do ano de 1996, o qual serviu para pagar a aquisição do bem relacionado na verba 27, quantia essa que, actualizada de acordo com o índice de preços do consumidor publicado pelo Instituto Nacional de Estatistica se cifra, actualmente em 12.907,53, pelo que o crédito de compensação do cabeça de casal sobre a requerentes é a metade desse valor, 6.453,77€.
A interessada Rosalina reclamou da relação de bens, alegando que, a aquisição do bem descrito na dita verba 27, foi efectuada por via de empréstimos de terceiros, devendo ser eliminada a dita verba.
O cabeça de casal respondeu á reclamação, alegando que o dito empréstimo de terceiros que foi usado para a compra, pelo ex-casal, do imóvel descrito na verba 27, foi pago com dinheiro próprio daquele, proveniente da venda de bens próprios. Para prova de tais factos juntou aos autos documentos e indicou prova testemunhal.
Sobre a reclamação e respectiva resposta, proferiu-se o seguinte despacho:
“Elimina-se a verba n.º 7 da relação de bens uma vez que da mesma apenas devem constar dívidas comuns do casal a terceiros e não um ao outro ex-cônjuge, dívidas essas que, se fossem consensuais, apenas interessariam nestes autos para eventuais tornas.”
Inconformado com tal decisão veio o cabeça-de-casal interpor recurso de apelação que foi admitido, apresentando alegações de onde se extraem as seguintes conclusões:
1º… O cabeça de casal apresentou relação de bens, tendo relacionado sob a verba n.º7 um Crédito do cabeça de casal sobre a interessada Rosalina originado pelo pagamento, com dinheiro próprio do cabeça de casal, de um empréstimo contraído por ambos, em proveito comum.
2º…A interessada Rosalina reclamou pedindo a eliminação da verba 7.
3º…Por sua vez o cabeça de casal respondeu e indicou prova documental e requereu a inquirição de duas testemunhas. 4º…O Tribunal não se pronunciou sobre as diligências de prova requeridas e proferiu a decisão onde consta:
“ELIMINA-SE A VERBA 7 DA RELAÇÃO DE BENS UMA VEZ QUE DA MESMA APENAS DEVEM CONSTAR AS DÍVIDAS COMUNS DO CASAL A TERCEIROS E NÃO UM A OUTRO EX-CONJUGUE, DÍVIDAS ESSAS QUE, SE FOSSEM CONSENSUAIS,
APENAS INTERESSARIAM NESTES AUTOS PARA EVENTUAIS TORNAS.”
5º…Salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal.
6º…O artigo 1697 n.º1 do CPC dispõe: Quando por dívidas da responsabilidade de ambos os conjugues tenham respondido bens de um só, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe competia satisfazer, mas este crédito só é exigível no momento da partilha dos bens do casal.
7º…Com efeito, a exigência dos créditos de compensação entre os ex-conjugues terá lugar nos autos de inventário quando a partilha não seja atingida por acordo.
8º…O processo especial de inventário é o meio adequado para se conhecer e decidir dos chamados “ créditos de compensação” devendo aí ser relacionados.
9º…O processo de inventário destina-se também a liquidar definitivamente as responsabilidades entre os conjugues, designadamente, é na partilha que cada um deles confere o que deve ao património comum (artº 1689º, nº 1), e é no momento da partilha que o crédito de um deles sobre o outro, ou do património comum sobre um deles, se tornam exigíveis.
10º…Deste modo, estando provado que a aquisição do imóvel artigo 292 foi efectuada com um empréstimo feito ao casal por parte de terceiros.
11º…Tendo o cabeça de casal alegado que tal empréstimo (dívida comum) foi pago com dinheiro próprio dele e como tal tendo alegado um crédito de compensação sobre a interessada Rosalina, tendo esta questionado a existência do crédito, deveria o Tribunal abrir um incidente com a produção de prova oportunamente oferecida pelo cabeça de casal e se a complexidade da matéria o permitisse, seria a existência e montante do credito decidido no inventario, aplicando-se à subsequente partilha o disposto no artigo 1689/3 CPC.
12º…Se, ao invés, a complexidade da matéria não permitisse uma decisão segura, então haveria que remeter os interessados para os meios comuns.
13º…Ao não o fazer o Tribunal violou o artigo 1689/3 e 1697/1 CPC.
A interessada Rosalina respondeu ás alegações pugnando pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO
Objecto do recurso
Considerando que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações, a questão a decidir é a de saber qual o tratamento processual, em sede de inventário da dívida relacionada pelo cabeça-de-casal sob a verba n.º 7.

O circunstancialismo fáctico processual a ter em conta é o descrito no relatório.

DECIDINDO
A dívida relacionada pelo cabeça de casal na referida verba n.º 7, tal como descrita, configura uma dívida do cabeça-de-casal sobre o seu ex-cônjuge, cujo regime está regulado no art.º 1690.º n.º 3 do CC que estatui que, “Os créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro, são pagos pela meação do Cônjuge devedor no património comum: mas, não existindo bens comuns, ou sendo estes insuficientes, respondem os bens próprios do cônjuge devedor.”
Trata-se de um crédito de compensação também previsto no art.º 1697.º n.º 1 do CC, a favor do cônjuge que pagou mais do que devia, mas que só é exigível no momento da partilha, quando cessadas as relações patrimoniais dos cônjuges.
A questão que agora se coloca é a de saber se este crédito deve ser relacionado em sede de inventário.
Na decisão recorrida entendeu-se que, tal crédito, não deveria ser relacionado, seguindo a o entendimento de Lopes Cardoso, no sentido de que estes créditos não devem ser objecto de relacionamento, apesar de serem considerados no momento da partilha para serem pagos, argumentando que estes créditos não respeitam ao património comum do casal, mas ao património individual do cônjuge credor (cf. Partilhas Judiciais 3.ª edição Vol III pags 391 e 392, no mesmo sentido, Acórdão do STJ de 06/02/2007, sumariado em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-tematica/invent.).
Contudo, entendimento contrário tem sido avalizado pela doutrina e pela jurisprudência (veja-se o Acórdão da Relação de Coimbra de 15/02/2005 que aqui seguimos de perto e nesta Relação de Guimarães, o Acórdão de 17/01/2013, ambos publicados em www.dgsi.pt.

Como refere Pereira Coelho (Curso de Direito de Família, pag. 429): a partilha em sentido amplo desdobra-se em três operações: Separação de bens próprios; liquidação do património comum, destinado a apurar o valor activo líquido, através do cálculo das compensações e da contabilização das dívidas de terceiros e entre cônjuges; partilha propriamente dita.
Em face da relevância que aqueles créditos têm na liquidação efectiva das responsabilidades dos cônjuges e destes perante terceiro e na própria partilha propriamente dita, entendemos que devem os mesmos ser relacionados, embora com referência à sua origem, tanto mais que, o art.º 1698.º n.º 1 cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges estes devem receber os seus bens próprios e a sua meação no património comum.
Assim conjugando tal norma com os art.ºs 1345.º n.º 2 e oart.º 1346.º n.º 3 al a) seguimos a tese de que, no caso concreto, deve ser relacionado em sede de inventário.
E, assim sendo, por que a devedora negou tal dívida em sede de reclamação da relação de bens, terá o Mm.º Juiz recorrido de apreciar tal reclamação nos termos do art.º 1351.º n.º 1 do CPC, analisando e produzindo a prova apresentada pelos interessados, e decidindo sobre o dito crédito ou remetendo os interessados para os meios comuns se for caso disso, seguindo o procedimento previsto no art.º 1348.º a 1350.º com as necessárias adaptações.

II – Em conclusão:
Em sede de inventário para partilha do património comum de um ex-casal, devem ser relacionados os créditos de “compensação de um dos cônjuges sobre o outro.

DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a apelação procedente, determinando a não eliminação da verba 7 da relação de bens, devendo ser conhecida a reclamação da mesma nos termos supra expostos, revogando-se em conformidade a decisão apelada.

Custas pela apelada.

Guimarães, 17 de Dezembro de 2013
Isabel Rocha
Moisés Silva
Jorge Teixeira