Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1217/23.5YLPRT.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: ARRENDAMENTO PARA FIM NÃO HABITACIONAL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
CADUCIDADE
MANUTENÇÃO NO GOZO DO ARRENDADO
RENOVAÇÃO RETROACTIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- O NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 22/02, na redação da Lei n.º 31/2018, de 14/08, passou a permitir que os contratos de arrendamento não habitacionais celebrados antes da vigência do D.L. n.º 257/95, de 30/09, possam igualmente ser sujeitos à transição para o NRAU e a ser objeto de atualização da renda, conferindo ao senhorio um direito potestativo de, por sua iniciativa, desencadear um processo negocial com o arrendatário com vista a substituir o contrato de arrendamento anteriormente celebrado por um novo contrato, que fica sujeito ao regime jurídico introduzido pelo NRAU, nomeadamente, ao nível do CC..
2- O regime jurídico aplicável a esse processo negocial é o que se encontra em vigor à data em que o senhorio desencadeia esse processo negocial.
3- Transitando o contrato de arrendamento (habitacional ou não habitacional) para o NRAU, o regime jurídico que é aplicável à oposição à renovação desse contrato é o que se encontrar em vigor à data da oposição à renovação (art. 12º, n.º 2, parte final, do CC).
4- Em 17/12/2018, data em que o arrendatário rececionou a carta do senhorio em que este se opôs à renovação do contrato de arrendamento não habitacional (validamente transitado para o NRAU, em 01/05/2014), findo o prazo de vigência do contrato entre eles acordado (5 anos), encontrava-se em vigor o CC, na sua 74ª versão, introduzida pela Lei n.º 48/2018, de 14/08, cujo art. 1110º determina que a matéria da duração, denúncia e oposição à renovação do contrato é regulada pelas regras acordadas por senhorio e arrendatário de acordo com a sua liberdade contratual, mas que, na ausência dessas regras estabelecidas por acordo dos contratantes, aplicam-se supletivamente as normas previstas para o arrendamento para habitação.
5- Tendo senhorio e arrendatário, aquando da transição do contrato de arrendamento não habitacional para o NRAU, acordado que o prazo de vigência inicial do contrato era de cinco anos, mas nada tendo acordado quanto à renovação e à oposição à renovação desse contrato, o contrato em causa fica submetido, quanto a essas matérias, ao regime jurídico previsto nos arts. 1096º e 1097º do CC, na redação então vigente.
6- Tendo o senhorio, mediante carta de 28/11/2018, deduzido validamente oposição à renovação do contrato de arrendamento, e tendo, assim, o contrato se extinguido, por caducidade, em 30/04/2019, verificando-se que o arrendatário se manteve no gozo do arrendado durante um ano, a partir de 30/04/2019 (data em que o contrato se extinguiu, por caducidade), sem oposição do senhorio, aquele contrato de arrendamento renovou-se retroativamente, por mais cinco anos, a contar de 01/05/2019 (cfr. arts. 1056º, 1096º, n.º 1 e 1110º, n.º 1 do CC).
7- As normas dos arts. 1054º, 1055º e 1056º, parte final, do CC, não são aplicáveis aos contratos de arrendamento (habitacionais ou não habitacionais) celebrados depois da entrada em vigor do NRAU, incluindo, aos que transitaram para o NRAU.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., ... ..., instaurou procedimento especial de despejo contra EMP01..., Lda., com sede na Rua ..., ... ..., pedindo que esta lhe entregasse o locado, devoluto e em adequado estado de conservação, e, bem assim, fosse condenada a pagar-lhe a indemnização prevista pelo atraso na restituição daquele, no montante de 694,50 euros por cada mês de mora, até efetiva entrega do locado.
Para tanto alegou, em suma, que: em 18/06/1948 foi celebrado contrato de arrendamento entre a então proprietária, BB, e a requerida, EMP01..., Lda., tendo por objeto um armazém sito na Rua ..., ..., então inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...16º da freguesia ..., concelho ..., correspondente ao atual art. ...66º da União das Freguesias ... (..., ... e ...); na posição contratual da então senhoria sucedeu CC, como proprietária do imóvel e, posteriormente, a sua filha, a requerente AA, a quem a sua progenitora doou o prédio em causa; por carta de 04/02/2014, a requerente comunicou à requerida a transição do contrato de arrendamento para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), o que foi aceite e reconhecido por ambas as partes nos termos da carta da requerida datada de 14/04/2014, com efeitos a 01/05/2014, nos seguintes termos: contrato de arrendamento para fins não habitacionais, com prazo certo de 5 anos, renovável por períodos de 1 ano e com a renda mensal de €347,25; entretanto, a requerente, por carta de 28/11/2018, rececionada pela requerida em 17/12/2018, comunicou a sua oposição à renovação do contrato, com efeitos a 30/04/2019, data do termo do contrato; em virtude de a requerida se ter mantido por mais de um ano no local que lhe fora arrendado considerou a requerente que o contrato de arrendamento se renovou por períodos sucessivos de um ano e, por carta de 05/12/2022, comunicou à requerida a sua oposição à renovação do contrato iniciado no dia 01/05/2014, que, assim, terminou no dia 30/04/2023; acontece que, apesar da oposição à renovação do contrato de arrendamento pela requerente, da obrigação da requerida de lhe restituir o locado e das diversas insistências para que aquela lho restituísse, a requerida não o fez.
A requerida, EMP02..., Lda., deduziu oposição alegando, em síntese, que: a requerida admite a celebração do contrato de arrendamento, bem como a sucessão na posição contratual da requerente; contudo, na missiva datada de 04/02/2014, a requerente propôs à requerida condições que esta não aceitou fosse em que medida fosse, motivando da parte desta uma contraproposta feita por carta registada com aviso de receção, datada de 14/04/2014, em que aceitou a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, bem como o valor da renda proposta, no montante de €347,25 mensais, mas não aceitou o prazo certo de três anos de vigência do contrato proposto e contrapropôs um prazo de duração de cinco anos, o que foi aceite pela requerente; impugnou o alegado pela requerente quanto à invocada oposição à renovação do contrato de arrendamento nos anos de 2018 e 2019, e alegou que, ainda que a requerente tivesse tentado opor-se à renovação do contrato, essa oposição era-lhe vedada por lei, pelo que, a carta de 2018, jamais produziu quaisquer efeitos jurídicos; apesar da requerente lhe ter remetido a carta opondo-se à renovação do contrato de arrendamento junta em anexo ao requerimento inicial como doc. n.º ...,  face ao tipo de contrato em causa (de arrendamento não habitacional) e a sua longevidade, não pode a requerente opor-se à renovação do contrato, muito menos nos moldes em que o fez, uma vez que nada tendo ficado estipulado entre as partes quanto à renovação do contrato de arrendamento, este considera-se renovado por períodos sucessivos de cinco anos, pelo que, tendo o contrato de arrendamento transitado para o NRAU em 01/04/2014, manteve-se em vigor durante cinco anos (conforme fora acordado entre as partes), isto é, até ../../2019, data em que se  renovou por mais cinco anos, mantendo-se, por isso, a sua vigência até ../../2024.
Concluiu pedindo que, por via da procedência da matéria de exceção que alegou, fosse absolvida da instância ou do pedido; e que, em todo o caso, se julgasse a ação improcedente e fosse absolvida do pedido.
Remetidos os autos à distribuição, em 16/10/2023, a 1ª Instância proferiu despacho no sentido de que: “Atenta a documentação junta e os fundamentos de oposição à execução aventados, o tribunal entende prima facie que esta constitui essencialmente uma questão de direito (sem prejuízo de ponderação posterior), pelo que poderá eventualmente conhecer imediatamente do mérito da causa, nos termos previstos no art. 15º-H, n.º 4 do NRAU” e, em observância do princípio do contraditório, ordenou a notificação das partes para se pronunciarem, querendo.
A requerida pronunciou-se no sentido de nada ter a opor a que se conhecesse imediatamente do mérito da causa.
Após o decurso do prazo de suspensão da instância, requerido pelas partes, com vista a alcançarem um acordo que lhes permitisse a resolução amigável do presente litígio, também a requerente declarou nada ter a opor que se conhecesse imediatamente do mérito da causa.
Em 20/11/2013, proferiu-se saneador-sentença, em que se fixou o valor da causa em 10.417,50 euros, e em que se julgou a ação improcedente e se absolveu a requerida do pedido, constando esse saneador-sentença da seguinte parte dispositiva:
“Termos em que o tribunal julga a presente ação totalmente improcedente, absolvendo a requerida do peticionado.
Custas pela requerente (art. 527º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil”.

Inconformada com o decidido, a requerente, AA, interpôs recurso, em que formulou as conclusões que se seguem:
1) Por carta registada de 4 de fevereiro de 2014, a requerente/senhoria dirigiu-se à requerida/inquilina para   – nos termos do art.º 50º da Lei 6/2006 de 27/2 – promover a transição para o NRAU de um contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado por escritura pública em 18/6/1948. Propôs uma renda de € 347,25 e contrato de arrendamento com termo certo (três anos) renovável por períodos iguais e sucessivos de um ano cada, tudo com efeitos a 1 de abril de 2014.
2) Respondeu a inquilina aceitando a transição do arrendamento para o NRAU, aceitando também a renda proposta, e pronunciando-se sobre o tipo e duração do contrato, no sentido de este ser a termo certo de 5 anos.
3) Aceitou a senhoria o proposto pela inquilina, nada se tendo estipulado sobre renovações e/ou prorrogações do contrato pelo que, em tal matéria, se aplicam os art.ºs 1096º e 1097º do Código Civil, ex vi do art.º 1110º, 1 do mesmo diploma.
4) Por carta registada de 28/11/2018, para produzir efeitos em 30/4/2019, a requerente senhoria, deduziu a sua oposição à renovação/prorrogação do contrato por mais cinco anos. A antecedência observada foi de mais de 150 dias, excedendo assim a exigida na alínea b) do n.º 1 do art.º 1097º do Código Civil, aplicável ex vi do n.º 1 do art.º 1110º do mesmo diploma – 120 dias.
5) Decorrido o dia 30/4/2019, a inquilina não deu qualquer indicação de que acatava a entrega do locado, nele se mantendo, aproveitando, é certo, uma certa inércia da senhoria.
6) Nesta situação, apesar de a oposição à renovação do contrato por parte da senhoria nos termos expostos na cláusula 4) supra, desencadear uma sequência causal, culminando na caducidade do contrato de arrendamento de que se trata, o facto da inquilina se manter no locado importa – nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 1056º e 1054º do Código Civil (ambas com as redações que lhes foram dadas pela Lei 6/2006 de 27/2) – na renovação do contrato por períodos sucessivos e iguais de um ano.
7) Em consequência a requerente e senhoria dirigiu à inquilina e requerida carta registada de 5 de dezembro de 2022 (que está no processo como, aliás, todas as que vêm sendo aqui citadas) opondo-se a qualquer renovação que se perspetivasse, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 1056º e 1054º do Código Civil.
8) A decisão recorrida decorre de um manifesto equívoco da 1ª instância: Assim: no parágrafo da sua respetiva pág. 6 afirma-se: “…tratando-se de uma oposição à renovação, pelo senhorio, a mesma tem de ter a antecedência de 240 dias visto que se trata de um contrato com a duração inicial de 6 anos (data de 1948, cfr. ponto 2).
9) Ora – compulsando a escritura pública lavrada nas notas do então ... Cartório Notarial ... em 18 de junho de 1948 – constata-se que o mencionado (na sentença recorrida) “ponto 2”, respeita à renda e não ao prazo contratual;
10) Já o Ponto 1 (“Primeiro”) se refere ao prazo, nos seguintes termos – “o prazo é por um período de um ano prorrogável e tem o seu início em um de maio do corrente ano”.
11) De qualquer modo, atendendo a que – como se poderá constatar compulsando a matéria de facto assente - por carta da inquilina datada de 14/4/2014 (em resposta a comunicação da senhoria datada de 4/2/2014) consumou-se a transição do contrato em causa para o NRAU, com a renda proposta pela senhoria e pelo prazo de cinco anos, não tendo havido objeções da senhoria.
12) Assim, havendo acordo das partes quanto ao prazo certo (embora nada se tenha expressamente estipulado sobre renovações) não se vê a que propósito se há-de, por assim dizer, repristinar o, assim chamado, “prazo inicial” por ser o constante da versão de 1948 do contrato de arrendamento, o qual é bom lembrar, transitou para o NRAU, com acordo das partes.
13) Visto o que antecede, dir-se-á que a requerente não consegue vislumbrar qualquer estipulação escrita arcaica (de 1948) ou mais moderna de um soi disant prazo de 6 anos de “duração inicial”, para o arrendamento de que se trata.
14) Como assim, o prazo (antecedência) para a senhoria se opor à renovação do contrato, com prazo certo de 5 anos, tal como, resultou da transição para o NRAU do espécime vinculístico de 1948, será de 120 dias (art.º 1097º, n.º 1, b) ex vi do n.º 1 do art.º 1110º, 1 do Código Civil) e não de 240 dias, como erradamente se decidiu.
Nestes termos, e com o douto suprimento do Tribunal, deve ser revogada a sentença recorrida, decretando-se o despejo requerido.
Mais se requer que, se o Tribunal assim o entender, use a faculdade prevista no n.º 2 do art.º 665º do C.P.C., substituindo-se ao Tribunal recorrido, no conhecimento das mais pretensões deduzidas pela ora recorrente no requerimento de despejo.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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A 1ª Instância admitiu o recurso interposto como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito suspensivo, o que não foi alvo de modificação por parte do tribunal ad quem.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido objeto do saneador-sentença sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo de nulidade), ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, o saneador-sentença recorrido[1].
No seguimento desta orientação, cumpre ao tribunal ad quem apreciar uma única questão que consiste em saber se o saneador-sentença recorrido (ao julgar improcedente a ação e ao absolver a apelada do pedido) padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe a sua revogação e julgar a ação procedente.
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III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade com relevo para a decisão a proferir nos autos:
1- Mediante AP. ...87 de 2015/11/17, encontra-se registada a favor de AA, por doação de CC, a titularidade do direito de propriedade sobre o prédio urbano inscrito no artigo ...66 da matriz predial urbana da freguesia ..., ... e ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...23.
2- Mediante acordo escrito designado «arrendamento», datado de 18/06/1948, celebrado entre a então proprietária BB e a requerida, o prédio referido em 1) foi dado de arrendamento para exercício de atividade comercial.
3- Na posição contratual de BB sucedeu CC como proprietária do imóvel e, posteriormente, a sua filha, AA, ora requerente, a quem a sua progenitora o doou.
4- Mediante carta datada de 04/02/2014, a requerente remeteu à requerida uma comunicação, nos termos previstos no art. 50º do NRAU, com o seguinte teor:
a. a propor a transição do acordo escrito referido em 2) para o NRAU, com o valor de renda de €347,25 e contrato proposto de «contrato de arrendamento para fins não-habitacionais, com prazo certo de três anos, renovável por períodos de um ano».
5- Mediante carta datada de 14/04/2014, a requerida manifestou a sua oposição ao contrato proposto, bem como a adesão à transição do contrato para o NRAU, com o valor proposto de €347,25, por um prazo de cinco anos.
6- Mediante carta datada de 28/11/2018, recebida, pela requerida em 17/12/2018, a requerente comunicou à requerida a sua oposição à renovação do acordo escrito referido em 2), nos termos do art. 1055º do Cód. Civil, considerando o mesmo findo em 30/04/2019.
7- Mediante carta datada de 05/12/2022, a requerente comunicou à requerida a sua oposição à renovação do acordo escrito referido em 2), comunicando que considerava que o mesmo se renovou pelo período de um ano em 30/04/2019, terminando em 30/04/2023.
8- A requerida tem-se mantido no locado desde então.
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E julgou não provada a seguinte facticidade:
a- Que as partes tenham acordado num prazo certo de 5 anos, renovável por períodos de 1 ano, relativamente ao acordo escrito referido em 2).
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IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

Nos presentes autos está em causa um contrato de arrendamento celebrado em ../../1948, mediante o qual BB deu de arrendamento à apelada, EMP01..., Lda., o armazém composto por um só pavimento, situado na Rua ..., ..., ..., então inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...16º, por um período de um ano, prorrogável, com início em 01 de maio de 1948, mediante uma renda mensal de 1.200$00, para que nele fosse estabelecido pela sociedade arrendatária o comércio de materiais de construção (cfr. pontos 1º e 2º dos factos apurados e teor do contrato de arrendamento junto aos autos em 16/10/2023).
Trata-se de um contrato de arrendamento para fins não habitacionais que foi celebrado antes do D.L. n.º 257/95, de 30 de setembro.
A Lei n.º 6/2006, de 27/02, aprovou o novo regime do arrendamento urbano (NRAU), revogou o RAU, aprovado pelo D.L. n.º 321-B/90, de 15/10, com todas as alterações subsequentes, salvo nas matérias a que aludem os arts. 26º e 28º do NRAU quanto aos contratos de arrendamento celebrados antes da sua entrada em vigor (art. 60º, n.º 1 do NRAU), e determina, no seu art. 59º, n.º 1, que o NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistiam nessa data, sem prejuízo das normas transitórias.
A Lei n.º 31/2012, de 14/08, que procedeu à 3ª revisão do NRAU, passou a permitir que os contratos de arrendamento não habitacionais celebrados antes da vigência do D.L. n.º 257/95, de 30/09, como é o caso do contrato de arrendamento objeto dos autos, celebrado em ../../1948, possam igualmente ser sujeitos à transição do NRAU e à atualização da renda (arts. 50º e ss. do NRAU), com um regime muito parecido ao do arrendamento habitacional (art. 30º do NRAU).
O procedimento de atualização e de transição para o NRAU que foi consagrado pela Lei n.º 31/2012, de 14/08, traduz-se na atribuição de um direito potestativo ao senhorio em que este, por sua iniciativa, desencadeia um processo negocial com o arrendatário com vista a substituir o contrato de arrendamento anterior, vinculístico, que com este tinha celebrado, por um novo contrato, que fica sujeito ao regime jurídico introduzido pelo NRAU, nomeadamente, ao nível do CC[2].
Esse processo negocial define-se, fundamentalmente, por três comunicações, em que apenas a primeira tem natureza essencial, enquanto as duas restantes têm natureza eventual: a declaração inicial potestativa do senhorio; a resposta do arrendatário, e a contrarresposta do senhorio[3].
No caso presente, mediante carta de 04/02/2014, a apelante remeteu à apelada uma comunicação, em que lhe propôs que o contrato de arrendamento não habitacional, celebrado em ../../1948, que então se encontrava em vigor, transitasse para o NRAU, com uma renda mensal de 347,25 euros, e propondo-lhe que o contrato passasse a ter prazo certo de três anos, renovável por períodos de um ano (cfr. ponto 4º dos factos apurados).
Em 04/02/2014, encontrava-se em vigor o NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27/02, na sua 3ª versão, introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14/08, pelo que é o regime deste diploma que é aplicável à pretensão formulada pela apelante em atualizar a renda do locado e fazer transitar o contrato de arrendamento de 18/06/1948 para o NRAU.
Estabelece o art. 27º do NRAU, na dita redação (da Lei n.º 31/2012), que: “As normas do presente capítulo aplicam-se aos contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, bem como aos contratos para fins não habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de outubro”.
O art. 28º, n.º 1 do mesmo diploma estabelece que: “Aos contratos que se refere o artigo anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 26º, com as especificidades constantes dos números seguintes e dos artigos 30º a 37º e 50º a 54º.
Na Secção III daquele mesmo diploma, que tem por epígrafe: “Arrendamento para fim não habitacional”, com relevância para o caso dos autos, constam os arts. 50º a 53º.
No mencionado art. 50º lê-se que: “A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem da iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando: a) O valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos; b) O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38º e seguintes do CIMI, constante da caderneta predial urbana; c) Cópia da caderneta predial”.
Por sua vez, lê-se no art. 51º que: “1- O prazo para a resposta do arrendatário é de 30 dias a contar da receção prevista no artigo anterior; 3- O arrendatário, na sua resposta pode: a) Aceitar o valor da renda proposto pelo senhorio; b) Opor-se ao valor da renda proposto pelo senhorio, propondo um novo valor, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 52º; c) Em qualquer dos casos previstos nas alíneas anteriores, pronunciar-se quanto ao tipo ou duração do contrato propostos pelo senhorio; d) Denunciar o contrato de arrendamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 54º”.
E, no art. 52º que: “Sem prejuízo do disposto no art. 54º, é aplicável à oposição pelo arrendatário e á decisão pelo senhorio, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 33º, com exceção do n.º 8”.
Finalmente, dispõe o referido art. 33º que: “1- Sem prejuízo do disposto nos artigos 35º e 36º, caso o arrendatário se oponha ao valor da renda, ao tipo ou à duração do contrato propostos pelo senhorio, propondo outros, o senhorio, no prazo de 30 dias contados da receção da resposta daquele, deve comunicar ao arrendatário se aceita ou não a proposta. 3- A falta de resposta do senhorio vale como aceitação da renda, bem como do tipo de duração do contrato proposto pelo arrendatário. 4- Se o senhorio aceitar o valor da renda proposto pelo arrendatário ou verificando-se o disposto no número anterior, o contrato fica submetido ao NRAU a partir do 1º dia útil do segundo mês seguinte ao da receção, pelo arrendatário, da comunicação prevista no n.º 1 ou do termo do prazo aí previsto”.
Resulta do cotejo das normas que se acabam de transcrever que, em 04/02/2014, data em que a apelante remeteu a carta à apelada propondo-lhe o aumento da renda e a transição do contrato de arrendamento não habitacional de 18/06/1948 para o NRAU, assistia-lhe efetivamente o direito potestativo de desencadear o processo negocial regulado nos arts. 50º e segs. do NRAU, na redação da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, com vista a atingir esse desiderato.
Esse processo negocial tendente à transição do contrato para o NRAU e a atualização da renda tinha de iniciar-se (como o foi) por iniciativa do senhorio (a apelante), normalmente, mediante carta registada com a aviso de receção, ou através de um dos meios de comunicação previstos no art. 9º do NRAU.
Nessa carta a apelante tinha de comunicar ao arrendatário (apelada), conforme fez, a sua intenção de aumentar a renda e de fazer transitar o contrato de arrendamento para o NRAU, indicando o valor da renda proposta, o tipo de contrato e sua duração que pretendia que passasse a vigorar, o valor patrimonial do locado, constante da caderneta predial urbana, de acordo com os arts. 38º e segs. do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), e remetendo-lhe cópia da caderneta predial urbana.
Essas formalidades foram integralmente observadas pela apelante, através da carta que remeteu à apelada, em 04/02/2014, tanto assim que a apelada não contesta que essas formalidades não tenham sido integralmente cumpridas, nem na carta 14/04/2014, em que respondeu à proposta que lhe foi feita pela apelante, jamais colocou em crise o cumprimento dessas formalidades.
Perante essa comunicação do senhorio (apelante) assistia ao arrendatário (apelada) o direito: 1º- a não responder, o que, nos termos dos arts. 31, n.º 6º e 51º, n.º 7 do NRAU, valeria como aceitação da renda, bem como do tipo e duração do contrato propostos pelo senhorio, ficando o contrato submetido ao NRAU, com essas novas condições, a partir do primeiro dia útil do segundo mês seguinte ao da receção da carta pela apelada da carta que lhe foi remetida pela apelante em que lhe apresentou aquela proposta de aumento de renda e de transição do contrato para o NRAU (arts. 31º, n.º 6 e 51º, n.º 7 do NRAU); 2º- ou, como sucedeu no caso, autos, responder a essa proposta, adotando uma das seguintes reações possíveis: a) aceitar o valor da renda proposto pelo senhorio (apelante), podendo ainda pronunciar-se quanto ao tipo ou duração do contrato que este propusera (art. 51º, n.º 3, als. a) e c) do NRAU); b) opor-se ao valor da renda proposto pelo senhorio, propondo-lhe um novo valor, nos termos e para os efeitos previstos no art. 52º, podendo ainda pronunciar-se quanto ao tipo de duração do contrato proposto pelo senhorio (art. 51º, n.º 3, als. b) e c) do NRAU); ou c) denunciar o contrato de arrendamento nos termos e para os efeitos previstos no art. 53º (art. 51º, n.º 3, al. d) do NRAU).
No caso dos autos, na carta de 04/02/2014, com que deu início ao processo negocial com vista à transição do contrato não habitacional de 18/06/1948 para o NRAU e o aumento da renda a apelante propôs que esse contrato de arrendamento transitasse para o NRAU, que a renda mensal passasse a ascender ao valor mensal de 347,25 euros e que o contrato de arrendamento passasse a ser de prazo certo, com um prazo inicial de vigência de três anos, renovável por períodos de um ano.
Na carta de 14/04/2014, em que a apelada respondeu à dita proposta que lhe foi apresentada pela apelante, aquela aceitou que o contrato transitasse para o NRAU, a renda mensal de 347,25 euros proposta pela apelante, mas não aceitou o prazo de vigência de três anos, com renovação por períodos de um ano, que esta lhe propôs, contrapropondo-lhe que o prazo de vigência do contrato fosse de cinco anos (cfr. ponto 5º dos factos apurados).
A apelante não respondeu à contraproposta apresentada pela apelada, o que significa que, nos termos do disposto nos arts. 52º e 33º, n.º 3 do NRAU, aquela aceitou a referida contraproposta que lhe foi apresentada pela última, pelo que o contrato não habitacional de 18/06/1948 transitou para o NRAU como “contrato de arrendamento para fins não habitacionais, com um prazo de vigência acordado entre as partes de cinco anos, com uma renda mensal de 347,25 euros, e onde aquelas nada estipularam quanto à renovação desse contrato.
No que respeita à data concreta em que ocorreu a transição do contrato para o NRAU, nos termos do art. 33º, n.º 4 do NRAU, o contrato em referência ficou submetido a este regime a partir do 1º dia útil do segundo mês seguinte ao da receção, pelo arrendatário, da comunicação prevista no n.º 1 do art. 33º, ou seja, da receção pela apelada da carta com que a apelante deu início ao referido processo negocial, ou do termo do prazo aí previsto.
Sucede que, no caso, a apelante não juntou aos autos o aviso de receção relativo à carta que remeteu à apelante em 04/02/2014, mediante o qual deu início ao mencionado processo negocial que culminou com a transição daquele contrato de arrendamento não habitacional para o NRAU nas condições já enunciadas, pelo que se desconhece a data concreta em que essa transição ocorreu.
Todavia, na carta de 14/04/2014, que a apelada remeteu respondendo à apelante, aceitando a transição do contrato de arrendamento para o NRAU e a renda proposta de 347,25 euros mensais, mas não aceitando o prazo de vigência (de três anos) e de renovação (de um ano) proposto pela última, contrapropondo-lhe antes um prazo de vigência do contrato de cinco anos, a apelada aceita que essa transição do contrato para o NRAU ocorreu em 01 de maio de 2014, tanto assim que na mesma escreve expressamente que irá pagar a nova renda a partir de maio de 2014. E também a apelante aceita que essa transição do contrato para o NRAU ocorreu naquela data de 01 de maio de 2014, quer na carta de 28 de novembro de 2018 (onde se lê: “(…) o contrato se iniciou em 1 de maio de 2014 e terminará em 30 de abril de 2019”), quer na de 05/12/2022, pelo que, temos como  facto assente que a transição do identificado contrato de arrendamento não habitacional transitou para o NRAU em 01/05/2014, pelo que o prazo de vigência inicial fixado pelas mesmas de cinco anos terminava em 30/04/2019.
 Acontece que, por carta datada de 28/11/2018, rececionada pela apelada em 17/12/2018, a apelante comunicou à última a sua oposição à renovação daquele contrato, considerando que o mesmo findava em 30/04/2018 (cfr. ponto 6º dos factos apurados).
A declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento constitui uma forma de extinção do contrato de arrendamento, traduzindo-se numa declaração unilateral recetícia, um negócio jurídico unilateral (art. 295º do CC) e discricionário de vontade de uma das partes de que não deseja a manutenção do contrato e que produz os respetivos efeitos extintivos do contrato apenas para o futuro[4].
Enfatize-se que a declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento, na medida em que dispõe diretamente sobre o conteúdo da relação jurídica de arrendamento que se encontra em vigor à data da entrada da nova lei, abstraindo dos factos que lhe deram origem, isto é, do “estatuto contratual”, mas antes tendo em vista modelar essa relação jurídica contratual com o fim de tutelar os interesses de todas as pessoas que se encontrem, ou possam vir a encontrar-se, ligadas por semelhante relação jurídica de arrendamento, atento o estatuto dessas pessoas (nomeadamente, por serem consideradas pelo legislador a parte contratual mais fraca), ou em que o legislador tem em vista a salvaguarda de princípios estruturantes da ordem social ou económica, de modo a poder dizer-se que essas disposições da nova lei atingem essas pessoas, não enquanto contratantes, mas enquanto pessoas ligadas por certo vínculo contratual (de arrendamento), nos termos do art. 12º, n.º 2, parte final do CC, rege-se pelo regime legal vigente à data da oposição à renovação do contrato de arrendamento[5].
Neste sentido expende Batista Machado que: “O “estatuto do contrato” é determinado em face da lei vigente ao tempo da conclusão do mesmo contrato. Sempre que, porém, as cláusulas de um contrato celebrado na vigência da lei antiga e por estas consideradas válidas briguem (conflituem), com as disposições da lei nova com incidência sobre os efeitos dos contratos, sendo o teor de tais disposições ditado por razões atinentes ao estatuto das pessoas ou dos bens, a princípios estruturadores da ordem social ou económica, estas disposições prevalecem sobre aquelas cláusulas. Enquanto ordenadoras do estatuto legal das pessoas e dos bens tais disposições regulam problemas para os quais a lei competente é a lei nova”[6].
Em 28/11/2018, data em que a apelante remeteu a carta à apelada, por esta rececionada em 17/12/2018, comunicando-lhe que se opunha à renovação do contrato de arrendamento que transitou para o NRAU em 01/05/2014 e que findava em 30/04/2019, decorridos os cinco anos que acordaram para a sua vigência, encontrava-se em vigor o Código Civil (CC) na sua 74ª versão, introduzida pela Lei n.º 48/2018, de 14/08.
Nos termos do art. 1110º do CC, na redação acabada de referir: “1- As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fim não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento habitacional. 2- Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano”.
Destarte, à data em que a apelante se opôs a renovação do contrato de arrendamento não habitacional sobre que versam os autos, em matéria de duração, denúncia e oposição à renovação de tais contratos (contratos de arrendamento para fins não habitacionais) vigorava o princípio da liberdade contratual, de acordo com o qual competia ao senhorio e ao arrendatário, no uso da sua autonomia privada, estabelecer a disciplina a que ficavam submetidos esses contratos em matéria de duração, denúncia e oposição à renovação daqueles. Contudo, caso não estabelecessem essa disciplina jurídica, essas matérias ficavam submetidas às disposições atinentes às mesmas no arrendamento habitacional.
No caso dos autos, apelada e apelante acordaram que o contrato de arrendamento não habitacional que transitou para o NRAU em 01 de maio de 2014 tinha um período de vigência inicial de cinco anos, mas nada estabeleceram quanto ao modo de oposição à renovação desse contrato, pelo que, de acordo com o comando do n.º 1 do art. 1110º, n.º 1, impõe-se recorrer às normas supletivas que regulam essa matéria no âmbito do arrendamento habitacional.
Essas normas constam dos arts. 1051º, al. a), 1096º e 1097º do CC, na versão já enunciada.
Segundo o art. 1051º, al. a), o contrato de locação caduca findo o prazo estipulado ou estabelecido na lei.
Por sua vez, lê-se no art. 1096º, que: “1- Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2- Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática dos contratos celebrados por prazo superior a 30 dias. 3- Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes”.
E, finalmente, estabelece o art. 1097º, no que ao caso dos autos releva, que: “1- O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte: a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos; b) 120 dias, se o prazo de duração do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos; (…); 2- A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação”.
 Não tendo apelante e apelada regulado a renovação do contrato de arrendamento não habitacional sobre que versam os autos, que transitou para o NRAU em 01 de maio de 2014, para impedir que este se renovasse automaticamente, decorrido que fosse o prazo de vigência de cinco anos que acordaram por igual período de tempo, ou seja, por mais cinco anos, a contar de 01 de maio de 2019 (arts. 1096º, n.º 1, 1097º, n.º 1, ex vi, art. 1110º, n.º 1 do CC), a apelante teria de opor-se à renovação daquele, por escrito, normalmente, através de carta registada com aviso de receção, ou através de um dos demais meios de comunicação previstos no art. 9º do NRAU, com uma antecedência mínima de 120 dias, atenta a circunstância do prazo de duração inicial de vigência do contrato em análise ser de cinco anos (art. 1097º, n.º 1, al. b) do CC).
Destarte, ao ponderar-se na sentença recorrida que “tratando-se de uma oposição à renovação pelo senhorio, a mesma tem de ter a antecedência de 240 dias, visto que se trata de um contrato com duração inicial superior a 6 anos (data de 1948 – cfr. ponto 2) nos termos de uma leitura combinada dos arts. 1097º, nº 1, al. a) e n.º 2 e 1110º, n.º 1 do Cód. Civil” e, bem assim, que tendo “as missivas de oposição à renovação” sido “remetidas em 28/11/2018, para produzir efeitos em 30/04/2019 e de 05/12/2022, para produzir efeitos em 30/04/2023”, ao concluir-se que a requerente não respeitou o prazo de 240 dias, resultante dos arts. 1097º, nº 1, al. a) e n.º 2 e 1110º, n.º 1 do Cód. Civil (os quais começariam em 26/07/2019 e 02/08/2023 respetivamente)”, assiste integral razão à apelante quanto ao erro de direito que assaca ao assim decidido, pugnando no sentido de que o prazo de oposição à renovação do contrato, que exerceu por carta de 28/11/2018, nos termos da al. b), do n.º 1 do art. 1097º, ex vi, art.  1110º do CC, é de apenas 120 dias.
Ora, tendo a carta (mediante a qual a apelante se opôs à renovação do contrato de arrendamento não habitacional sobre que versam os autos, transitado para o NRAU em 01 de maio de 2014, uma vez decorrido o prazo de vigência de 5 anos acordado, comunicando-lhe a consequente extinção desse contrato em 30/04/2019) sido rececionada pela apelada em 17/12/2018 (ponto 6º dos factos apurados), é apodítico que a apelante observou o prazo de 120 dias sobre a antecedência da extinção do contrato em causa, por caducidade, que lhe é imposta pelos art. 1097, al. b), ex vi, art. 1110º, n.º 1, pelo que, esse contrato de arrendamento não habitacional se extinguiu, por caducidade, em 30/04/2019.
Acontece que a apelada não entregou à apelante o arrendado em 30/04/2019, data em que, como acabado de referir, o contrato de arrendamento não habitacional sobre que versam os autos se extinguiu, por caducidade, face à oposição válida da apelante à renovação deste, uma vez decorrido o prazo inicial de cinco anos para a sua vigência que acordou com a apelada.
Na verdade, após ../../2019, a apelada (arrendatária) continuou a manter o gozo do arrendado e a pagar a renda mensal acordada com a apelante, tudo sem oposição desta, tanto assim que a última, por carta datada de 05/12/2022, lhe comunicou a sua oposição à renovação desse contrato, transmitindo-lhe que considerava que o mesmo se renovou por períodos sucessivos de um ano a partir de 30/04/2019, pelo que, perante essa sua oposição a nova renovação daquele contrato, este terminava em 30/04/2023 (pontos 7º e 8º dos factos apurados).
Estabelece o art. 1056º do CC, na redação que vimos aludindo (74ª versão do CC), que: “Se não obstante a caducidade do arrendamento, o locatário se mantiver no gozo da coisa pelo lapso de um ano, sem oposição do locador, o contrato considera-se igualmente renovado nas condições do art. 1054º do CC”.
Na disposição legal acabada de transcrever, sempre que um contrato de arrendamento (habitacional ou não habitacional) se tenha extinguido, por caducidade, mas o arrendatário se mantenha no gozo do arrendado pelo lapso de um ano a contar da extinção do contrato, sem oposição do senhorio, estabelece-se uma presunção iuris et de iure (inilidível) de que o contrato de arrendamento se renovou retroativamente, por referência à data da sua extinção por caducidade, mantendo-se plenamente em vigor, salvo nos casos em que a caducidade do contrato tiver por causa a morte do arrendatário, uma vez que o simples gozo do direito ao arrendamento em que se constitua um terceiro não pode dar lugar à renovação dum contrato em que ele não era parte, nem à formação dum novo vínculo obrigacional[7], ou quando o contrato caduque por perda da coisa locada (al. e) do art. 1051º do CC), ou pela expropriação daquela por utilidade pública (al. f), do art. 1051º)[8].
Note-se que para que a referida presunção iuris et de iure (e, portanto, inilidível) atue de que o contrato se renovou porque senhorio e arrendatário acordaram tacitamente na sua renovação é necessária a alegação e prova por parte do arrendatário dos seguintes requisitos cumulativos: “a) que o locatário se mantenha no gozo da coisa locada, após a caducidade do arrendamento; b) que essa posse perdure pelo prazo de um ano; c) que não haja oposição do locador. O requisito da falta de oposição à renovação do contrato não está sujeito a forma especial, podendo ser feita por simples missiva dirigida pelo locador ao locatário, ou por qualquer outro meio, importando apenas que o locador se manifeste através de um ato de que o arrendatário tenha ou deva ter conhecimento e que manifeste, por forma inequívoca, o seu propósito de se opor à renovação”[9].
No caso dos autos é indiscutível que todos os enunciados requisitos encontram-se preenchidos, na medida em que, após ../../2019, apesar do contrato de arrendamento não habitacional sobre que versam os autos se ter extinguido, por caducidade, face à oposição à renovação daquele operada pela apelante por carta de 28/11/2018, não só a apelada (arrendatária) se manteve no gozo do arrendado, como essa situação de facto se manteve por mais de um ano a contar da data em que o contrato se extinguiu, por caducidade, como essa situação de facto era do perfeito conhecimento da apelante (senhoria), que nela consentiu.
Com efeito, ao enviar a carta datada de 05/12/2022, opondo-se à renovação daquele contrato, considerando-o extinto, por caducidade, em 30/04/2023, a apelante mostrou, clara e inequivocamente, não só que tinha perfeito conhecimento que a apelada continuou no gozo do arrendado após ../../2019, e que não se opôs a essa situação de facto, como, inclusivamente, consentiu na mesma, na medida em que considerou que após ../../2019 o contrato em análise se foi renovando por períodos sucessivos de um ano.
Daí que, apesar do contrato de arrendamento não habitacional se ter extinguido, por caducidade, em 30/04/2019, nos termos do art. 1056º, este renovou-se retroativamente, mantendo-se plenamente em vigor após 01 de maio e 2019.
Neste sentido expende-se no acórdão do STJ, de 07/05/2003, que: “O contrato de locação caduca findo o prazo estabelecido por lei (art. 1051º/1, a) do CC). Tratando-se, porém, de arrendamento, essa caducidade depende da efetivação da denúncia “no tempo convencionado ou designada na lei (art. 1054º/1 do mesmo Código). O que vale por dizer: ou o contrato é eficazmente denunciado, e nesse caso caduca; ou não é eficazmente denunciado, e nesse caso “renova-se por período sucessivo (art. 1054º/1) ou, como refere o art. 18º da LAR, considera-se sucessiva e automaticamente renovado. Não é, pois, de denúncia em sentido técnico que aqui se fala – é, sim, de denúncia-oposição à renovação ou prorrogação. Todavia, se caducado o contrato de arrendamento – máxime, por denúncia eficaz do senhorio – o arrendatário se mantiver no gozo do prédio pelo lapso de um ano, sem oposição daquele, o contrato considera-se igualmente renovado nas mesmas condições. É o que resulta do disposto no art. 1056º, também do CC.
Daqui decorre que o contrato de arrendamento pode renovar-se através de duas vias diferentes: uma automática, resulta do simples facto (negativo) da falta de denúncia por qualquer das partes para o termo do prazo do contrato ou da sua renovação (art. 1054º do CC, art. 18º da LAR); outra, prevista no art. 1056º do CC, resultante da manutenção da anterior situação de facto pelo período mínimo de um ano; e fundada na presunção de acordo tácito das partes do contrato.
(…). A denúncia do senhorio, sem oposição do arrendatário (ora recorrente), pôs, sem dúvida, fim ao contrato de arrendamento rural em causa, no termo do respetivo prazo contratual – é dizer, operou a caducidade do contrato, que deixou de produzir efeitos jurídicos. Tal não é, porém, causa impeditiva da sua renovação, como decorre do disposto no citado art. 1056º: apesar da extinção do contrato ocorrido por aquela forma, se subsistiu a anterior situação de facto; i.e., se o arrendatário – recte, o ex arrendatário – continuou no uso e fruição do prédio, sem oposição do senhorio, e se tal situação se prolongou por um ano, o contrato reviveu legalmente como se não tivesse terminado, retomando retroativamente a sua existência e valor jurídico” (destacado nosso)[10].
Em igual sentido pronuncia-se Pinto Furtado, para quem a situação contemplada no art. 1056º do CC, não é uma situação de renovação do contrato de arrendamento extinto, por caducidade, decorrente do arrendatário ter continuado no gozo do arrendado pelo período de um ano a contar da sua extinção, por caducidade, sem oposição do senhorio, mas uma situação de prorrogação do contrato[11].
Resulta do excurso antecedente que, face à circunstância do contrato de arrendamento não habitacional sobre que versam os autos se ter extinguido, por caducidade, em 30/04/2019, o mesmo, face à circunstância da apelada (arrendatária) se ter mantido no uso e fruição do arrendado após essa data durante mais de um ano, sem oposição da apelante (senhoria), renovou-se retroativamente a 30/04/2019, como se nunca tivesse caducado (segundo a corrente doutrinária e jurisprudencial maioritária, à qual aderimos), ou, na tese de Pinto Furtado, prolongou a sua duração no tempo, prorrogando-se no tempo a sua vigência a partir dessa mesma data.
Pretende a apelante que o contrato de arrendamento não habitacional em análise, a partir de 30/04/2019, se renovou por períodos sucessivos de um ano, e nessa medida, por carta de 05/12/2022 comunicou à apelada que considerava que aquele se renovou por períodos sucessivos de um ano a partir de 30/04/2019, e que se opunha a nova renovação do mesmo, pelo que o considerava terminado em 30/04/2023.
A tese jurídica em análise que vem sufragada pela apelante funda-se na parte final do art. 1056º do CC, onde se estatui que: “o contrato de arrendamento considera-se igualmente renovado nas condições do artigo 1054º”, dispositivo este que, por sua vez, estabelece que: “1- Findo o prazo de arrendamento, o contrato renova-se por período sucessivos se nenhuma das partes se tiver oposto à renovação no tempo e pela forma convencionada ou designados na lei. O prazo de renovação é igual ao do contrato; mas é apenas de um ano, se o prazo do contrato for mais longo”, mas, adiante desde já, sem fundamento jurídico válido.
Com efeito, a norma constante do mencionado art. 1054º, n.º 2, ao estabelecer que, em caso de renovação do contrato de arrendamento (seja por falta de denúncia por qualquer das partes para o termo do prazo do contrato ou da sua renovação, seja pela manutenção da anterior situação de facto pelo período mínimo de um ano), o prazo de renovação é igual ao do contrato; mas é apenas de um ano, se o prazo do contrato for mais longo, entra em colisão direta com a redação conferida pela Lei n.º 6/2006, de 27/2 (NRAU), ao art. 1906º, n.º 1 do CC, que determina que, em relação aos arrendamentos habitacionais, salvo estipulação em contrário, o contrato de arrendamento celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração. E também entra em colisão direta com o art. 1110º, n.º 1, o qual, quanto aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, determina que, na ausência de estipulação das partes quanto à renovação do contrato, aplica-se supletivamente o regime do contrato de arrendamento habitacional, ou seja, a norma do art. 1906º, que os declara renovados por períodos sucessivos de igual duração ao prazo inicial acordado para a vigência do contrato.
As normas dos arts. 1906º, e 1110º do CC foram introduzidas pela Lei n.º 6/2006, de 27/02, que aprovou o NRAU, tratando-se, por isso, de normas especialíssimas que são aplicáveis aos contratos habitacionais (o art. 1096º) e não habitacionais (o art. 1110º), pelo que o prazo de renovação que é aplicável a esses contratos é o que deriva destas disposições legais, e não o que resulta dos arts. 1054º, 1055º e 1056º, parte final do CC.
Neste sentido obtempera Maria Olinda Garcia que as normas dos arts. 1054º e 1055º “não se aplicam a contratos celebrados depois da entrada em vigor da Lei n.º 6/2006, porque no regime introduzido por este diploma os arrendamentos para habitação celebrados depois dessa data tinham o seu regime no artigo 1095º e seguintes. Quanto aos arrendamentos para fins não habitacionais o seu regime consta dos artigos 1108º e seguintes (onde também cabem os arrendamentos de prédios rústicos para fins não rurais nem florestais) e supletivamente são-lhe aplicáveis as normas do arrendamento para habitação. Conclui-se, assim, que o disposto nos artigos 1054º e 1055º não se aplica a arrendamentos celebrados depois da entrada em vigor da Lei n.º 6/2006”. E adianta que: “para que os artigos 1054º e 1055º não sejam letra morta, deverá entender-se que continuam a ter aplicação aos arrendamentos celebrados ao abrigo do n.º 2 do art. 5º do RAU (de 1990)”[12].
No mesmo sentido de que as mencionadas disposições legais não são aplicáveis aos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais celebrados depois da entrada em vigor da Lei n.º 6/2006, pronuncia-se Pinto Furtado, concluindo que, em sede de arrendamentos habitacionais e não habitacionais, “não existem arrendamentos, como aqui se declara (no art. 1054º), cujo prazo de renovação seja de um ano, quando a sua duração seja mais longa”[13].
Debruçando-se especificamente sobre o art. 1056º do CC, escreve o mesmo autor que: “No n.º 2 (do art. 1054º) declara-se que “o prazo da renovação é igual ao do contrato; mas é apenas de um ano, se o prazo do contrato for mais longo” e seria a ilação a tirar da parte final deste art. 1056º que, para ele expressamente remete. Ao declarar-se, pois, neste art. 1056º, que o contrato se renova “nas condições do art. 1054º”, ele durará apenas mais um período renovatório, mas entra em sucessivas renovações que, segundo o n.º 2 do art. 1054º serão iguais à duração por que o arrendamento foi contratado, ou de apenas um ano, se o período de duração era superior. No art. 1906º, porém, na secção especificamente dedicada ao arrendamento, contrariamente ao que resultaria desta remissão, proclama-se que o contrato com prazo fixo se “renova” por “períodos sucessivos de igual duração ou de três anos, se esta for inferior, salvo estipulação em contrário. Qual das duas disposições deverá então prevalecer? O contrato prorroga-se apenas por um ano, se a sua duração for superior? Ou prorroga-se por períodos sucessivos de duração igual à contratada, ou de três anos, se a sua duração for inferior? De acordo com o que já referimos, em comentário ao art. 1054º, encontrando-se o art. 1096º inserido na secção dedicada especificamente ao arrendamento, sendo por isso especialíssimo, deverá afastar o art. 1054º, que, em bom rigor, se tem por não escrito, assim como por não escrita se deverá ter esta remissão, que há muito deveria ter sido corrigida, desde a Reforma de 2006”[14].
Assentes que ao contrato de arrendamento não habitacional sobre que versam os autos não são aplicáveis as normas dos arts. 1054º, 1055º e 1056º, parte final, do CC, mas antes o disposto no art. 1110º do CC, que em relação aos arrendamentos não habitacionais manda aplicar as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação do contrato que tenham sido acordadas pelos contratantes no contrato de arrendamento que celebraram, mas que, na ausência dessas estipulações, manda que se aplique (supletivamente) o disposto quanto ao arrendamento habitacional, normas essas que, à data em que a apelante se opôs à renovação do contrato, nos termos do art. 1096º, n.º 1, determinam que, salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo por períodos sucessivos de igual duração, forçoso é concluir que, em 1/05/2019, o contrato em apreço se renovou por mais de cinco anos.
Na verdade, como antedito, apelante (senhoria) e apelada (arrendatária) acordaram que o período inicial de vigência do contrato, a partir de 01 de maio de 2014, data em que transitou para o NRAU, tinha um período de vigência de cinco anos, mas nada estipularam quanto à sua renovação.
Por carta de 28/11/2018, a apelante opôs-se validamente à renovação daquele contrato, comunicando à apelada essa sua oposição e que, por isso, o contrato se extinguiria, por caducidade, decorrido o prazo inicial de cinco anos que acordaram para a sua vigência, ou seja, a partir de 30/04/2019.
Apesar do contrato de arrendamento se ter extinto, por caducidade, em 30/04/2019, a apelada manteve-se no uso e gozo do arrendado pelo período de mais de um ano a contar daquela extinção, sem oposição da apelante (senhoria), que antes consentiu nessa situação de facto, o que determinou que, nos termos do art. 1056º do CC, o contrato se tivesse renovado, retroativamente, por referência à data em que se tinha extinto, por caducidade. E essa renovação, nos termos do art. 1096º, n.º 1, ex vi, art. 1110º, n.º 1 do CC, na redação que então se encontrava em vigor, operou-se por igual período de tempo convencionado pelas partes para a vigência desse contrato, isto é, por mais cinco anos a contar de 01/05/2019.
Ora, mantendo-se o contrato de arrendamento validamente em vigor até 30/04/2024,  a oposição à renovação daquele contrato operada pela apelante por carta datada de 05/12/2022, mostra-se juridicamente inválida e ineficaz, não produzindo quaisquer efeitos  jurídicos.
Decorre do que se vem dizendo, que embora com fundamentos jurídicos distintos, impõe-se concluir pela improcedência da presente apelação e, em consequência, com a presente fundamentação, confirmar a decisão de mérito constante do saneador-sentença recorrido.
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Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- O NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 22/02, na redação da Lei n.º 31/2018, de 14/08, passou a permitir que os contratos de arrendamento não habitacionais celebrados antes da vigência do D.L. n.º 257/95, de 30/09, possam igualmente ser sujeitos à transição para o NRAU e a ser objeto de atualização da renda, conferindo ao senhorio um direito potestativo de, por sua iniciativa, desencadear um processo negocial com o arrendatário com vista a substituir o contrato de arrendamento anteriormente celebrado por um novo contrato, que fica sujeito ao regime jurídico introduzido pelo NRAU, nomeadamente, ao nível do CC..
2- O regime jurídico aplicável a esse processo negocial é o que se encontra em vigor à data em que o senhorio desencadeia esse processo negocial.
3- Transitando o contrato de arrendamento (habitacional ou não habitacional) para o NRAU, o regime jurídico que é aplicável à oposição à renovação desse contrato é o que se encontrar em vigor à data da oposição à renovação (art. 12º, n.º 2, parte final, do CC).
4- Em 17/12/2018, data em que o arrendatário rececionou a carta do senhorio em que este se opôs à renovação do contrato de arrendamento não habitacional (validamente transitado para o NRAU, em 01/05/2014), findo o prazo de vigência do contrato entre eles acordado (5 anos), encontrava-se em vigor o CC, na sua 74ª versão, introduzida pela Lei n.º 48/2018, de 14/08, cujo art. 1110º determina que a matéria da duração, denúncia e oposição à renovação do contrato é regulada pelas regras acordadas por senhorio e arrendatário de acordo com a sua liberdade contratual, mas que, na ausência dessas regras estabelecidas por acordo dos contratantes, aplicam-se supletivamente as normas previstas para o arrendamento para habitação.
5- Tendo senhorio e arrendatário, aquando da transição do contrato de arrendamento não habitacional para o NRAU, acordado que o prazo de vigência inicial do contrato era de cinco anos, mas nada tendo acordado quanto à renovação e à oposição à renovação desse contrato, o contrato em causa fica submetido, quanto a essas matérias, ao regime jurídico previsto nos arts. 1096º e 1097º do CC, na redação então vigente.
6- Tendo o senhorio, mediante carta de 28/11/2018, deduzido validamente oposição à renovação do contrato de arrendamento, e tendo, assim, o contrato se extinguido, por caducidade, em 30/04/2019, verificando-se que o arrendatário se manteve no gozo do arrendado durante um ano, a partir de 30/04/2019 (data em que o contrato se extinguiu, por caducidade), sem oposição do senhorio, aquele contrato de arrendamento renovou-se retroativamente, por mais cinco anos, a contar de 01/05/2019 (cfr. arts. 1056º, 1096º, n.º 1 e 1110º, n.º 1 do CC).
7- As normas dos arts. 1054º, 1055º e 1056º, parte final, do CC, não são aplicáveis aos contratos de arrendamento (habitacionais ou não habitacionais) celebrados depois da entrada em vigor do NRAU, incluindo, aos que transitaram para o NRAU.
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V- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, com a fundamentação acima explanada, acordam em julgar a presente apelação improcedente e, em consequência, confirmam a decisão de mérito constante do saneador-sentença recorrido.
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Custas da apelação pela apelante (arts. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC e 304º do CIRE).
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Notifique.
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Guimarães, 29 de fevereiro de 2024

José Alberto Moreira Dias – Relator
Fernando Manuel Barroso Cabanelas – 1º Adjunto
Gonçalo Oliveira Magalhães – 2º Adjunto     



[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Ac. RG., de 03/10/2019, Proc. 690/16.2T8VVD.G1, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos a que se venha a fazer referência, sem menção em contrário, expendendo-se nesse acórdão que: “O procedimento de atualização extraordinário da renda e de transição para o NRAU depende da iniciativa do senhorio, o qual deve obedecer aos requisitos de forma e de substância estabelecidos pelos artigos 30º e ss. do NRAU. Os factos demonstrativos do cumprimento de todos os requisitos legais previstos para o procedimento de atualização/aumento de rendas, regulado nos arts. 30º e segs. do NRAU são constitutivos do direito invocado pelo senhorio, pelo que sobre ele impende o ónus da respetiva alegação e prova, nos termos gerais do art. 342º, n.º 1 do CC. Trata-se da atribuição ao senhorio de um direito potestativo, o desencadear de um processo negocial com vista à substituição do contrato de arrendamento anterior, vinculístico, por um novo, com termo certo”.
[3] Ac. R.L., de 14/09/2023, proc. 797/21.4T8AMD.L1-2.
[4] Ana Prata, “Dicionário Jurídico”, vol. I, 5ª ed., Almedina, págs. 463 e 464.
[5] Acs. STJ., de 30/11/2021, Proc. 19/20.5YPRT.L1-S1; R.G., de 8/04/2021, Proc. 795/20.5T8VNF.G1; R.L., de 06/02/2007, Proc. 779/2005-1; de 14/09/2023, Proc. 3877/21.2T8LRS.L1-2.
[6] J. Batista Machado, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, 1985, pág. 242.
[7] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 424; Ac. R.L., de 06/02/2007, Proc. 779/2005-1.
[8] Pedro Romano Martinez, “Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos”, 2ª ed., Almedina, pág. 230.
[9] Ac. STJ., de 11/04/1991, Proc. 079780.
[10] Ac. STJ., de 07/05/2003, Proc. 03B3880.
[11] Jorge Pinto Furtado, “Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano”, 4º ed., Almedina, 2022, págs. 200 e 201, em que defende que: “nos casos de caducidade da locação em que, para o arrendamento ocorra a facti species do art. 1051º do CC, não se verificarão, pelo presente preceito, eventos caducantes; não estaremos em presença de hipótese de verdadeira e própria caducidade, mas de autênticas justas causas de cessação do contrato mediante declaração unilateral de vontade de uma das partes perante a outra. E, não havendo ela, o contrato não vessa, mas prolonga a sua duração, pois continua o mesmo; portanto, verdadeiramente, prorroga-se.
[12] Maria Olinda Garcia, “Arrendamento Urbano Anotado Regime Substantivo e Processual”, 2ª ed., Coimbra Editora, págs. 21 a 23.
[13] Jorge Pinto Furtado, ob. cit., págs. 197 e 198.
[14] Jorge Pinto Furtado, ob. cit., págs. 201 e 202.