Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1186/23.1T8BRG.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: IMPUGNAÇÃO DE SANÇÃO DISCIPLINAR
DEVER DE RESPEITO E URBANIDADE
SUSPENSÃO DO TRABALHO
PROPORCIONALIDADE DA SANÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - De acordo com os arts. 640.º, n.º 1, al. b), e 662.º, n.º 1, ambos do CPC., a matéria de facto previamente julgada deverá ser modificada apenas se impuser decisão diversa da recorrida, e não apenas quando a admita, permita ou consinta.
II - O juiz da 1ª instância encontra-se numa posição privilegiada para proceder à valoração da prova, já que, através da imediação, tem acesso ao comportamento das partes e das testemunhas, o que lhe permite aferir, de forma cabal, da respetiva espontaneidade e credibilidade. Tal não sucede com a Relação, que apenas dispõe do registo de som e não também de imagem e por isso reaprecia a decisão da matéria de facto com base nos elementos que lhe estão acessíveis.
III - Não tendo a Relação o elemento – imediação – e não havendo elementos probatórios que lhe permitam formar um juízo seguro de que existe erro de valoração da prova, deverá ser dada prevalência à decisão da 1ª Instância.
IV - Estando em causa a análise de prova gravada só se deve abalar a convicção criada pelo juiz a quo, em casos pontuais e excecionais, ou seja, quando não estando em causa a confissão ou qualquer facto só suscetível de prova documental, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer suporte nos elementos de prova trazidos aos autos ou estão em manifesta contradição com a prova produzida, ou não têm qualquer fundamento perante a prova constante dos autos.
V - A reação do empregador aos comportamentos infracionais dos seus trabalhadores tem de ser proporcional, o que significa que tem de saber distinguir o que merece e deve ser punido, daquilo que não tem dignidade ou relevância para se fazer uso do poder disciplinar.
VI - É adequada e proporcional a sanção disciplinar de suspensão do trabalho por 3 dias, com perda de retribuição e antiguidade aplicada a uma trabalhadora que no local de trabalho e durante a pausa no horário de trabalho, de forma gratuita, provocatória e reiterada apelidou a sua cunhada e colega de trabalho, AA, de “gente reles”, “mentirosa” e “falsa”, além de ter assumido uma atitude ameaçadora e intimidatória, ao afirmar àquela “vais pagá-las” e “vou-te desfazer”, o que reiterou mais do que uma vez e em diferentes locais da empresa, tendo sido advertida pela chefia para se afastar e para voltar ao posto de trabalho.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

BB, residente na Rua ..., ... ..., instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra EMP01..., S.A., com sede na Rua ..., ..., ... ... e pede:
- que se declare que a sanção disciplinar que lhe foi aplicada é ilícita;
- que se condene a Ré a pagar-lhe uma indemnização no valor de €5.500,00
Alega, em suma, que é funcionária da Ré desde ../../1990 com a categoria de operadora especializada de 1.ª. Em 4.02.2022, na sequência de processo disciplinar foi-lhe aplicada pela Ré a sanção de 3 dias de suspensão de trabalho com perda de retribuição e de antiguidade, a executar no período de 14.03.2022 a 16.03.2022. Mais alega que o procedimento disciplinar é nulo e nega a prática dos factos descritos na decisão disciplinar.
A Ré contestou pugnando pela improcedência da acção e pela manutenção da sanção disciplinar aplicada, já que o procedimento disciplinar não padece de qualquer irregularidade, os factos imputados ocorreram como descrito e a sanção decidida a 1.03.2022 acabou por não ser efetivamente aplicada, uma vez que a autora entrou de baixa médica a 2.03.2022, o que se manteve até 31.08.2022.
Foi proferido o despacho-saneador que julgou improcedentes as arguidas nulidade do processo disciplinar e caducidade da sanção aplicada.
Os autos prosseguiram com a sua normal tramitação e por fim foi proferida sentença pela Mma. Juiz, que terminou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo a presente acção totalmente improcedente e, consequentemente, absolvo a ré de todos os pedidos contra si formulados.
Custas da acção pela autora, sem prejuízo da respectiva isenção.
Registe e notifique.”
*
Inconformada com esta sentença, dela veio a Autora interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões:

”a) Vem o presente recurso interposto da aliás douta sentença final, proferida nos autos de Acão comum acima referenciados, que o ora Recorrente interpôs contra a Ré–Recorrida EMP01..., S.A. (adiante designada de EMP01...), a qual julgou a ação improcedente e, consequentemente, absolve a empregadora de todos os pedidos contra si formulados.
b) O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, não fez correta apreciação da matéria de facto e da prova produzida, como não interpretou e aplicou corretamente os preceitos legais atinentes.
c) a i) (…)
j) Entende-se que a decisão em relação à matéria de facto se encontra desconforme com a prova produzida, como se entende uma errada interpretação e aplicação das normas legais atinentes.
k) Discorda-se parcialmente da decisão da matéria de facto, quer em relação a factualidade dada como provada quer em relação à não provada, impondo a apreciação da factualidade decisão diversa.
l) Não pode o facto 5 da sentença proferida ser dado como provado tendo como redação: (…)
m) Além disso, não pode o facto 6 ser dado como provado na redação apresentada: (…)
n) De acrescentar o facto 8, também não pode ser dado como provado nos termos em que o foi: (…)
o) O mesmo se diga do facto 9 tal que consta da sentença proferida: (…)
p) Por último, da redação dada o facto 10 da sentença, não se aceita como provado: (…)
q) O Tribunal a quo não releva os depoimentos prestados por CC, DD e EE, mas tal factualidade encontra-se toda ela contraditada por esses mesmos depoimentos das testemunhas.
r) a u) (…)
v) O Tribunal a quo deveria ter relevado os depoimentos das testemunhas CC, EE e FF, que colidem com os depoimentos das testemunhas AA e o marido GG, como não poderia ignorar o interesse destas em imputar à Recorrente o que relataram, pela animosidade que manifestavam contra esta, traduzindo-se num depoimento parcial e contraditório.
w) Não obstante, não poderia não valorar o depoimento da testemunha CC, fundamentando de forma conclusiva de que “não convenceu minimamente o Tribunal (…), quer por palavras empregues (…), sendo que não é feita qualquer descrição a tal título, quer “pelo facto de ser casado com a autora”.
x) O mesmo argumento deveria igualmente ter aplicado às testemunhas AA e GG.
y) Mais, a AA tem um interesse direto no desfecho deste processo, pelo que sob este prisma, não deveria ter relevado o tribunal nenhum dos depoimentos prestados.
z) Com o procedimento disciplinar não foi carreado qualquer elemento de prova, para além da participação de AA, com um interesse claro em acusar a Recorrente, tendo na resposta à nota de culpa a Recorrente impugnado as imputações que lhe eram dirigidas, sendo que a trabalhadora goza da presunção de inocência.
aa) O Tribunal a quo fundamentou esta decisão mais uma vez, em argumentos que não se podem aceitar, não relevando os depoimentos prestados pelo CC, pela DD, e pelo EE.
bb)Os depoimentos prestados pelas testemunhas HH e GG revelaram-se, mais uma vez, parciais, com um claro interesse em sustentar um processo disciplinar impulsionado por eles, por causa de desavenças familiares com a Recorrente e marido.
cc) Perante a análise feita, deve ficar a constar da matéria assente a seguinte factualidade:
- Ponto 5. No dia 9 de Janeiro de 2022, cerca das 09h15, quando a autora se encontrava no bar da ré, acompanhada do seu marido, CC (colaborador n.º ...92), dirigiu-se a trabalhadora AA (colaboradora n.º ...96):
“O que é que tu queres? Porquê que crias tantos problemas? Porquê que te metes com o teu irmão?”
- Ponto 6. de Seguida, na sala de lazer, encontravam-se a tomar o pequeno almoço, em mesas separadas, a Autora e marido CC tendo ocorrido uma pequena altercação entre as duas.
- Ponto 8. Deve ser expurgada da matéria assente a factualidade vertida no ponto 8.
- Ponto 9. Deve ser expurgada da matéria assente a factualidade vertida no ponto 9.
- Ponto 10. Enquanto a AA e o seu marido GG conversavam com o chefe de secção EE aproximou-se a Autora que lhe transmitiu para não acreditar em nada do que lhe diziam.
dd) Perante a alteração da factualidade dada agora como provada, temos de ter em consideração o ponto 14 da sentença: “14. Por força dos factos descritos de 5 a 11 a ré iniciou um procedimento disciplinar à autora em 04.02.2022, na sequência de cuja instrução decidiu aplicar-lhe já a 1.03.2022, a sanção disciplinar de 3 dias de suspensão de trabalho com perda de retribuição e de antiguidade “a executar no período de 14/03/2022 a 16/03/2022.”
ee) Por força das alterações à factualidade assente, este ponto deve ser alterado no sentido de reportar o que se encontra imputado ao vertido na nota de culpa e não aos pontos 5 a 11 da matéria assente.
ff) Assim, deve tal factualidade ficar com o seguinte teor: 14. Por força do que se encontra imputado na nota de culpa, a ré iniciou um procedimento disciplinar à autora em 04.02.2022, na sequência de cuja instrução decidiu aplicar-lhe já a 1.03.2022, a sanção disciplinar de 3 dias de suspensão de trabalho com perda de retribuição e de antiguidade “a executar no período de 14/03/2022 a 16/03/2022”.
gg)Da decisão recorrida, o Tribunal a quo não considerou provados factos alegados pela Recorrente na petição inicial, revelando erro na apreciação da prova produzida.
hh)Relativamente ao factos vertidos nos artigo 24.º e 25.º da petição inicial, que refere, respetivamente, “Ora, toda a conduta da ré provocou, como ainda provoca na autora, imenso desgosto, profunda preocupação e sentida indignação.“ e, “Causou, ainda, a conduta da ré profunda vergonha e revolta por se ver assim tratado junto dos seus colegas de trabalho, amigos, familiares e demais pessoas que presenciaram os factos ou deles vieram a ter conhecimento, e pelo receio de vir a ficar desempregada (…)”, a decisão recorrida é omissa na sua fundamentação, referindo apenas que, o depoimento da testemunha CC não mereceu ser valorado, como, o depoimento da testemunha DD “nada adiantou para esclarecer os factos”.
ii) Contrariamente a isto, tal facto encontra-se sustentado no depoimento da testemunha CC .....
jj) E ainda, no depoimento da FF ....
kk) A Recorrente sempre se manifestou revoltada com o que lhe estava a ser imputado e que culminou com o processo disciplinar cuja decisão não aceita e a impugna.
ll) Encontra-se, assim, provada tal factualidade.
mm) Na sequência da reapreciação da matéria de facto, é manifesto que a conduta da Recorrente não configura a violação de qualquer dever ou obrigação legal e contratual, pelo que a sua conduta não configura ser alvo de sanção disciplinar, como foi, muito menos de 3 dias suspensão com perda de antiguidade e retribuição.
nn) A sanção disciplinar aplicada é ilícita.
oo) Mas mesmo que assim não se entenda, ainda assim, tal conduta nunca justificaria a aplicação de uma sanção disciplinar tão grave como é a suspensão de trabalho.
pp) A Recorrente encontra-se ao serviço da Recorrida desde ../../1990, ou seja há mais de 21 anos, sem que tivesse sido instaurado qualquer procedimento disciplinar até ao que culminou com a sanção de suspensão que ora se recorre.
qq) A decisão recorrida não releva a afirmação que a própria empregadora faz na decisão final em que expressamente referiu que acredita que a conduta em apreço se tratou de um ato isolado, também não releva que foi praticada entre membros da mesma família, e por não ter tido qualquer consequência na empregadora, teria esta factualidade naturalmente de ser relevada para diminuir o grau de culpabilidade da conduta que é imputada.
rr) A sanção disciplinar de suspensão de três dias aplicada, revela-se manifestamente desproporcional à gravidade da infração e a culpabilidade do infrator, pelo que é ilícita, de harmonia com o disposto no artº 330º, nº 1 do CT.
ss) Em consequência da sanção de suspensão ser ilícita, e pelas consequências da sua aplicação na Recorrente, tem a Recorrente o direito de exigir uma indemnização por danos não patrimoniais, nomeadamente, por ter provocado imenso desgosto, profunda preocupação e sentida indignação, tendo, ainda, causado profunda vergonha e revolta por se ver assim tratada junto dos seus colegas de trabalho.
tt) Assim, é justificada e adequada a condenação da Recorrida no pagamento à Recorrente, a título de indemnização por danos não patrimoniais, o valor de € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros).
uu) Ao julgar, como julgou, julgando totalmente improcedente a ação e, consequentemente, absolvendo a Recorrida dos pedidos formulados a decisão recorrida não apreciou corretamente a prova produzida, nem interpretou e aplicou corretamente as normas legais atinentes, nomeadamente os artigos 128º, nº 1, al. a) e h), 328º nº 1, 330º, nº 1, estes do Código do Trabalho; artº 414º, 573º, nº 1 e 2, 574º nº 1 e 607º n. 4, estes do Código de Processo Civil aplicável ex vi pelo artº 1º, nº 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho.
vv) A decisão recorrida, deve, pois, ser revogada e, em consequência, deve ser julgada a ação provada e procedente, com as legais consequências.
Dado o exposto e o douto suprimento de V. Exª, deve ser concedido provimento ao Recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, e julgada a acção provada e procedente e, consequentemente, a Recorrida condenada nos pedidos, com as legais consequências.

ASSIM SE FARÁ A DEVIDA JUSTIÇA!
Respondeu a Recorrida/Apelada defendendo que o tribunal recorrido decidiu correctamente a matéria de facto, não incorrendo em qualquer erro de julgamento, devendo por isso manter-se a decisão recorrida.
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito devolutivo, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo a Exma. Procuradora Geral-Adjunta emitido douto parecer no sentido da improcedência da apelação.
A Recorrente veio responder manifestando a sua discordância com o parecer e mantendo a posição assumida em sede de alegação de recurso.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II – OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, no recurso interposto pela Autora/Apelante sobre a sentença recorrida, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:
- Impugnação da matéria de facto;
- Da desproporcionalidade da sanção aplicada;
- Da indemnização por dano moral

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

a) Factos Provados

1. A ré é uma sociedade comercial anónima, matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o n.º ...07 que tem por objecto social, o fabrico, comércio, e venda de aparelhos de recepção, emissão, gravação e ou reprodução de som para veículos automóveis, nomeadamente de autorrádio e de gravadores e ou reprodutores de fitas magnéticas ou de disco, assim como peças e acessórios.
2. Através da celebração de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, a autora foi admitida ao serviço da ré em 11.12.1990, para exercer, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização as funções inerentes à categoria de operadora especializada de 1ª.
3. Actualmente a autora cumpre o horário de trabalho da Laboração Contínua (LC3): das 08h00 às 16h00, das 16h00 às 23h00 e das 23h00 às 06h00, de 2ª a 6ª feira.
4. A autora aufere, desde o início de 2022 a remuneração global de € 1.415,07, composta pela remuneração base de € 937,25, acrescida de complemento de horas nocturnas € 182,13, subsidio de turno de € 107,77, diuturnidades de € 140,44, clausula 3ª CCT/2006 de € 47,48.
5. No dia 9 de Janeiro de 2022, cerca das 09h15, quando a autora se encontrava no bar da ré, acompanhada do seu marido, CC (colaborador n.º ...92), ao ver a trabalhadora AA (colaboradora n.º ...96), disse em voz alta “Vamos embora CC que aqui só tem gente reles”.
6. Momentos após, ao perceber que a AA e o marido estavam já na sala de lazer sentados numa mesa próxima, a autora dirigiu-se àquela e disse-lhe: “Ouve lá, vais-me dizer a mim aqui o que disseste de mim ao meu marido. Vais pagá-las todas! O que fizeste ao meu marido. Mentirosa! Falsa! Vou-te desfazer toda!”
7. O marido da autora levantou-se, entretanto, da mesa e levou-a pelo braço, dizendo-lhe: “vamos embora”.
8. Todavia, e apesar da trabalhadora AA a ter ignorado, a autora voltou atrás voltando a chamar à mesma: “Mentirosa! Falsa!”.
9. Depois de AA ter terminado o pequeno almoço e quando se preparava para passar pelos torniquetes para retomar o seu serviço (Edifício ...08), a autora foi a correr em direcção à mesma e disse, em tom de ameaça: “Vais pagá-las todas bem pagas! Vou desfazer-te toda! Vais a fugir? Não fujas…vais pagá-las todas, vou-te desfazer toda!”.
10. Após tal situação AA e o seu marido decidiram chamar a chefia (EE) e quando lhe estavam a contar o sucedido, a autora aproximou-se dos mesmos, e referindo-se à AA, disse: “Vou meter-me na conversa… esta senhora é uma mentirosa, falsa, já é perita nisto!”.
11. EE pediu então à autora para se retirar, insistiu que se fosse embora, dizendo-lhe que depois falaria consigo.
12. A autora e a AA são cunhadas, sendo a primeira casada com o irmão desta, CC.
13. Antes dos factos relatados a autora não foi alvo pela ré de sanção disciplinar.
14. Por força dos factos descritos de 5 a 11 a ré iniciou um procedimento disciplinar à autora em 04.02.2022, na sequência de cuja instrução decidiu aplicar-lhe já a 1.03.2022, a sanção disciplinar de 3 dias de suspensão de trabalho com perda de retribuição e de antiguidade “a executar no período de 14/03/2022 a 16/03/2022”.
15. A autora foi notificada da aludida decisão por carta expedida com AR datada de 1.03.2022, cuja entrega foi tentada no seu domicílio a 2.03.2022 e se frustrou, deixando-se aviso para levantamento no posto dos Correios ....
16. A autora esteve de baixa médica entre ../../2022 e ../../2022.
17. A sanção referida nunca chegou a ser executada em face da ausência da autora das instalações da ré, por doença, nos dias 14, 15 e 16.03.2022, nem os serviços administrativos da ré lhe deduziram qualquer dia de retribuição nos referidos dias.
*
b) Factos Não Provados

1. A instauração do processo disciplinar pela ré provocou na autora desgosto, preocupação e indignação.
2. Causou, ainda, a conduta da ré vergonha e revolta à autora por se ver assim tratada junto dos seus colegas de trabalho, amigos, familiares e demais pessoas que presenciaram os factos ou que deles vieram a ter conhecimento, e pelo receio de vir a ficar desempregada.

IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Da impugnação da matéria de facto.

Dispõe o artigo 662.º n.º 1 do C.P.C. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do C.P.T. e no que aqui nos interessa, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Importa salientar que se trata de meios de prova que imponham decisão diversa da impugnada e não que permitam ou admitam ou consintam decisão diversa da impugnada.
Como se defendeu no Acórdão deste Tribunal de 04-02-2016, no Proc. n.º 283/08.8TBCHV-A.G1, disponível em www.dgsi.pt, «para que a decisão da 1.ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada na resposta que se deu à factualidade controvertida, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.».
E ainda como se refere no Ac. desta RG de 04/04/2019, processo 1012/15...., consultável in www.dgsi.pt/jtrg “a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.“
Acresce dizer que o juiz da 1ª instância se encontra numa posição privilegiada para proceder à valoração da prova, já que, através da imediação, tem acesso ao comportamento das partes e das testemunhas, o que lhe permite aferir, de forma cabal, da respetiva espontaneidade e credibilidade. Tal não sucede com a Relação, que apenas dispõe do registo de som e não também de imagem e por isso reaprecia a decisão da matéria de facto com base nos elementos que lhe estão acessíveis.
Assim, não tendo a Relação o elemento – imediação – e não havendo elementos probatórios que lhe permitam formar um juízo seguro de que existe erro de valoração da prova, deverá ser dada prevalência à decisão da 1ª Instância.
Em concordância com Ana Luísa Geraldes, em «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 609:
«Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte».
Em suma, o uso dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de manifesta desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos impugnados. Acresce dizer que estando em causa a análise de prova gravada só se deve abalar a convicção criada pelo juiz a quo, em casos pontuais e excecionais, ou seja, quando não estando em causa a confissão ou qualquer facto só suscetível de prova documental, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer suporte nos elementos de prova trazidos aos autos ou estão em manifesta contradição com a prova produzida, ou não têm qualquer fundamento perante a prova constante dos autos.
A Recorrente nos pontos b) a ll) das suas conclusões sustenta que a decisão proferida pela 1ª instância quanto à matéria de facto se revela de incorrectamente julgada, pois deveria ter sido dada outra redação aos pontos 5, 6, 8, 9, e 10 dos pontos de facto provados, com base nos depoimentos de CC, DD e EE e na pouca credibilidade dos depoimentos de AA e seu marido GG. Mais defende que deveriam ter sido dados como provados os factos vertidos nos artigos 24 e 25 da petição inicial, com base nos depoimentos de CC e FF.
A Recorrente pretende que os pontos de facto impugnados passem a ter a seguinte redacção:
Ponto 5. No dia 9 de Janeiro de 2022, cerca das 09h15, quando a autora se encontrava no bar da ré, acompanhada do seu marido, CC (colaborador n.º ...92), dirigiu-se a trabalhadora AA (colaboradora n.º ...96):“O que é que tu queres? Porquê que crias tantos problemas? Porquê que te metes com o teu irmão?”
- Ponto 6. de Seguida, na sala de lazer, encontravam-se a tomar o pequeno almoço, em mesas separadas, a Autora e marido CC tendo ocorrido uma pequena altercação entre as duas.
- Pontos 8. e 9. Não Provados
- Ponto 10. Enquanto a AA e o seu marido GG conversavam com o chefe de secção EE aproximou-se a Autora que lhe transmitiu para não acreditar em nada do que lhe diziam.
E pretende que passem a constar dos pontos de facto provados os seguintes factos:
 “A conduta da ré provocou, como ainda provoca na autora, imenso desgosto, profunda preocupação e sentida indignação.“
“Causou, ainda, a conduta da ré profunda vergonha e revolta por se ver assim tratado junto dos seus colegas de trabalho, amigos, familiares e demais pessoas que presenciaram os factos ou deles vieram a ter conhecimento, e pelo receio de vir a ficar desempregada”
O tribunal a quo motivou a sua convicção relativamente aos factos impugnados da seguinte forma:
“Para a formação da convicção o tribunal procedeu à análise crítica da prova carreada nos autos, atendendo-se, em consequência, ao teor dos documentos juntos aos autos, no confronto com a prova testemunhal colhida em audiência de julgamento, tudo analisado à luz das regras da lógica e da experiência comum.
(…)
No que concerne à factualidade imputada à autora, melhor descrita nos pontos 5 a 11, além dos elementos carreados no processo disciplinar junto pela ré ao processo a 3.05.2023 de fls. 40 a 53, atendeu-se ao teor dos depoimentos colhidos na audiência final.
CC, marido da autora, disse que a acompanhava no pequeno-almoço na sala de lazer a 9.01.2022 e que a AA e o respectivo marido ali também se encontrarem, tendo chegado depois deles, mas que a BB não se dirigiu àqueles, nem os provocou ou intimidou de qualquer modo, reconhecendo que não fala com a irmã e o cunhado há cerca de 2/3 anos, mostrando-se os casais de relações cortadas.
A testemunha não convenceu minimamente o Tribunal do relato feito, quer pelas palavras empregues, quer pelos gestos feitos, quer pela forma como a descrição dos acontecimentos foi sendo questionada e ainda em face do comportamento mantido aquando da inquirição na sala de audiências, além do que a testemunha entrou diversas vezes em contradição, mostrando-se claramente condicionada pelo facto de ser casado com a autora, o que nos levou a afastar a respectiva credibilidade e imparcialidade.
FF, funcionária da ré, nada adiantou para esclarecer os factos, uma vez que não estava presente no bar, na sala de lazer ou junto aos torniquetes, limitando-se a referir traços de personalidade da autora e a afirmar tratar-se de trabalhadora assídua e competente.
EE, chefe de equipa e supervisor da autora, não tendo assistido aos factos ocorridos no bar e/ou na sala de lazer, limitou-se a confirmar que na manhã do dia 9.01.2022, AA e GG o abordaram afirmando terem sido incomodados quando tomavam o pequeno almoço no bar, e que quando os questionava sobre o sucedido, que foram efectivamente interrompidos pela autora, de forma abrupta, que se aproxima e lhe diz para não acreditar em nada do que eles diziam, sem poder recordar já concretamente as palavras que a autora empregou, mas referindo que a autora estava nervosa, que gesticulava e que teve de insistir para que se retirasse do local. Mais disse que falou depois em privado com a autora, e que ela negou ter abordado a AA ou o marido, bem como negou ter proferido palavras ofensivas contra aqueles, mas que admitiu que tinha problemas familiares com aquela sua cunhada por causa do marido.
Este depoimento surgiu algo limitado porque a memória da testemunha surgiu diminuída, tendo repetido diversas vezes que as únicas palavras da autora que reteve foram “não acredites em nada do que te dizem”, sem negar que outras palavras e expressões tenham sido proferidas quando estava junto do casal AA e GG a averiguar o sucedido, mas sem as conseguir reproduzir ou recordar. Porém, questionado acerca da postura da autora aquando os aborda referiu que a mesma estava alterada e agitada, e, além do mais, questionado sobre a personalidade daquela foi claro ao referir que se trata de pessoa de trato difícil e conflituoso no âmbito da relação com colegas.
AA e GG confirmaram os factos descritos de 5.º a 11.º dos provados, de forma espontânea, clara e convincente, descrevendo e sucedido na manhã do dia 9.01.2022 de forma que nos pareceu genuína, lógica e pormenorizada, além de coincidente, retirando pequenos lapsos na descrição da sequência dos passos dados desde o fim do pequeno almoço no bar até à chegada aos torniquetes e ao aí sucedido.
Estes dois depoimentos acabaram por se complementar, sendo na sua grande maioria coincidente e reciprocamente corroborador, revelando estas testemunhas maior à vontade, clareza e rigor na descrição feita em audiência, e por isso merecedores de credibilidade, em detrimento daquilo que relatou CC.
Analisados os diversos depoimentos colhidos em audiência de julgamento à luz das regras da experiência e da normalidade, atentos os comportamentos e atitudes manifestadas na sala de audiências, a postura e as palavras empregues pelas testemunhas inquiridas, surge óbvia a conclusão de que os factos imputados à autora sucederam tal qual relatado na nota de culpa e decisão final do processo disciplinar que originou a presente acção com vista ao reconhecimento da nulidade daquela decisão.”
Depois da analisada toda a prova produzida designadamente a testemunhal afigura-se-nos dizer que não vislumbramos qualquer razão para proceder à modificação da matéria de facto, designadamente procedendo ao aditamento de factos provados.
Na verdade, o Tribunal a quo de forma cuidada, precisa e concisa explicou das razões pelas quais deu aquela factualidade como provada, traduzindo a sua apreciação da prova, a factualidade apurada em conformidade com o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas e com o teor dos documentos juntos aos autos, não tendo o depoimento do marido da autora tido o condão de por em causa ou afastar a convicção formada pelo Tribunal relativamente aos factos apurados, já que os restantes depoimentos invocados pela recorrente são desprovidos de interesse que imponha a alteração de qualquer um dos factos impugnados.
Vejamos:
Quanto à alteração dos pontos 5 e 6 dos pontos de facto provados defende a recorrente que esta factualidade está contraditada pelos depoimentos prestados pelas testemunhas CC (marido da autora), FF e EE.
Ora, salvo o devido respeito por opinião em contrário, não podemos subescrever tal entendimento, desde logo porque a propósito dos factos que se deram como provados nos pontos 5 e 6, as testemunhas DD e EE revelaram nada saber, razão pela qual não se compreende sequer como e que os depoimentos de tais testemunhas contradizem tais factos dados como provados. Relativamente ao depoimento prestado pelo marido da autora, CC, este sim, atenta a postura assumida, em audiência de julgamento revelou ter interesse no desfecho da acção e no que respeita ao episódio relatado no ponto 5, negou que o mesmo tivesse ocorrido como ali se encontra provado e no episódio relatado no ponto 6 não o conseguiu relatar de forma precisa, objetiva e coerente, revelando até alguma atrapalhação. Aliás, tudo indica que a irmã e o cunhado nem sequer se sentaram ao lado do CC e da autora, mas sim ficaram afastados destes, tendo sido a autora quem, nas palavras da testemunha, depois de “arrumar os copos chegou à beira dela e perguntou-lhe”, ou seja, se estivessem numa mesa ao lado não havia necessidade de arrumar copos para depois voltar para junto da cunhada para continuar o monólogo. Não podemos deixar de concordar com a juiz a quo no sentido de que este depoimento para além de interessado no desfecho da ação, não se nos afigurou minimamente de credível, não tendo sequer conseguido transmitir ao Tribunal em que é que consistiu “a pequena altercação entre as duas”, na versão que a recorrente agora pretendia que fosse dada como provada. Ao invés, dos depoimentos prestados por AA e GG, apesar do interesse que possam ter no desfecho da ação, revelaram-se de espontâneos, precisos e convincentes. É de manter a redação dos pontos 5 e 6 dos pontos de facto provados.
Quanto aos factos que constam dos pontos 8 e 9 dos pontos de facto provados insurge-se de novo a recorrente quanto ao facto do tribunal a quo não ter revelado os depoimentos de CC, DD e de EE, afirmando mais uma vez que os depoimentos de HH e GG são parciais e são reveladores do interesse que têm no desfecho do processo.
Quanto ao depoimento de EE, voltamos a dizer que este não presenciou estes factos e o que presenciou não conseguiu reproduzir com exatidão, limitando-se de forma básica a afirmar, que não conseguia reproduzir o que lhe foi relatado sobre o episódio pela AA, apenas conseguiu precisar que foi abordado pela AA na sequência do episódio que ocorreu com a Autora no Bar, tendo por certo que a autora é uma pessoa conflituosa. Este depoimento não colide com qualquer outro que tenha sido prestado. Quanto ao depoimento da DD, esta, sobre estes factos revelou não ter qualquer conhecimento, razão pela qual bem andou o Tribunal a quo ao não ter valorado tal depoimento.
Quanto ao depoimento de CC, mais uma vez diremos que o mesmo se mostra contraditado, com outros depoimentos que se afiguram de credíveis, sendo certo que o depoimento do marido da autora se revelou de pouco preciso e muito condicionado pelo facto de ser marido da autora.
É de manter os pontos 8 e 9 dos pontos de facto provados.
Quanto ao ponto 10 dos pontos de facto provados pretende a Recorrente que se altere a sua redação com sustento nos depoimentos do seu marido e de EE. Quanto ao facto da testemunha CC ter negado que a autora se dirigindo à sua irmã, AA, lhe chamou de “mentirosa, falsa, vais pagá-las, vou desfazer-te”, devido à forma pouco convincente com que depôs associada ao facto da testemunha EE que terá presenciado este episódio, não o ter conseguido negar, não vislumbramos como é que este depoimento se imporia aos outros que se revelam de credíveis.
Com efeito, o EE não conseguiu reproduzir com precisão as palavras que na altura foram proferidas pela autora, mas não negou que as tivesse ouvido, ao afirmar “não tenho a certeza das palavras da BB”. Acrescentando, se tal estava escrito no relatório (elaborado pela testemunha), então foi isso que se passou.
Este depoimento conjugado com os depoimentos de AA e GG afiguram-se de suficientes para dar como provada a factualidade que consta do ponto 10 dos pontos de facto provados, que deve ser assim mantido.
No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade do julgador ou da prova livre, consagrado no n.º 5 do artigo 607.º do CPC, segundo tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha formado acerca de cada um dos factos controvertidos, salvo se a lei exigir para a prova de determinado facto formalidade especial toda a apreciação da prova pelo tribunal da 1ª instância.
No que respeita à prova testemunhal mostra-se consagrado no artigo 396º do CC, o princípio da livre apreciação da prova testemunhal, segundo o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e livre convicção do julgador ao dispor o citado preceito legal que a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal. Daqui resulta que se a decisão do julgador estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, deve acolher-se a opção do julgador, tendo-se presente que este beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova.
Relacionado com este princípio estão os princípios da oralidade e da imediação. O primeiro exige que a produção de prova e a discussão na audiência de julgamento se realizem oralmente, para que as provas, exceto aquelas, cuja natureza o não permite, sejam apreendidas pelo julgador por forma auditiva. O segundo diz respeito à proximidade que o julgador tem com o participante ou intervenientes no processo, ao contacto com todos os elementos de prova através de uma perceção direta ou formal. Esta perceção imediata oferece maiores possibilidades de certeza e da exata compreensão dos elementos levados ao conhecimento do tribunal.
Para finalizar, diremos que ainda que subsistisse alguma dúvida residual quanto aos concretos pontos de facto provados que a Recorrente pretende que sejam modificados/alterados, que para este Tribunal ad quem não existe - face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, em conformidade com o acima exposto, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.
Por fim, pretende a Recorrente que se dê como provados os factos que constam dos artigos 24.º e 25.º da petição inicial, que respeitam ao estado de espirito da autora na sequência da instauração do procedimento disciplinar.
Apraz dizer que a única testemunha que se pronunciou sobre os factos que constam dos artigos 24.º e 25.º foi o marido da autora, CC que, sem grande convicção se limitou a emitir a sua opinião, na sequência das perguntas que lhe foram formuladas, tendo afirmado que se estivesse no lugar da sua mulher também se sentia triste e injustiçado e que o caso foi comentado na empresa. O seu depoimento revelou-se de pouco convincente e de manifestamente insuficiente para dar como provado os factos que constam dos artigos 24.º e 25.º da Petição Inicial.
Relativamente às demais testemunhas arroladas pela autora reafirmamos que depois de analisados os seus depoimentos é de concluir que não se pronunciaram sobre estes factos concretos que agora se pretendiam fazer constar dos factos provados.
É de salientar de novo que, de acordo com os arts. 640.º, n.º 1, al. b), e 662.º, n.º 1, ambos do CPC., a matéria de facto previamente julgada deverá ser modificada apenas se impuser decisão diversa da recorrida, e não apenas quando a admita, permita ou consinta, no caso não se impõe qualquer modificação da matéria de facto.
Improcede também nesta parte a impugnação da matéria de facto, uma vez que a Mma. Juiz a quo não ignorou a realidade dos factos que se pretendiam provar, mas foi a Recorrente quem não os logrou provar.
Em suma, no caso não foi cometido qualquer erro evidente de julgamento, que se traduza na flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, que impusesse decisão diferente, já que a Mma. Juiz a quo procedeu à correta fixação da matéria de facto, que motivou de forma a não deixar quaisquer dúvidas quanto à formação da sua convicção.
Improcede assim na totalidade a impugnação da matéria de facto.

2. Da desproporcionalidade da sanção aplicada

Importa desde já referir que na sequência da reapreciação da matéria de facto, esta manteve-se inalterada, razão pela qual entendemos que os factos apurados configuram infração disciplinar, designadamente por violação do prescrito na al. a) do art.º 128.º do CT (violação do dever de respeito), configurando até justa causa de despedimento nos termos da al. i) do n.º 2 do art.º 351.º do CT.
Assim, sob este ponto de vista a sanção aplicada não é de considerar de ilícita.
Sustenta a Recorrente que a sanção disciplinar de suspensão de três dias que lhe foi aplicada revela-se manifestamente desproporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator, sendo por isso ilícita de acordo com o prescrito no art.º 330.º, n.º 1 do CT.
Como resulta da factualidade provada a recorrente foi sancionada com 3 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade, por ter ameaçado e insultado de forma gratuita uma colega de trabalho, na presença de terceiros, supostamente por razões pessoais/familiares.
Considerou a Ré/Empregadora ter havido violação dos deveres de respeitar e tratar com urbanidade os seus colegas de trabalho.
Ora, perante a factualidade provada, inexistem dúvidas que a Autora violou os deveres de respeitar e tratar com urbanidade os seus colegas de trabalho, conforme resulta dos pontos 5 a 10 dos pontos de facto provados, ou seja resultou provado o imputado comportamento culposo e ilícito da Autora que determinou a aplicação de uma sanção disciplinar.
A infração disciplinar ocorre por ação (prática de um ato proibido), ou por omissão (não cumprimento de um dever), pode ser culposa ou dolosa, com violação de deveres gerais ou especiais, que causem ofensa efetiva ou eventual de interesses relevantes da empresa.[1]
Como refere Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho[2] “A ideia fundamental é a de que a infracção disciplinar abrange todas as violações dos deveres inerentes à situação jurídica do trabalho subordinado, quer os deveres que se prendem com a execução do débito laboral, quer aqueles que se relacionem com a posição do trabalhador na organização à qual o trabalho é prestado, independentemente dos comportamentos em causa atingirem ou não a correcta execução dos deveres à realização de trabalho... Na verdade, pode bem acontecer que um trabalhador cumpre correctamente o dever principal de prestação a seu cargo e, ao mesmo tempo, pratique uma infracção disciplinar, violando deveres que a lei expressamente lhe impõe, como, por exemplo, o dever de obediência... As infracções disciplinares cobrem todos os deveres dos trabalhadores, qualquer que seja a sua origem: incluindo os decorrentes da lei, das convenções colectivas de trabalho, das portarias ministeriais de regulamentação de trabalho, do próprio contrato de trabalho, bem como de actos unilaterais do empregador, designadamente os que constam dos regulamentos internos...".

Ora, o art.º 126.º, do CT. prescreve que as partes numa relação laboral devem pautar a sua conduta com observância pelo princípio da boa-fé, ao referir:
1 - O empregador e o trabalhador devem proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações.
2 - Na execução do contrato de trabalho, as partes devem colaborar na obtenção da maior produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador.”
E prescreve o art.º 128.º, do Código do Trabalho, sob a epígrafe “Deveres do Trabalhador”:
1 - Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:
a) Respeitar e tratar o empregador, os seus superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade.

Como refere o Prof. António Monteiro Fernandes[3] a propósito do conteúdo do dever de respeito, urbanidade e probidade «Na sua raiz, trata-se de um dever de mera convivência social, postulando um comportamento adequado à manutenção de relações pessoais equilibradas e de qualidade, num qualquer âmbito comunitário. Enquanto obrigação fundada no contrato de trabalho, tem o sentido de prevenir dificuldades no funcionamento da organização ou defeitos no cumprimento das prestações de trabalho. Trata-se, pois, de uma obrigação ainda funcionalizada à boa execução do contrato de trabalho.
É inviável definir com precisão o conteúdo deste dever. Na jurisprudência, encontram-se aplicações tão diversas como a respeitante ao chefe que despreza o direito de descanso dos subordinados e a do trabalhador que faz referências pessoais desprimorosas ao administrador da empresa. De certo modo, pode considerar-se o dever de respeito e urbanidade como uma situação subjetiva de natureza residual, destinada a funcionar como válvula de segurança do sistema de deveres contratuais acessórios do trabalhador, tendo em vista prevenir qualquer comportamento eticamente censurável que ameace a funcionalidade da prestação de trabalho ou a normalidade da vida da organização. Por isso, ele toma em conta todo o tipo de interações em que o trabalhador pode envolver-se no ambiente de trabalho: com o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e até quaisquer pessoas que se relacionem com a empresa.»
Por seu turno, as sanções disciplinares encontram-se descritas nas alíneas do n.º 1 do art.º 328º do CT., por ordem crescente de gravidade: repreensão, repreensão registada, sanção pecuniária, suspensão de trabalho com perda de retribuição e de antiguidade e despedimento sem indemnização ou compensação, por ordem crescente de gravidade.
O n.º 1 do art.º 330.º do CT, com a epígrafe «Critério de decisão e aplicação de sanção disciplinar» introduz o conceito de proporcionalidade ao estatuir que “A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infracção.”
Daqui resulta que a reação do empregador aos comportamentos infracionais dos seus trabalhadores tem de ser proporcional, o que significa que tem de saber distinguir o que merece e deve ser punido, daquilo que não tem dignidade ou relevância para se fazer uso do poder disciplinar.
Por outro lado, tendo presente que é à entidade empregadora que pertence o poder disciplinar, ao tribunal apenas incumbe confirmar ou invalidar a sanção aplicada, sendo certo que a ponderação da proporcionalidade nos permite ainda determinar a razoabilidade da decisão perante os interesses em litígio.
Da factualidade provada resulta que a autora, no dia 9.01.2022, dirigiu palavras e expressões que violam a honra e consideração de sua cunhada e colega de trabalho, AA, ao apelidá-la de “gente reles”, “mentirosa” e “falsa”, além de ter assumido uma atitude ameaçadora e intimidatória, ao afirmar àquela “vais pagá-las” e “vou-te desfazer”, o que reiterou mais do que uma vez e em diferentes locais da empresa. Apurou-se ainda que no local de trabalho e durante uma pausa no horário de trabalho a autora de forma gratuita, provocatória e reiterada encetou uma atuação violadora das regras de respeito, tratamento e interação entre colegas e funcionários da sua entidade empregadora, tendo sido advertida pela chefia para se afastar e para voltar ao posto de trabalho. Por outro lado, também se apurou que a autora trabalha por conta da Ré desde ../../1990, sem que, até à data da decisão proferida neste procedimento disciplinar, tivesse sido alvo pela ré de sanção disciplinar.
Apesar, da antiguidade da autora na empresa sem que lhe tenha sido aplicada qualquer sanção disciplinar, bem como o facto da sua conduta estar relacionada com conflitos familiares, os quais não interferem no relacionamento que a autora tem com a Ré, o certo é que foi nas instalações da Ré, que a autora de forma insistente dirigiu expressões injuriosas e ameaças à sua colega e cunhada, tendo esta sentido necessidade e solicitado a intervenção da sua chefia de forma a por cobro ao sucedido. Todos estes factos são graves e suscetíveis de integrar quer a prática do crime de injurias, quer a prática do crime de ameaça, podendo até conduzir ao despedimento com justa causa (cfr. art.º 351.º n.º 2 al. i) do CT “Prática, no âmbito da empresa, de (…), injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, (…))”, razão pela qual entendemos que apesar de se tratar de uma conduta ocasional, praticada por trabalhador sem antecedentes disciplinares não pode deixar de ser sancionada nos termos entendidos pelo empregador, de forma a evitar futuros comportamentos de idêntica natureza.
Nem se argumente que o comportamento da autora não causou qualquer dano patrimonial, nem qualquer consequência ao empregador, pois a sanções laborais visem, sobretudo, objetivos, não tanto ressarciatórios, mas de prevenção geral e especial, consoante decorre da respetiva tipologia, principalmente dirigidos à pessoa do trabalhador e a comunidade laboral onde este se insere de forma a reparar e prevenir a violação dos seus deveres.
Nesta linha e tendo em atenção todas as circunstâncias que envolveram a prática da infração e tal como se defende na sentença recorrida, “tendo em conta a insistência da autora, que em diferentes momentos e locais procurou provocar outra colega de trabalho, que além disso é sua cunhada, o que levou a que fosse necessário chamar a chefia para por termo à situação, bem como que a autora fosse pela chefia avisada para se afastar, que mais tarde seria ouvida e considerada a sua versão, não obstante o princípio da proporcionalidade que deve nortear a aplicação das sanções disciplinares (art. 330.º do CT), atenta a gravidade da infracção e a culpa da trabalhadora, parece-nos que a aplicação de uma outra qualquer sanção não se revelaria adequada e suficiente para por termo a eventuais futuros comportamentos da mesma natureza”, afigura-se-nos que a sanção disciplinar aplicada pelo empregador à trabalhadora é adequada e proporcional à conduta assumida por esta última.
É certo que se trata da mais grave das sanções disciplinares conservatória do vínculo laboral (pode ir até 30 dias de suspensão por cada infracção, sem prejuízo de não poder ultrapassar noventa dias em cada ano civil), mas também foi aplicada muito perto do seu limite mínimo, pelo que não a podemos apelidar de desproporcionada, nem a sua aplicação fere o sentido de justiça.
Importa ainda referir que apesar não se ter apurado de forma explicita que a recorrente com a sua conduta tivesse prejudicado o ambiente de trabalho e a produtividade (individual e coletiva), o certo é que tal não retira gravidade à sua conduta, nem diminui o grau de culpabilidade.
Em suma, é adequada e proporcional a sanção disciplinar de suspensão do trabalho por 3 dias, com perda de retribuição e antiguidade aplicada a uma trabalhadora que no local de trabalho e durante a pausa no horário de trabalho, de forma gratuita, provocatória e reiterada apelidou a sua cunhada e colega de trabalho, AA, de “gente reles”, “mentirosa” e “falsa”, além de ter assumido uma atitude ameaçadora e intimidatória, ao afirmar àquela “vais pagá-las” e “vou-te desfazer”, o que reiterou mais do que uma vez e em diferentes locais da empresa, tendo sido advertida pela chefia para se afastar e para voltar ao posto de trabalho.
Com tal comportamento violou a autora as mais elementares regras de respeito, tratamento e interação entre colegas e funcionários da sua entidade empregadora.

3. Da indemnização por dano moral

A indemnização por dano não patrimonial tinha como pressuposto a declaração de ilicitude da sanção aplicada, não tendo esta sido declarada fica desde já prejudicado o conhecimento desta questão.
Em suma, é de manter a sentença recorrida, improcede o recurso e todas as conclusões da alegação da Apelante.

V - DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663.º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por BB, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente, sem prejuízo da isenção de que beneficia.
Notifique.
Guimarães, 29 de Fevereiro de 2024

Vera Sottomayor (relatora)
Francisco Sousa Pereira
Maria Leonor Barroso


[1] Pedro de Sousa Macedo, Poder Disciplinar Patronal, pág. 32 e 33.
[2] Comentário às Leis do Trabalho, Vol. I, ed. Lex, 1994, a pág. 141.
[3] Direito do Trabalho, 19.ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 337 e 338