Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
16/13.7PFGMR.G1
Relator: JOÃO LEE FERREIRA
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
ALCOOLÉMIA
TAXA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – A al. b) do nº 1 do art. 170 do Código da Estrada, resultante da Lei 72/2013 de 3-9, constitui lei nova, inovadora do regime anterior, porque até ter entrado em vigor inexistia norma legal que pudesse merecer interpretação no sentido de que os erros máximos admissíveis deviam ser objeto de desconto no momento da imputação dos factos integradores da contraordenação ou crime.
II – Tal norma, tendo conteúdo mais favorável ao arguido, deve ser aplicável retroativamente, descontando-se, em caso de ´teste de pesquisa de álcool no sangue efetuado antes de 1-1-2014, o EMA de 8% previsto no anexo à portaria 1556/2007 de 10-12.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães,

1. Nestes autos de processo especial sumário n.º 16/13.7PFGMR.G1 o tribunal singular do 1.º Juízo Criminal de Guimarães condenou o arguido Serafim C... pelo cometimento em autoria material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º n.º 1 e 69.º n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de noventa dias de multa à razão diária de dez euros e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de cinco meses.

Inconformado, o arguido interpôs recurso concluindo que deve ser absolvido do cometimento do crime.

O magistrado do Ministério Público no Tribunal Judicial de Guimarães apresentou fundamentada resposta, concluindo que a decisão recorrida deve ser integralmente mantida.

Recolhidos os vistos e realizada a audiência a requerimento do recorrente, cumpre apreciar e decidir.

2. Como é dado assente, o âmbito do recurso e os poderes de cognição deste Tribunal da Relação definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde deverá sintetizar as razões de discordância do decidido e resumir as razões do pedido, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (art.ºs 402.º, 403.º e 412.º n.º 1 do Código do Processo Penal).

O arguido-recorrente suscitou as seguintes questões:

-Inclusão na acusação da referência à possibilidade de aplicação da pena acessória de proibição de conduzir (conclusão 1ª a 7ª);

-Acusação e prova do preenchimento do elemento subjectivo do tipo de crime (conclusões 8.ª a 11ª);

-Aplicação da percentagem referente ao erro máximo admissível nos aparelhos de medição da taxa de álcool no sangue (conclusões 12ª a 18ª);

-Consequências jurídicas dos factos – determinação da medida concreta da pena principal de multa e da pena acessória de proibição de conduzir (conclusões 19ª a 22ª).

3. Para compreensão e análise das questões a decidir, impõe-se considerar primeiro a sentença recorrida.

Tendo em conta o constante de fls. 4 e 14, e o teor da sentença proferida verbalmente, o tribunal recorrido julgou provados os seguintes factos:

1. No dia 9 de Novembro de 2013, pelas 23 h e 10 m, o arguido, Serafim C..., circulava ao volante conduzindo o veículo “ligeiro de passageiros” particular de marca Mercedes e de matrícula 13-16-... na Alameda D..., Creixomil, Guimarães, com uma taxa de álcool no sangue de 2,07 g/l;

2. O arguido conhecia os factos descritos, quis actuar de forma que o fez, bem sabendo que conduzia o veículo em causa na via pública, que momentos antes havia ingerido bebidas alcoólicas em quantidade susceptível de lhe induzir uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l, e que tal conduta é proibida e punível por lei.

3. Na altura, o arguido transportava um passageiro, e não foi interveniente em acidente de viação. ---

4. O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos.---

5. Está arrependido e não tem antecedentes criminais. ---

6. O arguido tem o 4º ano do curso superior de Engenharia Robótica.

É administrador de empresas na área da construção civil, recebendo o montante mensal de cerca de €4000,00; vive com a mulher, que é decoradora, auferindo o vencimento mensal de cerca de €1000,00; tem três filhos de três, sete e catorze anos de idade e vive em casa própria.

4. Ao longo de diversas páginas da motivação do recurso, o arguido, por intermédio de ilustre Advogada, tece longas considerações sobre a imprescindibilidade de a acusação conter a referência à eventualidade de aplicação ao arguido da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados O recorrente refere repetidamente a alusão a uma “pena acessória de inibição de conduzir”. Seguiremos a denominação legal, distinguindo a sanção acessória de inibição de conduzir, própria das contra-ordenações previstas no Código da Estrada, da pena acessória de proibição de conduzir prevista no artigo 69.º do Código Penal., citando doutrina e jurisprudência.

Constitui afirmação inegável que o conhecimento integral pelo arguido da acusação contra ele deduzida, aqui se incluindo necessariamente a incriminação e a precisa dimensão das consequências punitivas, constitui um pressuposto essencial da preparação e organização da defesa e, em consequência, integra o núcleo dos direitos de defesa garantidos pelo artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.

As considerações do recorrente são assim efectivamente correctas no plano teórico, desde há muito aceites na jurisprudência Cfr. por todos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de unificação de jurisprudência n.º 7/2008, de 25-06-2008 proc. 07P4449 in www.dgsi.pt.

Contudo, e salvo o devido respeito, essas considerações também são absolutamente destituídas de interesse ou de utilidade para a situação concreta do processamento destes autos.

Consta a fls. 14 destes autos, no despacho subscrito pelo magistrado do Ministério Público em 11/11/2013 ao abrigo e nos termos do artigo 389.º, n.º 1 e n.º 2 do Código do Processo Penal, o seguinte texto:

Por a nosso ver não se verificar o preenchimento dos pressupostos estabelecidos nas alínea e) do n.°1 do artigo 281.0, do Código de Processo Penal para a suspensão provisória do processo naquilo que envolve o valor da taxa de álcool que o mesmo apresentava, o Ministério Público acusa em processo sumário o arguido SERAFIM C..., identificado nos autos, nos termos do artigo 381.° e seguintes do Código de Processo Penal, pela prática em 9 de Novembro de 2013, de um crime de condução veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 69.°, n.°1, alínea a) e 292.° n.° 1 do Código Penal.

Para efeitos do disposto no artigo 389.°, n.°1, do mesmo código, substituo a apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia junto aos presentes autos.

Em aditamento ao referido auto, que deste fará parte integrante e incindível acrescento:

O arguido conhecia os factos descritos, quis actuar da forma que o fez, bem sabendo que conduzia o veículo em causa na via pública, que momentos antes havia ingerido bebidas alcoólicas em quantidade susceptível de lhe induzir uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l, e que tal conduta é proibida e punível por lei.” (“realce e sublinhado nossos).

Ou seja, bem ao invés do que se repetidamente se afirma na motivação, o despacho proferido pelo Ministério Público, que “completa” o auto de notícia e promove o julgamento em processo especial sumário, contém uma clara referência à disposição legal que determina a eventualidade de ao arguido ser aplicada a pena acessória de proibição de conduzir. A acta de audiência de julgamento contém expressamente a substituição da apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia, nos termos do art.º 389.º n.º 2 do Código do Processo Penal, bem como que se procedeu à leitura da acusação (fls. 21 e 22).

Não se vislumbra qualquer afectação dos directos de defesa do arguido, nem do princípio do acusatório e, sem necessidade de outros considerandos, julgamos o recurso neste âmbito manifestamente improcedente.

5. Nas motivações de recurso apresentadas para este processo, o arguido afirma seguidamente que deve ser absolvido porquanto, em síntese “não resulta dos factos provados que o arguido tinha consciência do seu estado de alcoolemia e tendo essa consciência, ainda assim, tivesse intenção de conduzir o veículo, sendo que, do mesmo passo, também não resulta provado que o arguido tivesse conhecimento que a sua conduta era proibida pela lei penal”.

Bastaria uma leitura do elenco da matéria de facto provada para concluir que uma vez mais o arguido vem argumentar contra elementos evidentes destes autos.

Como sabemos, a doutrina considera a estrutura do dolo da factualidade típica, ou dolo do tipo, envolvendo necessariamente duas vertentes: o elemento intelectual ou cognoscitivo, que consiste no conhecimento pelo agente de todos os elementos ou circunstâncias que integram o tipo legal, e o elemento volitivo ou emocional, onde se inclui a vontade de adoptar a conduta, o querer adoptar a conduta, não obstante aquele conhecimento, mesmo tendo previsto o resultado criminoso como consequência necessária ou como consequência possível dessa conduta.

É assim necessário, para que o dolo se afirme, que o agente conheça e represente correctamente ou tenha consciência das circunstâncias do facto que preenche um tipo de ilícito objectivo. Com a consequência de que sempre que o agente represente erradamente, ou não represente, um qualquer dos elementos típicos objectivos, o dolo terá de ser afastado.

Assim, tratando-se de crime doloso, deve constar da acusação “que o arguido agiu de forma livre (afastamento das causas de exclusão da culpa - o arguido pôde determinar a sua acção), deliberada (elemento volitivo ou emocional do dolo - o agente quis o facto criminoso) e conscientemente (imputabilidade – o arguido é imputável), bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (elemento intelectual do dolo, traduzido no conhecimento dos elementos objectivos do tipo)”. (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21-10-2009, Rel. Jorge Jacob, Processo 69/09.2GTCBR.C1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-06-2011 igualmente a propósito de crime de condução em estado de embriaguez, Rel. Jorge Gonçalves, proc. 25/10.8SCLSB.L1-5, in www.dgsi.pt).

A matéria de facto provada nestes autos (por remissão para o texto de fls. 14 e acima transcrito) contém todos os elementos subjectivos do tipo de crime doloso, no que se refere quer ao elemento intelectual, quer ao elemento volitivo:

Quanto ao primeiro, aí consta efectivamente como provado que o arguido agiu com conhecimento dos factos descritos, sabendo que tinha ingerido bebidas alcoólicas em medida susceptível de lhe causar uma TAS superior a 1,2, sabendo que conduzia o veículo na via pública e sabendo ainda que essa conduta é proibida e punida por lei. O significado útil da expressão “quis actuar da forma que o fez” significa necessariamente uma conduta deliberada e intencional, uma vontade dirigida à realização do tipo de crime, assim traduzindo adequadamente o elemento volitivo do dolo. A matéria de facto não evidencia qualquer causa de exclusão da culpa.

Como escreveu Germano Marques da Silva na obra “Crimes Rodoviários” no segmento que o recorrente indica nas motivações (pag. 81) , “o crime é doloso sempre que o agente, tendo consciência do seu estado, pratica a condução de veículo rodoviário. Se o agente não tinha consciência do seu estado, por erro indesculpável, o crime é-lhe imputado a título de negligência. O dolo e a negligência têm como elementos de referência no art. 292 a consciência do estado de embriaguez e não a ingestão das bebidas alcoólicas”. Ora, dos factos provados nestes autos resulta necessariamente que o arguido tinha consciência (sabia) que tinha ingerido bebidas susceptíveis de o fazer incorrer em responsabilidade criminal) e mesmo assim quis conduzir o veículo. Ou seja, a matéria de facto provada afasta claramente a possibilidade de subsunção no tipo de crime na forma negligente.

Em face do exposto e sem necessidade de outros considerandos, improcede manifestamente o recurso neste âmbito.

6. No seu recurso, o arguido pretende a aplicação ao resultado do teste de pesquisa de álcool no sangue efectuado nestes autos de uma percentagem de desconto, previsto no Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros e correspondente ao erro máximo admissível (EMA), e que se encontra definidos no quadro anexo à Portaria 1556/2007, de 10 de Dezembro.

A questão foi já objecto de profundo debate na jurisprudência, formando-se duas correntes, de soluções antagónicas:

Segundo uma das perspectivas, na apreciação da matéria de facto e prova do valor rigoroso da taxa de álcool do sangue do arguido sujeito a sancionamento, a aplicação dos princípios in dubio pro reo ou de presunção de inocência impõem a dedução em cada medição concreta da taxa referente à margem de tolerância de erro no desempenho de tais instrumentos de medição.

Para uma outra tese, claramente maioritária e que subscrevemos, a previsão da referida margem reporta-se, tão-somente, à aprovação e às verificações periódicas subsequentes realizadas pelo IPQ como condição da homologação e aprovação dos aparelhos de medição. Neste entendimento, os aparelhos são técnico-cientificamente fiáveis e credíveis, desde que aprovados pela entidade competente e sujeitos às operações de verificação exigíveis, onde são levados em conta aqueles erros máximos admissíveis. A partir daí, tornam-se aptos a darem-nos o valor a considerar para efeitos de prova da taxa de álcool no sangue do indivíduo sujeito ao teste, constituindo mesmo prova legal. Se não confia nesse resultado, o sujeito ao teste tem ao seu dispor a contraprova consistente numa análise ao sangue destinada a elidir a presunção em que assenta a exactidão do valor fornecido pelo aparelho. (Cfr. por todos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17-12-2009, Proc. 1120/08.9PAPVZ-A.S1 in www.dgsi.pt e de 27-10-2010, Colectânea , III, p. 243).

Antes de prosseguir na apreciação desta questão, impõe-se naturalmente ter presente as alterações ao Código da Estrada decorrentes da Lei nº 72/2013 de 3 de Setembro de 2013, que iniciou vigência em 1 de Janeiro de 2014.

Recorde-se aqui que o procedimento de fiscalização da condução sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas, consta fundamentalmente dos artigos 152.º e seguintes do Código da Estrada. Haverá ainda de ter presente o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela já citada Portaria 1556/2007, de 10 de Dezembro o qual, no artigo 8.°, sob a epígrafe "Erros Máximos Admissíveis", estabelece: «Os erros máximos admissíveis (EMA), variáveis em função do teor de álcool no ar expirado (TAE) são os constantes do quadro anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante.»

Ora, a referida Lei 72/2013, em vigor desde 1/1/2014 deu nova redacção ao artigo 170º do Código da Estrada (CE), onde agora se estabelece que deve constar no auto de notícia elaborado pelo agente de autoridade quando presenciar contra-ordenação rodoviária (…) b) O valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infração for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares.

A condução automóvel na via pública sob o efeito do álcool constitui seguramente uma “infracção aferida por aparelho aprovado nos termos legais”. Por outro lado, a norma refere-se exclusivamente ao levantamento de autos por infracção contra-ordenacional, mas tem necessariamente de se estender ao procedimento para as infracções criminais como é o caso da condução em estado de embriaguez do artigo 292.º do Código Penal .

Impõe-se ainda reter que a dissensão jurisprudencial sobre a aplicação dos EMA se centrou no âmbito da interpretação, valoração da prova e aplicação do princípio de direito probatório in dubio pro reo e nunca em diferente interpretação normativa (como se salientou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-12-2009, acima citado), precisamente porque inexistia norma legal que pudesse merecer interpretação no sentido de que os erros máximos admissíveis deviam ser objecto de desconto no momento da imputação do factos integradores de contra-ordenação ou crime

Em consequência, a actual redacção do artigo 170.º, n.º 2 alínea b) do CE tem de ser entendida como inovadora ou seja como uma Lei Nova.

Uma vez que poderá ter como efeito diminuir o grau de ilicitude do facto, com influência na medida das penas, a nova Lei tem conteúdo mais favorável ao arguido. Deve, por isso, ser aplicada retroactivamente, nos termos do artigo 29º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa e do artigo 2º, nº 4 do Código Penal (neste sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 18-02-2014, Rel. João Gomes de Sousa, proc. 287/13.9GAOLH.E1, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-02-2014, Rel. Maria Pilar Oliveira, proc. 140/13.6TVIS.C1, mas, em sentido diferente, considerando que a redacção do artigo 170.º conferida pela Lei 72/2013 constitui uma lei interpretativa, vide os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-01-2014, Rel. Jorge Gonçalves, proc. 270/13.4PAAMD.L1-5 e do Tribunal da Relação do Porto de 19-02-2014, Rel. Artur Oliveira, proc. 76/13.0PDMAI.P1)

Aplicando estas considerações ao caso concreto:

O teste de pesquisa álcool no sangue do arguido revelou um resultado de 2,07 g/l (cfr. fls. 3); Aplicando o EMA de 8%, previsto no anexo da Portaria 1556/2007 de 10.12., temos como relevante a TAS de 1,9044 g/l.

Assim, impõe-se alterar a matéria de facto provada constante do ponto um por forma a constar:

1. No dia 9 de Novembro de 2013, pelas 23 h e 10 m, o arguido, Serafim C..., circulava ao volante conduzindo o veículo “ligeiro de passageiros” particular de marca Mercedes e de matrícula 13-16-... na Alameda D..., Creixomil, Guimarães, com uma taxa de álcool no sangue de 1,90 g/l, após dedução do erro máximo admissível;”

Neste âmbito, o recurso do arguido alcança a sua pretensão.

7. A concretização da pena principal será efectuada de acordo com os critérios gerais enunciados no artigo 71º do Código Penal, ou seja, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo por base «todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.

Os elementos a considerar na determinação da medida concreta da pena são os seguintes:

-O arguido conduziu um veículo ligeiro de passageiros, de noite, no interior de uma localidade depois de ter ingerido bebidas alcoólicas;

O grau de ilicitude assume a gravidade decorrente do valor da taxa de álcool no sangue de 1,90 grama por litro, claramente superior ao limiar de 1,2 grama por litro da responsabilização penal;

Não existe uma correlação absoluta entre a taxa de alcoolemia e o grau de intoxicação alcoólica (que varia devido à tolerância provocada pelo consumo habitual de etanol, a factores metabólico-genéticos, estados fisiológicos e patologias associadas, e ainda com o tempo de duração da própria intoxicação), mas um nível de álcool no sangue assim elevado, não poderá deixar de causar um significativo retardamento nos reflexos, bem como dificuldades de adaptação da visão a diferenças de luminosidade, a sobrestimação das capacidades próprias, a minimização de riscos e falhas de coordenação neuromuscular. Revelando-se assim um considerável risco para a vida e a integridade física, quer para quem assim conduz um automóvel, quer para os utentes da via onde esse veículo circula.

-A (feliz) ausência de qualquer acidente não agrava, mas também não atenua a responsabilidade do arguido, que efectivamente criou um risco para a segurança rodoviária;

- No que respeita aos elementos da personalidade, inserção familiar social e profissional, interessa valorar positivamente que o arguido beneficia de efectiva inclusão profissional e familiar.

Dever-se-á ainda ter em conta que o arguido não regista antecedentes criminais, confessou integralmente os factos de que vinha acusado, assim denotando uma personalidade conforme o direito.

-As exigências de prevenção geral são muito significativas pela profusão de crimes de condução em estado de embriaguez na nossa comunidade;

Sopesando em conjunto as enunciadas circunstâncias, concluímos que a pena equitativa para a culpa exteriorizada pelo arguido, assim como necessária e imprescindível para corresponder a exigências de prevenção geral positiva ou prevenção de integração se deve fixar em 85 dias de multa.

Considerando a amplitude da “moldura legal” (artigo 47.º n.º 2 do Código Penal) e a situação económica do arguido, decorrente dos elevados rendimentos mensais e dos previsíveis despesas, no sermos apurados, consideramos que a razão diária da multa fixada na sentença recorrida apenas poderá pecar por excessivamente benévola.

8. A determinação da medida concreta da pena acessória, numa moldura abstracta com um mínimo de 3 meses e um máximo de 3 anos, será efectuada, tal como a pena principal, de acordo com os critérios gerais enunciados no artigo 71º do Código Penal, sem perder de vista que a aplicação da proibição de conduzir, além de constituir uma sanção adicional do facto e se destinar a prevenir a perigosidade do agente, também visa obter um efeito de prevenção geral de intimidação (Figueiredo Dias, As Consequências, 1993. pag.165).

Tendo em conta a matéria de facto provada em audiência de julgamento e fixada na sentença recorrida, os elementos a considerar no caso vertente são aqueles já acima expostos para a determinação da medida concreta da pena principal de multa:

- O grau da ilicitude assume significativa gravidade pela proporção de álcool no sangue e a consequente afectação da acuidade visual, da capacidade de discernimento e de reflexos na condução automóvel.

- No que respeita aos elementos da personalidade, inserção familiar social e profissional, releva necessariamente ter em conta que o arguido beneficia de completa integração familiar e social;

- A postura revelada em julgamento significa a assunção do erro praticado, reduz as exigências de prevenção especial e beneficia o arguido.

Embora se admita que a graduação de álcool no sangue possa sofrer alteração pela compleição física da pessoa examinada ou pelo tempo decorrido desde a ingestão física, não se poderá deixar de sancionar de forma diferente distintas taxas de alcoolemia no sangue. No caso em apreço, a fixação da pena acessória justamente no limite mínimo legal, como pretende para si o arguido no recurso, seria intolerável iniquidade em relação aos milhares de condutores que são surpreendidos com TAS inferiores e próximas do limite de responsabilização criminal, não têm antecedentes criminais, reconhecem o cometimento dos factos e também beneficiam de integração familiar e social.

Valorando em conjunto os factores enunciados, entendemos que o grau de ilicitude é elevado pelo valor da TAS, pelo que, mesmo considerando as menores necessidades de prevenção especial, concluímos a pena acessória de proibição de conduzir, se deve fixar em quatro meses e quinze dias.

9. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso do arguido e em consequência, condenam o arguido Serafim C... pelo cometimento de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º n.º 1 e 69.º n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de oitenta e cinco dias de multa à razão diária de dez euros e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de quatro meses e quinze dias.

Sem tributação por procedência parcial do recurso.

Guimarães, 17 de Março de 2014.