Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
688/22.1T8BRG.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
CAUSA NÃO IMPUTÁVEL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - As causas interruptivas da prescrição podem ser de duas modalidades, consoante resultem de ato do credor ou de ato do devedor, devendo a interrupção da prescrição ser provada por quem a alega.
II - Relativamente à interrupção da prescrição por ato do credor (interrupção promovida pelo titular), a lei prevê a possibilidade de atos judiciais específicos interromperem a prescrição, como a citação e a notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
III - Porém, o n.º 2 do artigo 323.º do CC prevê a possibilidade de a interrupção da prescrição ocorrer em data anterior à realização da citação ou notificação, dispondo que, se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
IV - A expressão «causa não imputável ao requerente», usada no referido preceito legal, deve ser interpretada em termos de causalidade objetiva, pelo que a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objetivamente a lei em qualquer termo processual e até à verificação da citação, o que no caso não se verifica.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

Em 01-02-2022, EMP01..., Ld.ª, com sede na Rua ..., em ..., intentou a presente ação declarativa com processo comum contra EMP02..., SA., com sede na Rua ..., ..., ..., pedindo que seja declarada a execução específica do contrato promessa de compra e venda que foi celebrado entre ambas ou, caso assim não seja entendido, seja declarado o incumprimento culposo do contrato por motivo imputável à ré e esta seja condenada a restituir o sinal em dobro, acrescido de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o incumprimento até integral pagamento.
Depois de várias incidências processuais, foi apresentada contestação por AA, em 02-12-2022 (ref.ª ...36), invocando a qualidade de acionista da ré, na qual, entre o mais, alega que, em 18-04-2017 foi registado o encerramento da liquidação da sociedade ré, devendo a mesma considerar-se extinta e suscitando a prescrição do direito da autora por terem decorrido mais de cinco anos sobre o registo do encerramento da liquidação, nos termos do disposto no artigo 174.º, n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
Por despacho de 23-10-2023 foi dispensada a realização da audiência prévia, fixado o valor da causa e proferido saneador-sentença julgando procedente a exceção de prescrição invocada pelo acionista AA, em consequência do que absolveu os acionistas AA, BB e CC dos pedidos contra si formulados.
Inconformada com a decisão proferida, veio a autora interpor recurso, requerendo a revogação da decisão impugnada e a sua substituição por outra que julgue a exceção de prescrição improcedente, ordenando a prossecução dos autos para conhecimento do objeto da ação e proferir decisão de mérito.

Termina as alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«I. A douta decisão recorrida não teve em conta os seguintes factos:
a) Em 18-04-2017 foram registados a dissolução e o encerramento da liquidação da “Ré”, bem como o respectivo cancelamento.
b) A presente acção deu entrada em 01 de Fevereiro de 2022, apenas contra a sociedade dissolvida
c) Em 04 de Março de 2022, AA invocando agir em representação da ré apresentou uma contestação (ref.ª ...52)
d) Em 19 de Maio de 2022, a recorrente requereu que o Tribunal a quo se dignasse : «b) Ordenar a notificação do contestante para, ao abrigo do principio de cooperação previsto no artigo 266º CPC, juntar aos autos o pacto social da ré, as respectivas alterações, a identificação dos accionistas no momento da dissolução, a decisão de dissolução e encerramento da liquidação e a eventual partilha, para decisão da matéria alega nos artigos 16º a 23º c) Reconhecer que a dissolução da Ré e respectivo cancelamento da matricula, não impede a prossecução dos autos, declarando improcedente a excepção por falta de personalidade (denominada de ilegitimidade) da ré e determinar, após junção dos documentos referidos na alínea anterior: i) a suspensão do processo pendente da habilitação dos accionistas nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 163º do CSCom, no caso da liquidação ter terminado com a partilha do activo ii) no caso de apuramento de que da decisão administrativa da dissolução e encerramento da liquidação, não resultou partilha do activo.a prossecução dos autos substituindo-se a ré pela a generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5, do CSC.» (ref.ª ...35) invocando a dificiuldade na obtenção dos documentos e informações requeridas
e) O digno Tribunal ordenou o contestante procedesse à junção dos documentos requeridos em 22 de Setembro de 2022, no prazo de 10 dias a contar da notificação (ref.ª ...70)
f) O contestante requereu em 06 de Outubro de 2022 a prorrogação do prazo para junção dos documentos requeridos por mais 10 dias (ref. ª ...61).
g) Prorrogação de prazo que foi concedida em 10 de Outubro de 2022 (ref.ª ...55).
h) Em 10 de Outubro de 2022 o contestante não juntou os documentos requeridos e veio invocar a alegada prescrição decorrente do disposto nos termos do disposto no artigo 174º n.º 3 do CSCom (ref. ª ...40).
i) Em 18 de Outubro de 2022, o Tribunal ordenou ao contestante que juntasse prestasse as informações e juntasse os documentos requeridos (ref. ª ...71) e a citação/notificação dos acionistas
j) Em 28 de Outubro de 2022, o contestante cumpriu o determinado pelo Tribunal, juntado os documentos e informações
k) Os accionistas foram citados nos dias 17 de Novembro de 2022, 20 de Janeiro de 2023 e 17 de Março de 2023.
II. Inexistem duvidas sobre a natureza do prazo estabelecido no artigo 174º n.º 3 do CSCom: trata-se de um prazo de prescrição para efeitos do disposto no artigo 298º n.º 2 do CC que teve inicio com o registo da dissolução em 18-04-2017
III. Se nada tivesse ocorrido, a prescrição ocorreria em 18-04-2022.
Porém
IV. Por força do disposto nos artigos 7º, nº 3 e 10º da Lei nº 1-A/2020 de 19 de Março e 36º do Decreto-Lei nº 10-A/2020 de 13 de Março (quanto ao início) e 6º da lei 16/2020 de 29 de Maio (quanto ao final), o prazo suspendeu-se entre ../../2020 e findou a 3/6/2020, num total de 81 dias.
V. Posteriormente, por força do disposto no artigo 6º-B, nº 3 da mesma Lei 1-A/2020, aditado pela Lei 4-B/2021, de 01 de Fevereiro e artigo 6º-B, nº 5 na redação da Lei 13-B/2021 de 6 de abril, o prazo suspendeu-se de novo entre ../../2021 até 6 de Abril, num total de 74 dias.
VI. Dizendo de outro modo, in casu, o prazo de prescrição decorrente do disposto no artigo 174 n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais teve inicio em 15 de Abril de 2017 e, se nada mais ocorresse, terminaria em 20 de Setembro de 2022.
VII. No entanto, a verdade é que a Autora requereu em 19 de Maio de 2022 que, pelo acionista, que deduziu em 04 de Março de 2022 a contestação em nome da sociedade dissolvida, fossem prestadas as informações necessárias para exercício do disposto nos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5, do CSCom.
VIII. E fê-lo invocando dificuldades intransponíveis na obtenção das informações e documentos necessários a que pudessem os autos prosseguir contra os accionistas da sociedade dissolvida e extinta.
IX. Ora, a citação dos acionistas, para que contestassem a presente acção, foi requerida pela Autora 119 dias antes do termo da prescrição.
X. E a citação não ocorreu porquanto o recorrido AA apenas foi notificado, pelo Tribunal a quo para que juntasse aos autos as informações e documentos requeridos em 22 de Setembro de 2022.
XI. Sendo que aquele recorrido, depois de de ter protelado a junção de tais informações e documentos notoriamente para que pudesse invocar uma pretensa prescrição que sabia não ser invocável, só juntou tais informações e documentos em 28 de Outubro de 2022.
XII. Ou seja, as citações/notificações dos accionistas da sociedade dissolvida, não ocorreram por qualquer motivo imputável à autora.
XIII. Em qualquer dos casos, haverá que reconhecer que nos termos do disposto no artigo 323º n.º 2 do Código a prescrição decorrente do artigo 174º n.º 3 do CSCom foi interrompida em 24 de Maio de 2022
XIV. O que significa, na verdade, que o prazo de prescrição iniciado em 18-04-2017, à data da citação/notificação dos acionistas, deve declarar-se inutilizado nos termos e para os efeitos do artigo 326º n.º 1 do Código Civil.
XV. Ao proferir a decisão recorrida o douto Tribunal a quo violou o disposto nas normas citadas nas conclusões anteriores, devendo a decisão revogada, declarando a improcedência da excepção de prescrição invocada e ordenando-se a prossecução dos autos».
A apelada apresentou resposta, sustentando a improcedência da apelação e a consequente manutenção do decidido.
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, tendo o recurso sido admitido nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) - o objeto do presente recurso circunscreve-se a saber se o direito invocado pela apelante se mostra prescrito, o que no caso implica aferir se o correspondente prazo se completou ou se ocorreu a interrupção da prescrição, por força do estatuído no artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil (CC), conforme sustenta a recorrente.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda as seguintes incidências fáctico-processuais, por estarem devidamente documentadas nos autos:
1. A presente ação foi instaurada em 01-02-2022, sendo demandada a ré EMP02..., SA.
2. Procedeu-se à citação da ré, tendo sido junto o correspondente aviso de receção, assinado em 04-02-2022, após o que AA requereu a junção de procuração aos autos em 08-02-2022 (ref. ª ...85), vindo alegar que a sociedade ré se encontra dissolvida, com registo de encerramento da liquidação e afirmando ter sido seu acionista e administrador.
3. Na sequência da procuração apresentada em 08-02-2022, foi apresentada contestação, em 4-03-2022 (ref. ª ...52), na qual AA, invocando agir em representação da ré, suscitou, entre o mais, a falta de personalidade judiciária e a exceção de ilegitimidade passiva, mais impugnando a matéria alegada na petição inicial.
4. Em 06-05-2022 (ref. ª ...66), foi proferido despacho, concedendo à autora o prazo de 10 dias para, querendo, exercer o contraditório relativamente à matéria de exceção deduzida na contestação, nomeadamente sobre a arguição da falta de personalidade e falta de legitimidade da ré.
5. Em 19-05-2022 (ref. ª ...35), a autora apresentou articulado, pronunciando-se sobre as exceções de falta de personalidade e de ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário, no qual alega, entre o mais, o seguinte:
«(…) Aceita-se o demonstrado com o documento ... da contestação, isto é, que a sociedade ré se encontra dissolvida e de que a sua matricula se encontra cancelada, com a menção de «dissolução e encerramento da liquidação» registado em 18-04-2017.
(…) Pela autora foram, junto dos serviços das Conservatórias de ... (responsável pelo registo inicial da sociedade) e de Lisboa (responsável pelo registo do cancelamento da matricula) os respectivos documentos para identificação dos accionistas e/ou liquidatários da ré.
(…) Documentos que até à data não logrou a autora obter.
(…) Que a autora não sabe mesmo dizer se se encontram disponíveis junto dos serviços competentes.
(…). E que a autora se compromete a juntar se e quando lhes forem entregues por certidão.
(…). Sendo que, do documento ... junto com a contestação, resulta que a fracção em causa nos autos, não foi atribuída a qualquer accionista, presumindo-se que permanece no património da Ré e que não foi partilhado.
(…). E que, tanto quanto sabe a Autora, os membros do concelho de Administração da Ré, são eles próprios seus accionistas e quem tem conhecimento da identidade dos demais.
(…). Sem embargo dos pedidos formulados pela Autora junto dos serviços da Conservatória do Registo Comercial supra citadas, desde já se requer que o Contestante, ao abrigo do dever de cooperação judiciária, junte aos autos, os seguintes documentos e informações: pacto social, respectivas alterações, identificação dos accionistas no momento da dissolução, decisão de dissolução e encerramento da liquidação e eventual partilha.
(…) Pretende a Autora com tais documentos e informações identificar os habilitandos, de modo a que prossiga regularmente a acção, nos termos supra alegados, não lhe sendo possível, nem tendo sido possível em tempo util, obter essas informações de outro modo
(…)».
6. No requerimento apresentado em 19-05-2022, a autora requereu, entre o mais, o seguinte: «Termos em que se pede que seja o presente requerimento admitido, com as devidas consequências legais e consequentemente:
(…)
b) Ordenar a notificação do contestante para, ao abrigo do principio de cooperação previsto no artigo 266º CPC, juntar aos autos o pacto social da ré, as respectivas alterações, a identificação dos accionistas no momento da dissolução, a decisão de dissolução e encerramento da liquidação e a eventual partilha, para decisão da matéria alega nos artigos 16º a 23º
c) Reconhecer que a dissolução da Ré e respectivo cancelamento da matricula, não impede a prossecução dos autos, declarando improcedente a excepção por falta de personalidade (denominada de ilegitimidade) da ré e determinar, após junção dos documentos referidos na alínea anterior:
i) a suspensão do processo pendente da habilitação dos accionistas nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 163º do CSCom, no caso da liquidação ter terminado com a partilha do activo
ii) no caso de apuramento de que da decisão administrativa da dissolução e encerramento da liquidação, não resultou partilha do activo.a prossecução dos autos substituindo-se a ré pela a generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5, do CSC.
Sem prescindir e por mera cautela de patrocínio, a Autora consigna que na data de hoje, dará inicio a um incidente de habilitação dos accionistas de que tem conhecimento e com os elementos de prova de que dispõe de modo a acautelar, desde já, o pedido da alínea c) deste requerimento».
7. Após, foi proferido despacho, em 22-09-2022 (ref. ª ...70), determinando que, no prazo de dez dias, a ré junte aos autos o pacto social, as respetivas alterações, a identificação dos acionistas no momento da dissolução e a decisão de dissolução e encerramento da liquidação e a eventual partilha.
8. No despacho aludido em 7, o Tribunal consignou, entre o mais, os seguintes fundamentos:
«(…)
A dissolução da sociedade e o registo do encerramento da liquidação determinam a sua extinção (art. 160º nº2 do Cód. das Sociedades Comerciais).
Nos dizeres de PAULO OLAVO DA CUNHA, 'a liquidação é o último acto juridicamente relevante da vida da sociedade e o respectivo encerramento corresponde à sua morte e desaparecimento”.
Todavia, esta extinção não implica imediatamente o fim das acções intentadas contra a sociedade, designadamente por falta de personalidade judiciária ou inutilidade superveniente da lide (art. 11º nº1 e 2 e 286º al. e) do Cód. de Processo Civil).
Nos termos do art. 162º nº1 e 2 do Cód. das Sociedades Comerciais, as acções em que a sociedade seja parte continuam após a sua extinção. Nesta situação a única consequência da extinção é que a sociedade se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário, sem que seja necessária a sua habilitação.
Este regime foi pensado pelo legislador fundamentalmente para as acções em que a sociedade é autora. Contudo, a jurisprudência tem entendido que deve aplicar-se a mesma solução nas acções intentadas contra a sociedade.
Neste sentido pode ver-se o Ac. da Relação de Guimarães de 27 de Setembro de 2007, de acordo com o qual 'a extinção da sociedade não produz nem a suspensão nem a extinção da instância nas acções em que a sociedade seja parte; a sociedade considera-se substituída pela generalidade dos sócios, sem necessidade de habilitação; a substituição da sociedade extinta pela generalidade dos sócios opera-se através de sucessão dos antigos sócios nos débitos que tinham como sujeito a sociedade; a responsabilidade dos antigos sócios é limitada ao montante que receberam na partilha'.
Além disso, tem sido entendido que esta solução é aplicável independentemente de estar em causa uma acção que tenha sido proposta antes ou depois do registo do encerramento da liquidação.
Serve de exemplo, entre muitos outros, o Ac. da Relação do Porto de 6 de Julho de 2009, no qual começa por se afirmar que 'apesar de extinta a sociedade, verificando-se que existe um passivo social não satisfeito ou acautelado, respondem os antigos sócios, sem prejuízo do disposto quanto aos sócios de responsabilidade limitada, até ao montante que receberam na partilha' e logo se acrescenta 'isto relativamente às acções a propor, como às já propostas'.
Estando em causa uma acção que foi proposta depois do registo do encerramento da liquidação exige-se apenas que o autor alegue que os sócios receberam bens na partilha e requeira o seu prosseguimento contra estes.
A acção também deve prosseguir contra os sócios se existir activo que não foi partilhado, pese embora esta seja uma das funções do liquidatário.
Neste sentido pode ver-se o Ac. da Relação de Lisboa de 11 de Fevereiro de 2022, de acordo com o qual 'em situações como a dos autos, em que não existiu procedimento de liquidação com partilha, mas está comprovada a existência de activo, de bens que não foram partilhados (no caso, imóveis penhorados, com registo de aquisição a favor da sociedade executada) e de passivo (no caso, o crédito exequendo), a execução pode e deve prosseguir contra a generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário, pois não se está perante uma circunstância conducente à inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide'.
Transpondo estes princípios para o caso dos autos, temos que deve ser determinado o prosseguimento da acção contra os accionistas da ré, como foi requerido pela autora.
Para este efeito, a ré deverá juntar os documentos e prestar as informações que foram requeridas pela autora, ao abrigo do princípio da cooperação consagrado no art. 7º nº1 e 4 do Cód. de Processo Civil.
(…)».
9. Por requerimento apresentado em 06-10-2023 (ref. ª ...61), a ré/contestante requereu ao Tribunal a prorrogação do prazo para junção dos documentos requeridos, por 10 dias, uma vez que, tendo em conta o tempo decorrido e o facto de se encontrar inativa desde há muito tempo, precisa de verificar se dispõe dos doc.ºs e da informação indicadas no douto despacho.
10. Prorrogação de prazo que foi concedida por despacho de 10-10-2022 (ref. ª ...34).
11. Em 10-10-2022 (ref.ª ...40), a ré apresentou requerimento, no qual alega, entre o mais, que, só em 19-05-2022 é que a autora requereu o prosseguimento da ação contra os acionistas da ré, alegando que o fez já depois de decorrido/findo o invocado prazo de prescrição de 5 anos, pelo que não há fundamento para o prosseguimento da ação contra os acionistas da ré nem para a junção dos documentos/informações referidos no despacho de 22-09-2022, requerendo seja julgada procedente a exceção de prescrição e, em consequência, extinta a instância por impossibilidade/inutilidade superveniente da lide.
12. Em 14-10-2022 a autora tomou posição sobre o requerimento apresentado pela ré em 10-10-2022, pronunciando-se quanto à invocada prescrição, relativamente à qual invoca a suspensão e a interrupção do prazo prescricional, pugnando pela improcedência de tal exceção, mais reiterando o pedido de notificação da ré para que juntasse aos autos os documentos que constam do douto despacho de 26-09-2022; caso a ré persista na recusa de entrega dos documentos ou, e em bom rigor, a AA, se digne condená-lo em multa processual e ordenar a citação de AA, BB, para que prossigam os autos contra eles como acionistas da ré.
13. Por despacho de 18-10-2022 (ref. ª ...71), o Tribunal determinou que a ré juntasse aos autos as informações e os documentos pretendidos, após o que, depois de se proceder à citação dos sócios e caso seja invocada por estes, será apreciada a prescrição, uma vez que são aqueles a quem aproveita.
14. Por requerimento apresentado em 28-10-2022 (ref. ª ...00), a ré/contestante veio informar que no momento da dissolução da sociedade/ré, os acionistas da mesma eram AA, BB e DD, mais juntando aos autos documentos - pacto social e a decisão de dissolução e encerramento da liquidação proferida pela conservatória do registo comercial,
15. AA, BB e DD foram citados para a presente ação em 17-11-2022, 20-01-2023 e 17-03-2023, respetivamente.
16. O acionista BB não contestou e a acionista CC contestou, mas a sua contestação foi considerada sem efeito.
17. Em 18-04-2017 foram registados a dissolução e o encerramento da liquidação da ré, bem como o respetivo cancelamento (Insc. 4 - AP. ...18).

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

A decisão recorrida entendeu - e bem - que o prazo de prescrição do eventual direito invocado pela autora nos presentes autos é de cinco anos, tal como previsto no  artigo 174.º, n.º 3 do CSC, segundo o qual, prescrevem no prazo de cinco anos, a contar do registo da extinção da sociedade, os direitos de crédito de terceiros contra a sociedade, exercíveis contra os antigos sócios e os exigíveis por estes contra terceiros, nos termos dos artigos 163.º e 164.º, se, por força de outros preceitos, não prescreverem antes do fim daquele prazo.
Após ter entendido que o prazo de prescrição aplicável é o de cinco anos, a contar da data do registo do encerramento da liquidação, nos termos do artigo 160.º, n.º 2 do CSC, reportando-se aquele regime especial de prescrição ao período posterior à extinção da sociedade, em relação a todos os direitos que podiam ser exercidos por terceiros contra a sociedade ou por esta contra terceiros, nos termos dos artigos 163.º, n.º1 e 164.º, n.º 2 do CSC e que, após o aludido prazo prescricional, a extinção da sociedade torna-se definitiva relativamente a todas as relações jurídicas de que esta era titular, quer se trate de relações jurídicas anteriores ou que subsistam para além da extinção, o Tribunal a quo veio a julgar procedente a exceção de prescrição invocada, consignando para o efeito o seguinte:
«(…)
Transpondo estes princípios para o caso dos autos, temos que se verifica a prescrição que foi invocada pelo accionista AA.
O encerramento da liquidação da ré foi registado no dia 18 de Abril de 2017 e o prazo de cinco anos terminava no dia 18 de Abril de 2022. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima a intenção de exercer o direito (art. 323º nº1 do Cód. Civil). Os accionistas foram citados nos dias 17 de Novembro de 2022, 20 de Janeiro de 2023 e 17 de Março de 2023. Nesta altura já haviam decorrido mais de cinco anos a contar do registo do encerramento da liquidação.
A autora sustenta que, em consequência da suspensão dos prazos de prescrição no âmbito das medidas de prevenção e combate à pandemia provocada pela doença Covid-19 que foi aprovada pela Lei nº1-A/2020 de 19 de Março e pela Lei nº4-B/2021 de 1 de Fevereiro, o prazo de prescrição apenas terminava no dia 15 de Julho de 2022.
Sucede que os accionistas apenas foram citados depois desta data, pelo que, mesmo ponderando a suspensão dos prazos, verifica-se a prescrição que foi invocada pelo accionista AA.
A autora sustenta também que no dia 8 de Fevereiro de 2022 o accionista AA, referindo a sua qualidade de antigo accionista e administrador, constituiu mandatário e apresentou um requerimento em que deu conhecimento da extinção da ré, pelo que a prescrição deve considerar-se interrompida a partir desta data.
A intervenção do accionista nestes termos não permite que se afirme que a prescrição foi interrompida relativamente ao exercício pela autora do direito previsto no art. 163º nº1 do Cód. das Sociedades Comerciais, uma vez que naquela altura a autora ainda não havia exercido este direito.
A autora sustenta ainda que relativamente aos accionistas BB e CC a prescrição deve considerar-se interrompida a partir do dia 24 de Maio de 2022 porque nesta foi autuado o incidente para a sua habilitação que deduziu por apenso aos presentes autos.
O incidente que foi deduzido pela ré não implicou a interrupção da prescrição porque foi indeferido liminarmente sem que os accionistas tenham chegado a ser citados para os efeitos do art. 352º nº1 do Cód. de Processo Civil.
Embora apenas tenha sido invocada pelo accionista AA, a prescrição aproveita aos accionistas BB e CC.
O art. 163º nº2 do Cód. das Sociedades Comerciais estabelece diversas particularidades em relação ao regime geral do processo civil. Uma destas particularidades consiste em que é estabelecido um mecanismo de representação processual dos sócios pelo liquidatário, o qual é considerado o seu representante legal (…). Por outro lado, também é estabelecido que a sentença que for proferida nesta acção constitui caso julgado relativamente a todos os sócios.
Deste regime resulta que o liquidatário, ainda que seja um antigo sócio, actua sempre enquanto representante da generalidade dos sócios, pelo que a sua defesa é necessariamente extensível a estes. Por outro lado, se a sentença produz efeitos quanto a todos os sócios, compreende-se que os meios de defesa que tenham sido invocados pelo liquidatário também lhes sejam extensíveis.
No caso dos autos, temos que os liquidatários eram os accionistas AA, BB e CC, uma vez que eram os membros do conselho de administração e nada foi estabelecido em sentido contrário no contrato de sociedade (art. 151º nº1 do Cód. das Sociedades Comerciais). Sendo o accionista AA um dos liquidatários, a prescrição que invocou não pode deixar de aproveitar aos demais accionistas.
A prescrição é uma excepção peremptória que implica a absolvição do réu do pedido formulado pelo autor (art. 576º nº1 e 3 do Cód. de Processo Civil).
Sendo possível proferir uma decisão sobre o mérito da causa, fica prejudicado o conhecimento das excepções dilatórias que foram invocadas pelo accionista AA na sua contestação (art. 278º nº3 do Cód. de Processo Civil).
Pelo exposto, decido julgar procedente a excepção peremptória de prescrição que foi invocada e, em consequência, absolvo os accionistas AA, BB e CC dos pedidos contra si formulados».
Contra tal decisão insurge-se a ora recorrente/autora.
Não põe em causa que o prazo de prescrição aplicável ao direito invocado é o de cinco anos, pelo que, se nada tivesse ocorrido, a prescrição ocorreria em 18-04-2022.
Alega, porém, que o Tribunal a quo não teve em atenção que o prazo de prescrição estabelecido no n.º 3 do artigo 174.º do CSC, iniciando-se em 18-04-2017, suspendeu-se entre 14-03-2020 e 03-06-2020 e entre 22-01-2021 e 6-04-2021, por força de duas suspensões de prazos de prescrição, impostas legalmente devido à pandemia COVID 19 (artigos 7.º, n.º 3 e 10.º da Lei n.º 1-A/2020 de 19-03 e 36.º do Dec. Lei n.º 10-A/2020 de 13-03, e artigo 6.º da lei 16/2020 de 29-05, pelo que, se nada mais ocorresse, terminaria em 20-09-2022.
Mais alega que, em 19-05-2022, requereu que o acionista que deduziu contestação em nome da sociedade dissolvida, prestasse as informações necessárias para o exercício do disposto nos artigos nos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5, do CSC, e fê-lo invocando dificuldades intransponíveis na obtenção das informações e documentos necessários a que pudessem os autos prosseguir contra os acionistas da sociedade dissolvida e extinta, tendo simultaneamente requerido a citação dos acionistas, para que contestassem a presente ação, portanto, 119 dias antes do termo da prescrição, a qual não ocorreu porquanto este apenas foi notificado pelo Tribunal para prestar essas informações em 22-09-2022, do que conclui que a prescrição decorrente do artigo 174.º n.º 3 do CSC foi interrompida em 24-05-2022, nos termos do disposto no artigo 323.º, n.º 2 do CC, o que significa que o prazo de prescrição iniciado em 18-04-2017, à data da citação/notificação dos acionistas, deve declarar-se inutilizado, nos termos e para os efeitos do artigo 326.º, n.º 1 do CC.
Assim sendo, importa aferir da existência de causas interruptivas do prazo necessário para a verificação da exceção perentória de prescrição, que conduzam à improcedência da mesma, o que se constata ter sido oportunamente invocado pela autora no âmbito do contraditório operado através do requerimento de 14-10-2022, pronunciando-se quanto à invocada prescrição, relativamente à qual invoca a suspensão e a interrupção do prazo prescricional, pugnando pela improcedência de tal exceção, mais reiterando o pedido de notificação da ré para que juntasse aos autos os documentos que constam do douto despacho de 26-09-2022.
Tal como esclarece Luís A. Carvalho Fernandes[1], «uma vez iniciado o seu curso, a contagem do prazo prescricional segue as regras da contagem do tempo, como resulta, de resto, de forma inequívoca, do art. 296.º do C.Civ. Assim, nomeadamente, iniciado o curso do prazo prescricional, ele conta-se, em princípio, ininterruptamente. Há, porém, duas importantes excepções, decorrentes do regime de suspensão e interrupção da prescrição».
No que releva para o caso em análise, decorre do disposto no artigo 326.º do CC que a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte (n.º 1), sendo que a nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311.º (n.º 2).
Por outro lado, as causas interruptivas da prescrição podem ser de duas modalidades, consoante resultem de ato do credor ou de ato do devedor[2].

Relativamente à interrupção da prescrição por ato do credor (interrupção promovida pelo titular), dispõe o artigo 323.º do CC:

1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.
4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.

Como se vê, a lei prevê a possibilidade de atos judiciais específicos interromperem a prescrição, como a citação e a notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente, tal como resulta do artigo 323.º, n.º1, do CC, ainda que equiparando à citação ou notificação qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido (n.º 4 do artigo 323.º do CC).
No caso, não subsistem dúvidas de que a ação foi instaurada em 01-02-2022 sendo demandada a ré EMP02..., SA.
Procedeu-se à citação da ré, tendo sido junto o correspondente aviso de receção, assinado em 04-02-2022, após o que AA requereu a junção de procuração aos autos em 08-02-2022 (ref. ª ...85), vindo alegar que a sociedade ré se encontra dissolvida, com registo de encerramento da liquidação e afirmando ter sido seu acionista e administrador.
Depois de várias incidências processuais, o Tribunal a quo veio a entender que, estando em causa uma ação que foi proposta depois do registo do encerramento da liquidação, o autor podia requerer o seu prosseguimento contra os sócios, pese embora esta seja uma das funções do liquidatário, em face do que determinou o prosseguimento da ação contra os acionistas da ré, tal como requerido pela autora, mais determinando que a ré juntasse aos autos os documentos e prestasse as informações que foram requeridas pela autora, ao abrigo do princípio da cooperação.
Posteriormente, em 28-10-2022, a ré/contestante veio informar que, no momento da dissolução da sociedade/ré, os acionistas da mesma eram AA, BB e DD, mais juntando aos autos documentos - pacto social e a decisão de dissolução e encerramento da liquidação proferida pela conservatória do registo comercial.
Mais nos revelam os autos que os referidos acionistas foram citados para a presente ação apenas em 17-11-2022, 20-01-2023 e 17-03-2023, respetivamente, sendo que o início (dies a quo) do referido prazo de prescrição tido em conta na sentença recorrida, ocorreu a 18-04-2017, não suscitando controvérsia a aplicabilidade à prescrição invocada pela ré do prazo de cinco anos, pelo que o Tribunal recorrido, mesmo admitindo a invocada suspensão dos prazos alegada pela autora, no âmbito das medidas de prevenção e combate à pandemia provocada pela doença Covid-19, entendeu que se verificava a prescrição invocada pelo acionista AA, porquanto os acionistas apenas foram citados após o decurso do prazo de prescrição de cinco anos, mesmo considerando a extensão daquele prazo por via dos dois períodos de suspensão decorrentes de tal regime.
Porém, segundo a recorrente, o prazo de prescrição em causa deve considerar-se interrompido em 24-05-2022, nos termos do disposto no artigo 323.º, n.º 2 do CC, o que significa que o prazo de prescrição iniciado em 18-04-2017, à data da citação/notificação dos acionistas, deve declarar-se inutilizado, nos termos e para os efeitos do artigo 326.º, n.º 1 do CC.
Quanto a esta questão, observa-se que o Tribunal a quo se reportou unicamente à autuação do incidente de habilitação, simultaneamente deduzido pela autora por apenso aos presentes autos, afastando a eficácia interruptiva da dedução de tal incidente, uma vez que o mesmo incidente foi indeferido liminarmente sem que os acionistas fossem citados para os efeitos do artigo 352.º, n.º 1 do CPC.
Sucede que, como se viu já, a autora/recorrente pronunciou-se oportunamente (em 14-10-2022) quanto à invocada prescrição, relativamente à qual invocou a suspensão e a interrupção do prazo prescricional, alegando especificamente que, em 19-05-2022, requereu que o acionista que deduziu contestação em nome da sociedade dissolvida prestasse as informações necessárias para o exercício do disposto nos artigos nos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5, do CSC, invocando dificuldades intransponíveis na obtenção das informações e documentos necessários a que pudessem os autos prosseguir contra os acionistas da sociedade dissolvida e extinta, o que requereu fosse determinado, motivo pelo qual não lhe pode ser imputável o atraso nas citações dos acionistas da sociedade dissolvida, devendo operar a interrupção da prescrição logo que decorridos os cinco dias previstos no artigo 323.º, n.º 2 do CC, ou seja, em 24-05-2022, argumentos que não foram ponderados na decisão recorrida e que agora a recorrente retoma em sede de alegações de recurso.
Contrapõe a recorrida/ré que era exigível à autora aferir da situação da sociedade ré antes de instaurar a presente ação e, confrontando-se com o registo de encerramento da liquidação da mesma já desde ../../2017, diligenciar por apurar quem era o liquidatário desta e/ou os seus acionistas a fim de poder demandá-los judicialmente, no lugar da ré, ou, no limite, instaurar a ação contra incertos, o que, por incúria, não fez, e só em 19-05-2022 veio requerer ao Tribunal a quo que o ora recorrido fosse notificado para juntar aos autos o pacto social da sociedade ré, as respetivas alterações, a identificação dos acionistas no momento da dissolução, a decisão de dissolução e encerramento da liquidação e a eventual partilha, aguardou serena e despreocupadamente, que fossem juntas aos autos pelo recorrido as referidas informações/documentos que, descurando ou mesmo desconsiderando o prazo de prescrição em curso, pelo que outra decisão não poderia ser proferida pelo Tribunal a quo se não a de julgar procedente a invocada exceção perentória de prescrição que foi invocada pelo recorrido e, em consequência absolver, os acionistas da ré sociedade dos pedidos contra si formulados.
Liminarmente se dirá não assistir qualquer razão à apelada/ré quanto aos argumentos invocados a este propósito, em face das concretas incidências processuais que o processo revela.
Tal como esclarece Júlio Gomes[3], em anotação ao citado 323.º do CPC, «[d]e acordo com o n.º 2 do artigo 323.º se a citação ou notificação tiver sido feita dentro dos cinco dias após ter sido requerida atender-se-á à data em que ela foi efetivamente realizada. Se não tiver sido feita no prazo de cinco dias depois de ter sido requerida, importará verificar se esse atraso foi ou não devido a causa não imputável ao requerente. Se a causa não foi imputável ao requerente, os efeitos interruptivos da prescrição retroagem aos cinco dias após a citação ou notificação ter sido requerida. Se o atraso for imputável ao requerente a interrupção da prescrição terá lugar no momento em que a citação ou notificação é efetivamente realizada».
Ora, o conceito indeterminado utilizado pela lei no n.º 2 do artigo 323.º do CC tem vindo a ser densificado jurisprudencialmente, sendo entendimento pacífico na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que a expressão «causa não imputável ao requerente», usada no referido preceito legal, deve ser interpretada em termos de causalidade objetiva, pelo que a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objetivamente a lei em qualquer termo processual e até à verificação da citação[4].
Como se refere no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-04-1996, «[p]ara que se verifique a interrupção da prescrição, não exige a lei que se verifique uma diligência excepcional da parte do autor, mas apenas que apresente o requerimento da citação cinco dias antes do fim do prazo da prescrição e que a causa da demora lhe não seja imputável no caso de a citação se não efectivar dentro daquele período.
(…) A conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objectivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação».
Assim, «o autor tem de cumprir duas condições para poder beneficiar do regime do referido nº 2: requerer a citação do réu cinco dias antes do termo do prazo prescricional; evitar que o eventual retardamento da citação lhe seja imputável. Esta última situação tem de interpretar-se em termos de causalidade objectiva, de tal modo que o retardamento da citação só seja imputável ao autor quando este viole objectivamente a lei (v.g. não pagando o preparo inicial no prazo normal, indicando falsa residência do réu, não entregar os necessários duplicados)»[5].
Neste enquadramento, o efeito interruptivo estabelecido no n.º 2 do citado artigo 323.º do CC pressupõe que «(i) na data em que é requerida a citação, o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores; (ii) a citação não tenha sido realizada dentro desses cinco dias; (iii) o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao requerente, entendendo-se aqui que este, objectivamente, em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que haja um atraso no acto»[6].
Revertendo ao caso em apreciação, verifica-se que a autora cumpriu todas as condições para poder beneficiar do regime previsto no citado artigo 323.º, n.º 2 do CC, pois requereu que o acionista que deduziu contestação em nome da sociedade dissolvida prestasse as informações necessárias para o exercício do disposto nos artigos nos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5, do CSC, invocando dificuldades intransponíveis na obtenção das informações e documentos necessários a que pudessem os autos prosseguir contra os acionistas da sociedade dissolvida e extinta, o que requereu fosse determinado.
Ora, tal requerimento foi apresentado em 19-05-2022, como tal, com antecedência muito superior a cinco dias em relação ao decurso do prazo de prescrição (que ocorreria, nos termos antes enunciados, em 20-09-2022).
Por outro lado, constata-se que a citação dos referidos acionistas não se concretizou nos cinco dias subsequentes à data em que tal foi requerido pela ora autora/recorrente, por razões que não são da responsabilidade desta.
Com efeito, a autora requereu que o acionista que deduziu contestação em nome da sociedade dissolvida prestasse as informações necessárias para o exercício do disposto nos artigos nos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5, do CSC, invocando dificuldades intransponíveis na obtenção das informações e documentos necessários a que pudessem os autos prosseguir contra os acionistas da sociedade dissolvida e extinta, o que requereu fosse determinado, sendo que tais pressupostos foram oportunamente apreciados no processo pelo Tribunal recorrido no despacho de 22-09-2022, no qual determinou o prosseguimento da ação contra os acionistas da ré, como requerido pela autora, mais decidindo que a ré juntasse os documentos e prestasse as informações que foram requeridas pela autora, ao abrigo do princípio da cooperação consagrado no artigo 7.º, n.º 1 e 4 do CPC.
Neste enquadramento, entendemos que a conduta processual assumida pela autora/recorrente não permite configurar qualquer infração objetiva da lei em qualquer termo processual até à verificação da citação, pelo que o atraso na concretização da citação dos acionistas, a qual veio a ocorrer apenas em 17-11-2022, 20-01-2023 e 17-03-2023, respetivamente, não lhe pode ser imputado.
Deste modo, importa concluir que os efeitos interruptivos da prescrição retroagem aos cinco dias após o requerimento que foi apresentado em 19-05-2022, por força do disposto no artigo 323.º, n.º 2 do CC, pelo que a interrupção da prescrição ocorreu em 24-05-2022, conforme sustenta a apelante, como tal, antes de se mostrarem concluídos os cinco anos previstos no artigo 174.º, n.º 3 do CSC.
Pelo exposto, não opera a invocada exceção perentória de prescrição, impondo-se a revogação do saneador-sentença proferido e determinando-se a remessa dos autos à primeira instância para aí prosseguirem os seus termos.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for. 
No caso em apreciação, como a apelação foi julgada procedente, as custas da apelação são integralmente da responsabilidade da ré/recorrida, atento o seu decaimento.

IV. Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, em consequência do que se revoga o saneador-sentença recorrido, julgando-se improcedente a exceção de prescrição do direito e determinando-se a remessa dos autos à primeira instância para aí prosseguirem a tramitação subsequente que se revele necessária.
Custas da apelação pela recorrida/ré.
Guimarães, 07 de março de 2024
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator)
Alcides Rodrigues (Juiz Desembargador - 1.º adjunto)
Afonso Cabral de Andrade (Juiz Desembargador - 2.º adjunto)



[1] Cf. Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil II, Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, 5.ª edição - revista e actualizada, Lisboa, 2017, Universidade Católica Editora, p. 700.
[2] Cf. Luís A. Carvalho Fernandes - obra citada - p. 701.
[3] Cf. Comentário ao Código Civil, Parte Geral - Coord. de Luís Carvalho Fernandes, José Brandão Proença, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2014, p. 773.
[4] Cf., por todos, os Acs. do STJ de 19-06-2019 (relator: Alexandre Reis), p. 3173/17.0T8LOU-A. P1. S1; de 12-09-2018 (relator: Chambel Mourisco), p. 5282/07.4TTLSB.L1. S1; de 29-11-2016 (relator: Garcia Calejo), p. 448/11.5TBSSB-A. E1. S1; de 20-06-2012 (relator: Sampaio Gomes), p. 347/10.8TTVNG.P1. S1; de 24-03-1999 (relator: Almeida Deveza), p. 99S012; de 30-04-1996 (relator: Pais de Sousa), p. 087981; todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[5] Cf. o citado Ac. do STJ de 24-03-1999.
[6] Cf. o Ac. do STJ de 19-06-2019, antes citado.