Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2638/17.8T8BCL-B.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE
PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO
SUBSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE
RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
- Nos termos do artigo 162 do CSC, as ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários. Não havendo fase de liquidação a ação prosseguirá contra os sócios.
- Extinta a sociedade os sócios respondem pelo passivo social, até ao montante que receberam na partilha.
- A relação jurídica ajuizada pelo credor é a que estabeleceu com a sociedade, competindo-lhe o ónus de prova relativamente aos respetivos factos constitutivos.
- Ao sócio, contra o qual prossegue a ação, como sucessor da sociedade, embora de âmbito limitado, compete demonstrar que nada receberam em partilha, ou que o valor recebido é inferior ao crédito e em que montante.
- Em situações como a dos autos, em que ocorreu encerramento e liquidação da sociedade, oficiosamente, na Conservatória do Registo Comercial, em virtude de não ter ocorrido registo de prestação de contas durante dois anos consecutivos, e em que o sócio, notificado no âmbito do procedimento administrativo nada respondeu, não informado da existência de ativo e de passivo, sendo que havia passivo e ativo; sempre o ónus de prova se imporia ao sócio, nos termos do artigo 344º, 2 do CC.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

AA, executado nos presentes autos, onde é exequente BB, veio requerer que se proceda ao levantamento da penhora efetuada nos saldos das duas contas bancárias detidas pelo oponente.
Para tanto alega, em síntese, que tendo intervenção na execução por substituição da sociedade “EMP01..., Ldª”, nada tendo recebido na partilha daquela, por a sociedade estar desprovida de qualquer património, não tem de responder por esta dívida.
Devidamente notificada para se pronunciar, a exequente alega que aquando do procedimento administrativo de dissolução e liquidação da sociedade, além de dívidas, a sociedade ainda tinha património, pelos menos dois veículos, sendo que um tendo sido vendido em processo executivo, se desconhece o destino dado a outro, nomeadamente se foi vendido e a favor de quem reverteu.
- Efetuado julgamento foi proferia decisão julgando a oposição improcedente.

Inconformado o opoente interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:

I- O aresto em crise não é irrepreensível no que toca à factualidade provada e aos factos considerados não provados, pois que jamais poderiam ter sido enquadrados nos factos provados os encerrados em 5. e 6., por o não terem sido, devendo ser transferidos para o elenco de factos não provados, além do que não deveria ter sido consignado no acervo de factos não provados o contido no ponto b), o qual deve ser removido deste elenco e transferido para o elenco de factos provados.
II - A sentença apelada olvida que da decisão de dissolução e encerramento da liquidação em processo administrativo oficioso dimana como que uma presunção de que a sociedade dissolvida não dispõe de ativo ou passivo.
III - Tal ressalta, inclusivamente, do único aresto convocado na sentença em crise, o qual dá como provada a existência de ativo e passivo social, o que aqui não se provou.
IV - Com efeito, se, no âmbito do indicado procedimento, tivesse sido apurada a existência de ativo e/ou passivo, seguir-se-ia à fase de dissolução a liquidação, o que não ocorreu, como se retira dos documentos anexados à Contestação à Oposição.
V - Não havendo ativo social, nada haveria a partilhar, donde ao Oponente não poderia ter sido atribuído qualquer bem da sociedade.
VI – Para ilidir tal presunção, deveria a Exequente ter feito prova cabal de que a sociedade era proprietária de bens aquando da dissolução, o que não foi logrado, já que não foram juntos, nomeadamente, certificados de matrícula ou consultas ao registo automóvel atuais dos dois os veículos de onde tal resultasse.
VII - A prova de que a sociedade tinha bens no momento da dissolução era o primeiro requisito para a responsabilização do sócio, sendo que nenhuma das testemunhas ouvidas nem o Executado foram capazes de confirmar esse facto, desde logo por que não conseguiram precisar em que data a dissolução teve lugar.
VIII – Não bastava ao Exequente alegar no requerimento executivo que o sócio recebeu ativos da sociedade e que ocultou informação sobre o seu passivo; esta matéria tinha de ser objeto de alegação e prova em ação declarativa prévia, da qual resultasse a responsabilização do Executado, o que não se verificou.
IX - Esta convicção sai reforçada pelo depoimento do contabilista da sociedade devedora, CC, corroborado pelas declarações do Oponente.
X - Flui do arrazoado que o Exequente não pôs em causa a presunção de inexistência de património social aquando da dissolução da sociedade que deriva do procedimento administrativo oficioso e não provou que tenha ocorrido a partilha do putativo património social e que desta partilha tenha beneficiado o Executado, daí que o seu património pessoal não poderia ter atingido pela dívida em apreço.
XI - Interessa menos saber se a sociedade dissolvida tinha património do que saber se o Executado/Recorrente recebeu algum bem na partilha subsequente à dissolução, sendo que teria de ser o Exequente/Recorrido a demonstrar esse facto, prova que não cuidou de fazer, mas jamais lograria, dado que o Executado nada recebeu, até por que não se concede que a sociedade possuísse ativo aquando da dissolução.
XII – Ao Exequente competia outrossim provar que os saldos existentes nas contas bancárias pessoais do Executado, advieram do produto da partilha de bens sociais que putativamente recebeu, circunstancialismo que o Exequente nem aflora.
XIII - O Tribunal recorrido parece perder de vista o princípio da autonomia da personalidade jurídica da sociedade relativamente aos sócios, que é estruturante do direito das sociedades comerciais no nosso ordenamento jurídico e que permite distinguir entre o património social e o património individual dos sócios.
XIV - Sendo certo que, à luz dos artigos 160º e seguintes do CSC, após a extinção da sociedade, as ações prosseguem contra os sócios, mas a responsabilidade do sócio da sociedade de responsabilidade limitada quanto a passivo social é restrita ao montante que haja recebido da partilha, por força do artigo 163º, n.º 1 do CSC.
XV - Mostrando-se isento de dúvidas que a sociedade “EMP01..., Lda.” Era uma sociedade comercial por quotas, logo uma sociedade comercial de responsabilidade limitada.
XVI - Em obediência à autonomia da personalidade jurídica da sociedade, os antigos sócios apenas respondem pelo passivo social insatisfeito na medida do que receberam na partilha, não podendo ser ultrapassado o montante percebido pelo sócio demandado, recaindo sobre o credor o ónus de alegação e prova relativamente a estes factos.
XVII - Na esteira do STJ e da posição sustentada pela jurisprudência e pela doutrina maioritárias, como o Tribunal de Primeira Instância concede na fundamentação da sentença, a existência de bens e a sua partilha ao sócio da sociedade extinta é um facto constitutivo nos termos e para os efeitos do artigo 163.º, n.º 1 do CSC.
XVIII – Competia ao Exequente provar a existência de bens supervenientes à dissolução e encerramento sociais e o recebimento desses bens pelo Executado, visto que o ónus da alegação e prova de tais factos recai sobre o credor, atento o preceituado no artigo 342º, n.º 1 do Código Civil, já que a existência de bens e a sua partilha entre os sócios são elementos constitutivos do seu direito.
XIX - Essa prova não foi alcançada; aliás, as testemunhas arroladas pelo Exequente desconheciam, em absoluto, a situação da sociedade.
XX - Por sua vez, de entre as testemunhas indicadas pelo Executado destacamos o contabilista da sociedade CC e as declarações de parte do próprio Executado que afirmaram perentoriamente não ter havido partilha e não ter sido entregue qualquer ativo social ao sócio.
XXI - Como assim, e por que nada recebeu na partilha, o Executado não era responsável pela satisfação da dívida exequenda, não respondendo o seu património pelo pagamento do crédito do Exequente, pelo que as penhoras eram inadmissíveis, o que deveria ter conduzido à procedência da oposição à penhora.
XXII – Em face do que precede, mostra-se isento de dúvidas que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão apelada que deverá ser substituída por Acórdão que julgue procedente a Oposição à Penhora, por provada, e em consequência, determine o levantamento das penhoras realizadas.
Sem contra-alegações.
A Exmª PGA deu parecer no sentido da procedência.
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Factualidade:

1. Foi dada à execução a sentença proferida em 07.03.2018, e transitada em julgado, proferida no âmbito da ação de processo comum nº 2638/17...., do Juiz ..., do Juízo de Trabalho ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., em que a sociedade EMP01..., Lda. “foi condenada a pagar ao exequente:
a) a quantia de €2257,35 correspondente à parte fixa dos salários de parte de abril, maio, junho e sete dias de julho de 2017;
b) a quantia € 91,80, a título de diferencial em dívida da cláusula 74ª, nº7 do CCT;
c) a quantia de €5859,00, correspondem à indemnização pela resolução do contrato com justa causa;
d) a quantia de €1331,70, a título de féria e subsídio de férias vencidos e não gozadas;
e) a quantia de €445,28, a título de subsídio natal proporcional ao tempo de trabalho prestado no ano da cessação;
f) o trabalho suplementar prestado pelo A. aos sábados, domingos e feriados, a cumprir outras funções ou à disponibilidade da entidade patronal, pedido que deverá abranger toda a vigência do contrato de trabalho, que se computa em pelo menos € 1781,20;
g) o trabalho prestado pelo A. nos dias de descanso compensatório não gozados, atento o disposto nas Cláusulas 41ª nº6 e 20ª nº3 do CCT, a conduzir, a cumprir outras funções ou à disponibilidade da entidade patronal, pedido que deverá abranger toda a vigência do contrato de trabalho, que se computa em pelo menos €435,30;
h) a quantia de €3191,44, a título de diferença entre o efetivamente pago e a quantia que deveria receber a título da cláusula 47.ª-A do CCT.”
Aditado: O requerimento executivo deu entrada a 19-7-2018.
2. Por decisão de 03/11/2022, e em face da liquidação e cancelamento da matrícula da sociedade executada, foi decidido que a execução prosseguia considerando-se aquela sociedade substituída pelos seus sócios.
3. Nos autos de execução que estes apensos, foram penhorados os saldos das suas contas bancárias no Banco 1..., S.A. e no Banco 2..., cujo titular é o ora oponente.
4. A referida sociedade foi encerrada e liquidada oficiosamente, através do processo nº ...20, que correu termos na Conservatória do Registo Comercial ..., em virtude de não terem procedido ao registo de prestação de contas durante dois anos consecutivos.
5. À data do procedimento administrativo de dissolução a sociedade era, pelo menos proprietária, do veículo automóvel de marca ..., com a matrícula ..-OQ-.., penhorado nos autos de execução e aí vendido.
6. E ainda do, veiculo automóvel da mesma marca, com a matricula ..-HZ-.., que em 23.08.2022, se encontrava apreendido na ....
Aditado (resulta de atos registados):
7 - A dissolução foi registada por AP. ...09:23:05 UTC - DISSOLUÇÃO E ENCERRAMENTO DA LIQUIDAÇÃO, constando:
Decisão: Decisão proferida em processo administrativo oficioso de Dissolução/
Liquidação, a que se refere o averbamento nº2 à inscrição ..., não tendo sido apurada a existência de qualquer ativo ou passivo a liquidar
Data da Decisão: 27-01-2021
P... Nº...0/...20”
8 - Da publicação relativa ao processo referenciado consta.
Aviso
Sociedade: EMP01..., Ldª
Ao sócio e gerente: AA
Ao sócio: DD
Aos credores
Nos termos do disposto nº 4 do artº 8º do RJPADLEC aprovado pelo D.L. 76-A/2006 de 29 de março fica V. Exª notificado que teve inicio procedimento administrativo de dissolução e liquidação, em 16-12-2020, da sociedade… em virtude de não ter procedido ao registo de prestação de contas durante dois anos consecutivos, que os documentos estão disponíveis para consulta nesta Conservatória e que dispõem do prazo de 10 dias a contar desta notificação para comunicar a esta Conservatória a existência de ativo e passivo da sociedade, devendo juntar documentos comprovativos. 
Avisa-se ainda que se dos elementos do processo não for apurada a existência de qualquer ativo e passivo a liquidar, ou se não for comunicado no prazo estipulado a sua existência, a Conservatória declara simultaneamente a dissolução e o encerramento da liquidação; e se dos elementos do processo resultar a existência de ativo e passivo a liquidar, depois da dissolução segue-se a liquidação sem qualquer outra notificação.
Dispõe ainda do prazo de 30 dias, a contar desta notificação, para regularizar ou para demonstrar que já se encontra regularizada a situação…”
9 - Por resultar dos atos registados e da posição das partes nos autos:
“Não houve qualquer resposta por parte dos sócios à notificação efetuada nos termos do disposto nº 4 do artº 8º do RJPADLEC aprovado pelo D.L. 76-A/2006 de 29 de março.
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Factos não provados

Com interesse para a decisão a proferir, resultaram não provados os seguintes factos:
a) A sociedade EMP01..., Lda., aquando da sua dissolução, estava desprovida de qualquer património ou ativos;
b) O executado não recebeu na partilha quaisquer bens.
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Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

O recorrente coloca as seguintes questões:
- Alteração da matéria de facto no que respeita aos pontos 5 e 6 da matéria considerada provada e ponto b) da considerada não provada.
- Inexistência de património social aquando da dissolução e ónus de prova quanto ao recebimento de bens da partilha – 163, 1 CSC.
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A recorrente começa por referir a dissolução e encerramento da liquidação em processo administrativo oficioso encetado pela Conservatória, da qual dimana como que uma presunção de que a sociedade dissolvida não dispõe de qualquer ativo ou passivo. Não indica o recorrente qualquer norma em que sustenta a dita presunção.
O encerramento oficioso decorreu da falta registo da prestação de contas durante dois anos, artigo 5º, a) do RJPADLEC – Anexo III ao D.L. n.º 76-A/2006, consequentemente por uma falta imputável à sociedade, e mais, notificados do procedimento nos termos do artigo 8º e 9º do regime referido, os sócios nada disseram.  

Não vemos como passa estabelecer-se uma presunção em prejuízo dos credores e em beneficio dos sócios da empresa “infratora”, em tal situação. Tal presunção a existir, seria apenas como fundamentante da decisão administrativa. Assim o artigo 11.º nº 4 do RJPADLEC – Anexo ao D.L. n.º 76-A/2006, de 29 de março, refere:
4 - Se do requerimento apresentado, do auto elaborado pelo conservador ou dos demais elementos constantes do processo não for apurada a existência de qualquer ativo ou passivo a liquidar, o conservador declara simultaneamente a dissolução e o encerramento da liquidação da entidade comercial.
Não resulta do procedimento qualquer especial averiguação por parte da entidade administrativa quanto à existência de ativo e passivo, pelo que nunca se justificaria uma qualquer presunção de inexistência de ativo ou passivo, em prejuízo dos credores.
Tal presunção inexiste mesmo no caso de dissolução nos termos normais. Tem-se entendido que as declarações dos sócios no sentido de inexistência de ativo de passivo não provam a verdade do declarado, mas apenas que tais declarações foram emitidas. Vd. STJ de 12-3-2013, processo nº 7414/09.9TBVNG.P2.S1, referindo que, “do procedimento resulta a inexistência de ativo e passivo. Porém, a nosso ver, isto não significa que, na realidade, não tenha existido uma partilha de bens entre os sócios. Apenas se poderá ter como assente o que consta da declaração, mas não a sua exatidão”. Com outras indicações, ainda RL de 27-1-2022, processo nº 12382/17.0T8LSB.L1-2. Note-se que as declarações relativas à existência ou não de ativo e passivo, não são objeto de qualquer controlo.
Vejamos então quanto à matéria de facto impugnada.
Consta da fundamentação

Relativamente aos veículos que a referida sociedade ainda detinha à data do processo administrativo (pontos 5. e 6. da factualidade provada), além das certidões que constam do apenso B e donde resulta que os mesmos se encontram registados a favor da sociedade, a testemunha CC também o confirmou e esses factos também não foram contrariados pelo próprio oponente que, em sede de declarações de parte, o referiu. A própria parte, confirmou que efetivamente ainda existe um veículo que foi penhorado e está em ... avariado (referindo-se ao veículo vendido em sede de processo executivo) e um outro veículo que refere ter sido apreendido na ....
Tendo em conta estes factos, mais não restou ao tribunal que, remeter ao elenco dos não provados, que, à data da liquidação da sociedade, esta não tinha qualquer bem, pois como resultou da prova, tinha pelo menos dois veículos. A testemunha CC ainda afirmou que havia uns bens, do género de computador e outros (com valor reduzido), registados no imobilizado da empresa, desconhecendo o seu destino. Na verdade, quando à dita apreensão de um dos veículos na ..., desconhecemos qual o seu destino atual e em que circunstancias se encontra o mesmo.
Assim sendo, entendeu-se remeter ao elenco, dos factos não provados, que o oponente não tivesse recebido bens na partilha desta sociedade, pois competia-lhe provar tal facto, o que não ocorreu.
O depoimento das testemunhas EE, irmã do oponente e FF e GG, ex-mulher e amigo do oponido, respetivamente, em nada contribuíram para o apuramento dos factos, pois sobre os mesmos não tinham conhecimento direto e o pouco revelado, era o transmitido pelas partes. “
Relativamente aos veículos, atendendo aos elementos juntos à execução, designadamente certidão comprovativa do registo em nome da sociedade, que os depoimentos não contrariaram, é de manter o decidido. Quanto ao recebimento ou não de património por parte do oponente, da prova produzida não pode concluir-se num ou noutro sentido.
Os depoimentos não se revelaram conhecedores da situação, depondo essencialmente sobre o que lhes foi transmitido. O CC não revela conhecimento suficiente sobre tal assunto. Referiu que empresa começou em 2015, mas apenas a partir de 2018 começou a trabalhar com escritório do depoente. Tinha 4, 5 camiões usados no ativo da sociedade, passavam muito tempo na oficina o que impedia faturação e começava a ter resultados negativos. Refere os custos com multas por pórtico, e penhoras pelas finanças. O que refere é de ouvir ao sócio. Confirmou a não prestação de contas durante dois anos. O “AA” não conseguiu pagar os camiões, e foi faturando às empresas que lhos venderam para abater às dívidas que tinha para com elas. “Eu estou em crer que apenas dois camiões é que não tiveram esse destino, de algumas conversas que tivemos na altura, por que um estava no estrangeiro e tinha tido algum problema numa viagem que fez, e o outro está em ...; os outros foi entregando para saldar a dívida.” Consultou balancete de 2018, o de 2019 não, “os elementos terão que estar registados” porque as faturas foram emitidas. Refere uns reboques. Havia uns computadores, uma máquina de escrever, mobiliário, mas valores pequenos, o grosso eram os camiões. “Que “tenha conhecimento não”, referindo-se a o embargante ter ou não recebido algo da sociedade. Em instância refere que à data da liquidação ainda havia ativo e passivo, referindo quanto ao ativo os dois camiões, já que os restantes estavam entregues. O exequente trabalhou para a empresa até 7 de 2017. A depoente FF referiu que a empresa continuou depois disso a laborar, “durante bastante tempo”. Não é possível concluir se sim senão o opoente recebeu algo da firma, ignorando-se o destino dos dinheiros resultantes da atividade.
É de manter a decisão de facto.
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- Inexistência de património social aquando da dissolução e ónus de prova quanto ao recebimento ou não de bens em partilha – 163º, 1 CSC.
Sustenta o recorrente que competia ao exequente demonstrar que o oponente recebeu bens na partilha decorrente da liquidação da sociedade, e que o valor das contas penhoradas teve tal origem. Está em causa uma eventual partilha de facto, já que sabemos não ter ocorrido uma partilha de bens nos termos do procedimento legal – artigos 156º ss CSC.
A penhora das contas bancárias ocorre na sequência do prosseguimento da execução contra o sócio da sociedade dissolvida, nos termos do artigo 162º do CSC.
O artigo 162º do CSC estabelece, relativamente às ações pendentes:
“As ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos arts. 163º, n.º 2, 4, e 5, e 164º, n.º 2 e 5.
2. A instância não se suspende nem é necessária habilitação.”
Assim, ocorrendo a extinção da sociedade no decurso da ação, não há necessidade de habilitação, considerando-.se a sociedade substituída pela generalidade dos sócios. Como se refere no Ac. RL de 8/5/2012, processo nº 5799/09.6TBOER.L1-7, citando Raul Ventura;
“A intenção deste preceito consiste em estabelecer um mecanismo que coloque os credores sociais na situação, relativamente a litígios judiciais, tanto quanto possível idêntica àquela que eles deparariam se a sociedade não se tivesse extinguido, mas sem, contudo, esquecer essa extinção”…
Não havendo fase de liquidação a ação prosseguirá diretamente contra os sócios - STJ de 28-5-2002, processo nº 02B1609, e STJ de 28-4-2021, processo nº 3/05.9TTALM-B.L1.S1. Veja-se o teor do nº 5 do artigo 163º do CSC para o caso de falecimento de liquidatário.
Referindo a representação dos sócios pelos membros do anterior órgão de administração, “visto que a figura dos liquidatários não existe no procedimento de extinção imediata consagrado no RJPADL”, veja-se o Ac. RL de 12-6-2014, processo nº 20802/07.6YYLSB.L1-2, citando Carolina Cunha, Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, IDET Coord por Coutinho de Abreu, II, pág. 634, nota 33.
Os sócios são responsáveis pelo passivo não satisfeito ou acautelado nos termos do art.º 163º CSC. O regime acautela o risco de utilização da liquidação para fugir às dividas, ou outro comportamento com o mesmo potencial, como o caso de incumprimento que leve a liquidação oficiosa.
A responsabilidade que aos sócios pode vir a ser assacada nos termos daqueles normativos justifica o regime legal excecional de substituição, que prescinde da habilitação.
Assim, ao que importa, a responsabilidade do oponente, decorre e verifica-se nos termos e limites prescritos no artigo art.º 163º CSCom.
A aplicação do regime tem levantado a questão do ónus de prova, em face da frequente falta de demonstração de que o sócio recebeu ou não bens ou valores da sociedade liquidada (partilha de facto).
É o credor da sociedade que tem que demonstrar que o sócio recebeu bens em “partilha”, ou é o sócio que tem que demonstrar que nada recebeu?
Ambas as teses têm sido defendidas, conquanto primeira, invocada pelo oponente, seja maioritária.
No ac. STJ de STJ de 28-4-2021, processo nº 3/05.9TTALM-B.L1.S1, expõem-se ambas as teses, referindo-se jurisprudência num e noutro sentido.
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Tese que considera tais factos como constitutivos do direito:
Defende-se que sendo a responsabilidade do sócio limitada ao que recebeu na partilha, o direito do credor sobre este depende de ter havido partilha, pelo que a existência desta partilha, quer o enriquecimento do património do sócio em virtude dela, constituem “facto constitutivo do direito do credor” – 342º, 1 do CC.
Ao credor compete a demonstração dos pressupostos da transferência do direito que detém sobra a sociedade, para o sócio, por via do ingresso no património destes de bens/valores que constituíam a sua garantia patrimonial. Ns. Entre outros, STJ 12-3-2013, processo nº 7414/09.9TBVNG.P2.S1 (indicando outros acórdãos); STJ de  26/6/2008, processo nº 08B1184; STJ de 12/3/2013, nº 7414/09.9TBVNG.P2.S1; STJ de 15/11/2017, processo nº 07B3960; RP de 15 de dezembro de 2010, processo n.º 576/07.1TTVCT-C.P1; RP de 13-1-2014, Proc. n.º 472/06.0TTSTS-C.P1; RP de 5-2-2018, n.º 3275/15.7T8MAI-A.P1; RP de 15-11-2021, processo nº 15/14.1TTOAZ.1.P2; RL de 8-3-2022, processo nº 2214/04.5TBOER-D.L1-7.
No acórdão da RP de 27/03/2012, processo nº 9570/10.4TBCSC.L1-7, defende-se que:
“ A questão de saber como se resolve o eventual litigio sobre o recebimento, ou não, de bens por parte dos sócios da sociedade que foi liquidada e extinta.
E aqui, fazendo apelo à doutrina do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça [Ac. STJ de 26/6/2008, em dgsi.pt, citando o acórdão de 23/04/2008, também em dgsi.pt.] citada pelos apelantes, embora só na perspetiva dos seus interesses nos autos, são duas as asserções que se nos afiguram possíveis e seguras.
A primeira é que o recebimento, ou não, de bens por parte dos sócios da sociedade que foi liquidada e extinta é demonstrado pelos instrumentos legais impostos aos sócios para levarem a cabo a liquidação e extinção (art.ºs 149.º, 155 e 157.º do CSC).
A segunda é que, discordando do que consta em tais documentos quanto à partilha de bens ou declaração de ausência de bens a partilhar, qualquer credor, neste caso, a apelada/autora na ação, pode fazer prova da partilha de bens pelos sócios, em ordem a lograr a continuação da ação contra estes que, como já vimos, tem a limitação do art.º 163.º, n.º 1, do C. S. Comerciais.”
Não o esclarece o acórdão, mas pode depreender-se que na falta daqueles elementos, a demanda deverá ser decidida contra os sócios. O ónus de prova num primeiro momento competiria ao sócio, apresentando os elementos documentais aludidos, ocorrendo então como que uma inversão do ónus de prova. Esta posição parece não acautelar devidamente as declarações dissimuladas e falsas na elaboração daqueles elementos.
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Tese que considera tais factos como impeditivos:
Refere-se que com a extinção da sociedade, deixa de existir a pessoa coletiva, perdendo esta a personalidade jurídica, mas não se extinguem as relações jurídicas de que a sociedade era titular; considerando-se a extinta sociedade substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários – conforme artigo 162º do CSC.
A relação ajuizada mantêm-se a mesma. A extinção da sociedade não afeta a relação jurídica por aquela titulada, passando esta a estar encabeçada na generalidade dos sócios. Usando as palavras do Ac. STJ de 28-4-2021, processo nº 3/05.9TTALM-B.L1.S1 “o facto constitutivo do seu direito de crédito é o acordo/transação celebrado com a sociedade, posto que nenhuma outra, diversa e autónoma, se constituiu com os respetivos sócios”. Acórdão que, contudo, parece, não toma posição definitiva quanto à questão.
 A única modificação que se verifica é a sucessão ou substituição, da extinta devedora pela generalidade dos sócios, que ocorre sem necessidade de habilitação, ou alegação por parte do credor, sem necessidade de alegação ou prova dos factos constitutivos da “sucessão”, operando esta por força da lei.
Ocorrendo sucessão na relação ajuizada, a existência ou não de bens (e valor recebido pelo sócio em partilha) constituiriam os “factos anormais” que   impedem a eficácia total ou parcial dos elementos constitutivos.
 Respondendo os sócios apernas se houve partilha e até ao limite do que receberam nessa, estaríamos assim face a “factos impeditivos” do exercício do direito do autor contra a sociedade, substituída embora pelos sócios nos termos do artigo 162º do CSC – Assim e nos termos do artº 342, 2 do CC, competir-lhe-ia a prova da inexistência de uma partilha e do valor por força dela recebido.
Refere Carolina Cunha, Código das Sociedades Comerciais em Comentário», IDET Coord por Coutinho de Abreu, II, pág. 689, “ O fundamento da solução legalmente consagrada radica numa ideia de sucessão na titularidade da relação jurídica, embora de âmbito limitado pela extensão do direito de cada sócio relativamente ao antigo património social “; defendendo que cabe aos sócios provar que nada receberam da partilha, por outros meios que não a declaração que fundou o procedimento de extinção do ente societário.
Os factos, “inexistência de ativo e de partilha” seriam factos impeditivos do direito do credor à satisfação do seu crédito, tal como defendeu Pinto Hespanhol no voto vencido no Ac. STJ de 23-4-2008, processo nº 07S4745:
“Votei vencido por entender que não competia à autora alegar e provar que a sociedade comercial empregadora tinha bens quando foi extinta e que tais bens foram partilhados pelos seus sócios, nem que os sócios tivessem realizado as respetivas quotas, sendo que, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, considerando a conexão desses factos com o direito de reparação invocado, cabia antes aos sócios réus provar a não existência desses bens, a não verificação da sua partilha entre eles e a realização das respetivas quotas, já que revestem a natureza de factos impeditivos da pretensão formulada.”
Argumentando, o Ac. RL de 12-6-2014, processo nº 20802/07.6YYLSB.L1 refere:
 “ … fazer impender sobre os credores o ónus da prova de que a sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados entre os sócios, em detrimento da satisfação do seu crédito, implica que lhes resulte exigida uma prova que supõe o conhecimento da situação económica da sociedade a que eles, muito dificilmente, terão acesso….”
No Ac. RL de 15-3-2021, processo nº 611/09.9TJLSB.L1-1, refere-se:
 “julgamos, que a relação jurídica que o credor social traz à lide no caso do artigo 163.º do Cód. Soc. Com. é aquela que se constituiu com a sociedade, posto que nenhuma outra, diversa e autónoma, se constituiu com os respetivos sócios. E daqui decorre que ao credor social apenas cabe a prova dos factos constitutivos desse seu direito sobre a sociedade, nos termos do artigo 342.º n.º 1 do Cód. Civ. correspetivamente, aos sócios cabe invocar e provar (artigo 342.º n.º 2 do Cód. Civ.) que os credores estão impedidos de obter, naquele momento (e dizemos naquele momento, porque poderá haver ativo superveniente – artigo 164º do Cód. Soc. Com.), o ressarcimento total ou parcial do seu crédito sobre a sociedade, uma vez que da liquidação da mesma não resultou qualquer saldo ou não resultou saldo suficiente. “
Deste modo, adianta-se, garante-se ao credor da sociedade extinta a mesma posição que teria caso não tivesse ocorrido a extinção, referindo-se:
“ Tendo a sociedade sido dissolvida por deliberação dos sócios, como é o caso, e igualmente por estes liquidado o respetivo património (circunstâncias a que o credor social é alheio), não compreendemos por que razão deve ser o credor insatisfeito a suportar os custos acrescidos dessa situação no que respeita aos ónus que processualmente lhe incumbem (sendo, aliás, certo que já sofre as consequências derivadas da cessação do giro comercial da empresa). Acresce que a posição de que discordamos exige ao credor social uma prova que necessariamente pressupõe um conhecimento sobre a situação económico-financeira da sociedade que ele, naturalmente, não terá, em muito dificultando ou, mesmo, inviabilizando a satisfação de um crédito que ele, efetivamente, tem. Ao invés, estão os sócios na posição ideal para alegar e provar aquilo que, receberam ou não receberam na partilha.”
Refere-se no ac. RL de 9-3-2021, processo nº 4777/06.1TVLSB.L1-1; “
“Não vemos como, segundo um critério de normalidade, se pode exigir ao credor a prova do que se partilhou ou a inexistência de partilha relativamente às sociedades por quotas.”
Tem-se referenciado a complexidade da prova, relativa a factos facilmente ocultáveis, sendo que os sócios se encontram em posição mais adequada, já que têm conhecimento da vida da sociedade e acesso facilitado à documentação contabilística – Cátia Ribeiro, A dissolução e a liquidação das sociedades comerciais – análise crítica ao procedimento de extinção imediata, Dissertação, UCP, in https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/36670/1/202836576.pdf p.ag 33.
Foi invocado a favor desta tese, referenciando algumas semelhanças, o da responsabilidade do herdeiro por dívidas da herança –artigo 2071º, 2 do CC:
Refere o artigo 2071.º
(Responsabilidade do herdeiro)
1. Sendo a herança aceita a benefício de inventário, só respondem pelos encargos respetivos os bens inventariados, salvo se os credores ou legatários provarem a existência de outros bens.
2. Sendo a herança aceita pura e simplesmente, a responsabilidade pelos encargos também não excede o valor dos bens herdados, mas incumbe, neste caso, ao herdeiro provar que na herança não existem valores suficientes para cumprimento dos encargos.. 
Assim Teixeira de Sousa, em post publicado no seu Blog do Instituto Português de Processo Civil (IPPC), de 15.7.2020 (citado no Ac. STJ de 28-4-2021, processo nº 3/05.9TTALM-B.L1.S1), defendendo que, “ nesta hipótese, vale o lugar paralelo dos bens penhoráveis na execução instaurada contra o herdeiro: se a herança tiver sido aceita pura e simplesmente e se o exequente se opuser ao levantamento da penhora, cabe ao executado alegar e provar que os bens não provieram da herança (art. 744.º, n.º 3, al. a), CPC).”
Objeta-se no entanto que no caso concreto o legislador não estabeleceu tal regime, podendo fazê-lo. E note-se que, sendo a herança aceite a beneficio de inventário, compete ao credor demonstrar a existência de outros bens. Situação esta que, com alguma condescendência pode encontrar paralelo na situação das sociedades que sempre tenham mantido a sua escrituração devidamente organizada, cumprindo as regras legais, designadamente relativas a prestação de contas, de forma que espelhem a real situação da empresa. Mas mesmo nesta situação, sempre o sócio estará em melhor posição para fazer a demonstração, pelo acesso facilitado a tais elementos.
Teixeira de Sousa tem, contudo, uma ideia diferente, mesmo post, defendendo que, “a partir do momento que o sócio executado deduz oposição à execução, é claro que, independentemente da qualificação do facto relativo ao montante recebido por esse sócio, o ónus da prova do fundamento da oposição pertence a este sócio executado.”
Para este autor, compete sempre ao oponente demonstrar os factos em quem funda a oposição.
No sentido de o ónus caber aos sócios, JOANA ALEXANDRA CARVALHO MAIA, denominada «Dissolução e liquidação societária: a (des)proteção dos credores sociais» afirma a páginas 44 a 48 ;
 Cátia Sofia Pires Ribeiro, A dissolução e a liquidação das sociedades comerciais – análise crítica ao procedimento de extinção imediata, dissertação, UCP, https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/36670/1 /202836576.pdf, enfatizando que; 
“A maioria da jurisprudência concorda com a posição de que cabe ao credor da sociedade o ónus da prova do artigo 163º do CSC, o que, a nosso ver, e como já foi dito, não é de todo justo, visto que o sócio, já tendo mentido aquando da declaração de inexistência de passivo, encontra-se numa posição muito mais facilitada para fazer este tipo de prova. Além de que colocar o ónus da prova a cargo do credor leva a que, como conseguimos ver pelos acórdãos mencionados, a maioria das ações se extinga por inutilidade superveniente da lide, quando poderia ser outro o desfecho. É absurda a quantidade de ações que improcedem com este fundamento, deixando os sócios, que prestaram falsas declarações, “escapar” sem qualquer tipo de sanção.”; Sara Cristina Trindade Augusto, A Liquidação Societária – Aspectos Teóricos e Práticos, Dissertação, UCP, https://repositorio.ucp.pt/handle/10400.14/12067; ANA LUÍSA MIRANDA FERREIRA, A LIQUIDAÇÃO SOCIETÁRIA E A RESPONSABILIDADE PELO PASSIVO SUPERVENIENTE, dissertação, UCP, https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/18945/1/Liquida%C3%A7%C3%A3o%20societ%C3%A1ria%20e%20Responsabilidade%20pelo%20passivo%20superveniente_vf.pdf.
Aludindo à leitura excessivamente formal e literal da jurisprudência maioritária, e ao premio assim concedido ao “infrator”, que incumprindo os seus deveres, declarou a inexistência de passivo o Ac. RL de 12-2-2020, processo nº 3/05.9TTALM-B.L1-4 referindo:
estamos com a jurisprudência minoritária e com a doutrina antes transcrita que entende que, em casos de fraude ou abuso de direito derivados da dissolução e liquidação imediatas da sociedade suportadas em falsas declarações, ao credor apenas cabe alegar e provar o seu crédito (que, no caso dos autos, derivou de transação entre as partes na ação declarativa laboral e passou pelo crivo do tribunal do trabalho), recaindo sobre os sócios da sociedade extinta, nos moldes antes referidos, a prova dos factos impeditivos ou extintivos de tal direito.”

Refere ainda:
afigura-se-nos que nem o legislador visava tal resultado, jurídica, económica e socialmente perverso, nem os tribunais - pelo menos quando se deparam com situações comprovadas de falsas declarações como a dos autos, em que o ativo da sociedade existente e «ocultado» não é destinado a liquidar o passivo societário, também existente e ignorado, mas antes «desencaminhado» (no fundo, partilhado), de formas desconhecidas, informais, não declaradas, sub-reptícias, de licitude duvidosa, pelos sócios do ente societário de responsabilidade limitada extinto por mero ato privado dos mesmos – podem, de ânimo leve, exigir aos credores prejudicados com tais condutas e práticas fraudulentas ou levadas a cabo numa situação de abuso de direito, que façam ainda assim e à imagem do que acontece em situações de regular e são comércio jurídico, quando as empresas se encontram a funcionar e a desenvolver normalmente a sua atividade económica, a alegação e prova – já de si difícil, mesmo quando as sociedades comerciais se extinguem de boa-fé, de forma mais ou menos pública e transparente e de acordo com os parâmetros e exigências legais – de qual o património que sobrou e foi partilhado entre aqueles, assim como do seu valor, de maneira a poderem responsabilizar pelas dívidas sociais os ditos sócios prevaricadores.”
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Esta tese tem vindo a ganhar terreno na jurisprudência, sendo vária a doutrina que sustenta caber o ónus de prova aos “sócios” da extinta sociedade.
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Como referiu, Rita Lynce de Faria, Distribuição do Ónus da Prova, https://crlisboa.org/docs/publicacoes/on-line/2021/distribuicao-do-onus-da-prova.pdf, (25;50), e A Inversão do Ónus da Prova - no Direito Civil Português, UC Ed., aludindo à dificuldade do critério do artigo 342 CC, dependendo da perspetiva em que o interprete se coloque. E diremos, dependendo não só do modo como se procede à abordagem da questão, como ainda da sensibilidade maior ou menor do interprete, a determinada ou determinadas circunstâncias.
Assim, e não obstante a lei referir a “substituição” da sociedade pelos sócios,  se se tiver uma maior sensibilidade à “separação entre os patrimónios da sociedade e dos sócios”, aos fins que a “responsabilidade limitada” persegue, e ao facto de que ocorreu efetivamente uma extinção de uma pessoa coletiva, e de que com o prosseguimento da execução contra os sócios ocorre efetivamente um redireccionamento contra um outro património, que só deve responder na medida em que foi enriquecido pelo que recebeu da sociedade extinta; e analisando do lado processual de quem introduz a demanda (no caso executiva), pode naturalmente considerar-se tratar-se de facto constitutivo do direito que o exequente se arroga de atacar o património do sócio até determinado “montante”, a demonstração de que esse património e em que medida, foi enriquecido pela partilha, ou seja, a demonstração dos pressupostos para a “transferência” da “responsabilidade” pelo pagamento da dívida social.
Sendo mais sensível ao facto de o credor ter demonstrado (ou que demonstrar) o seu crédito contra a sociedade, e tendo-se esta extinguido contra ou sem a sua vontade, e as dificuldades, obvias, quanto a tais exigências probatórias, e perspetivando do lado processual do oponente, em face do prosseguimento automático da execução contra si, nos termos do artigo 162º do CSC, ou de ação contra si intentada nos termos do artigo 163º, como sucessor na relação; a inexistência de partilha (de bens a partilhar), ou o valor que recebido, limite da sua responsabilidade, podem caraterizar-se como factos impeditivos. Trata-se de circunstância que “impede” a sucessão na relação, que de outro modo resulta diretamente da lei.
Pode ainda dizer-se que o oponente invoca contra o executado um direito seu sobre o bem, um direito não onerado pela responsabilidade do património partilhado, porque em nada o seu património pessoal, foi enriquecido em virtude da “liquidação “da sociedade. 
Poderá ver-se aqui alguma similitude com o que ocorre nos embargos de terceiro? Nos embargos cabe ao embargante; que vê o seu património atacado num processo a que é alheio e por causa de obrigação que lhe é estranha; o ónus de prova de que a penhora ofendeu a sua posse ou um direito incompatível, tendo consequentemente o ónus de demonstrar a sua posse ou outro direito como a propriedade, ofendido pela diligência. –Vd.  RP de 18-5-2023, processo nº 23287/18.8T8PRT-A.P1; STJ de 11-7-2006, processo nº 06B2373; STJ de 6-5-2003, processo nº 04A1037.
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Rita Lynce de Faria, local referido, elenca vários critérios como critérios explicativos da regra do artigo 342º do CC, entre outros o critério/teoria da norma o critério da alegação e o critério da normalidade.
Segunda a teoria da norma, “cada uma das partes terá assim (o ónus) de alegar e provar os factos correspondentes à previsão da norma que aproveita à sua pretensão ou à sua excepção. Cada uma das partes tem de provar os factos que constituem os pressupostos da norma que lhe é favorável” - Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Ed, 1984, 439 e 440. Em nota referem, “ de acordo com essa diretriz esclarecida, dir-se-á que cada litigante tem o ónus de porvar a existnecia de todos os pressupostos (quer positivos quer negativos) das normas favoráveis à sua pretensão”.
Podemos no entanto deparar, em casos menos claros, como o que os autos nos trazem, com a mesma dificuldade a que se refere Rita Faria, ficando, em muito, a opção dependente da perspetiva da abordagem.
Refere a propósito Luís Filipe Sousa, Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2020, pág. 18:
“A teoria da norma e a teoria da normalidade podem, em concreto, revelar-se inadequadas, requerendo uma intervenção corretiva do juiz, em prol da igualdade processual e da efetividade da tutela, sob pena de ser tornar intoleravelmente difícil a prova a cargo de uma parte, em benefício irracional a favor da contraparte. Com efeito, a predisposição do ónus probatório de forma apriorística e imutável pode redundar numa dificuldade probatória subjetiva acentuada, desvirtuadora do acesso ao direito (art. 20º da Constituição) e indutora de uma desigualdade substancial entre as partes. Essa intervenção pode, desde logo, passar pela interpretação da norma no sentido de estabelecer em que medida um facto deve integrar a fatispécie constitutiva ou se, pelo contrário, deve integrar uma fatispécie autónoma, com efeitos impeditivos.” – Realçado nosso.
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O direito visa e pretende consagrar soluções justas e adequadas. Importa, ao invés de soluções formais, atentar na realidade de facto e ao modo com o direito trata essas realidades, surpreender soluções que, dentro do quadro legal e tendo em consideração os vários interesses ponderados, sejam justas e adequadas.
Em casos como o presente, temos de um lado os interesses do sócio, relativos à intocabilidade do seu património próprio, e o interesse público que fundamenta a separação de patrimónios. Com tal separação pretende-se fomentar, incentivar a iniciativa económica, com os ganhos daí decorrentes para a comunidade, designadamente pela maior riqueza e ganhos em postos de trabalho. Tal incentivo decorre da garantia dada ao empresário, que arrisca parte do seu capital, de que o seu património pessoal, está a coberto dos riscos assumidos na atividade empresarial.
O preço deste modelo, é ocorrer uma parcial transferência do risco para outros operadores no mercado, sejam fornecedores, clientes, trabalhadores, quem quer que por virtude das relações com a sociedade se constituía sua credora, estabelecendo-se um ponto de equilíbrio, que se considera adequado (e decorre das normas impostas aos órgãos sociais relativas, quer a gestão, quer à “documentação” dos vários atos, tais como as relativas à escrituração, prestação de contas etc…)
A par daqueles interesses e de outra banda, temos o interesse dos credores na satisfação dos créditos sobre a sociedade, no cumprimento por parte desta das suas obrigações.
Na gestão corrente da sociedade, os interesses dos credores, mais avessos ao risco, a quem interessa uma gestão mais cautelosa e diligente, aumentando a confiabilidade da sociedade, serão por regra subalternizados em relação aos interesses dos sócios; a quem poderá interessar uma gestão mais arriscada, tendo em vista aumentar os lucros e o valor da sociedade. Estabelece-se no entanto, um determinado ponto de equilíbrio, que as normas que impõem condutas à sociedade pretende garantir, como atrás se referiu.
Sobre o assunto, Hendel Sobrosa Machado, Responsabilidade Civil de Administradores e Sócios Perante Credores, dissertação, FDUC, https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/34758/1/Responsabilidade%20Civil %20de%20Administradores%20e%20Socios%20perante%20Credores.pdf, págs. 50, 51 e 99, 100.
E se assim é normalmente, o equilíbrio relativo à repartição do risco agravasse em desfavor dos credores quando a empresa atravessa momentos menos bons, tendendo as “sociedades” a assumir maiores riscos num esforço para recuperar. Como refere Hendel Machado, loc. Referido, pág. 52, “sociedades próximas da insolvência tendem a não manter o mesmo equilíbrio que sociedades saudáveis. Nestes casos, sociedade e sócios passam a ter um interesse de assumir maiores riscos em seus negócios para recapitalizar perdas financeiras e afastarem-se da situação de crise. Será neste contexto que os interesses dos credores - em que a empresa mantenha-se estável e salde suas dívidas - deixa de ser perseguido também pela administração”, citando Davies, Paul L. Gower and Davies’ Principles of Modern Company Law. 7th ed. London: Sweet and Maxwell, 2003.
Acresce ser comum a dificuldade introduzida pelos comportamentos da sociedade, no acesso a informação relativa à sua real situação, frequentemente com manipulação de dados relativos à mesma.
Assim, considerando estas circunstâncias, e por outro a maior facilidade de acesso por parte dos sócios aos elementos contabilísticos, o facto de ao longo do tempo, melhor que os credores, poderem acompanhar a evolução, eventualmente deslizante da empresa, e tomar medidas, evitando transferir o risco do negócio totalmente para os credores. Tendo ainda em conta que estamos perante uma sucessão na titularidade da relação jurídica, e considerando os termos dos artigos 162º e 163º do CSC, parece mais adequado impor ao sócio a demonstração da inexistência de bens e de partilha.
*
No presente caso, e independentemente da posição que se tome quanto a tal questão, sempre o ónus seria de impor ao sócio.
Neste caso, depreendem-se as dificuldades que a sociedade atravessou, referenciadas em depoimento, sendo que a mesma deixou de prestar contas, impedindo assim os credores de aceder a esses importantes elementos documentais. O sócio, notificado no âmbito do procedimento administrativo nada respondeu, não informado da existência de ativo e de passivo, sendo que demonstradamente havia passivo e ativo, pelo menos dois veículos.
Resulta assim que a sociedade, por ato imputável ao sócio acionado, gerente da sociedade, não tem a sua contabilidade devidamente organizada, não prestou contas durante pelo menos dois anos, o que veio a determinar o procedimento oficioso de dissolução.
Resultaram assim desprotegidos os credores, tornando impossível ou extremamente difícil a prova relativa à existência de bens e partilha, sendo que o oponente, tem ao seu dispor os vários livros e documentos da sociedade.
Incumpridas foram outras normas, como as decorrentes do artigo 18º do CIRE – dever de apresentação à insolvência.
Assim, nos termos do artigo 344º, 2 do CC sempre a prova se lhe imporia por inversão do ónus de prova.
Consequentemente improcede o alegado.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se o decidido.
Custas pelo apelante.
14.4.2014

Antero Veiga
Leonor Barroso
Francisco Pereira