Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ AMARAL | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA CONTRATUAL UTILIZAÇÃO DE BEM APÓS A PARTILHA PRESCRIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/21/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I) Necessitando a prescrição do direito à indemnização por danos resultantes de facto ilícito de ser invocada e tendo-o de facto sido pela parte a quem ela aproveita, embora em termos singelos e com base em preceitos legais inaplicáveis ao caso, tinha o tribunal a quo o poder e o dever de conhecer de tal questão exceptiva. II) Aliás, tendo o autor reconhecido tal invocação e sobre esta tendo exercido oportunamente o contraditório, não pode ele, em recurso, alegar, como questão nova, que a prescrição não fora eficazmente alegada e não devia ter sido apreciada. III) Se o não tivesse devidamente alegada, a pronúncia sobre ela integraria nulidade de sentença, nos termos do artº 615º, nº 1, alínea d), CPC, que carece de ser arguida, mas que, no recurso, não o foi sequer. IV) O deficiente enquadramento jurídico com que foi alegada a prescrição não impede o tribunal de dela conhecer e corrigir a respectiva subsunção normativa, pois que é livre na indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. V) Resultando os factos relativos à prescrição alegados na própria petição e dos autos, não precisa o réu de, para o efeito de fundamentar tal excepção, os repetir na contestação. VI) A responsabilidade decorrente do facto de um dos ex-cônjuges se recusar a entregar ao outro ex-cônjuge (e continuar a usufruir) a casa que habitava (por acordo) até à partilha, na sequência de tal imóvel ter sido por este licitado e ao mesmo adjudicado por sentença no respectivo inventário, é de natureza extracontratual. VII) Trata-se de violação do direito de propriedade e da consequente responsabilidade pelos danos causados e não de incumprimento de obrigação derivada de qualquer contrato ou acto análogo. VIII) Daí que o prazo de prescrição a ter em conta é o previsto no artº 498º, do CC. IX) O termo inicial desse prazo coincide com – e conta-se – desde o primeiro momento em que se consumou o acto ilícito (recusa e consequente ofensa do direito real) e ficaram preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar, independentemente de os danos se terem continuado a produzir ao longo do tempo e até que foi pedida e executada a entrega judicial. X) Trata-se de um ilícito civil de carácter instantâneo (na medida em que todos os referidos pressupostos se verificaram naquele momento e, então, o lesado tomou conhecimento do seu direito) embora de efeitos permanentes (porquanto o resultado lesivo continuou a produzir-se e se estendeu no tempo). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I.RELATÓRIO O autor F. F. instaurou, em 27-05-2020, no Tribunal de Guimarães, acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra a ré L. A.. Pediu que esta fosse condenada: “A) – A pagar ao Autor uma indemnização de valor nunca inferior a €85,258,15 (…), a título de ressarcimento de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que todos os seus comportamentos causaram directa e necessariamente ao Autor, pela posse e ocupação dos seus bens móveis e imóvel no período de 21/03/2005 a 03/09/2018, ou seja, pela habitação do imóvel e uso dos bens móveis aqui supra indicados, porque bens próprios e exclusivos do Autor, e porque tal conduta foi exercida pela Ré contra a vontade do Autor, sabendo a Ré que não o podia fazer, violando, assim, de forma ilícita e culposa o seu direito de propriedade sobre os mesmos, acrescida dos juros legais contados desde a data da citação desta acção até efectivo e integral pagamento. B)- No pagamento de sanção pecuniária compulsória, de montante não inferior a uma UC (Unidade de Conta Processual), por cada dia de atraso no cumprimento da decisão em que venha a ser condenada e notificada pelo Tribunal, de forma a assegurar a efectividade de mesma, dividindo-se o montante desta sanção em partes iguais entre o Estado e o Autor (Artº. 829-A, nº 1 e 3, do CC). C)- No pagamento das custas do processo, procuradoria condigna e no mais de Lei”. Alegou, para tanto, resumindo [1] que no âmbito do processo de divórcio que correu entre ambos, a casa de morada de família e respectivo recheio foram, primeiro provisoriamente, por decisão judicial, e, depois, por acordo homologado, atribuídos à ré (neste caso, até que fosse efectuada a partilha), tendo-lhe sido entregues em 07-03-1997. Uma vez renovada, pela ré, a instância litigiosa, foi proferida, em 26-10-2000, a sentença, já transitada, que decretou o divórcio por culpa do autor. Na sequência, este, em 02-10-2002, instaurou inventário para partilha dos bens comuns. Na respectiva conferência de interessados, realizada em 30-09-2004, o autor licitou sobre o dito imóvel (relacionado aí como verba nº 18) e sobre alguns dos móveis do recheio (verbas 7, 11, 12, 14, 15 e 17). Em 07-01-2005, foi elaborado o mapa de partilha, segundo o qual o quinhão do autor foi preenchido com os bens licitados; e, o da ré, entre o mais, com tornas, a pagar por este, no valor de €48.630,30. Tal mapa foi homologado por sentença de 01-03-2005, transitada em 21-03-2005, e, através desta, assim, adjudicados os respectivos quinhões. Porém, nem a casa (e recheio) foram, então, entregues pela ré ao autor, nem este pagou àquela as tornas devidas. Em 23-05-2013, a ré intentou execução comum para cobrança do seu crédito. Por sua vez, o autor requereu, em 12-12-2017, a entrega coerciva daqueles bens, isto porque ela “sempre se recusou a fazê-lo”. Com efeito, se é certo que, desde que foi nomeada cabeça de casal no processo de inventário e até à partilha (21-03-2005), a ré exerceu as respectivas funções de administradora dos bens comuns, a partir daí, apesar de os licitados e adjudicados terem passado a ser propriedade plena e exclusiva do autor, foi ela que os “possuiu, habitou e utilizou de forma exclusiva, e também os administrou de forma exclusiva, daqui retirando todos os seus frutos e rendimentos exclusivamente para si” até 03-09-2018, data em que foram entregues ao autor, “sendo que habitou de forma exclusiva a casa de habitação e utilizou esta e o seu recheio em proveito próprio”, nunca por isso lhe tendo pago qualquer quantia. Tal utilização “representou um rendimento para a ré”, pois “o valor de uso destes bens móveis e imóvel representou uma vantagem económica que não pode deixar de ser considerada neste processo, sob pena de injusto locupletamento à custa alheia e de um intolerável enriquecimento sem causa da ré, que, aliás, a lei não consente”. Conforme perícia efectuada no apenso E do inventário e utilizando os critérios nela apurados, o valor de tal utilização ascende a €80.258,15. Assim, a ré, com essa “posse e uso de forma exclusiva” dos bens, cujo “valor locativo mensal correspondente ao uso deste tipo de bens”, auferiu “um rendimento no valor nunca inferior a €80.258,15” que o autor “tem o direito de exigir da ré, como exige, o seu pagamento”, uma vez que esta “não pode beneficiar do lucro ou rendimento que lhe proporcionou a utilização exclusiva destes bens próprios e exclusivos do Autor desde, pelo menos, 21/03/2005 e 03/09/2018, em prejuízo deste.” Acrescentou, ainda, que sofreu danos, pois “nunca teve outra casa de habitação se não a indicada nestes autos, nem tem” e “a privação destes bens (a casa de habitação e respetivo recheio) durante este período – 13 anos, 5 meses e 13 dias -, ocorreu de forma completamente ilegítima e causou prejuízos sérios ao Autor, como se passa a demonstrar”. Primeiro, porque tal posse e uso exclusivos ocorreu “contra a vontade do autor F. F., como ela bem sabe”, já que, “desde a data de 21/03/2005 e até 03 de Setembro de 2018 o Autor, por diversas vezes, interpelou a Ré extrajudicialmente para esta proceder à entrega desses bens, e desocupar a casa de habitação” mas ela “sempre se recusou a fazê-lo, alegando precisamente que precisava da casa para si e para a família da filha de ambos I. R., que também ali residia juntamente com o marido e 2 filhos”. Tal declaração “demonstra que a posse e uso destes bens a seu favor lhe proporcionava vantagens económicas e interesse, pois permitiu-lhe garantir a seu favor o direito de habitação durante todos estes anos.” Também aconteceu que, em 07/05/2000, o autor foi vítima de um acidente. Este “causou-lhe uma incapacidade parcial permanente superior a 50%, que o impediu de exercer uma actividade profissional remunerada normal, quer por conta própria, quer por conta de outrem, situação que se mantem até hoje, além de que a saúde do Autor tornou-se cada vez mais débil, que se agravou ao longo dos tempos, como, aliás, já era previsível à data do mesmo, conforme resulta dos documentos médicos aqui juntos”. Tal facto “implicou que a situação financeira do Autor entrasse em total derrapagem durante todos estes anos, ao ponto de mal ter dinheiro para comer, pois o seu único rendimento era a sua pensão de reforma por invalidez de valor aproximado a € 250,00, pois hoje (2020), esta ascende a apenas € 321,17”. Assim, “durante todos estes anos o Autor foi resolvendo o seu problema de habitação com recurso a arrendamento, pagando as respetivas rendas, a habitações cedidas por pessoas amigas, a quem teve também de pagar pelas despesas com o seu alojamento, e finalmente viu-se obrigado a ter de regressar a casa de seus pais, onde residiu até 03/09/2018, mas cujas despesas com o seu alojamento também teve de suportar”. Ora, “se a Ré tivesse entregado estes bens ao Autor logo que findou a partilha (21/03/2005), como devia, o Autor teria sido poupado às despesas com os arrendamentos que foi obrigado a contrair, a título de habitação.”. Por isso, “a este título – habitação – o prejuízo do Autor nunca pode ser de valor inferior ao lucro ou vantagem económica obtida pela Ré pela posse e ocupação dos bens aqui em causa do Autor durante todo o tempo aqui supra indicado, ou seja, de valor nunca inferior a € 80.258,15”. “Efetivamente, em virtude dessa ocupação e posse pela Ré destes bens neste período, o Autor ficou impedido de os fruir, quer diretamente, quer dando-os de arrendamento, por um valor mensal que, em termos de mercado, seria o adequado a constituir como contrapartida pela fruição destes bens, valor este indicado no relatório pericial aqui junto, ou seja, a atuação da Ré determinou para o Autor a privação de um rendimento que, até à data de 03/09/2018, ascende a valor nunca inferior a €80.258,15, rendimento este em cujo ressarcimento deve a Ré ser condenada, sob pena de se verificar, para a Ré, uma situação de verdadeiro e ilícito enriquecimento sem causa, que, de todo, não pode ocorrer.” E, “por seu lado, se o Autor tivesse podido fruir indiretamente destes bens, o mesmo poderia ter tido um rendimento a título de rendas, também de valor equivalente, no pleno uso do seu direito de propriedade sobre os mesmos.” Porque tais factos lhe provocaram “um estado de espirito muito depressivo, muitos momentos de angústia, desgosto, preocupação e muita aflição, pois muitas vezes viu-se na iminência de ser despejado das casas onde se encontrava a habitar, porque não tinha dinheiro para cumprir com os arrendamentos, ou com o pagamento das ajudas no seu alojamento quando estava em casa de pessoas amigas” e porque “todos estes sentimentos de transtorno, preocupação e aflição, são também merecedores da tutela do direito, e por isso, suscetíveis de compensação em dinheiro”, é seu direito exigir-lhe indemnização, também a título de danos morais, no valor de €5.000,00. Em conclusão, como “o Autor passou a ser, de facto e de direito, o proprietário pleno e exclusivo destes bens” e “como seu exclusivo proprietário, o ora Autor goza, de modo pleno e exclusivo, dos respectivos direitos de uso (“ius utendi”), fruição (“ius fruendi”) e de disposição (“ius abutendi”) (Artºs. 1305 e 1308 do CC)” e “correlativamente, foi ilícita e ilegítima a adoção desta conduta por parte da Ré de privação destes bens do Autor a favor dela durante todos estes anos, pois perturbou, afetou, diminuiu e constituiu obstáculo ao normal exercício dos poderes correspondentes ao exercício do aludido direito de propriedade do Autor sobres estes mesmos bens” e “ela sabia e sempre soube que tal conduta não lhe era permitida por Lei, mas mesmo assim, não deixou de a exercer de forma voluntária”, tal “conduta ilícita e culposa da Ré fá-la incorrer em responsabilidade civil, com o consequente dever de indemnizar o Autor, nos termos do disposto nos Artsº. 1305, 1308, 483, 562 e 566, todos do CC.” Sustenta, enfim, tal pretensão indemnizatória no valor total peticionado “com fundamento, entre outros, no disposto nos Artºs. 1305, 1308 e 483 do CC e ss. do CC.” Juntou documentos. A ré foi citada em 05-06-2020. Em contestação, começou por alegar que “nada deve ao aqui autor, mas mesmo que a Ré tivesse de proceder ao pagamento das quantias referidas na petição inicial a título de uso dos bens móveis, e a título de uso da casa de habitação, sempre estariam prescritos todos os valores/montantes peticionados, que se computassem para além dos últimos 5 anos, pelo que se invoca a prescrição desses montantes, para todos os efeitos legais, nos termos dos artigos 307º e 310º alínea a) b) e g) do cod. Civil.” No mais, impugnou parte da factualidade e reconheceu outra parte, alegando que sempre foi o autor que aquiesceu, pelas diversas razões referidas, em que ela se mantivesse a utilizar a casa e o recheio. Na audiência prévia, foi facultado à mandatária do autor o contraditório quanto à “excepção deduzida”. Esta, em defesa da sua improcedência, replicou, além do mais, o seguinte: “No ponto I al. a) da douta contestação, a Ré invoca a excepção peremptória da Prescrição”; “o Autor não aceita os fundamentos aqui invocados pela Ré, para apoiar esta sua tese da prescrição”; “a Ré fundamenta a sua alegada prescrição no art.ºs 307º e 310º, al. a), b) e g) do C. Civil”; “tal regime não é aqui aplicável ao caso destes autos, pois o direito invocado pelo Autor não resulta, não emerge de qualquer contrato de arrendamento tendo por objecto os bens móveis e imóveis objecto destes autos, nem da obrigação do pagamento de qualquer prestação mensal que tenha sido acordada entre Autor e Ré”; “O Autor fundamenta este seu direito de indemnização sobre a Ré por violação do seu direito de propriedade por esta entre 2005 e 2018, ao abrigo dos art.ºs 1305º e 1306º do C. Civil, porque a utilização que a Ré fez destes bens durante estes anos ocorreu sem qualquer acordo estabelecido entre as partes”. No acto, foi, ainda, facultado, pelo Mº Juiz, ao autor o contraditório “para se pronunciar sobre a aplicação do prazo de prescrição de três anos por estar em causa responsabilidade extracontratual”, ao que, igualmente através de sua Advogada constituída, acrescentou e objectou: “também não pode aceitar, tendo em conta que a origem deste direito está na compra e venda que o Autor fez é uma relação contratual, porque o Autor comprou esta casa em partilha judicial e, portanto, o regime aqui que se aplica será a prescrição dos 20 anos tanto é que e, assim, sendo Mm.º Juiz não pode o Autor aceitar de forma alguma que face à interpretação de que será uma prescrição mais curta a que assim aplicável e, sendo assim também se opõe a essa mesma posição. Porque efectivamente a origem desta relação foi a compra e venda que ele fez ou adjudicação de partilha que é como se fosse um contrato de compra e assim Mm.º Juiz digamos assim este direito, a casa só foi libertada em 2018 e por ordem judicial e, por isso, Mm.º Juiz de facto a prescrição que aqui se aplica é portanto a de 20 anos.” A ré treplicou que, invocando o autor, responsabilidade extracontratual, o prazo aplicável é o de três anos e não o de vinte. O autor, de novo fazendo uso da palavra conforme requereu, ao jeito da antiga quadrúplica, ainda contrapôs que “relativamente à posição que defende ser uma responsabilidade contratual, porque havendo a licitação assiste ao Autor o dever de pagar as tornas, mas assiste neste caso à Ré o dever de entrega do bem e, por isso, é que eu invoco o fundamento na responsabilidade contratual”. Encerrada a audiência e conclusos os autos, com data de 08-10-2020, foi proferida sentença, em cujo dispositivo final consta: “Por tudo o exposto, julgo procedente a invocada prescrição e, em consequência, absolvo a Ré do pedido. Custas a cargo do Autor, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário. Registe e dê baixa. ” O autor, protestando o seu inconformismo, apelou a que esta Relação revogue tal decisão e julgue improcedente “a exceção da prescrição invocada”, apresentando como conclusões [2] do seu recurso as seguintes: “A)-Os presentes autos foram intentados pelo Autor F. F., nos quais vem pedir a condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização de valor nunca inferior a € 85,258,15 (Oitenta E Cinco Mil, Duzentos E Cinquenta E Oito Euros E Quinze Cêntimos), a título de ressarcimento de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que todos os seus comportamentos causaram direta e necessariamente ao Autor, pela posse e ocupação dos seus bens móveis e imóvel no período de 21/03/2005 a 03/09/2018, ou seja, pela habitação do imóvel e uso dos bens móveis aqui supra indicados, porque bens próprios e exclusivos do Autor, e porque tal conduta foi exercida pela Ré contra a vontade do Autor, sabendo a Ré que não o podia fazer, violando, assim, de forma ilícita e culposa o seu direito de propriedade sobre os mesmos, acrescida dos juros legais contados desde a data da citação desta acção até efetivo e integral pagamento. B)- O Autor assenta esta mesma ação na sentença homologatória de partilha de bens por divórcio, proferida em 01/03/2005 e transitada em julgado em 21/03/2005, no âmbito do Proc. nº 578/1995, do 2ç Juízo Cível de Barcelos deu origem ao Proc. nº 364/17.7T8BCL, do Tribunal de Família e Menores de Barcelos. C)- Ou seja, o direito de propriedade exclusiva destes bens na esfera jurídica do Autor e da Ré – móveis e imóvel – nasce, surge, constitui-se com a sentença de partilha destes bens com a sua ex-mulher, a aqui Ré, é reconhecido nesta mesma sentença judicial. - Ou seja, nesta data constituíram-se, foram reconhecidos, nasceram dois direitos: - Para o Autor, o direito de propriedade sobre os bens que licitou, e, por isso, a recebê-los, de forma imediata e livre de pessoas e bens; - Para a Ré, o direito de propriedade sobre os bens que licitou, e o direito a receber do Autor a quantia de € 48.630,30, a título de tornas. D)- Porém, ocorreu que desde a data de 21/03/2005 até 03/09/2018, a Ré esteve na posse exclusiva dos bens móveis e imóvel adjudicados ao Autor na patilha, contra a vontade deste, sabendo que não o podia fazer, violando, assim, o direito de propriedade do Autor sobre os mesmos. E)- Regularmente citada para efeitos destes autos, em sede de contestação, a Ré veio invocar a prescrição de todos os montantes peticionados pelo Autor, que se computassem para além dos últimos 5 anos, prevista nos Artº. 307 e 310, al. a, b) e g) do CC, F)- Em 08/10/2020, o Mº. Juíz “a quo” proferiu despacho saneador sentença, no qual conheceu desta exceção da prescrição, argumentando que, estando em causa a violação do direito de propriedade do Autor, é aplicável o regime prescricional da responsabilidade civil extracontratual”, e, por conseguinte, conheceu da exceção da prescrição, decidindo que a responsabilidade aqui em causa nestes autos é de cariz extracontratual, estando, por isso, sujeita ao prazo de prescrição de 3 anos, previsto no Artº. 498, nº 1 e 3, do CC, contados desde a data de 21/03/2005, data em que transitou em julgado a sentença de partilhas qui em causa, razão pela qual absolveu a Ré do pedido. I G)- Posto isto, o âmbito deste recurso passa pela resposta a três questões, a saber: - Em primeiro lugar, cumpre analisar se a responsabilidade que emerge da violação de direitos absolutos, como é aqui o caso do direto de propriedade sobre os bens aqui causa, consagrado no Artº. 1305 do CC, é de cariz extracontratual ou contratual. - Em segundo lugar, definida esta questão, saber a que prescrição fica sujeito o direito invocado pelo Autor nestes autos: se ao prazo de prescrição de 3 anos, ou se ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos. - Em terceiro lugar, sempre se dirá que a exceção da prescrição não é de conhecimento oficioso, pois para ser eficaz, precisa de ser invocada por aquele a quem aproveita (Artº. 303 do CC). II 1ª QUESTÃO H)- Quanto à 1ª QUESTÃO, o Autor sustenta a sua posição de atribuir cariz contratual à responsabilidade da Ré pela violação do seu direito de propriedade sobre estes bens, pela privação do seu uso entre 21/03/2005 e 03/09/2018, contra a vontade do Autor, e sabendo que a sua conduta era contra a lei, nas seguintes razões, motivos ou fundamentos: I)- Na verdade, o direito de indemnização exigido pelo Autor nestes autos está subjacente na violação pela Ré do seu direito de propriedade sobre os bens móveis e imóvel que lhe foram adjudicados na partilha, consubstanciado no facto de a Ré ter estado na sua posse exclusiva e contra a sua vontade desde 21/03/2005 até à sua entrega judicial em 03/09/2018. J)- Ou seja, o direito de propriedade exclusiva destes bens na esfera jurídica do Autor – móveis e imóvel – nasce, surge, constitui-se com a sentença de partilha destes bens com a sua ex-mulher, a aqui Ré, é reconhecido nesta mesma sentença judicial. - Ou seja, nesta data constituíram-se, foram reconhecidos, nasceram dois direitos: - Para o Autor, o direito de propriedade sobre os bens que licitou; - Para a Ré, o direito de propriedade sobre os bens que licitou, e o direito a receber do Autor a quantia de € 48.630,30, a título de tornas. K)- Porém, ocorreu que desde a data de 21/03/2005 até 03/09/2018, a Ré esteve na posse exclusiva dos bens móveis e imóvel adjudicados ao Autor na patilha, contra a vontade deste, sabendo que não o podia fazer, violando, assim, o direito de propriedade do Autor sobre os mesmos. L)- Ora, o direito de propriedade é um direito absoluto, previsto no Artº. 1305 do CC, que determina que “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”. M)- Ora, como supra se refere, o direito de propriedade exclusiva do Autor sobre os bens móveis e imóvel aqui em causa apenas surge com a sentença de partilha, transitada em julgado em 21/03/2005, nasce, surge, constitui-se, é reconhecido nesta mesma sentença judicial. N)- Assim sendo, a responsabilidade que emerge da violação de direitos absolutos, como é aqui o caso do direto de propriedade do Autor sobre os bens aqui causa, consagrado no Artº. 1305 do CC, é de cariz contratual. III 2ª QUESTÃO O)- Deste modo, e quanto à 2º QUESTÃO, face à causa de pedir invocada pelo Autor, a violação deste direito de propriedade tem obrigatoriamente de ficar abrangida pela prescrição ordinária de 20 anos, PORÉM, SEM CONCEDER: P)- Para o caso de assim se não atender, o direito de indemnização aqui invocado e peticionado pelo Autor de privação do uso destes bens móveis e do imóvel também não se encontra prescrito, atendendo a que estes bens móveis e o imóvel apenas foram restituídos ao Autor judicialmente em 03/09/2018, ou seja, a privação de acesso e de uso deste pelo Autor, por força da conduta da Ré que começou em 21/03/2005 e terminou em 03/09/2018, integrando, assim, um facto continuado, que apenas cessou com a intervenção do tribunal, em 03/09/2018. Q)- Assim sendo, o prazo de prescrição apenas começou a correr a partir do momento em que o dano cessou, e que neste caso, ocorreu apenas em 03/09/2018. R)- Considerando que o prazo de 3 anos apenas teve início em 03/09/2018, que foi quando cessou a conduta da Ré de privação de uso destes bens do Autor, este prazo terminava apenas em 03/09/2021, pelo que tendo os presentes autos foram intentados em tribunal em 27/05/2020, o direito de indemnização do Autor pela privação do uso destes bens e peticionado nestes autos não prescreveu. IV 3ª QUESTÃO S)- Por último, e quanto à 3ª QUESTÃO, sempre se dirá que a exceção da prescrição não é de conhecimento oficioso, pois para ser eficaz, precisa de ser invocada por aquele a quem aproveita (Artº. 303 do CC), o que não foi aqui o caso. T)- Ora, em sede de contestação, a Ré veio invocar a prescrição de todos os montantes peticionados pelo Autor, que se computassem para além dos últimos 5 anos, prevista nos Artº. 307 e 310, al. a e b) do CC, argumentando que “nada deve ao Autor, mas mesmo que a Ré tivesse de proceder ao pagamento das quantias referidas na petição inicial a título de uso dos bens móveis, e a título de uso da casa de habitação, sempre estariam prescritos todos os valores/montantes peticiona dos, que se computassem para além dos últimos 5 anos, pelo que se invoca a prescrição desses montantes, para todos os efeitos legais, nos termos do artigos 307 e 310, alíneas a), b) e g) do CC”, mas não negou os factos de que esteve na posse exclusiva destes bens até 03/09/2018, tendo dedicado à prescrição apenas um único ponto da sua, aliás, douta contestação. U)- Na decisão final o Mº. Juiz “a quo” concluiu pela procedência da invocada prescrição, embora com distinto enquadramento jurídico-normativo, sendo do entendimento de que não viu qualquer impedimento para tal. V)- Ora, mais uma vez com o devido e merecido respeito, o Autor também rejeita este mesmo entendimento, também pelas razões seguintes: X)- Desde logo, importa frisar que o Autor não baseia o seu pedido em qualquer direito a receber quaisquer rendas perpétuas, vitalícias ou prestações periódicas análogas, que são a que se destina a prescrição prevista nos Artºs. 307 e 310 do CC, e aqui invocada pela Ré na Y)- A previsão normativa abrange, pois, as hipóteses de obrigações pecuniárias, com natureza de prestações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas e que correspondam a duas fracções distintas: uma, de capital e, outra, de juros, em proporções variáveis, a pagar conjuntamente. W)- Ou seja, o enquadramento jurídico-normativo feito pela Ré é totalmente inadequado ao caso destes autos, pelo que não merece aplicação o prazo prescricional previsto nos Artºs. 307 e 310 do CC. Z)- Sem conceder, também não é eficaz uma invocação da prescrição de forma generalizada, geral ou genérica, pois compete ao Réu, como facto extintivo, o ónus da alegação dos factos constitutivos da exceção, sob pena de improcedência. AA)- Ora, esta omissão é impassível de ser judicialmente suprida (Cfr. Ac STJ de 7/2/2017 (proc. nº 3115/13), e Ac RC de 27/6/2017, (proc. nº 466/13), em em www dgsi.pt) AB)- Posto isto, deveria o Mº. Juiz “a quo” ter julgado improcede a exceção de prescrição alegada pela Ré. AC)- Ao decidir como decidiu, o Mº Juiz “a quo” violou, por erro de interpretação e aplicação do direito, o disposto nos Artº. 1305, 1313, 303, 311, nº 1, todos do CC. NESTES TERMOS, e nos mais de Direito, deve ser dado provimento ao presente RECURSO DE APELAÇÃO, julgando-o procedente e, em consequência, a final, ser revogada a douta Decisão ora recorrida, substituindo-a por outra que julgue totalmente improcedente, por não provada, a exceção da prescrição invocada, seguindo os presentes autos os seus termos até final. Mas Vs. Exªs. farão inteira e sá JUSTIÇA!” A ré, apresentou contra-alegações, defendendo a bondade da decisão recorrida, sublinhando os respectivos fundamentos e pugnando pela improcedência do recurso [3]. O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, nos autos, com efeito devolutivo. Corridos os Vistos legais e submetido o caso à apreciação e julgamento colectivo, cumpre proferir a decisão, uma vez que nada a tal obsta. II. QUESTÕES A RESOLVER Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC. Apesar do notado incumprimento, pelo autor recorrente, do ónus de síntese das respectivas conclusões, percebe-se [4] delas que, as questões suscitadas são as seguintes, pela sua ordem lógica: a) Falta de invocação e impossibilidade de conhecimento da excepção de prescrição. b) Natureza (contratual ou extracontratual) da responsabilidade da ré. c) Prazo de prescrição e modo de o contar. III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O tribunal recorrido julgou estar assente e, nesta parte, não foi posto em causa o seu juízo, a seguinte matéria: “1. No ano de 1995, a Ré L. A. intentou processo de divórcio contra o Autor F. F., processo esse que veio a correr os seus termos sob o nº 578/1995, do extinto 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Barcelos. 2. No âmbito deste processo de divórcio, por decisão de 07/01/1997, foi atribuída à Ré L. A., provisoriamente e até à partilha, a casa de morada de família, e respectivo recheio. 3. No dia 07/03/1997 a Ré L. A. foi investida no uso e fruição da casa de morada de família e do respectivo recheio, na sequência de diligência judicial de entrega. 4. No dia 22/10/1998, Autor F. F. e Ré L. A. declararam pretender converter o processo de divórcio litigioso em divorcio por mútuo consentimento, e, no âmbito da conferência a que aludia o Artº. 1420, nº 1 do CPC (então vigente), foi alcançado o seguinte acordo entre as partes, objecto de homologação: - “1. A casa de morada de família fica atribuída à requerente L. A., até ser efectuada a competente partilha. 2. Prescindem mutuamente de alimentos. 3. Que a regularização do exercício do poder paternal da menor I. R. já se encontra efectuada nos autos nº 579-A/95, a este apenso”. 5. No dia 19/10/1999, a Ré L. A. requereu a renovação da instância litigiosa e, por sentença proferida no dia 26/10/2000, e já transitada em julgado, foi decretado o divórcio entre Autor F. F. e Ré L. A., tendo o Autor F. F. sido declarado o único culpado. 6. No dia 02/10/2002, o Autor F. F. requereu inventário para partilha do património comum, o qual correu por apenso ao processo n.º 578/1995, agora Apenso C, e nos qual foi apresentada a competente relação de bens. 7. Nessa relação de bens consta: sob a verba nº. 18 a casa de morada de família do extinto casal de F. F. e L. A., aqui Autor e Ré, composta por cave, rés-do-chão, 1.º andar e logradouro, sita no Lugar …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Famalicão, cujo solo se encontra inscrito na matriz sob o art.º ...º urbano e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º ...-…; sob a verba nº 7: 1 mobília de quarto de casal, composta por cama, cómoda com espelho, guarda fatos e duas cadeiras com assento revestido a tecido, em madeira; sob a verba nº 11: 1 televisor a cores, marca Philips; sob a verba nº 12: 1 aquecedor eléctrico, da Marca Accan; sob a verba nº. 14: 1 terno de sofás em tecido; sob a verba nº. 15: 1 guarda fatos, quatro cadeiras e uma mesinha de cabeceira; sob a verba 17: 1 mobília de quarto de casal, composta por cama, duas mesinhas de cabeceira, cadeira, guarda fatos e cómoda em madeira. 8. Em sede de conferência de interessados, ocorrida no dia 30/09/2004, o Autor F. F. licitou nas referidas verbas e, em 07/01/2005 foi elaborado o mapa de partilha, pelo qual o quinhão do Autor F. F. foi, entre o mais, composto por estes bens, e o quinhão da Ré L. A. foi, entre o mais, composto com o crédito de tornas no valor de € 48.630,30. 9. Em 01/03/2005, no mesmo processo (que, entretanto, passou a ser o nº 364/17.7T8BCL, do Tribunal de Família e Menores de Barcelos) foi proferida sentença homologatória deste mapa de partilha, e, em consequência, adjudicado a cada um dos interessados o quinhão que nele lhes coube, sentença esta também já transitada em julgado a 21/03/2005. 10. Em 12/12/2017 o Autor F. F. requereu a entrega coerciva daqueles bens que licitou e lhes foram adjudicados no inventário de partilha através de execução de sentença para entrega de coisa certa, instaurada contra a Ré, por apenso ao processo de inventário por divórcio. 11. Em 03 de Setembro de 2018 foi o Autor F. F. finalmente investido na posse destes bens, que lhe foram entregues judicialmente nessa data.” IV. APRECIAÇÃO Relativamente às acima elencadas três questões suscitadas pelo recorrente, verifica-se, a partir da análise da decisão recorrida, que, quanto à primeira, nenhuma objecção nela se mencionou a respeito da eficácia da invocação, pela apelada, da excepção em apreço. Pelo contrário, dela se colhe que, implicitamente, com nenhum entrave ao respectivo conhecimento o tribunal a quo se confrontou. Sobre a segunda, e na parte relevante, considerou-se nela, em primeiro lugar, sobre a natureza da obrigação, o seguinte: “Preliminarmente se dirá que, estando em causa a violação do direito de propriedade do Autor, é aplicável o regime prescricional da responsabilidade civil extracontratual. Com efeito, a responsabilidade que emerge da violação de direitos absolutos é de cariz extracontratual – neste sentido Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 7ª. Ed., p.509. Acresce que, no caso em apreço, não se vislumbra a existência de qualquer vínculo contratual entre as partes, nem tão pouco que o Autor funde o seu pedido indemnizatório na violação de qualquer contrato, posto que a Ré nada se obrigou perante o Autor. Pelo contrário, não tendo existido qualquer transacção a pôr termo ao processo de inventário que correu entre as partes, não se pode concluir pela existência de qualquer responsabilidade contratatual, porquanto a adjudicação do bem em causa ao Autor decorreu da prolação de uma sentença judicial que homologou um mapa da partilha elaborado na sequência da realização de licitações em sede de conferência de interessados. Nessa medida, podemos assentar que o regime da prescrição contratual não tem aplicação no caso concreto.” E entendeu-se, depois, sobre o respectivo fundamento e o prazo aplicável, que: “Como é sabido o instituto da prescrição, enquanto forma de extinção dos direitos pelo não exercício, arranca da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo, o que faz presumir uma renúncia, visando-se, ao mesmo tempo, proteger o interesse do sujeito passivo, atendendo ao desinteresse do titular do direito, e satisfazer as necessidades de segurança e certezas jurídicas. É sabido que as razões justificativas dos institutos da prescrição e da caducidade, radicam na protecção da certeza e segurança do tráfico jurídico, na conveniência de se evitarem os riscos e inconvenientes de uma apreciação judicial a longa distância principalmente quando se requeira a prova testemunhal dos factos – e, ainda, no fito da protecção do devedor evitando-se a onerosidade excessiva decorrente da exigência do pagamento a longo prazo, procurando-se assim obstar a situações de ruína económica – Baptista Machado, RLJ, 117º, 205, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, pág. 452, e Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, BMJ, 107º, pág. 285. à empresa que procedeu às ditas reparações Numa outra perspectiva, pode dizer-se que o decurso dos prazos da prescrição ou da caducidade se apresenta como uma reacção ou sanção da ordem jurídica contra a inércia e o desinteresse do titular do direito, entendendo-se que ele já não pretende a sua tutela, considerando-se assim a ordem jurídica desobrigada de a prestar – cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 1979, p.814 e seg.. Ora, como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, estes valores que a ordem jurídica prossegue assumem uma relevância e magnitude, senão superior, pelo menos igual ao outro fito pretendido, qual seja a realização da justiça material que cada caso concreto reclama. E, ainda que a justiça represente um valor de hierarquia superior, ele apresenta-se, muitas vezes e acima de tudo, como um valor ideal a atingir, pelo que casos há em que, por motivos atinentes à estabilidade das relações entre os membros da comunidade e a razões de garantia e de confiança, necessárias ao desenvolvimento, progresso económico e paz social, se impõe a prevalência da segurança. Sendo certo que, se por um lado, o favorecimento tendencialmente absoluto da segurança sobre a pretensão de se atingir o resultado justo, acarreta uma ordem que pode abrir caminho a formas de opressão ou repressão, por outro, o fito da obtenção da justiça - numa conceptualização puramente ideal deste valor -, pode acarretar uma ordem jurídica instável e ineficaz e que anularia as vantagens aqui teoricamente obtidas. Havendo, assim, por vezes, e em caso de conflito entre tais valores, que sacrificar a justiça perante a segurança, excepto nos casos em que a injustiça do direito positivo atinja um tão alto grau que a segurança deixe de representar algo de positivo em confronto com esse grau de violação da justiça – cfr. Batista Machado in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, p.55 e seg. (neste último trecho citando Radbruch) e Oliveira Ascensão, in O Direito, Gulbenkian, 2ª ed., p.165 e seg. e Ac. RP 12.02.2008, www.dgsi.pt, processo nº.0726212.”. Considerou-se, ainda, que, sendo de aplicar o prazo de três anos previsto no artº 498º, nº 1, do CC, quanto à interpretação desta norma relativamente ao seu termo inicial: “Caberá, por fim, relembrar que mesmo o desconhecimento da integral extensão dos danos causados não impede o início da contagem do prazo prescricional, tal como decorre do disposto no artº. 498º/1 do Código Civil. Numa breve síntese do direito comparado sobre o início da contagem do prazo de prescrição, o Prof. Menezes Cordeiro (cfr. Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo IV, 2005, Almedina, p.166) escreve que existem dois grandes sistemas: o sistema objectivo e o sistema subjectivo. Pelo sistema objectivo, o prazo começa a correr assim que o direito possa ser exercido e independentemente do conhecimento que disso tenha, ou possa ter, o respectivo credor. Pelo subjectivo, tal início só se dá quando o credor tenha conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito. O sistema objectivo é tradicional, compatível com prazos longos e dá primazia à segurança jurídica, enquanto o sistema subjectivo joga com prazos curtos e dá primazia à justiça. O mesmo Autor, referindo-se ao sistema adoptado pela lei portuguesa, esclarece que o artigo 306º/1, 1.ª parte, do Código Civil adoptou o sistema objectivo, contendo a regra segundo a qual a prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, independentemente do conhecimento que o credor tenha ou possa ter dos elementos essenciais do direito.” Quanto à terceira questão, decorrente da produção contínua dos danos alegados ao longo de vários anos, manifestou-se o entendimento de que: “Este critério objectivo da norma afasta qualquer consideração pelo eventual carácter continuado e duradouro do acto lesivo de que emerge o direito de indemnização, bem como (e de forma mais expressiva) pelo desconhecimento da extensão integral dos danos causados pelo acto ilícito – cfr., neste sentido, Ac. STJ 22.09.2009, em www.dgsi.pt, nº. proc. 180/2002.S2; Ac. STJ 21.06.2018, proc. nº. 1006/15.0T8AGH.L1.S1; Ac. TCA Sul 21.03.2019, proc. nº. 755/07.1BELRA. Ora, no caso em apreço está provado que o Autor tem conhecimento da ocupação levada a efeito pela Ré – e causadora dos invocados prejuízos – desde, pelo menos, 21 de Março de 2005, do que decorre inequívoca a prescrição do direito indemnizatório exercido pelo Autor, face à inexistência de qualquer acto interruptivo no decurso dos três anos subsequentes.”. Por isso, concluiu-se: “…face ao citado normativo, o pedido indemnizatório deveria ter sido judicialmente formulado e levado ao conhecimento da Ré até 22 de Março de 2008, pelo se mostra procedente a invocada prescrição da indemnização peticionada pelo Autor.” E para tal se percutiu, com apoio no Acórdão do STJ, de 21-06-2018, abaixo referido e cujos fundamentos se enfatizaram: “Nem se invoque em contrário que a ocupação alegadamente ilícita apenas cessou em 3 de Setembro de 2018 e que, nessa medida, os danos perduraram até essa data. É que, como já salientámos, o critério objectivo adoptado pelo legislador nacional afasta qualquer consideração pelo eventual carácter continuado e duradouro do acto lesivo de que emerge o direito de indemnização. E, por outro lado, para a efectivação da responsabilidade civil não é indispensável o conhecimento exacto do montante dos danos sofridos, como decorre, expressamente, do disposto no artigo 569º do C. Civil. Ademais, não estamos aqui perante novos factos ilícitos, nem novos danos, mas apenas e só no perdurar da mesma situação ilícita danosa.” Posto isto, tratemos, então, de apreciar o apelo do autor. 1ª questão: alegação e conhecimento da excepção de prescrição Como resulta do artº 303º, do CC, a prescrição, para ser eficaz, necessita de ser invocada por aquele a quem aproveita e o tribunal não pode suprir ex officio tal invocação. Alega o recorrente que “não foi aqui o caso”. Salientando os termos com que a recorrida, na contestação e na audiência prévia, fundamentou e invocou a prescrição do crédito reclamado – termos esses de que, no relato inicial desta acórdão, para melhor elucidação, fizemos um apanhado completo e para o qual ora se remete –, e referindo que o tribunal julgou procedente tal excepção embora “com um distinto enquadramento jurídico-normativo” e “não viu qualquer impedimento para tal”, estrutura a sua discordância com tal entendimento em três argumentos, que erige em outras tantas pretensas razões. Na inadequação ao caso dos, pela ré/apelada, citados artºs 307º e 310º, do CC, baseia o primeiro; na circunstância de a invocação ter sido feita “de forma generalizada, geral ou genérica” e, portanto, insuficiente, o segundo; e, ainda, numa pretensa desigualdade entre as partes, decorrente de a ré ter vinte anos para reclamar o direito às tornas e o autor apenas três para reclamar o seu, e que considera “clamorosamente injusta e manifestamente ofensiva dos princípios constitucionais de acesso a uma justa composição do litígio e do direito a uma justiça material”, alicerça o terceiro. Ora bem. Sendo verdade que a alegação da prescrição foi feita pela recorrida em termos muito espartanos e segundo um enquadramento jurídico claramente errado, devemos começar por notar que o entendimento da recorrente, embora redundando numa pretensa aparente falta de arguição da concernente excepção peremptória em apreço e sua consequente impossibilidade de conhecimento pelo tribunal, não merece mínimo acolhimento e se revela mesmo algo paradoxal. Em primeiro lugar, porque, notificada da contestação e instada a responder à mesma na audiência prévia, jamais, nas relatadas réplica e quadrúplica por si em tal ensejo produzidas, notou qualquer omissão, em termos absolutos ou relativos e que, neste caso, se traduzisse, designadamente, em qualquer dos argumentos ora brandidos, de modo a, portanto, conformar obstáculo à apreciação pelo juiz de tal defesa. Pelo contrário, analisando-se a acta daquela diligência cuja súmula acima se evidenciou, o recorrente corroborou então expressis verbis que “a ré invoca a excepção peremptória da prescrição”. Discordou, apenas, do seu enquadramento jurídico e dos efeitos da “alegada prescrição”. Concluiu defendendo que “deve ser julgada improcedente, por não provada, a excepção invocada pela ré” por considerar ser-lhe aplicável o prazo de vinte anos ainda não decorrido. Foi, pois, o próprio apelante que reconheceu ter sido invocada a prescrição e que o tribunal devia julgá-la (embora no sentido da improcedência). Não lhe convindo, porém, o resultado do julgamento feito e a decisão tomada, ele, em atitude processual perfeitamente contraditória, engendrou, nesta sede recursiva, questão nova com que pretende obstar à eficácia da defesa da apelada, mas que, enquanto tal, por não oportunamente suscitada perante o tribunal recorrido nem por este concretamente apreciada na respectiva decisão e, enquanto tal, estando subtraída ao âmbito dos poderes cognitivos deste tribunal ad quem, é insusceptível de integrar o objecto da apelação, pois: “Como é sabido, nos recursos não podem ser invocadas ex novo questões (salvo as de conhecimento oficioso) que o não tenham sido oportunamente perante o tribunal recorrido e por este decididas”. [5] “O objeto do recurso não se confunde com o objeto do litígio e, por regra, o recurso ordinário é recurso de revisão ou de reponderação da decisão recorrida. É um meio processual que visa reapreciar uma decisão proferida num certo quadro material e não a obtenção de uma decisão sobre uma questão que ainda não havia sido suscitada e que não seja de conhecimento oficioso.” [6] “Não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.”. [7] Logo por aí claudica a questionada falta de invocação da excepção nos termos do artº 303º, CC. Em segundo lugar, mesmo que perante tal falta de invocação estivéssemos, então o corolário lógico seria a arguição da nulidade da sentença por nela o tribunal ter apreciado e decidido questão de que, na óptica do recorrente, não podia conhecer, por falta de alegação – artº 615º, nº 1, alínea d), CPC. Com efeito, de acordo com o disposto no nº 2, do artº 609º, concordando-se que a prescrição não pode ser conhecida oficiosamente, o tribunal só deveria considerá-la e resolvê-la no caso de a mesma ter sido submetida à sua apreciação – e de o ter sido em condições bastantes para tal. Todavia, o recorrente, apesar de ter “atirado a pedra”, não foi por aí e “escondeu a mão”. Não invocou tal vício. Assim, não pode agora prevalecer-se do que seria o efeito jurídico lógico da pretensa falta de invocação da prescrição e da consequente impossibilidade de conhecimento. De resto, em terceiro lugar, a circunstância de o enquadramento jurídico da excepção se mostrar errado, não impedia a sua apreciação pelo tribunal a quo, nem, por isso, torna desmerecida a sua procedência. Com efeito, sendo certo que, como decorre dos artºs 303º, CC, e 572º, alínea c), 573º, nº 1, 576º, nº 3, 508º, nº 2, e 5º, nº 1, CPC, a excepção carece de ser invocada pela ré e, para isso, de serem alegados os factos essenciais em que ela se baseia, não é por ser deficiente o enquadramento jurídico efeito pela parte interessada que o tribunal fica impedido de a apreciar e mesmo de a julgar verificada, uma vez que este, como decorre do nº 3, daquele último artigo, e é princípio indiscutível no nosso ordenamento jurídico, “não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regrs de direito”, prevalecendo o princípio usualmente expresso nos brocardos latinos iura novit curia ou da mihi factum, dabo tibi jus. Daí que, não obstante a recorrida, ao invocar a prescrição, tivesse citado os artºs 307º e 310º, do CC – que nada têm a ver com o caso –, sempre ao tribunal era lícito subsumi-la, para o efeito, a diferente norma jurídiia, como sucedeu, tendo aplicado a do artº 498º, CC. Em quarto lugar, não concordamos que a ré tenha invocado a prescrição “de forma generalizada, geral ou genérica” nem que, por isso, ela seja ineficaz. Pelo contrário, embora sendo muito sucinta, ela, reportou-se à prestação pedida (as quantias), à sua origem (uso dos móveis e do imóvel), aludiu a que todos os valores (além dos últimos cinco anos) estão prescritos e invocou concretamente a prescrição “para todos os efeitos legais”. Não mencionou apenas teoricamente nem como mera categoria jurídica abstracta tal facto jurídico extintivo da pretensa obrigação, nem, aliás, o apelante justifica onde ou de que modo se manifesta tal generalidade, limitando-se a dizer que a ré “não negou os factos de que esteve na posse exclusiva destes bens” e que “dedicou à prescrição apenas um ponto da sua contestação” e a daí concluir que “esta omissão é impassível de ser judicialmente suprida” e a citar, em seu aparente amparo, dois acórdãos. Sucede, por um lado, que o facto de não negar a factualidade alegada, nada tem a ver com a invocação da excepção e o de apenas a reduzir a um ponto do seu articulado não significa por si falta de alegação de qualquer elemento essencial [8]; e, por outro, que o acórdão do STJ, que cita trata de questão diversa e o entendimento nele seguido em nada contende com o aqui decidido, como logo claramente se extrai lendo o respectivo sumário [9], o mesmo sucedendo, aliás, com o da Relação de Coimbra [10]. De resto, sendo o ónus de alegar e pedir/excepcionar uma emanação do princípio dispositivo que, a um tempo, salvaguarda da intervenção da justiça pública a autonomia privada e a vontade das partes e, a outro, visa definir o objecto do processo e os limites de conhecimento, balizando o exercício do contraditório à parte contrária e ao tribunal as questões que pode e deve decidir, bem se vê, pela discussão encetada e pela apreciação feita, que não existe omissão de alegação da facto extintivo, sequer insuficiência dos factos respectivos, na medida em que o contraditório não foi minimamente prejudicado nem o Mº Juiz se desviou daquilo sobre que lhe cabia pronunciar-se. Tais factos essenciais, aliás, resultam da própria petição (os consubstanciadores da pretensa obrigação) e dos próprios autos (os relativos ao decurso do tempo). Não precisava a ré de os repetir, bastando referir-se-lhe, como referiu. Em quinto e último lugar, e ainda no âmbito da pelo recorrente considerada questão relativa à necessidade de alegação da prescrição e ao seu não conhecimento oficioso, importa consignar que o seu terceiro argumento – segundo o qual “é manifestamente uma interpretação clamorosamente injusta e manifestamente ofensiva dos princípios constitucionais de acesso a uma justa composição do litígio e do direito a uma justiça material que se pretende obter através dos tribunais”, isto no pressuposto de que “o Autor tinha apenas 3 anos após o trânsito em julgado desta sentença para reclamar os direitos que daqui lhe advieram, e a Ré tem o prazo de 20 anos para reclamar os seus direitos que também lhe advieram desta mesma sentença” – irreleva de todo. Desde logo, porque ele nem sequer foi levado às conclusões. Depois, porque tal argumentação nada tem a ver com a questão da invocação e conhecimento da prescrição. Por fim, porque a pretensão indemnizatória formulada pelo recorrente relativa aos invocados danos decorrentes da recusa de entrega dos bens e do seu uso, tem natureza e regime diversos da da ré relativa ao pagamento das tornas. Esta decorre, sim, da sentença. Aquela, de conduta ilícita. Resta anotar que, tendo a ré, ao invocar a prescrição e ao fundamentá-la incorrectamente nas já referidas normas dos artºs 307º e 310º, do CC, alegado que estão prescritos, apenas, os valores peticionados computados para além dos últimos cinco anos (nesse pressuposto admitindo implicitamente não estarem abrangidos por tal facto extintivo os relativos a este período), mas havendo o tribunal considerado, ao enveredar pela aplicação do artº 498º, nº 1, CC, que a prescrição abrange a totalidade dos danos “sem que se vislumbre qualquer impedimento a tal”, uma vez que, em sua perspectiva, “a prescrição ora declarada e que extingue o direito invocado ocorre dentro do período temporal da prescrição invocada pela Ré, sendo certo que o direito prescrito não renasce para os danos alegadamente ocorridos em momentos posteriores, ou seja, entre Setembro de 2013 e Setembro de 2018” – ou seja, declarando prescritos danos relativos a período e em quantidade maiores do que a apelada pretendeu –, não se vê que, seja nas conclusões ou sequer nas alegações, tal entendimento se mostre questionado, pelo que sobre isso nem sequer podemos pronunciar-nos. Deve, pelo exposto, improceder a questão. 2ª questão: natureza da obrigação Considerou-se, na sentença recorrida, que a responsabilidade da recorrida tem natureza extracontratual por derivar da prática de facto ilícito. Defende o recorrente que ela é de natureza contratual, embora reconheça que emerge da violação do seu direito (absoluto) de propriedade, pois que este “nasce, surge, constitui-se com a sentença da partilha” e “é reconhecido na mesma sentença judicial”, ou seja, diz ele, “nesta data constituíram-se, foram reconhecidos, nasceram dois direitos”, conforme quinhão (bens e tornas) licitados e adjudicado a cada um dos ex-cônjuges. Cita a tal propósito o disposto nos artºs 1305º, 1313º e 311º, nº 1, do CC, de tudo isso pulando, sem mais, para a conclusão de que “a responsabilidade que emerge da violação de direitos absolutos, como é aqui o caso do direito de propriedade do Autor sobre os bens aqui em causa, consagrado no artº 1305º, CC, é de cariz contratual”. Ora, não se percebe a consistência nem a coerência desta argumentação. Afigura-se-nos mesmo que ela se mostra sem sentido e até contraditória. Sendo certo que nos artº 1305º e 1306º, do CC, se definem o conteúdo e âmbito do direito, real ou absoluto, de propriedade, não o é menos que qualquer limitação ao seu gozo pleno e exclusivo, seja qual for a figura por que se manifeste, desde que não fundamentada em lei nem conformada com a vontade do respectivo titular expressa em negócio jurídico, é ilícita. Não se percebe, porém, como é que, tendo-lhe os bens sido adjudicados na partilha subsequente ao divórcio, mediante licitação, e consequente decisão judicial homologatória no inventário respectivo e, para mais, considerando ele que a respectiva sentença tem um carácter constitutivo, genético, do direito a partir daí titulado por cada um dos ex-cônjuges – pois que, segundo a sua alegação, ele “nasce, surge, constitui-se” e “é reconhecido” por ela –, não se percebe, dizíamos, como é que, no caso, daí pretende extrair que a responsabilidade da ré, decorrente de lhos não entregar e continuar a usufrui-los “contra sua vontade” e “contra a lei”, assume “cariz contratual”. Se considera que a sentença, nos termos que refere, tem natureza exclusivamente constitutiva do novo direito titulado a partir dela por cada um dos cônjuges e se, assim, parece não lhe reconhecer qualquer origem voluntária ou qualquer característica simplesmente declarativa/transmissiva/modificativa e nenhum efeito obrigacional consubstanciado numa prestação deste tipo por cujo incumprimento – violação – deve responder a ré; e se, consequentemente, considera estar-se perante ofensa do direito real geradora da obrigação de indemnizar pelos danos causados, então é óbvio que a responsabilidade que imputa à ré tem natureza extracontratual – na medida em que fundada na prática de um acto ilícito violador do seu direito de propriedade – e não contratual. Não se trata de exigir à ré que responda pelas consequências do incumprimento de uma prestação que voluntariamente se tenha vinculado a satisfazer-lhe no âmbito de qualquer acordo mas pelos danos causados a partir do momento em que, tendo-se o autor tornado proprietário exclusivo dos bens, aquela, com a sua conduta contrária à de qualquer sujeito da obrigação passiva universal colocado na mesma ordem jurídica, atenta contra o seu pleno domínio e inerentes faculdades propiciadas pelo direito real ou absoluto e, assim, o impede de usar, fruir ou dispor dos bens se e como bem entender. [11] Repare-se que não se peticiona aqui sequer a entrega dos bens licitados e adjudicados ao recorrente na sentença (tal teve lugar noutro procedimento). Exige-se, sim, prestação correspondente aos danos causados (artº 483º) e destinada a reconstituir a situação que existiria se não fosse o comportamento ofensivo da recorrida (artºs 562º e sgs, CC). É isso que deflui dos termos em que, na petição inicial, o apelante estrutura a sua pretensão indemnizatória. E é isso que explicitou e reiterou na audiência prévia, rejeitando a aplicação de normas de prescrição atinentes a qualquer contrato e acrescentado que em causa está a violação do seu direito de propriedade, que a utilização feita pela ré não se baseia em qualquer acordo, muito embora – tão contraditória quanto inaceitavelmente – aí acrescentasse também – o que nem sequer reeditou no recurso – que “a origem deste direito está na compra e venda”, que se tratou de “uma relação contratual”, que “comprou esta casa em partilha judicial”, que “a origem desta relação foi a compra e venda que ele fez ou adjudicação de partilha que é como se fosse um contrato de compra” ou, enfim, que “havendo licitação assiste ao autor o dever de pagar tornas mas assiste neste caso à ré o dever de entregar o bem”. Nem a licitação tem natureza contratual (uma vez que assume a estrutura de uma arrematação e pressupõe precisamente a falta de acordo sobre a composição dos quinhões) nem, enfim, aquilo que vem pedido, insista-se, é a entrega coactiva dos bens adjudicados por violação do respectivo dever consequente à sentença (independentemente de como ele se qualifique) mas uma prestação fundada na obrigação de indemnização decorrente da conduta ilícita posterior àquela. De resto, não tem qualquer sentido que persista em brandir normas como a do artº 1308º (relativa à expropriação), muito menos a do artº 1313º (acção de reivindicação). Tal invocação apenas é explicável pela confusa tentativa de o recorrente, forçando e entortando ilusoriamente o direito constituído, conseguir, a todo o transe, um qualquer suporte que subtraia a sua pretensão indemnizatória aos efeitos implacáveis que o decurso do tempo provoca nas relações jurídicas não oportunamente exercitadas (no caso, passaram-se cerca de treze anos até exigir a entrega dos bens e mais de quinze até pedir esta indemnização!). É que o Direito é o que é – não é o que, em cada momento, a cada um de nós conviria que fosse! A definição da natureza e a determinação precisa dos efeitos da partilha em inventário subsequente à dissolução do casamento por divórcio, semelhantemente à que ocorre no caso de dissolução por morte, não é fácil nem se mostra pacífica na Doutrina e na Jurisprudência. Todavia, ninguém, no caso de ela ocorrer por consenso no âmbito do processo de divórcio ou em inventário, atribui à sentença homologatória, seja esta precedida de acordo ou de outros actos (como a licitação) destinados à composição dos quinhões, lhe atribui um puro e típico “cariz contratual”, sobretudo na perspectiva e para os efeitos que aqui estão em causa. [12] Muito menos a partilha pode ser considerada, nos seus elementos objectivos e em face das vontades envolvidas, uma compra e venda, já que não ocorre uma pura transmissão de bens ou direitos, não se estipula um preço nem à mesma subjaz qualquer intenção de vender e de comprar [13]. Independentemente disso, o certo, enfim, insiste-se, é que o autor não peticiona qualquer prestação fundamentada em negócio jurídico ou deste derivada e que se revista da natureza de obrigação contratual. Nem sequer aqui se trata de um pedido de entrega dos bens adjudicados na sentença que, por efeito desta, passou a titular exclusivamente. Trata-se, isso sim, de um pedido de indemnização pelos alegados danos sofridos em consequência da privação decorrente da ocupação ilícita que, não obstante a decisão judicial, a recorrida resolver fazer deles com os consequentes prejuízos daí derivados. É esta a causa de pedir que, juntamente com o pedido, define o objecto do processo. E é em função dos respectivos factos que se elege o regime legal aplicável, mormente à questionada prescrição, cujo prazo não é o ordinário de vinte anos previsto no artº 309º, CC, para as obrigações contratuais em geral – que o apelante, embora apenas tal referindo a propósito da questão subsequente, tinha em vista ao defender o “cariz contratual” da responsabilidade em causa –, mas o especial de três anos contemplado no artº 498º, CPC, privativo da responsabilidade civil aquiliana. Improcede, pois, tal questão. 3ª questão: prazo e modo de contagem No âmbito desta [14], sustenta o recorrente que, em face da causa de pedir por si invocada, o prazo é de vinte anos. Além disso, defende que o mesmo apenas se deve contar desde que lhe foi feita a entrega dos bens e, portanto, cessou a utilização ilícita deles pela recorrida, ou seja, desde 03-09-2018. Até esta esta, na sua óptica, teria permanecido o facto continuado e se teria estendido o dano, só essa relevando para aquele efeito. Ora, já se assentou, em linha com a decisão recorrida, que a causa de pedir não tem natureza contratual e que o prazo de prescrição a tomar em conta é o de três anos previsto no referido artº 498º, nº 1. [15] Não se aceita que estejamos ante um ilícito de natureza continuada, cujo início de execução remonte a 21-03-2005 (data do trânsito da sentença homologatória da partilha) e cuja consumação apenas tenha ocorrido quando, em 03-09-2018, com a entrega efectiva dos bens, cessou a ocupação, nem, portanto, que o termo inicial do referido prazo coincida com esta última data. Desde logo, salta aos olhos a pobreza e a fraqueza dos argumentos expendidos para sustentar tal posição. Praticamente, o apelante limita-se a afirmar aquela natureza e a concluir por este modo de contagem, mas sem nenhuma justificação adiantar a tal propósito. Seja como for, o certo é que o acto ilícito (ocupação e uso ilegítimos da casa e móveis em termos impeditivos do direito do recorrente a usufrui-los sem qualquer limite como é próprio do direito real), imputável à conduta voluntária e culposa da recorrida, causador dos alegados prejuízos (traduzidos no valor sucedâneo da referida usufruição) que se vieram a prolongar por cerca de 13 anos e, nesta medida, a ampliar-se quantitativamente, remonta ao momento em que, tendo ficado decidido pela sentença homologatória da partilha que a propriedade plena e exclusiva dos bens em causa (imóvel que constituíra a morada de família e parte do respectivo recheio) ficava atribuído àquele, necessariamente ele se consciencializou da ofensa, do dano decorrente de estar impedido da respectiva usufruição plena, e, portanto, do seu direito a exigir indemnização pelo mesmo. Então se perfectibilizaram todos os pressupostos da responsabilidade civil e do consequente crédito indemnizatório, independentemente de este continuar a manifestar-se e a ampliar-se em função da continuação no tempo da ofensa (ocupação). É que o ilícito gerador do direito é uno. Não lhe sobrevieram novos factos constitutivos de outros créditos, nem seque modificativos do anterior, nem portanto, outros danos que possam considerar-se e devam tratar-se como novos. Fazendo-se o paralelo com a dogmática penal, verifica-se que não estamos ante um ilícito continuado (que supõe plúrimas violações, por forma essencialmente homogénea, de iguais ou diferentes tipos mas fundamentalmente referidos ao mesmo bem jurídico, no quadro de uma situação exterior ao agente que propicia a sua prática, e, portanto, repetidas mas intervaladas resoluções) do qual resultem efeitos danosos intermitentes mas todos unificados até ao último, por forma a que só a partir do momento da ocorrência do acto final se possa considerar constituído o direito, que dele só então o lesado tomou conhecimento e, portanto, contar o prazo de prescrição. A decisão da recorrida de não largar mão dos bens (que lhe haviam sido atribuídos no decurso do processo de divórcio mas apenas até à partilha) e de, assim, impedir o recorrente, seu dono, de os gozar, foi tomada e a respectiva execução consumou-se no primeiro e inicial momento em que ela, perante o resultado da partilha e da sentença, recusou largar mão deles. Não se iniciou aí uma unidade jurídica assente sobre diversos ilícitos cujo prazo de prescrição deva contar-se apenas desde o último acto. O acto ilícito e danoso coincide com a produção do estado anti-jurídico inicial, ou seja, com o estabelecimento de uma relação de contrariedade ou indiferença perante o dever ser jurídico-real. A projecção no tempo de tal estado apenas se manifesta na continuação e, portanto, na extensão do dano. Também, por isso, não estamos perante um ilícito permanente ou de execução permanente, cuja consumação se estende ao longo do tempo e cujo prazo de prescrição apenas se conta a partir do momento em que cessar a permanência da violação do bem jurídico, que, aliás, em regra, não é destruído mas apenas comprimido. É que tal figura pressupõe, para além de uma violação activa inicial recondutível a uma acção inicial, delimitada no tempo, a manutenção ou renovação contínua desse estado anti-jurídico em função da atitude de alheamento (omissão) do dever de o lesante lhe pôr termo, de não adoptar a adequada conduta para fazer cessar e remover aquele estado e de assegurar a afirmação da plena vigência e vigência do respeito pelo bem jurídico, assim se renovando continuamente o ilícito e se protraindo a sua consumação, justificando-se que só a partir do seu termo se conte o prazo de prescrição. No caso, embora se possa conceber que, após a violação inicial (ofensa do direito de propriedade), também sobre o lesante persistia um dever de a fazer cessar e de entregar a coisa e cujo cumprimento omitiu, o certo é que, em contrapartida de tal omissão e do consequente prolongamento no tempo da lesão, a lei faz emergir uma sucedânea obrigação indemnizatória nascida no momento da lesão inicial mas compreensiva de todos os danos subsequentes e, portanto, um único direito indemnizatório (em si autónomo do de entrega) cujos requisitos se verificaram na íntegra e que logo se tornou exercitável sem que a tal se oponha qualquer obstáculo, nomeadamente decorrente da circunstância de os danos se irem produzindo continuamente. Aliás, a tal situação se adapta, sem reserva, o regime legal relativo ao pedido (artº 556º, nº 1, alínea b), CPC, e 569º, do CC), à condenação (artº 609º, nº 2, CPC) e à liquidação (358º, 713º e 716º, CPC). À omissão do dever do lesante de fazer cessar o estado anti-jurídico (lesivo) faz, portanto, a lei corresponder, logo, um dever indemnizatório por natureza destinado a compensar a permanência da lesão e o dano progressivo até à cessação do efeito lesivo, assim faltando fundamento para se poder considerar que o prazo de prescrição do correspondente direito se conta apenas desde o dia em que cessar a consumação do ilícito (considerada esta, como no direito criminal, no termo do dito estado anti-jurídico). A figura que, assim, melhor quadra à violação em apreço é a do ilícito instantâneo mas de efeitos permanentes. Tal violação (civil) consuma-se imediatamente. Os seus efeitos prejudiciais é que se prolongam no tempo. Por isso, o prazo de prescrição, atentas as respectivas finalidades (segurança, certeza, estabilidade das relações jurídicas e incitamento ao credor no sentido de exigir rapidamente o seu crédito) deve contar-se desde o momento inicial em que já estão presentes (todos) os pressupostos do direito e o lesado deste teve conhecimento, sem embargos de os danos ainda se continuarem a produzir mas sendo certo que eles logo se produziram no momento inicial da prática do ilícito e apenas se vão estendendo e ampliando ao longo do tempo. À responsabilidade civil do lesante pelo facto ilícito opõe-se assim um dever de pronto agir do lesado que, se não exercitado no tempo disposto por lei, pode legitimar àquele a recusa no cumprimento da obrigação indemnizatória. Por isso é que também o artº 306º, CC, estipula que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido. Trata-se de harmonizar os interesses do devedor lesante e os do credor lesado que, no caso concreto, em razão do resultado do balanço entre a persistência no tempo do efeito danoso da lesão perpetrada e a correspondente ausência negligente de qualquer reacção e até cumplicidade com tal estado lesivo por parte do lesado (cerca de treze anos) redunda, em obediência ao espírito do legislador e aos diversos critérios com que deve ser interpretado e aplicado o artº 498º, nº 1, CC, numa neutralização do direito indemnizatório deste assumida como justa pelo sistema jurídico. Não se crê, enfim, que se esteja ante uma “série de actos susceptíveis de configurar uma infracção de natureza continuada ou permanente na qual o processo de violação do direito de outrem se mantém em aberto alimentado pela conduta persistente do infractor (infracção continuada)”, nem portanto, que, no caso, sejam de configurar como que violações diárias (?) constantes, repetidas e novas, à semelhança do que, por exemplo, se entendeu no Acórdão da Relação de Lisboa, de 02-07-2009 [16], nem, por isso, que outra seja a data a considerar para efeitos de contagem do prazo de prescrição que não o do momento inicial da consumação do ilícito e do nascimento do direito à indemnização. [17] Parece-nos, antes, que, como se entendeu no Acórdão do STJ, de 21-06-2018 [18], “O começo do prazo de prescrição, a que se refere o art. 498.º, n.º 1, do CC, conta-se a partir do momento em que o lesado sabe que dispõe do direito à indemnização” e que “ Fixando-se o termo inicial no conhecimento do direito à indemnização, é irrelevante a natureza continuada do facto, sob pena de redundar na dilatação do início do prazo de prescrição, contrária ao propósito tido em vista pelo legislador” (sumário), pois, como se percute no texto da fundamentação respectiva, “mesmo que persistam efeitos do facto ilícito, designadamente os danos, o começo do prazo da prescrição conta-se a partir do momento em que o lesado sabe que dispõe do direito à indemnização”. [19] Conclui-se, pois, em face de tudo o exposto, que, apesar de os danos resultantes do ilícito, tal como alegados, terem continuado a produzir-se no tempo, tal resultado se conexiona ainda com a conduta ofensiva inicial e não com factos lesivos novos e repetidos, não decorrendo destes o seu agravamento nem o seu valor exprimindo distintos danos diversos dos iniciais [20] e, por isso, que respeitando eles apenas à extensão dos provocados pelo ilícito instantaneamente consumado quando ab initio a recorrida não entregou os bens e com isso ofendeu o direito de propriedade do recorrente e, em concreto, prejudicou a sua usufruição, o prazo se conta desde aí e estava, portanto, manifestamente prescrito quando foi instaurada a acção, assim se corroborando o entendimento subjacente à decisão em apreço. Não se acolhendo também o entendimento pelo apelante defendido quanto a esta terceira questão, deve, pois, julgar-se totalmente improcedente o recurso e confirmar-se a sentença recorrida. V. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida. * Custas da apelação pelo recorrente – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP). * * * Notifique. Guimarães, 21 de Janeiro de 2021 Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes-Desembargadores: Relator: José Fernando Cardoso Amaral Adjuntos: Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo Eduardo José Oliveira Azevedo 1. Resumindo, mas reproduzindo parte da alegação para melhor se compreenderem os seus fundamentos e os do recurso. 2. Que são mais copy past do texto das alegações do que a verdadeira síntese exigida no nº 1, do artº 639º, do CPC, como esta deve, técnica e juridicamente, ser elaborada. A este propósito, pode ver-se o que, sumariamente, referimos no Acórdão desta Relação, de 04-04-2019, processo nº 3652/17.9T8VCT.G1: “1. A síntese exigida no nº 1, do artº 639º, CPC (conclusões), face ao sentido e finalidade da norma, pressupõe a elaboração e apresentação de uma breve, clara, precisa e concisa menção da essência dos fundamentos que o recorrente tenha tido em vista e explanado nas alegações para, salientando os preconizados erros ou invalidades, atacar a decisão recorrida, não devendo aquela traduzir-se numa simples e cómoda reprodução textual (copy past) dos argumentos desenvolvidos e vertidos ao longo da peça, ainda que cortado ou encurtado. 2. Para cumprirem a sua função cometida na lei, as conclusões devem espelhar o resultado de um sério e esforçado labor intelectual indispensável para, sem perder de vista as regras técnico-jurídicas, cogitar, discernir e enumerar organizadamente, sob a aparência de questões dirigidas ao tribunal e sobre as quais este deve pronunciar-se e responder (segundo os seus traços qualitativamente mais distintos e característicos), as alterações pretendidas ou as invalidades arguidas quanto à decisão alvo do recurso e os fundamentos respectivos, aí não tendo lugar o relatório dos autos, transcrições de depoimentos, citações de normas, doutrina e jurisprudência, nem os meros argumentos.”. 3. Não se transcrevem as conclusões respectivas por não serem obrigatórias, nenhuma questão propriamente dita nelas se suscitar e, além disso, por enfermarem da mesma deficiência (prolixidade) já apontada às do autor – cfr. nota precedente. 4. Percebe-se, sem necessidade de convite ao seu aperfeiçoamento, como permitiria o nº 3, do artº 639º, do CPC, promovendo-se, assim, a maior celeridade dos autos e a economia de actos – bens cada vez mais alardeados como escassos e, por isso mesmo, encarecidos, no sistema de justiça. 5. Acórdão desta Relação de Guimarães, de 15-11-2018, processo nº 1724/15.3T8VRL.G1. 6. Acórdão da Relação do Porto, de 07-12-2018, processo nº 1468/16.9T8PRT-A.P1. 7. Acórdão do STJ, de 07-07-2016, processo nº 156/12.0TTCSC.L1.S1. 8. Pode até tal método haver-se como meritório, na medida em que a simplicidade é hoje um valor jurídico acolhido e enfatizado na lei adjectiva (cfr., por exemplo, artº 131º, nº 1), aliás, em alguns domínios prosseguida pela adopção de meros formulários, sendo certo que, nos articulados, deve alegar-se apenas aquilo que “interesse à fundamentação do pedido ou da defesa” (artº 147º, nº 2), exigindo-se nos artºs 5º, 552º, nº 1, alínea d), e 572º, alínea c), apenas “factos essenciais”. 9. Acórdão de 07-02-2017, processo nº 3115/13.1TBLLE.E1.S1 “II - Tanto o exercício do direito de regresso como o exercício do direito sub-rogado pressupõem o pagamento, pelo que o cômputo do prazo de prescrição a que alude o n.º 2 do art. 498.º do CC só se inicia a partir do momento em que aquele se efectiva (art. 306.º, n.º 1, do CC). III - É de adoptar o entendimento que, dentro das prestações infortunísticas reclamadas pela seguradora, distingue entre núcleos indemnizatórios cindíveis (em função dos bens jurídicos lesados que aquelas visam ressarcir) e aqueles que não consentem divisão razoável, o que permitirá que o curso do prazo de prescrição ocorra em termos diversos relativamente a uns e a outros. Inexistindo núcleos divisíveis ou não sendo efectuada a respectiva prova, o prazo de prescrição inicia-se com o último pagamento sequencial. IV - Cabendo à ré, arguente da prescrição, o ónus de, em relação a cada uma dos créditos autonomizáveis, alegar e provar a ocorrência da prescrição, deve a excepção peremptória improceder se a mesma se limitou a alegar, genericamente, tal facto extintivo relativamente a todos os valores peticionados pela autora, já que se trata de omissão que é impassível de ser judicialmente suprida.”. 10. Acórdão de 27-06-2017, processo nº 466/13.9TJCBR.C1. “I. A despeito da denominação, o n.º 4 do art.º 31.º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, consagra uma verdadeira sub-rogação a favor da entidade empregadora ou seguradora. II. Ao exercício do direito pelo credor sub-rogado é aplicável analogicamente o prazo previsto no n.º 2 do art.º 498.º, não beneficiando aquele da extensão eventualmente resultante da aplicação do n.º 3 do preceito. III. Atendendo ao carácter uno da obrigação de indemnizar, revelado desde logo pelo seu modo de cálculo, assente na teoria da diferença (cf. art.º 562.º do CC), e salvo casos escolhidos em que se imponha a autonomização das indemnizações, o prazo prescricional, quando tenham ocorrido pagamentos faseados, conta-se do último pagamento.IV. Ainda nos casos em que se imponha a autonomização das indemnizações, por respeitarem a “danos normativamente diferenciados”, caberá ao réu, sobre quem recai o ónus de alegação e prova dos elementos constitutivos da excepção, invocar a autonomia e cindibilidade de cada pagamento ou grupo de pagamentos, não bastando a alegação genérica de que o direito do credor sub-rogado se encontra prescrito.”. 11. Encontra-se na obra de Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume I, 4ª edição, a distinção entre responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual (páginas 439 e sgs.) e, a propósito das formas de ilicitude que esta última pode assumir, aí se considera expressamente que a violação dos direitos absolutos, nomeadamente os direitos sobre as coisas ou direitos reais, entre os quais avulta o de propriedade, “cuja violação pode revestir os mais variados aspectos (a privação do uso ou fruição da coisa, imposta ao titular; a apropriação, deterioração ou destruição da coisa; a disposição indevida dela; a subtracção dela; a perturbação do exercício do direito do proprietário […]; o seu uso, fruição ou consumo, não facultados pelo respectivo titular”), conforma ilícito extracontratual. 12. Sobre isso e tendo presente a especial natureza da comunhão conjugal dissolvida, pode ver-se o lapidar acórdão da Relação do Porto, de 13-06-2018, processo 8031/14.7T8PRT-E.P1 e, bem assim, R. Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, volume II, 2ª edição, 1990, páginas 357 a 363, J. A. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, 1990, volume II, página 522 e sgs, Antunes Varela, Direito da Família, 1987, páginas 493 e sgs.. 13. Leia-se sobre isso e para de vez remover a ideia do recorrente esgrimida na audiência prévia e que porventura o terá motivado ao suscitar esta questão o que se refere nas Partilhas Judiciais, ob. cit., especialmente em texto da página 529 e na nota 3010. 14. Pelo recorrente apresentada como 2ª questão. 15. Note-se, ainda, que, na petição inicial, o autor apelante tergiversou, de forma evidente, entre o regime de enriquecimento sem causa – cujo prazo de prescrição, nos termos do artº 482º, CC, é de 3 anos a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável - e o da responsabilidade civil por factos ilícitos – cujo prazo é igual e contado desde a data em que o lesado teve conhecimento do seu direito, mas independentemente do conhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos. Na verdade, ele ora alude ao pretenso “injusto locupletamento à custa alheia” e a um “intolerável enriquecimento sem causa ” ou “ilícito enriquecimento sem causa”, ora à violação do seu direito de propriedade, não de qualquer dever contratual, e, portanto, a que a tal “conduta ilícita e culposa da Ré fá-la incorrer em responsabilidade civil, com o consequente dever de indemnizar o Autor, nos termos do disposto nos Artsº. 1305, 1308, 483, 562 e 566, todos do CC.” Só na audiência prévia e mesmo assim apenas depois de confrontado explicitamente pelo Mº Juiz com a hipótese de o prazo de prescrição ser o de 3 anos do artº 498º “por estar em causa responsabilidade extracontratual”, é que acabou por pender, primeiro, para a invocação de que “a origem deste direito está na compra e venda” que, depois, considerou equiparável à adjudicação pela sentença que homologou a partilha (precedida de licitações), assim defendendo, portanto, tratar-se aí de “responsabilidade contratual”. Como, por exemplo, se refere no Acórdão do STJ, de 29-06-2004, processo nº 04A2105: “A ilícita privação do uso e fruição de um prédio pode ser causa de responsabilidade civil, se impede o respectivo proprietário do exercício daqueles poderes, ou pode constituir fonte de obrigação de restituir por enriquecimento sem causa, nos termos dos artigos 473º e seguintes do Código Civil, caso não haja lugar a responsabilidade civil por inexistência de dano.”. Numa ou noutra perspectiva, sempre, porém, a prescrição ocorreu. 16. Processo nº387/06-6. 17. De igual modo, nos apartamos do entendimento seguido no Acórdão do STJ, de 18-04-2002, processo nº 02B950, segundo o qual o prazo em questão “só começa a contar a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento da produção efectiva desses novos danos, se se tratar de um facto continuado” e que “As obrigações futuras, porém e ainda, só prescrevem, no prazo de três anos, contados, do momento em que cada uma seja exigível, ou conhecida pelo lesado”, bem assim no desta Relação de Guimarães, de 25-01-2018, processo 369/13.7TBPRG.G1 (na esteira, aliás, do de 23-10-2012, processo nº 5108/08.1TBBRG.G1 e do Relação do Porto, de 02-07-2013, processo nº 1567/09.3TBAMT.P1 ), segundo o qual “se as omissões de que emerge a responsabilidade traduzem factos continuados e se prolongam no tempo, mantendo-se igualmente uma produção de danos, não sendo possível efectuar uma destrinça entre os diversos momentos temporais que desde tal altura ocorreram àqueles atinentes, o prazo de prescrição de três anos só começa a contar a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento da produção efectiva de todos os danos, uma vez que as obrigações futuras só prescrevem no prazo de três anos contados do momento em que cada uma seja exigível (ou conhecida) pelo lesado.” 18. Processo nº 1006/15.0T8AGH.L1.S1. 19. No mesmo sentido, Acórdão do STJ, de 04-11-2008, processo 08ª3127: “III) – No âmbito da responsabilidade civil extracontratual o lesado não precisa de conhecer integralmente os danos para intentar acção indemnizatória, pelo que os se ora AA. tiveram consciência que os factos alegados nos processos contra si intentados, virtualmente, violavam seus direitos de índole patrimonial e moral e eram causadores de danos, nada os impedia de, desde logo, intentarem acção ressarcitória, não carecendo, sequer, de indicar o valor exacto dos danos – nem esperar por decisão judicial que, naqueloutras acções lhes desse ganho de causa. IV) – O lesado tem conhecimento do direito que invoca – para o efeito do início da contagem do prazo de prescrição – art.498º,nº1, do Código Civil – quando se mostra detentor dos elementos que integram a responsabilidade civil – [facto voluntário, ilicitude, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano].”. 20. No Acórdão do STJ, de 22-09-2009, processo nº 180/2002.S2, distinguem-se, para o efeito de aplicação do prazo consignado no artº 498º, CC, o agravamento previsível, a estabilização da extensão de um dano verificado e a ulterior verificação de novos danos previsíveis, por um lado, e os danos novos não previsíveis, por outro lado, em termos que, se bem vemos, corroboram o entendimento que aqui defendemos e seguimos: “O início do prazo de prescrição reporta-se, não ao momento da lesão do direito do titular da indemnização, mas àquele em que o direito possa ser exercido, a coincidir com o momento do conhecimento do direito que lhe compete, isto é, do direito à indemnização. O lesado não precisa de conhecer integralmente os danos para intentar acção indemnizatória, mas é necessário que tenha conhecimento do dano e, apesar disso, não tenha agido judicialmente, reclamando o reconhecimento e efectivação da indemnização. Se e equanto não tiver conhecimento do dano o prazo de prescrição é o ordinário, só se iniciando o prazo trienal a partir do momento desse conhecimento. Para efeito de contagem do termo inicial do prazo prescricional, o lesado terá conhecimento “do direito que lhe compete” quando se torne conhecedor da existência, em concreto, dos elementos/pressupostos que condicionam a responsabilidade civil como fonte da obrigação de indemnizar, sabendo ter direito à indemnização “pelos danos que sofreu”. A partir do momento em que toma conhecimento dos danos que sofreu, o lesado dispõe do prazo de três anos para exercitar judicialmente o direito à respectiva indemnização, sem prejuízo de o prazo poder estender-se até 20 anos relativamente a danos – a novos danos – de que só tenha tomado conhecimento nos triénio anterior. Ao prever a aplicação do prazo de prescrição ordinário relacionando-a com o facto ilícito danos, reservando o prazo trienal para os casos de conhecimento do direito, a lei despreza, no prazo curto, a relevância da data do facto ilícito danoso, como início do prazo extintivo, fazendo-a depender apenas do conhecimento do dano. Para efeitos de prazo prescricional, há que distinguir entre o agravamento previsível, a estabilização da extensão de um dano verificado e a ulterior verificação de novos danos previsíveis, por um lado, e os danos novos não previsíveis, por outro lado: Na primeira hipótese estar-se á perante um caso de formulação de pedido genérico, a concretizar por meio de liquidação, em que é conhecido o dano - um único dano que se vai prolongando e manifestando no tempo, eventualmente com agravamento -, apenas se ignorando a sua extensão e evolução, justificando-se a prescrição de caso curto; Na segunda, porém, ocorrem novos factos constitutivos ou modificativos do direito a alegar e provar pelo autor - sobrevém um novo dano ao facto ilícito ou o dano revelado por ocasião da prática desse facto -, que escapam ao âmbito da liquidação (salvo havendo acção pendente e possibilidade de oferecimento de articulado superveniente – art. 506º CPC).”. |