Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
197/03.8TTVRL-A.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: Tratando-se de acidente de trabalho que é simultaneamente acidente de viação, o lesado não pode acumular as duas indemnizações, quando tenham por fonte o mesmo dano.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

Seguros, S.A., veio, por apenso aos processo de acidente de trabalho Nº. 197/03.8TTVRL, intentar a presente ação comum para declaração de extinção de direitos resultantes de acidente de trabalho, contra António…, com os sinais dos autos, pedindo, com a procedência da mesma, seja declarado extinto o direito do Demandado ao recebimento da pensão e subsídio que tem vindo a receber da Demandante, até que tal pensão, caso continuasse a ser paga, atingisse o montante de € 181.215,36.
Alega, para o efeito que, na sequência da decisão proferida nos autos principais, encontra-se a Demandante a pagar ao Demandado uma pensão anual e vitalícia de 2.965,18 €, em consequência de um acidente de trabalho e apurada em face da IPP de 0,543 com IPH e do salário realmente transferido para a Demandante, no âmbito da cobertura do seguro de acidentes de trabalho celebrado entre esta e a entidade empregadora do Demandado, titulado pela apólice nº.02/2691000.
Que o Demandado intentou ação contra a Companhia de Seguros SA, para ser indemnizado pelos danos decorrentes deste mesmo acidente, que foi simultaneamente de viação e de trabalho, já que aquela seguradora havia assumido, ao abrigo de um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice nº.19049900, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros em consequência da circulação do veículo 00-…, a qual correu pelo Tribunal Judicial de Vila Pouca de Aguiar, com o nº.156/05.6TBVPA.
Que naquela ação veio a ser proferida sentença e posteriormente acórdão, que julgaram o condutor do veículo 00-… como único culpado do acidente objeto daqueles autos e dos autos principais, condenando a seguradora responsável por acidente de viação a pagar ao aqui demandado uma indemnização global por todos os danos sofridos por este, na qual foi considerada a quantia de 181.215,36€, a título de indemnização por danos patrimoniais, decorrentes da perda da capacidade de ganho causada ao aqui Demandado por causa da IPP de que ficou a padecer, quantia que o Demandado já recebeu.
Que o aqui Demandado continua a receber da aqui demandada a pensão que lhe foi fixada nos autos principais, por via do mesmo acidente que foi de trabalho, mas também de viação.
Realizada a audiência de parte, não foi possível a conciliação.
O Demandado, representado pelo Ministério Público, ofereceu contestação, aceitando que à demandante assiste o direito de ser exonerada do pagamento, discordando no entanto em que essa desoneração seja feita com referência ao montante de €181.215,36, conforme melhor resulta do articulado junto aos autos.
Considerando-se habilitado com os elementos necessários, pelo Mmº Juiz foi proferida a seguinte decisão:
“ Em conformidade com os fundamentos expostos, concede-se provimento à ação e, em conformidade desonera-se a aqui Demandante, Companhia de Seguros, S.A., de pagar ao aqui Demandado, António…, as prestações das pensões vincendas até o montante perfazer o da indemnização cível já recebido pelo Demandado, no valor de €181.215,36 (cento e oitenta e um mil duzentos e quinze euros e trinta e seis cêntimos)…”
Inconformado o autor interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:
I – As indemnizações por acidente simultaneamente de viação e de trabalho, como é o caso dos autos, não são cumuláveis e sim complementares, subsistindo a emergente do acidente de trabalho para além da que foi paga pelos danos causados pelo acidente de viação – Ac. do STJ, de 24.01.2002, CJ, tomo I, pág. 54.

Na medida em que concorrem uma com a outra, prevalece a responsabilidade subjectiva do terceiro sobre a responsabilidade objectiva patronal, assumindo esta, um carácter subsidiário ou residual. - Ac. do STJ, já citado.
II – Por outro lado, a reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho compreende apenas as prestações previstas na Lei, neste caso na Lei 100/97, de 13 de Setembro. – v. Cruz de Carvalho, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Lisboa 1980, Petrony, pág. 134.
III – Se o lesado exerceu o direito à indemnização contra o responsável pelo acidente de viação e foi por este indemnizado, não podendo cumular ambas as indemnizações, é possível que a entidade responsável no acidente de trabalho seja desonerada do pagamento da pensão até ao limite daquela indemnização.
Porém, “só há direito a desoneração da obrigação por parte da entidade empregadora ou da seguradora da entidade empregadora, se a indemnização arbitrada na ação cível por acidente de viação visar ressarcir os mesmos danos que àqueles compete reparar” - Cruz de Carvalho, ob. cit. pág. 134.
IV – Ora, no valor de 181.215,36 € vem englobada a quantia de 1.547,04 € paga pela seguradora ora A. ao sinistrado/réu, mas que se refere ao valor do ciclomotor em que seguia no dia do acidente no valor de 1.000,00 €, a peças de vestuário no valor de 145,00 €, e a deslocações para realização de exames e consultas no valor de 402,04 €, que não sendo previstas pela Lei dos Acidentes de Trabalho, não pode, salvo melhor opinião, beneficiar delas a seguradora responsável no acidente de trabalho, deixando de pagar a pensão até este valor.
V – Do mesmo modo, no cálculo da quantia devida ao réu/sinistrado a título de danos patrimoniais entrou também a quantia de 350,00 € mensais que o réu/sinistrado auferia da sua atividade agrícola, para além do trabalho na Junta de Freguesia.
Este dano também não vem previsto na Lei dos Acidentes de Trabalho, Lei 100/97, de 13 de Setembro, aqui aplicável, por isso, também nunca poderia ser pago pela seguradora do acidente de trabalho, nem estava nem podia estar abrangido pelo contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado entre a entidade empregadora e a seguradora ora A..
VI - Assim, não pode a Autora querer englobar no montante de cujo pagamento pretende exonerar-se, o valor recebido a este título.
Este trabalho do sinistrado era alheio ao trabalho que prestava à sua entidade empregadora, a Junta de Freguesia, não estava abrangido pelo contrato de seguro entre estas entidades nem seria indemnizado nos termos da LAT. Só ao abrigo do contrato celebrado entre o causador do acidente e a sua seguradora podia este dano ser ressarcido.
VII - “Não respondendo cada uma das entidades responsáveis, seguradora e entidade empregadora, pela quota da pensão a cargo da outra, há-de tal proporção servir para determinar a medida exacta da desoneração de cada uma delas” – Ac. do STJ, de 22.09.2004, CJ, tomo III, pág.251.
VIII – Assim, a A., salvo melhor opinião só pode exonerar-se do pagamento da quantia de 102.379,28 € proporcional ao salário do sinistrado tido em conta para cálculo da pensão, deduzindo o valor por ele auferido na sua actividade agrícola de 350,00€, ou seja, de (813,62 € - 350,00 €) = 463,62 € que, em termos proporcionais, encontrar-se-ia o valor global de (463,62 € x 179.668,32 € : 813,62 €) = 102.379,28 €.
IX – Ao não decidir desta forma, violou a douta sentença em recurso, sempre com o devido e salvo melhor opinião, por erro de interpretação, o disposto no artigo 31º, 1, 2, e 3 da lei 100/97, de 13 de Setembro.
X – Termos em que deve, conceder-se provimento ao recurso, revogar-se a douta sentença em recurso e substituir-se por acórdão que limite a desoneração da A. Ao valor de 102,379,28€.
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Sem contra-alegações.
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FACTOS PROVADOS
1. Na sequência da decisão proferida a fls. 130 dos autos principais, encontra-se a Demandante Seguros, S.A., Requerente a pagar ao Demandado António… uma pensão anual e vitalícia de 2.965,18€.
2. Pensão esta que foi fixada ao Demandado em consequência do acidente de viação de que foi vítima em 05/04/2002, na E.N.312, na localidade de Cerva, Ribeira de Pena, quando conduzia o seu ciclomotor de matrícula 1-RPN-…, durante o percurso que o levava de casa para o seu local de trabalho, sito na Junta de Freguesia….
3. Esta pensão foi apurada em face da IPP de 53,3% com IPH e do salário realmente transferido para a Demandante, no âmbito da cobertura do seguro de acidentes de trabalho celebrado entre esta e a entidade empregadora do aqui Demandado, titulado pela apólice nº.02/2691000.
4. O Demandado intentou ação contra a Companhia de Seguros, para ser indemnizado pelos danos decorrentes deste mesmo acidente, que foi simultaneamente de viação e de trabalho, já que aquela seguradora havia assumido, ao abrigo do contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice nº.19049900, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros em consequência da circulação do veículo 00-…, a qual correu pelo Tribunal Judicial de Vila pouca de Aguiar, com o nº.156/05.6TBVPA.
5.Naquela ação veio a ser proferida a ser proferida decisão, já transitada em julgado, que julgou o condutor do veículo 00-… como único culpado do acidente objeto daqueles autos, condenando a seguradora responsável por acidente de viação, Companhia de Seguros, a pagar ao aqui Demandado uma indemnização global por todos os danos patrimoniais decorrentes da perda de capacidade de ganho futura no valor de €220,000,00, deduzida a importância já paga pela aqui Demandante, Seguros, SA (no montante de €21.783,67), a título de reembolso, a efectuar pela Companhia de Seguros.
6. O aqui Demandado já recebeu a indemnização que lhe foi arbitrada na ação cível.
7. O requerido continua a receber da Requerente a pensão que lhe foi fixada nos autos principias, por via do mesmo acidente que foi de trabalho, mas também de viação.
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Adita-se a seguinte matéria nos termos do artigo 662º do CPC, por decorrer de documentos juntos aos autos com força probatória plena:
8. No processo relativo ao acidente de trabalho foi considerado o salário de 384,01 x14 mais subsídio de alimentação de 2,75 x 22 x 11 (anual de € 5.537,64), sendo € 4.872,14 da responsabilidade da seguradora e € 665,50 da responsabilidade da patronal (o subsídio), por não transferido.
9. Ao autor foi atribuída a pensão acima referida da responsabilidade da seguradora, mais € 405,02 da responsabilidade da patronal.
10. Na ação cível foi considerado provado (sentença do STJ):
23 - À data do sinistro, o A. exercia as funções de resineiro, por conta e ao serviço da Junta de Freguesia…, concelho de …, auferindo o vencimento mensal de € 348,01, 14 meses por ano, acrescido da quantia de € 62,85 a título de subsídio de alimentação, 11 meses por ano.
24- O A., para além das funções exercidas por conta e ao serviço da Junta de Freguesia…, que lhe absorviam o período da manhã, na parte restante do dia, executava trabalhos agrícolas, como arrendatário rural.
25 - Consistiam tais trabalhos na exploração da terra, plantio, sementeira, tratamento e colheita de vários produtos hortícolas, tais como legumes, cereais e frutos de onde se destacam o milho, o azeite, a batata e o vinho.
26 - No cultivo destas espécies, o A. colhia em média, para si; deduzindo a metade da produção que pagava ao senhorio a título 'de renda, sete pipas de vinho anuais,
27 - Quanto aos demais produtos, o A. colhia cerca de 100 litros de azeite anuais, 100 arrobas de batatas, 30 alqueires de milho, 15 alqueires de centeio, vários quilos de legumes, tais como cenouras, alfaces, ervilhas, couves, nabos e frutos tais como limão, laranja, maçã, pêra e cereja.
28 - Além disso, o A. dedicava-se à produção animal da raça autóctone "maronesa", raça certificada na região onde reside o A.
29 _ Tendo na sua exploração pecuária, à data do acidente, 4 vacas da referida raça, das quais além do aproveitamento do leite, tinha como rendimento, um vitelo por ano, por cada progenitora.
30 - Na sua exploração, o A. quer para venda, quer para consumo próprio, dedicava-se ainda à criação de coelhos, galinhas, ovelhas e cabras.
31 - No exercício desta actividade, o A. auferia um rendimento mensal médio, sempre superior ao salário mínimo nacional, ou seja, sempre superior a € 350,00/mensais.
32 - Em consequência das sequelas de que ficou a padecer, o A. não poderá exercer as funções de resineiro e de agricultor.
33- E, bem assim, dada a natureza das lesões e sequelas sofridas, a de quaisquer outras profissões similares, de cariz manual e físico, compatíveis com a experiência e habilitações literárias do A.

35 - Enquanto resineiro e agricultor, o A. sempre foi um profissional empenhado, dedicado e eficiente, sendo a única fonte de rendimentos do seu agregado familiar, composto por si, a esposa e sete filhos menores»

- Consta daquela decisão:
…Ficou provado que o autor, em virtude das sequelas de que ficou a padecer, não poderá exercer as funções de resineiro e de agricultor, a que habitualmente se dedicava, nem tão pouco quaisquer outras profissões similares, de cariz manual e físico, compatíveis com a experiência e habilitações literárias do mesmo autor.

Assim, tendo-se apurado que o autor ficou incapacitado para o exercício das suas ocupações habituais de resineiro e de agricultor e ainda de qualquer profissão compatível com a sua experiência e habilitações literárias, importa proceder ao cálculo da indemnização pelo dano patrimonial futuro, tendo em conta tal incapacidade total para o exercício de actividade profissional.
A indemnização deve representar um capital que se extinga no fim da vida activa…
Os 65 anos têm sido considerados como o fim do período da vida activa. Tal limite é aceitável, quanto à profissão de resineiro …
Todavia, no caso concreto, quanto à profissão de agricultor que o autor também desempenhava, como arrendatário rural, era previsível, se não fosse a incapacidade para o desempenho dessa profissão de que o autor ficou afetado, que este pudesse continuar a desenvolver tal atividade até aos 73 anos.
….
O que tudo aponta para que a indemnização por este dano futuro deva ser objeto de algum acréscimo, já que na Relação se considerou os 65 anos como limite da vida ativa, também relativamente ao exercício da atividade agrícola, e ainda que o autor poderia vir a exercer outra atividade condizente com o seu grau de incapacidade, o que já vimos não ser previsível acontecer.
… com recurso à equidade que a indemnização deve ser fixada, nos termos do art. 566, nºs 2 e 3, do C.C.;
Tudo ponderado, considerando as circunstâncias ocorrentes, julga-se mais conforme à equidade fixar a reparação pela referida perda de capacidade de ganho futura do autor no valor de duzentos e vinte mil euros.
Neste montante já estão incluídas todas as perdas salariais pela incapacidade temporária absoluta sofrida pelo autor. ..”
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Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Importa saber qual o montante a considerar para efeitos da desoneração do pagamento das prestações por parte da seguradora laboral, em função da indemnização recebida pelo sinistrado no foro cível.
A requerente, por força das leis laborais, ficou constituída na obrigação de pagar as pensões constantes da decisão proferida no processo principal.
O acidente de trabalho em causa (acidente " in itinere "), é simultaneamente acidente de viação. A seguradora demandada no processo comum era responsável por força do contrato de seguro celebrado com o dono do veículo "causador " do acidente.
Estabelece o artigo 31° da Lei n° 100/97, de 13 de Setembro (aplicável ao caso dos autos):
Acidente originado por outro trabalhador ou terceiros
1 - Quando o acidente for causado por outros trabalhadores ou terceiros, o direito à reparação não prejudica o direito de ação contra aqueles, nos termos da lei geral.
2 - Se o sinistrado em acidente receber de outros trabalhadores ou de terceiros indemnização superior à devida pela entidade empregadora ou seguradora, esta considera-se desonerada da respetiva obrigação e tem direito a ser reembolsada pelo sinistrado das quantias que tiver pago ou despendido.
3 - Se a indemnização arbitrada ao sinistrado ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente ou da doença, a desoneração da responsabilidade será limitada àquele montante.
4 - A entidade empregadora ou a seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente tem o direito de regresso contra os responsáveis referidos no n.º 1, se o sinistrado não lhes houver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente.
5 - A entidade empregadora e a seguradora também são titulares do direito de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que se refere este artigo.
Resulta deste normativo, como já resultava da anterior lei, que o ou os responsáveis laborais podem, dentro dos condicionalismos referidos no normativo, acionar os responsáveis cíveis em direito de regresso.
Resulta daqui igualmente que o lesado não pode cumular as duas indemnizações, quando tenham por fonte o mesmo dano, designadamente quanto a indemnização pelo lucro cessante, dano emergente relativo às despesas de funeral, despesas médicas e outras…
Importa pois para verificar da não cumulabilidade, saber que “danos” cada uma delas pretende ressarcir.
Assim e relativamente ao caso presente, temos que os valores relativamente aos quais a seguradora pretende a desoneração, respeitam ao dano decorrente da perda de capacidade aquisitiva, e só. A desoneração apenas poderá ocorrer relativamente ao valor da indemnização cível que pretende indemnizar exatamente o mesmo dano e não outros. Sob pena de o lesado ver a sua indemnização cível diminuída na precisa medida em que, visando ressarcir outros danos que não os do foro laboral, é levada em consideração na desoneração da responsável por estes.
Para operar a desoneração importa que quer a indemnização laboral em causa, quer a indemnização cível a considerar, tenham precisamente como seu escopo, no que ao caso tange, a reparação pela perda do rendimento decorrente da perda da capacidade aquisitiva.
Prevê a lei para cada uma delas, distintas formas de calcular o valor da indemnização, Vd. Ns. Vaz Serra, RLJ, ano 98, pág. 188 e Antunes Varela, mesma revista, ano 103, pág. 22.
As ref. indemnizações são pois complementares entre si, sem embargo de possuírem zonas em que se sobrepõem, não podendo nessa medida ser cumuladas - na medida em que se sobrepusessem, o beneficiário ou recebe uma ou recebe a outra -. Ponto é que detenhamos a ideia de que uma não exclui desde logo a outro. Pode acontecer, conforme a configuração concretas das situações, que se esgote a civil e permaneça a laboral, ou o contrário.
A inacumulabilidade evita-se absorvendo a indemnização civil na laboral, quer dizer, a seguradora do trabalho (ou o responsável pela indemnização laboral), deixa de pagar as pensões até ao limite do montante recebido pelo beneficiário a título de indemnização civil, e relativa aos mesmos danos.
E é assim porque a responsabilidade laboral é na sua essência uma responsabilidade pelo risco (embora possa ser agravada em função da existência de culpa do empregador, caso que ora não importa apreciar).
Vejamos então.
No caso, não obstante a seguradora referir o montante de 181.215,36 € de indemnização cível a considerar, importa ter em consideração o valor realmente fixado pelo STJ, conquanto em obediência ao disposto no artigo 609º do CPC, a condenação se deva ater aos limites do pedido.
Refere a seguradora que o dano ressarcido é o mesmo, dizendo que o dano concreto é a perda da capacidade de ganho por parte do autor. Irrelevariam assim para o efeito as diferentes variáveis que interagem nas regras que presidem ao cálculo de uma e de outra relativamente ao mesmo dano.
Não pode ser assim. O dano concreto não é a perda de capacidade de ganho. Esse é o dano abstrato. Se fosse esse o dano concreto, não era necessário em sinistro algum demonstrar os vencimentos perdidos. O dano concreto de perda de capacidade de ganho é o dano de perda de rendimento no valor X ou no valor de Y.
Uma coisa são as diferentes variáveis que interagem nas regras que presidem ao cálculo de uma e de outra daquelas indemnizações, outra coisa é o concreto dano que numa e noutra se indemniza. A seguradora teria razão nas considerações que tece, se no foro civil se tivesse atentado apenas na perda de rendimento relativa à profissão de resineiro. Mas não é o caso. É que, indemnizar de um lado a perda de rendimento da atividade de trabalhador como resineiro, e de outro, esta perda e ainda a resultante da atividade agrícola por conta própria, não são apenas diferenças em variáveis de cálculo, é mais que isso, são danos diversos. Numa a perda reporta-se ao vencimento X e noutra à perda do vencimento X mais Y.
No caso presente a indemnização laboral visa ressarcir o dano decorrente da perda de capacidade aquisitiva, tendo em conta a profissão do autor e o salário de 384,01 x 14, mais o subsídio de 2,75 x 22 x 11; em função do grau de incapacidade sofrido, incapacidade, esta sim, que é mesma, constituindo os diversos graus considerados, meras variáveis de cálculo.
A indemnização cível, como resulta com clareza do acórdão do STJ visa ressarcir igualmente tais danos. Contudo, além dos rendimentos assim ressarcidos visou-se ainda ressarcir o mesmo prejuízo – perda de rendimento – mas relativamente ao rendimento de 350 € mensais que o lesado obtinha de atividade agrícola.
Esta perda não está considerada na indemnização laboral, pelo que não há razão para na proporção que lhe couber o lesado não a receber. É que procedendo-se à desoneração da seguradora laboral em relação a essa fatia indemnizatória, é como se se estendesse a sobreposição entre as duas indemnizações, a que acima se aludiu, esticando a laboral além de limites que ela verdadeiramente não tem, com prejuízo para o “lesado civil”.
Importa pois verificar qual a medida que na indemnização civil cabe a cada parcela de rendimento perdido que se pretende ressarcir.
Tal discriminação compete por regra ao foro civil e não ao laboral. Contudo, se a decisão que fixa as indemnizações, apesar de o fazer em bloco, oferecer elementos seguros que permitam a descriminação com recurso a regras matemáticas, nada obsta a que se proceda para efeitos de desoneração a esse cálculo.
Vejamos então.
O STJ fixou a indemnização (por ambas as perdas) em 220.000 € (não há aqui desconto a fazer relativamente a outro tipo de danos patrimoniais, porque aqui não englobados).
O salário considerado, sem alteração relativamente ao considerado nas instâncias, foi de:
813,62 (12 meses), sendo que deste valor 350 € mensais correspondem ao rendimento tirados da agricultura e o restante (463,62) aos rendimentos que são comuns com o foro laboral (vencimento e subsídio de alimentação).
Por outro, relativamente aos rendimentos da agricultura foram considerados 33 anos de vida ativa (até aos 73) e relativamente aos restantes 25 (até aos 65).
Temos assim que 220.000 x (463,62 x 25) = 110.192,50
{ (463,62 x 25) + (350x33)}
É este o valor imputável no foro cível aos danos ressarcidos no foro laboral. Este valor contudo refere-se em parte a indemnização pelo subsídio de alimentação, cuja responsabilidade laboral ficou a cargo da entidade patronal. Resulta do normativo citado, que cada responsável poderá pedir a desoneração relativamente à parte correspondente à sua responsabilidade. Não pode a seguradora ser desonerada relativamente à parcela correspondente ao subsídio.
Assim temos, tendo em conta o subsídio considerando o valor de € 57,61, doze vezes:
110.192,50 x 406,01 = 96.499,84.
57,61
Consequentemente procede a apelação, e considerando o caráter indisponível das pensões – artigos 34º e 35º da lei aplicável -, é de reduzir o montante até ao qual a seguradora pode desonerar-se do pagamento para € 96.499,84, e sempre sem prejuízo da atualização daquelas.
DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, alterando-se o valor até ao qual a seguradora fica desonerada de proceder ao pagamento das prestações das pensões vincendas, para € 96.499,84.
Custas pela recorrida.
Guimarães, 26/03/2015
Antero Veiga
Manuela Fialho
Moisés Silva