Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
283/10.8TBVLN-E.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
PROPRIETÁRIA DO IMÓVEL PENHORADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- São pressupostos de admissibilidade da demanda comum que haja um estado de comunidade jurídica a respeito do objecto litigioso, ou que os litisconsortes sejam titulares de um direito ou obrigação pela mesma causa de facto e jurídica, ou que as pretensões dos litisconsortes sejam da espécie e se baseiem em causas de facto e de direito equivalentes.
II- Sendo certo que os incidentes de intervenção de terceiros estão vocacionados e estruturados em função da acção declarativa, não existe qualquer justificação para que se conclua, em termos gerais e absolutos, pela inadmissibilidade legal desses incidentes no âmbito da acção executiva, ou seja, e dito de outro modo, não se descortina fundamento para que um terceiro não possa ser chamado no decurso da execução, sabido que a admissibilidade, em geral, da intervenção principal provocada é aceite quanto a pessoas com legitimidade para a acção executiva. .
III- Destarte, e por decorrência, a admissibilidade dos incidentes de intervenção de terceiro no âmbito da acção executiva e respectiva oposição tem que ser analisada em face das circunstâncias do caso concreto, com vista a apurar se, nessas circunstâncias, estão ou não verificados os respectivos pressupostos legais, se a intervenção tem ou não a virtualidade de satisfazer um qualquer interesse legítimo e relevante e se a intervenção implica ou não com a estrutura e a finalidade da acção executiva.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO.

Recorrentes: A. P. E OUTRA.
Recorrido: X S.A.R.L.,
Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo - Juízo Central Cível de Viana do Castelo - Juiz 3.

Na presente execução instaurada por X, SARL, contra A. P. e outra, nos termos do disposto nos artigos 6º, nºs. 1 e 2, 551º, nº 1, 316º, nº 2, 318º, nº 2, e 319º, nº 1, todos do Código de Processo Civil, foi admitida a intervenção principal da sociedade Y - Sociedade de Construção e Promoção Imobiliária, Lda., como associada dos executados.

Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso o Executado, sendo que, das respectivas alegações desse recurso extraiu, em suma, as seguintes conclusões:
A. não tendo os ora recorrentes legitimidade para figurar como executados na presente execução, por não serem proprietários dos bens executados, inexiste uma situação de litisconsórcio necessário ou voluntário entre os executados e a chamada.
B. do que decorre não ser admissível o chamamento e intervenção da última, à luz do que dispõe o artigo 316º nº 2 do CPC.
C. A circunstância de a chamada ter passado a ser, entretanto, a proprietária do bem executado, não chega para conferir alguma utilidade à sua intervenção, porquanto, quando se concretizar tal chamamento, já o bem executado e que lhe pertence, foi há muito tempo objecto de venda judicial,
D. Venda essa, assim sendo, realizada à revelia do proprietário da coisa vendida, e, por tal razão, ilegal, à luz do disposto no artigo 817º do CC, segundo a qual apenas em execução movida contra o devedor, poderá o seu património ser executado.
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A Apelada apresentou contra-alegações concluindo pela improcedência da apelação.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a questão decidenda é, no caso, a seguinte:
- Analisar da admissibilidade ou não do incidente de intervenção principal.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO.

Em decisão do incidente de intervenção de terceiros suscitado, foi proferido nos presentes autos o despacho com o seguinte teor:
(…)
Preceitua o artigo 316º, nº 2, do Código de Processo Civil, que “nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39º”. E nos termos do disposto no artigo 745º, nº 2, do mesmo Código, “instaurada a execução apenas contra o devedor subsidiário e invocando este o benefício da excussão prévia, pode o exequente requerer, no próprio processo, execução contra o devedor principal, que será citado para integral pagamento”. Por fim, dispõe o artigo 54º, nº 2, ainda do mesmo diploma, que “a execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro segue directamente contra este, se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser demandado o devedor”.
Em face destes elementos normativos, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 28.01.2015 (1), ponderou e assumiu posição nos seguintes termos: “então, se a execução podia ter sido instaurada, ab initio, também contra o terceiro (n.º 2 do art. 54.º), muito embora as normas processuais referentes aos incidentes de intervenção de terceiros estejam estruturadas em função da acção declarativa, não se descortina fundamento para que ele não possa ser chamado no decurso da execução, sabido que a admissibilidade, em geral, da intervenção principal provocada é aceite quanto a pessoas com legitimidade para a acção executiva. (…) De facto, o fim perseguido pela execução não aparenta constituir obstáculo à requerida intervenção, até porque o art. 551.°, n.° 1 manda aplicar subsidiariamente ao processo de execução, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a acção executiva, e o n.º 2 do artigo 316.º permite, nos casos de litisconsórcio voluntário, que o autor provoque a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do art. 39.º. (…) Com efeito, algumas situações surgem na acção executiva que impõem o recurso ao referido incidente como forma, designadamente, de salvaguardar a legitimidade das partes, como forma de assegurar a defesa do executado, como forma de conferir eficácia à oposição deduzida contra a execução, ou como forma de assegurar a realização coactiva da obrigação. (…) O legislador diagnosticou algumas dessas situações e para elas expressamente admitiu esse incidente. Assim, admite a intervenção principal quando o exequente careça de chamar a intervir determinada pessoa para assegurar a legitimidade duma parte, nos termos do art. 261.º, e em alguns casos de litisconsórcio necessário passivo. (…) No âmbito do litisconsórcio voluntário admite-o em quatro situações. São elas, o chamamento do devedor nos termos já enunciados no art. 54.º, nº 3, a demanda do devedor subsidiário, se instaurada a execução apenas contra o devedor principal os bens deste se revelarem insuficientes (art. 745.º, nº 3), a demanda do devedor principal, se instaurada a execução apenas contra o devedor subsidiário este invocar o beneficio da excussão prévia (art. 745.º, nº 2), e o chamamento à demanda do cônjuge do executado não obrigado no título, para declarar se aceita a comunicabilidade da dívida (741.º, nºs 1 a 5). Embora afirme a discutibilidade da admissão da intervenção principal no âmbito do litisconsórcio voluntário, para além destas quatro situações e particularmente pela força adveniente do chamamento permitido pelo art. 745.º, nº 2, Lebre de Freitas reconhece ser sustentável que o incidente de intervenção principal, em geral, seja admissível na modalidade de intervenção passiva provocada pelo exequente, em nome da economia processual. (…) Também Miguel Teixeira de Sousa aceita na acção executiva a intervenção provocada de um litisconsorte voluntário, especialmente a intervenção de um condevedor solidário do executado chamado por este, bem como a intervenção espontânea de um litisconsorte necessário ou voluntário. (…) Em suma, como se vê, não se descortina na dogmática processual algum princípio geral e absoluto que vede o incidente de intervenção principal no âmbito da acção executiva. Lebre de Freitas considera a sua admissibilidade, em geral, baseada na admissibilidade do litisconsórcio ou da coligação, “quanto a pessoas com legitimidade para a acção executiva, pois de outro modo o incidente de intervenção iria servir à formação dum título executivo a favor ou contra terceiros, o que só se compadece com o fim (art. 10-4) e os limites (art. 10-5) da acção executiva quando uma norma excepcional o preveja”, pelo que a admissibilidade do mesmo deverá é estar condicionada a uma análise da sua necessidade em face das circunstâncias de cada caso concreto, se, porventura, se mostram verificados os necessários pressupostos legais, e se tal intervenção tem a virtualidade de satisfazer um interesse legítimo e relevante que se coadune com o fim e os limites da acção executiva (cfr. art. 10.º, nºs 4 e 5)”.
Estamos perante jurisprudência fundamentada em prestigiada doutrina e, a nosso ver, com a posição mais adequada em face dos elementos normativos e princípios sistémicos invocados no texto, pelo que não vislumbramos fundamento para dela divergir.
O caso dos presentes autos subsume-se, com naturalidade, à referida posição do Supremo Tribunal de Justiça. Com efeito, a presente execução foi proposta, de início, não contra o devedor, mas ao abrigo do renumerado artigo 56º, nº 2, do revogado Código de Processo Civil (hoje, artigo 54º, nº 2, do NCPC) contra os proprietários do bem onerado. Tendo ocorrido uma vicissitude consubstanciada em sentença, transitada em julgado, que retirando os efeitos da resolução do contrato de compra e venda, implicou a restituição do que havia sido prestado, o bem onerado encontra-se, actualmente, sob a titularidade da devedora originária. Se esta podia ter sido demandada logo de início, e de molde a evitar-se a multiplicação de acções executivas, o princípio da economia processual aconselha a sua intervenção nos autos a título principal, na posição de executada. A letra e o espírito da norma ínsita no artigo 316º, nº 2, do Código de Processo Civil, suportam a interpretação que adoptamos.
Em face do exposto, e nos termos do disposto nos artigos 6º, nºs. 1 e 2, 551º, nº 1, 316º, nº 2, 318º, nº 2, e 319º, nº 1, todos do Código de Processo Civil, admito a intervenção principal da sociedade Y - Sociedade de Construção e Promoção Imobiliária, Lda., como associada dos executados.
Cumpra o disposto no artigo 319º, nº 1, do Código de Processo Civil, com as devidas adaptações (cfr. artigos 726º, nºs. 6 e 8, e 728º, do mesmo diploma), seguindo-se os termos subsequentes.
(…)
Fundamentação de direito.

Como é consabido, a intervenção provocada consubstancia-se, em regra, no chamamento ao processo, por qualquer das partes, dos terceiros interessados na intervenção, seja como seus associados, seja como associados da parte contrária.

No que concerne à modificação das partes no processo, dita modificação subjectiva, o Código prevê as seguintes possibilidades: chamamento do terceiro que falta para assegurar a legitimidade de alguma das partes [artigo 261.º]; a substituição de alguma das partes, quer por sucessão, quer por acto entre vivos, na relação substantiva em litígio [alínea a do artigo 262.º] e os incidentes da intervenção de terceiros [alínea b) do artigo 262.º].

Relativamente à intervenção de terceiros, que é a situação que está em causa nos autos, a lei faz uma distinção entre intervenção principal e acessória.

Na intervenção principal, o terceiro é chamado a ocupar na lide a posição de parte principal, ou seja, a mesma posição da parte principal primitiva a que se associa, fazendo valer um direito próprio (artigo 312.º), podendo apresentar articulados próprios (artigo 314.º) e sendo a final condenado ou absolvido na sequência da apreciação da relação jurídica de que é titular efectuada na sentença, a qual forma quanto a ele caso julgado, resolvendo em definitivo o litígio em cuja discussão (artigo 320.º).

Na intervenção acessória o terceiro é chamado a assumir na lide uma posição com estatuto de assistente (artigo 323.º, n.º 1) e por isso a sua intervenção circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento (artigo 321.º, n.º 2) e a sentença final não aprecia a acção de regresso mas constitui caso julgado às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, com as limitações do artigo 332.º (artigo 323.º, n.º 3).

Em função destas consequências jurídicas da intervenção é fácil de antever que a faculdade de requerer o chamamento depende obviamente da verificação das situações em que a lei processual o permite.

Em conformidade com esse desiderato, o artigo 311.º do novo Código de Processo Civil, que define o âmbito da intervenção principal espontânea e serve de referência à intervenção provocada, veio estabelecer que estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objecto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º (litisconsórcio voluntário) 33.º (litisconsórcio necessário) e 34.º (acções que têm de ser propostas por ambos ou contra ambos os cônjuges).

Como resulta da própria epígrafe do preceito, “intervenção de litisconsorte”, o campo de aplicação da intervenção principal, com excepção da situação prevista no artigo 317.º, passou a estar confinado às situações de litisconsórcio: só pode intervir na acção, assumindo a posição de parte principal, um terceiro que por referência ao objecto da lide esteja em relação à parte a que se vai associar numa situação de litisconsórcio, não sendo suficiente para o efeito uma situação de coligação e, muito menos, uma situação que não preencha sequer os pressupostos da coligação.

E isto é assim quer no tocante à intervenção espontânea quer no tocante à intervenção provocada, conforme resulta do disposto no artigo 316.º que define os casos em que o terceiro pode ser chamado pelas partes primitivas.
A figura do litisconsórcio refere-se à situação em que a mesma e única relação material controvertida tem uma pluralidade de partes.


Em regra, o litisconsórcio é voluntário, ou seja, consente que a acção seja proposta por todos ou contra todos os interessados mas não obriga a que o seja.
Se apenas um dos titulares intervier, o tribunal deve conhecer apenas da quota-parte do seu interesse ou responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade, mas se a lei ou o negócio jurídico consentir que o direito seja exercido por um só ou que a obrigação seja exigida a um só dos interessados, basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade, devendo nesse caso o tribunal conhecer da totalidade do interesse ou responsabilidade (artigos 27.º do antigo e 32.º do novo Código de Processo Civil).

Nos casos em que o litisconsórcio é necessário, torna-se necessária a intervenção de todos os titulares para assegurar a legitimidade processual. Isso ocorre, desde logo, quando a lei ou o negócio exigem especialmente a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, mas também quando, pela própria natureza da relação jurídica, a intervenção de todos é necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, isto é, seja capaz de regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado (artigos 28.º do antigo e 33.º do novo Código de Processo Civil)

Assim, enquanto no litisconsórcio necessário há uma única acção com pluralidade de sujeitos, sendo que, no litisconsórcio voluntário ocorre uma acumulação de acções, conservado cada um dos litigantes uma relativa independência em relação aos seus compartes.

Pressuposto deste tipo de intervenção é, assim, a pendência de uma acção entre as partes, e seu requisito específico a titularidade por parte de terceiro de um interesse igual ao do autor ou ao do réu que inicialmente lhe permitisse o litisconsórcio voluntário ou impusesse o litisconsórcio necessário.

O chamamento para intervenção principal litisconsórcio assume maior interesse para sanar a ilegitimidade plural prevista nos artigos 33 e 34, do C.P.C, e garante a legitimidade plural, do lado activo, sendo que, naquele último caso estaremos perante a chamada «pluralidade subjectiva subsidiária», novidade introduzida pela Reforma de 95/96 (DL 180/96, de 25.09), que visou acautelar as situações de dúvida razoável sobre a titularidade da relação material controvertida. (2)

Mas, como saliente Salvador da Costa, “o escopo finalístico deste incidente de intervenção principal, nomeadamente em casos de litisconsórcio, é o de associar novas partes às primitivas, e não pode operar a sua exclusão por via de substituição”, do que inquestionavelmente se terá de inferir que, não se enquadra neste incidente qualquer “situação em que o réu pretende a intervenção de alguém a quem imputa exclusivamente a obrigação invocada pelo autor e afirma dever ser absolvido do pedido”. (3)

Como esclarece o art. 312º, do C.P.C., o interveniente principal faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu, ou seja, coexistente com o interesse de um ou de outro, no quadro do litisconsórcio ou da coligação.

O conceito de legitimidade está ligado ao interesse que as partes depositam na decisão sobre o mérito da causa.

O instituto processual do litisconsórcio tem, assim, por base a existência de uma relação jurídica com titularidade ou comunhão de sujeitos desses direitos ou obrigações que lhes estão subjacentes.

Por conseguinte, são pressupostos de admissibilidade da demanda comum que haja um estado de comunidade jurídica a respeito do objecto litigioso, ou seja:
- Ou que os litisconsortes sejam titulares de um direito ou obrigação pela mesma causa de facto e jurídica;
- Ou que as pretensões dos litisconsortes sejam da espécie e se baseiem em causas de facto e de direito equivalentes.

Incontroverso resulta, assim, que:
- Por um lado, a violação do litisconsórcio necessário gera a ilegitimidade das partes desacompanhadas de outrem que deveria intervir na relação processual, pese embora daí não resulte que elas não tenham interesse na lide, mas sim que o interesse não pode ser declarado judicialmente sem a presença de todos os titulares.
- Por outro, o litisconsórcio é voluntário – e é-o, como regra – quando a lei material deixa na disponibilidade das partes a sua constituição, ou seja, e não obstante, a relação material controvertida respeitar a mais do que um interessado, não se exige a intervenção no pleito de todos os titulares da relação jurídica. (4)

Assente o exposto em tese geral e reportando agora ao processo executivo, temos que, como se refere na decisão recorrida, “nos termos do disposto no artigo 745º, nº 2, do mesmo Código, instaurada a execução apenas contra o devedor subsidiário e invocando este o benefício da excussão prévia, pode o exequente requerer, no próprio processo, execução contra o devedor principal, que será citado para integral pagamento, dispondo ainda o artigo 54º, nº 2, ainda do mesmo diploma, que “a execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro segue directamente contra este, se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser demandado o devedor”.

Em razão destes elementos normativos, e como igualmente aí se refere ”se a execução podia ter sido instaurada, ab initio, também contra o terceiro (n.º 2 do art. 54.º), muito embora as normas processuais referentes aos incidentes de intervenção de terceiros estejam estruturadas em função da acção declarativa, não se descortina fundamento para que ele não possa ser chamado no decurso da execução, sabido que a admissibilidade, em geral, da intervenção principal provocada é aceite quanto a pessoas com legitimidade para a acção executiva. (…)

De facto, o fim perseguido pela execução não aparenta constituir obstáculo à requerida intervenção, até porque o art. 551.°, n.° 1 manda aplicar subsidiariamente ao processo de execução, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a acção executiva, e o n.º 2 do artigo 316.º permite, nos casos de litisconsórcio voluntário, que o autor provoque a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do art. 39.º.

No âmbito do litisconsórcio voluntário admite-o em quatro situações. São elas, o chamamento do devedor nos termos já enunciados no art. 54.º, nº 3, a demanda do devedor subsidiário, se instaurada a execução apenas contra o devedor principal os bens deste se revelarem insuficientes (art. 745.º, nº 3), a demanda do devedor principal, se instaurada a execução apenas contra o devedor subsidiário este invocar o beneficio da excussão prévia (art. 745.º, nº 2), e o chamamento à demanda do cônjuge do executado não obrigado no título, para declarar se aceita a comunicabilidade da dívida (741.º, nºs 1 a 5).
Em suma, como se vê, não se descortina na dogmática processual algum princípio geral e absoluto que vede o incidente de intervenção principal no âmbito da acção executiva.

Lebre de Freitas considera a sua admissibilidade, em geral, baseada na admissibilidade do litisconsórcio ou da coligação, “quanto a pessoas com legitimidade para a acção executiva, pois de outro modo o incidente de intervenção iria servir à formação dum título executivo a favor ou contra terceiros, o que só se compadece com o fim (art. 10-4) e os limites (art. 10-5) da acção executiva quando uma norma excepcional o preveja”, pelo que a admissibilidade do mesmo deverá é estar condicionada a uma análise da sua necessidade em face das circunstâncias de cada caso concreto, se, porventura, se mostram verificados os necessários pressupostos legais, e se tal intervenção tem a virtualidade de satisfazer um interesse legítimo e relevante que se coadune com o fim e os limites da acção executiva (cfr. art. 10.º, nºs 4 e 5)”. (5)

Esclarecida em tese, admissibilidade do incidente em causa no processo executivo, passemos então à análise e enquadramento da concreta situação.

Ora, como fundamento da sua pretensão recursória alegam, em síntese, os Recorrentes que não tendo eles legitimidade para figurar como executados na presente execução, por não serem proprietários dos bens executados, inexiste uma situação de litisconsórcio necessário ou voluntário entre os executados e a chamada, do que, em seu entender, decorre não ser admissível o chamamento e intervenção da última, à luz do que dispõe o artigo 316º nº 2 do CPC.

Com efeito, a circunstância de a chamada ter passado a ser, entretanto, a proprietária do bem executado, não chega para conferir alguma utilidade à sua intervenção, porquanto, quando se concretizar tal chamamento, já o bem executado e que lhe pertence, foi há muito tempo objecto de venda judicial, a qual, realizada à revelia do proprietário da coisa vendida, será ilegal, à luz do disposto no artigo 817º do CC, segundo a qual apenas em execução movida contra o devedor, poderá o seu património ser executado.

Salvo o muito e devido respeito não se nos afigura que isto assim seja.

Na verdade, como com pertinência e acerto se aduz na decisão recorrida, a admissibilidade do incidente de intervenção provocada, colocada em crise por via do presente recurso, “deverá estar condicionada a uma análise da sua necessidade em face das circunstâncias de cada caso concreto, se, porventura, se mostram verificados os necessários pressupostos legais, e se tal intervenção tem a virtualidade de satisfazer um interesse legítimo e relevante que se coadune com os fins e limites da acção executiva (cfr. art.10.º, n.ºs 4 e 5)”

Ora na presente situação, se nada obstava a que pudesse ter sido demandada ab initio a devedora Y – Sociedade de Construção Promoção Imobiliária Lda -, também nada obsta a que o Exequente, na pendência dos autos, possa provocar a intervenção da mesma para, e contra ela dirigir o seu pedido, na dupla de qualidade de devedora e actual proprietária do imóvel penhorado, uma vez que o princípio geral consagrado no art.º 817.º do Código Civil (C.C.) é o de que o credor só pode executar o património do devedor para se fazer pagar do seu crédito, sendo excepção, a da execução de bens de terceiro desde que estes estejam vinculados à garantia do crédito ou quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor, que este tenha precedentemente impugnado, nos termos permitidos pelo art.º 818.º do C.C..

Como e correctamente refere a Recorrida, os referidos princípios e excepção foram adjectivados no nº 1, do art.º 735.º do C.P.C., nos termos do qual podem ser penhorados (“estão sujeitos à execução”) todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, de acordo com a lei substantiva, respondem pela dívida exequenda (n.º 1), estatuindo, por sua vez, o n.º 2, desse dispositivo que podem ainda ser penhorados bens de terceiro nos casos especialmente previstos na lei, desde que a execução tenha sido movida contra ele.

E é assim que, o art.º 54.º do C.P.C., num desvio à regra geral da determinação da legitimidade pela figuração no título executivo, consagrada no art.º 53.º, reconhece a legitimidade passiva na execução ao titular do direito de propriedade dos bens onerados com a garantia real, mesmo que não seja o devedor, nem, sequer, sujeito da relação obrigacional, podendo, assim, ser demandado:
- Apenas o devedor, prescindindo da garantia;
- Apenas o terceiro, fazendo valer a garantia;
- Ou directamente o terceiro para também fazer valer a garantia, e demandar o devedor, no início ou depois de reconhecida a insuficiência dos bens onerados.

Como e bem refere igualmente a Recorrida, o actual artigo 54, do C.P.C., reproduz, sem grandes alterações, o art.º 56.º do anterior Código, na redacção que lhes deu a reforma de 1995/1996 (Dec.-Lei 329-A/95, de 12 de dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro), sendo que, justificando o legislador a opção por esta solução referiu no respectivo preâmbulo do diploma o seguinte:
(…)
“No que concerne ao complexo e controverso problema da definição da legitimidade das partes na acção executiva, quando o objecto desta seja uma dívida provida de garantia real, procurou tomar-se posição clara sobre a questão da legitimação do terceiro, possuidor ou proprietário dos bens onerados com tal garantia. Assim, concede-se tanto a um como a outro legitimidade passiva para a execução, quando o exequente pretenda efectivar tal garantia, incidente sobre bens pertencentes ou na posse de terceiro, sem, todavia, se impor o litisconsórcio necessário, quer entre estes – proprietário e possuidor dos bens – quer com o devedor.
Considera-se, na verdade, que cumpre ao exequente avaliar, em termos concretos e pragmáticos, quais as vantagens e inconvenientes que emergem de efectivar o seu direito no confronto de todos aqueles interessados passivos, ou de apenas algum ou alguns deles, bem sabendo que se poderá confrontar com a possível dedução de embargos de terceiro por parte do possuidor que não haja curado de demandar.” (6)

Isto posto, é também nosso entendimento o de que a admissibilidade dos incidentes de intervenção de terceiro no âmbito da acção executiva e respectiva oposição tem que ser analisada em face das circunstâncias do caso concreto, com vista a apurar se, nessas circunstâncias, estão ou não verificados os respectivos pressupostos legais, se a intervenção tem ou não a virtualidade de satisfazer um qualquer interesse legítimo e relevante e se a intervenção implica ou não com a estrutura e a finalidade da acção executiva” (7).

Na presente situação, tendo a acção sido movida contra os Apelantes na estrita qualidade de adquirentes que eram do bem imóvel dado em garantia do crédito exequendo, e tendo estes, na pendência da execução deixado de ser proprietários do imóvel que reverteu para a esfera patrimonial da devedora, temos de concluir que se não vislumbra qualquer impedimento a que o Exequente possa requerer, neste mesmo processo, o prosseguimento da execução quanto a esta que - naturalmente não deixará de ser citada para os termos da execução – para completa satisfação do crédito exequendo.

Assim sendo, e como se refere na decisão recorrida, “a presente execução foi proposta, de início, não contra o devedor, mas ao abrigo do renumerado artigo 56º, nº 2, do revogado Código de Processo Civil (hoje, artigo 54º, nº 2, do NCPC) contra os proprietários do bem onerado”, e “tendo ocorrido uma vicissitude consubstanciada em sentença, transitada em julgado, que retirando os efeitos da resolução do contrato de compra e venda, implicou a restituição do que havia sido prestado, o bem onerado encontra-se, actualmente, sob a titularidade da devedora originária.

Destarte, e como aí igualmente se conclui, “se esta podia ter sido demandada logo de início, e de molde a evitar-se a multiplicação de acções executivas, o princípio da economia processual aconselha a sua intervenção nos autos a título principal, na posição de executada”.

Pelo exposto, julga-se improcedente a presenta apelação, e, em consequência, mantem-se, na íntegra a decisão recorrida.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos Recorrentes.
Guimarães, 15/ 06/ 2021.
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.


1. Relatado por Gregório Silva Jesus, disponível in www.dgsi.pt.
2. Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 16.01.2001, CJ 2001, tomo I, pág. 13.
3. Cfr. Salvador da Costa, Os Incidente Da Instância, pgs. 90 e 113
4. Vide José Lebre de Freitas – C.P.C. anotado, V. 1º, Ed. Coimbra, pág. 56.
5. Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 28.01.2015, disponível in www.dgsi.pt.
6. In Preâmbulo do Dec.-Lei n.º 329-A/95.
7. Cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 19/11/2009, proferido no processo nº 181-C/1995.P1, in www.dgsi.pt).