Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
139/09.7TCGMR.G1
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: ARRENDAMENTO
CESSÃO DE EXPLORAÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - O contrato de cessão de exploração comercial, também dito de locação de estabelecimento, traduz-se numa cedência temporária do gozo e fruição de estabelecimento comercial, mediante retribuição.
2 – Não obsta á qualificação como cessão de exploração o contrato que, titulado por escritura pública, e denominado de arrendamento de prédio, se traduziu, afinal, na cedência da exploração de um estabelecimento hoteleiro.
3 - Para que se verifique uma cessão de exploração de estabelecimento comercial não é necessário que o estabelecimento esteja a ser explorado, bastando que se trate duma organização com aptidão para funcionar.
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

P.., LDA., com sede na Rua ..., Porto, interpôs recurso da sentença.
Pede a sua absolvição de todos os pedidos.
Funda-se nas seguintes conclusões:
A) O presente recurso é de revista “per saltum”, nos termos do artº 725º do CPC, com requerimento de atribuição de efeito suspensivo, com prestação de caução (artº 692º/4 do CPC).
B) (i) O valor da causa é de € 30.001,00, sendo superior à alçada da Relação; (ii) o valor da sucumbência, é superior a metade da alçada da Relação, na medida em que a sentença recorrida julga a acção totalmente procedente; (iii) a alegação tem por objecto unicamente questões de direito e nela não é impugnada qualquer decisão interlocutória.
C) Pelo que requer que o recurso suba directamente ao Supremo Tribunal de
Justiça.
D) O contrato celebrado entre a Recorrida na qualidade de dona e possuidora, e A.. na qualidade de inquilino, mediante escritura pública de 15-06-1961 no Cartório Notarial de Guimarães é um contrato de arrendamento tendo por objecto Prédio urbano denominado “Casa do Despacho e de Arrecadação de Alfaias”, inscrito na competente matriz sob o artigo.. e descrito na Cons. do Reg. Predial de Guimarães sob o número.., a fls.., do Livro.., para nele ser explorada a indústria hoteleira (facto provado A)).
E) Tal contrato traduziu a efectiva vontade das partes, confirmada perante Notário (facto provado 36º).
F) Tal contrato teve como “projecto” a Acta da Recorrida de 20 de Março de 1961, (facto provado D), cfr fls 20 a 21), onde se encontram todas cláusulas que foram transpostas para a escritura de arrendamento em crise. (vd. fundamentação da resposta à matéria de facto), onde aliás é dito que, “não poderá, de maneira alguma dizer-se que o Notário quando elaborou a escritura de fls 23 a 28, o classificou de arrendamento, ao contrário da vontade das partes”.
G) Todas as cláusulas da escritura pública, são típicas de um contrato de arrendamento comercial, prevendo-se, entre outras, a possibilidade de trespasse do estabelecimento do inquilino A.., que nessa hipótese ficaria constituído fiador com o trespassário.
H) O inquilino A.. foi o dono do estabelecimento hoteleiro que instalou no arrendado, tendo-o trespassado à Recorrente em 26-06-2006 (facto provado E)).
I) O inquilino A.. não sucedeu na exploração de qualquer estabelecimento comercial pré-existente como unidade económica apta ao exercício do comércio. Antes, foi ele quem executou e/ou pagou as obras e adquiriu os bens necessárias à criação e desenvolvimento do seu estabelecimento (factos provados C) e F).
J) Na execução deste contrato, a Recorrida sempre agiu uniformemente ao longo de 50 anos como senhoria, exercendo os direitos e deveres respectivos e reconhecendo o inquilino A.. como arrendatário (facto provado nº 32).
K) Como resulta de ter (i) Aumentado as rendas, (ii) submetido à apreciação de comissão esse aumento de rendas, (iii) com recurso para o Tribunal de Guimarães (30, 31 e 33 dos factos provados); (iv) recebido rendas com dedução de IRS por rendimentos prediais e que ambas as partes trataram com tal (26, 27, 28 e 29 dos factos provados); (v) ser o arrendatário A.. quem pagava o Imposto de Turismo (35 dos factos provados); e (vi) quem era titular do alvará de licença sanitária (34 dos factos provados).
L) A cessão de exploração de estabelecimento comercial pressupõe acordo entre detentor de estabelecimento comercial e outro sujeito, tendo por objecto a transferência onerosa e temporária para este da exploração de um estabelecimento comercial ou industrial, englobando a transmissão de instalações, utensílios, mercadorias, trabalhadores, licenças ou outros elementos que integrem o estabelecimento. Nenhum destes elementos materiais ou imateriais, clientela, trabalhadores ou mercadorias, se existissem, se encontra mencionado nestes autos como constante do negócio formalizado pela escritura pública de 15/06/1961.
M) Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso. 2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.” Cf. Art.º 238º do Código Civil.
N) O sentido que a Recorrida pretende fazer valer prevalecer – o de se tratar de um contrato de cessão de exploração de um estabelecimento comercial – não tem qualquer correspondência com o texto da declaração.
O) Tampouco existe referência na declaração a quaisquer elementos integrantes de um estabelecimento pré existente ou sequer se vislumbra qualquer cláusula típica que caracterize um contrato de cessão de exploração.
P) Antes ficou provado que a vontade real das partes foi a da celebração de um contrato de arrendamento (facto provado nº 36).
Q) A utilização de provas exteriores ao documento, para serem atendíveis, haveriam de conduzir a um sentido da declaração que nela tivesse um mínimo de correspondência. O que manifestamente também não acontece. Em síntese R) Adquirida a correspondência entre a vontade declarada e a vontade real dos outorgantes da escritura de arrendamento de 15-06-1961, à relação contratual só pode aplicar-se o regime jurídico do arrendamento, constituindo erro de direito a subsunção da relação controvertida ao regime da cessão de exploração.
Normas jurídicas violadas:
Artsº 238º, 1.022º e 1109º, todos do Código Civil.

I.., associação religiosa da Igreja Católica, com sede na.., Guimarães, contra-alegou e ampliou o objecto do recurso, pugnando ali pela manutenção da sentença e peticionando aqui a alteração das respostas aos artigos da Base Instrutória, impugnadas a título subsidiário.
Conclui como segue:
I – SOBRE O OBJECTO DO RECURSO
Primeira: A Recorrente não impugnou as decisões da parte dispositiva da douta sentença recorrida, das alíneas a), b), e), f), g), h) e i), as quais transitaram em julgado, nos termos do disposto nos artigos 681.º/2 e 3 e 677.º do CPC.
Segunda: As partes contratantes quiseram celebrar e celebraram, entre si, um contrato de locação ou de cessão de exploração do estabelecimento denominado “HOTEL..”, e não um contrato de arrendamento do único prédio que dele faz parte e foi construído com esse único fim.
A responsabilidade da feitura da escritura de fls. 22 a 28, coube, exclusivamente, à respectiva Notária.
Terceira: O conceito de “renda” respeita ao proveito de qualquer actividade económica, incluindo, nomeadamente, o preço devido pela locação ou cessão da exploração de estabelecimento, e não é conceito exclusivo do contrato de arrendamento de prédios rústicos ou urbanos.
Quarta: Da cobrança das rendas não podem extrair-se conclusões necessárias acerca do objecto e da substância do contrato em que foram estipuladas, e ou acerca da posição dos contratantes, quanto à qualificação jurídica da respectiva relação contratual.
Quinta: Pelo documento junto com a contestação sob o título “Contrato de Trespasse”, os ditos A.. e mulher só puderam transmitir e transmitiram, para a Recorrente, a posição contratual que detinham no contrato titulado pela escritura de 15-06-1961, pois o estabelecimento denominado “HOTEL..” pertencia e pertence à Autora.
Sexta: A Autora comunicou a denúncia do contrato titulado pela escritura de 15-06-1961, para o termo do prazo da renovação, então, em curso, por carta registada com aviso de recepção que enviou à Ré, na sua qualidade de cessionária da posição contratual do outorgante A...
SEM PRESCINDIR
II - SOBRE A IMPUGNAÇÃO, A TÍTULO SUBSIDIÁRIO, DOS PONTOS DETERMINADOS DA MATÉRIA DE FACTO, NÃO IMPUGNADOS PELA RECORRENTE
Primeira: As respostas restritivas às diferentes alíneas do art.º 2.º da Base Instrutória são deficientes; contrariam ou não valoram as declarações escritas constantes dos documentos de fls. 17, 104 a 106, e 107 a 119; e estão em oposição com o facto provado do art.º 9.º da Base Instrutória.
Segunda: A resposta restritiva ao art.º 4.º da Base Instrutória, que eliminou o segmento “mediante contratos de concessão celebrados entre a A. e os respectivos concessionários”, para além de não esclarecer, a que título era feita a exploração por terceiros, ignora e é contrariada pelas declarações escritas dos documentos de fls 17, 88, 91, 100, 101, 102, 103, 158, 159, 162, 177 a 183, 188 a 189, 190 a 191, 192 a 193, 194 a 196, 198, e 237 a 248.
Terceira: A resposta restritiva ao art.º 8.º da B.I. contraria as declarações escritas dos documentos de fls. 14, 17, 104, 106, 107; e está em oposição com o facto provado do art.º 9.º da Base Instrutória
Quarta: A resposta aos art.ºs 10.º, 11.º e 12.º da B.I., não responde ao que neles se pergunta, relativamente ao acordo de cedência e às condições de exploração do hotel, bem como à tomada de posse, pelo A.., do estabelecimento e dos bens móveis e do imóvel que o compõem.
Quinta: A resposta ao art.º 13 – Não Provado – não está fundamentada e está em contradição com as declarações escritas dos documentos de fls. 14, 88, 91, 93, 95, 97, 100, 104, 106, 158, 159, 160, 161 e 162.
Sexta: Os art.ºs 20.º, 21.º e 22.º da B.I. são conclusivos e contêm matéria de direito.
Sétima: A resposta restritiva ao art.º 23.º da B.I. ignora e é contrariada pelas declarações escritas do documento de fls. 17 – carta do falado A.. do dia 1 de Janeiro de 1961 dirigida à Administração da I.., na qual declara que “pretende tomar conta do Hotel ..…; e dos documentos de fls. 100, 158, e 162 da autoria e subscritos pelo próprio A..; e pela própria resposta ao art.º 9.º da Base Instrutória.
Oitavo: Os art.ºs 24.º e 25.º da B.I. contêm matéria de direito e estão formulados pela negativa.
Nono: As respostas aos art.ºs 26.º, 27.º, 28.º 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º 34.º e 35.º da Base Instrutória não têm em conta e ignoram o alegado pela Autora, na réplica, bem como as declarações escritas nos documentos juntos com esse articulado, respeitantes ao mencionado A.., na sua qualidade de concessionário do Hotel...
Décima: O art.º 36.º da Base Instrutória é conclusivo e contém matéria de direito.
Décima primeira: Contrariamente ao que consta da fundamentação das respostas aos artigos da B.I., a Testemunha Dr. A.., actual presidente da Câmara Municipal de Guimarães, no seu depoimento, afirmou que o Sr. M.. sabia muito bem que o Hotel.. era pertença da I...
Décima segunda: O depoimento da testemunha J.. – ex-juiz da I.. – foi prestado sem suficiente isenção e com manifesta parcialidade, ou mesmo ressentimento, e nem sequer compareceu à nova sessão de julgamento, entretanto, marcada, para se continuar a sua instância e completar o julgamento.
Décima terceira: A Testemunha J.. tinha uma relação comercial estável de fornecedor/ cliente, com o dito A..; é familiar dum dos actuais sócios e gerentes da Ré; e acabou por afirmar que o Sr. A.. adquiriu o mobiliário descrito nas facturas de fls. 104 e 106, no valor global de Escudos 85.594$30, (o que era considerado uma pequena fortuna, para a época), por usucapião.
Décima quarta: Os documentos existentes nos autos não suportam e contrariam a conclusão que a meritíssima Juiz deles retirou, sobre a real vontade das partes, quando outorgaram a escritura de fls. 22 a 28. Os documentos demonstram que as partes quiseram celebrar um contrato de locação ou de cessão de exploração do estabelecimento denominado “HOTEL..”, e não um contrato de arrendamento autónomo tendo por objecto o próprio edifício do Hotel, o qual, aliás, foi construído para esse único fim.
Décima quinta: O “tratamento fiscal” dado pela Autora, aos efeitos postulados pelo contrato que celebrou com o Sr. A.., pela escritura “dita de arrendamento” está em consonância com a sua qualificação jurídica formal, mas é irrelevante para a determinação da natureza jurídica e para a qualificação jurídica da relação substancial subjacente.
Décima sexta: A escritura “dita de arrendamento” não corresponde nem traduz, fielmente, o teor da referida acta da reunião da Mesa da I.., no que concerne à identificação do objecto do contrato.
Na escritura foi consignado o seguinte: - “Casa do Despacho e de arrecadação de Alfaias, também conhecida por “..Hotel..”, mas o facto ora sublinhado não consta da acta da reunião da Mesa da I...
O que realmente ficou a constar da acta da referida reunião da Mesa da I.. foi a “resolução de dar de arrendamento a referida casa onde está instalado o Hotel..”.
Décima sétima: A realidade subjacente ao contrato celebrado pela escritura “dita de arrendamento” e ao contrato junto a fls. 311 a 314 é a mesma, pois em ambos os casos, a Autora quis ceder e cedeu ao Sr. A.. um estabelecimento de restauração.
A diferente qualificação jurídica dos contratos resulta do facto de o primeiro contrato ter sido outorgado, quando era ainda discutida, na doutrina e na jurisprudência, a possibilidade legal da celebração do contrato de locação tendo por objecto o “estabelecimento como universalidade”; e o segundo contrato ter sido produzido por um técnico de direito qualificado, que o redigiu com observância das normas legais, então, vigentes.
Décima oitava: A relação contratual entre a Autora e o Sr. A.. sempre foi pacífica, e o desentendimento só surgiu a partir do momento em que este comunicou, à Autora, por carta registada do dia 26 de Junho de 2006 – documento de fls. 29 –, que trespassara o estabelecimento denominado ..Hotel.., a favor da Ré.
Décima nona: A Autora diligenciou por resolver a questão, por acordo, e só recorreu aos meios judiciais depois de esgotadas as possibilidades de entendimento, sendo esse o momento e o lugar próprios para a Autora reivindicar os seus alegados direitos de propriedade e de posse sobre o “HOTEL..”; para invocar a nulidade do trespasse; e para questionar a qualificação jurídica do contrato “dito de arrendamento”, por o seu objecto não corresponder ao conteúdo da relação contratual que as partes pretenderam formalizar com tal escritura.
Vigésima: Deve ser alterada a resposta ao art.º 2.º da B. I., dando-se como provados os factos das suas diferentes alíneas, embora com o esclarecimento constante da resposta quanto ao número de quartos de dormir.
Vigésima primeira: Devem ser alteradas a resposta aos artigos 3.º e 4.º da B. I., aos quais deverá responder-se “PROVADO”.
Vigésima segunda: Deve ser alterada a resposta ao artigo 8.º da B. I., ao qual deverá responder-se “PROVADO”.
Vigésima terceira: Devem ser alteradas as respostas aos artigos 10.º, 11.º e 12.º da B. I., aos quais deverá responder-se “PROVADO”.
Vigésima quarta: Devem ser alteradas as respostas aos artigos 13.º, 16.º e 18.º da B. I., aos quais deverá responder-se “PROVADO”.
Vigésima quinta: Devem ser eliminados os artigos 20.º, 21.º e 22.º da B. I., e as respectivas respostas, por conterem matéria de direito e serem conclusivos.
Vigésima sexta: Deve ser alterada a resposta ao artigo 23.º da B. I., ao qual deverá responder-se “PROVADO”.
Vigésima sétima: Devem ser eliminados os artigos 24.º e 25.º da B. I., e consideradas não escritas as suas respostas, por conclusivas e conterem matéria de direito.
Vigésima oitava: Deve ser acrescentado, às respostas dos art.º 26.º a 35.º da B. I., o esclarecimento de que as rendas respeitam à locação ou contrato de exploração do estabelecimento denominado “HOTEL..”, e que o tratamento fiscal que lhes foi dado decorre da qualificação jurídico/formal que foi dada ao contrato titulado pela escritura de fls. 22 a 28.
Vigésima nona: Deve ser eliminado o artigo 36.º da B. I., e considerada não escrita as sua resposta, por conclusiva e conter matéria de direito.

A Recrte. respondeu á ampliação, invocando a sua inadmissibilidade.
*
Eis, para melhor compreensão, um breve resumo dos autos.
I.., instaurou contra P.., L.dª, , pedindo que seja declarado e reconhecido que:
a) a A. é dona do estabelecimento hoteleiro denominado Hotel.., instalado no seu prédio urbano identificado no art.º 1.º da p.i.;
b) que o identificado prédio onde está instalado o Hotel .., faz parte integrante do estabelecimento comercial do Hotel.. e dele depende a existência do próprio hotel;
c) Que entre a A. e A.. foi celebrado um contrato de cessão de exploração do Hotel.., com início no dia 01-02-1961, mas só formalizado no dia 15-06-1961, pela escritura aludida no art.º 16.º da p.i.;
d) que a escritura aludida no art.º 16.º da p.i. titula um contrato de cessão de exploração do estabelecimento hoteleiro denominado hotel.. e não um contrato de arrendamento do prédio nela identificado, como erradamente nela foi identificado;
e) que a denúncia do contrato feita pela A., para o dia 31 de Janeiro de 2009, é lícita e eficaz e foi feita em tempo.
E que a R. seja condenada:
f) a reconhecer que a A. é dona do estabelecimento comercial Hotel.., instalado no seu prédio identificado no art.º 1.º da p.i.;
g) a reconhecer que a ocupação e exploração que faz deste estabelecimento hoteleiro, a partir do dia 31 de Janeiro de 2009 é ilícita e não titulada e contra a vontade da A.;
h) a restituir à A. o seu identificado estabelecimento denominado Hotel.., com todos os bens móveis e o imóvel que o integravam à data da escritura aludida no art.º 16.º da p.i., menos os bens móveis que a A., entretanto, vendeu ao A..;
i) a pagar à A. uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, para ressarcimento dos prejuízos que lhe está a causar desde o dia 31 de Janeiro
de 2009 com a ocupação e exploração ilícita e abusiva do Hotel.. e lhe continuará a causar até à data da sua efectiva restituição.
Para tanto e, em síntese, alega que é dona e legítima possuidora do estabelecimento hoteleiro denominado .. Hotel... Por escritura pública outorgada no dia 15 de Junho de 1961, deu de arrendamento ao segundo aquele designado prédio, pelo tempo, renda e condições ali consignadas. Por carta datada de 01-01-1961, A.., comunicou à administração da I.., além do mais que “ … pretendendo tomar conta do Hotel.. fez uma proposta, na sequência da qual a A. e o dito A.. chegaram a acordo quanto à cedência e às condições de exploração do hotel e aquele A.. recebeu e entrou na posse do respectivo estabelecimento, com todos os referidos bens móveis e imóvel que o compunham e iniciou “de facto”, a sua exploração, no dia 01-02-196, que manteve a posse e a exploração desde o dia 01-02-1961 até ao dia 26-06-2006. Em reunião extraordinária da Mesa da I.. do dia 20 de Março de 1961, os respectivos “mesários”, deliberaram dar de arrendamento ao dito A.. a Casa do Despacho e de Arrecadação de Alfaias onde está instalado o Hotel.., para exploração da indústria hoteleira, com início no dia 01-02-1961. Por carta de 26-06-2006, A.. comunica á A. que cedera à Ré, por trespasse gratuito, o estabelecimento comercial instalado no prédio urbano denominado Casa do Despacho e de Arrecadação de Alfaias. Por carta registada com aviso de recepção do dia 27-11-2008 a A. comunicou à R., entre outros, que não lhe convém a continuação do contrato para além do termo do prazo da renovação em curso, e por isso declara a sua vontade de o denunciar e, efectivamente, o denuncia para o dia 31 de Janeiro de 2009, data em que lhe deverá ser restituído o prédio e o estabelecimento hoteleiro nele instalado, com todos os bens de equipamento que o compunham à data da escritura de arrendamento, com excepção dos artigos de miudezas de louças, culinária, talheres e roupas da I.. que estavam a uso do senhor A.. e lhe foram vendidos, pelo preço de três mil escudos. Por carta datada do dia 23-01-2009, a R. comunicou à A. que não aceita a denúncia do contrato. A recusa da R. de restituir o Hotel .. está e continuará a causar danos patrimoniais à A., cujo montante não é possível quantificar, nesta data.
Contestando a R. impugna a factualidade vertida na petição e veio dizer que o contrato formalizado pela escritura referida em A) foi indevidamente qualificado de arrendamento, por ao tempo não serem ainda suficientemente conhecidas, divulgadas e seguidas entre os práticos do direito e, concretamente, entre os notários, as mais recentes aquisições da doutrina e da jurisprudência sobre o conceito de “estabelecimento comercial”. O A.. pretendia ao arrendar o imóvel nele exercer a indústria hoteleira e ali exerceu a actividade prevista como finalidade do prédio objecto do contrato. Termina pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento, tendo vindo a ser proferida sentença que julgou a acção, procedente por provada e, em consequência, declarou que:
a) a A. é dona do estabelecimento hoteleiro denominado Hotel.., instalado no seu prédio urbano identificado no art.º 1.º da p.i.;
b) o identificado prédio onde está instalado o Hotel.., faz parte integrante do estabelecimento comercial do Hotel .. e dele depende a existência do próprio hotel;
c) entre a A. e A.. foi celebrado um contrato de cessão de exploração do Hotel.., com início no dia 01-02-1961, mas só formalizado no dia 15-06-1961, pela escritura aludida em A) dos factos provados;
d) a escritura aludida em A) dos factos provados titula um contrato de cessão de exploração do estabelecimento hoteleiro denominado hotel.. e não um contrato de arrendamento do prédio nela identificado, como erradamente nela foi identificado;
e) a denúncia do contrato feita pela A., para o dia 31 de Janeiro de 2009, é lícita e eficaz e foi feita em tempo, e, ainda, condenou a R. P.., L.dª:
f) a reconhecer que a A. é dona do estabelecimento comercial Hotel .., instalado no seu prédio identificado em A) dos factos provados;
g) a reconhecer que a ocupação e exploração que faz deste estabelecimento hoteleiro, a partir do dia 01 de Fevereiro de 2009 é ilícita e não titulada e contra a vontade da A.;
h) a restituir à A. o seu identificado estabelecimento denominado Hotel.., com todos os bens móveis e o imóvel que o integravam à data da escritura aludida em A) dos factos provados menos os bens móveis que a A., entretanto, vendeu ao A..;
i) a pagar à A. uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, para ressarcimento dos prejuízos que lhe está a causar desde o dia 01 de Fevereiro de 2009 com a ocupação e exploração ilícita e abusiva do Hotel.. e lhe continuará a causar até à data da sua efectiva restituição, correspondentes à diferença entre os montantes pagos à A. a título de rendas e os que esta poderia auferir pela exploração do estabelecimento se a A. tivesse tido a possibilidade de o ter transformado numa unidade hoteleira adequada ao turismo de qualidade.

Foi interposto recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, que se declarou incompetente para conhecer do respectivo objecto em virtude da ampliação do mesmo efectuada pela Recrdª.
***
Das conclusões acima exaradas, que delimitam o objecto do recurso, extraem-se as seguintes questões a decidir:
A) No recurso: o contrato celebrado entre a Recrdª e A.. é de arrendamento?
B) Na ampliação: 1ª - o Tribunal errou no julgamento da matéria de facto?
2ª - a ampliação é inadmissível?
***
FACTOS PROVADOS

Por escritura pública outorgada no dia 15 de Junho de 1961, no 1º. Cartório Notarial de Guimarães, B.., outorgando como Juiz da Mesa da I.. e A.., declaram, além do mais, por aquele, como primeiro outorgante na sobredita qualidade, “que a referida I.., que o primeiro outorgante representa, é dona e possuidora de um prédio urbano denominado “Casa do Despacho e de Arrecadação de Alfaias, também conhecida por “..Hotel..”, situado no lugar do seu nome, da indicada freguesia da Costa, inscrito na competente matriz sob o artigo.. e descrito na Cons. do Reg. Predial deste concelho sob o número.., a fl.s .., do Livro.., ao qual atribui o valor de duzentos mil escudos. Que, pela presente escritura, na indicada qualidade e usando dos poderes que lhe foram conferidos, dá de arrendamento ao segundo aquele designado prédio, pelo tempo, renda e condições seguintes: Primeira: este arrendamento é pelo prazo de um ano, prorrogável enquanto convier a ambas as partes e teve o seu início em um de Fevereiro último; Segundo: o referido prédio destinar-se-á a nele ser explorada, pelo segundo outorgante, a indústria hoteleira; Terceira: nos cinco primeiros anos que durar o presente contrato, a contar do dia indicado dia um de Fevereiro, a renda anual será de seis mil escudos, pagável em duodécimos de quinhentos escudos no primeiro dia útil do mês a que disser respeito; Quarta: nos cinco anos subsequentes, a renda aludida será de trinta e seis mil escudos, pagável em duodécimos de três mil escudos, nas indicadas condições; Quinto: se o arrendamento durar por mais de dez anos, a renda anual será, a partir do décimo ano, de sessenta mil escudos, igualmente pagável em duodécimos, mas de cinco mil escudos, nas sobreditas condições; Sexto: o arrendatário, segundo outorgante, fica obrigado a realizar no prédio, objecto deste contrato, as obras de beneficiação estabelecidas pela Mesa da referida I.., conforme o plano por esta já aprovado; … Décimo. No caso de o segundo outorgante arrendatário trespassar o estabelecimento hoteleiro instalado no prédio arrendado, manter-se-ão as cláusulas deste arrendamento e o mesmo segundo outorgante ficará responsável como fiador e principal pagador das rendas devidas. Pelo segundo outorgante foi dito: que aceita este contrato”. (A).
O estabelecimento hoteleiro Hotel.. foi classificado, pela Direcção Geral de Turismo, no dia 10 de Agosto de 1949, como “Hotel com a categoria de 2ª classe” e reclassificado no dia 07 de Agosto de 1953, como “Hotel com a categoria de 1ª classe”. (B).
Por carta datada de 01-01-1961, A.., residente na rua.., Porto, comunicou à administração da Irmandade da Penha, além do mais que “ … pretendendo tomar conta do Hotel.. vem por este meio fazer a seguinte proposta:
1º De entrada entrego a quantia exigida pela I.. para as obras do Hotel.
2ºPago ao Sr. M.. todo o recheio do Hotel que lhe pertencer…
3ºAlém das obras que a I.. se propõe fazer, ainda faço por minha conta as obras de limpeza necessárias para que os quartos possam ser habitados, visto não estarem em condições para receberem hóspedes, bem como uma revisão nos móveis utensílios a fim de que seja dada outra apresentação às ditas habitações;
4ºProponho-me efectuar arranjos nas lojas e armazéns…;
5ºSatisfazer as necessidades mais urgentes em roupas, materiais de metal e louças para a sala de jantar….
Outros melhoramentos há a fazer em pequenas coisas que de momento não posso recordar tudo mas que se tornam indispensáveis arranjar, a fim de dar
nova e melhor apresentação do hotel.” – doc. de fl.s 17 a 19. (C).
Em reunião extraordinária da Mesa da I.. do dia 20 de Março de 1961, os respectivos “mesários”, deliberaram dar de arrendamento ao dito A.. a Casa do Despacho e de Arrecadação de Alfaias onde está instalado o Hotel.., para exploração da indústria hoteleira, com início no dia 01-02-1961, pela renda e demais condições mencionadas na acta de fl.s 20 a 21. (D).
Por carta de 26-06-2006, registada, com aviso de recepção, A.. á A. que cedera à Ré, por trespasse gratuito, o estabelecimento comercial instalado no prédio urbano denominado Casa do Despacho e de Arrecadação de Alfaias – doc. de fl.s29. (E).
Por deliberação da Mesa da I.., do dia 17-07-1966, foram vendidos ao dito A.., os artigos de miudezas de louças, culinária, talheres e roupas da I.., que estavam a uso, pelo preço de três mil escudos. – doc. de fl.s 3º a 31. (F).
Por carta registada com aviso de recepção do dia 27-11-2008 a A. comunicou à R., nomeadamente:
1-Pela escritura de arrendamento, a I.. cedeu o gozo do seu estabelecimento hoteleiro, instalado no seu prédio urbano denominado Casa do Despacho e de Arrecadação de Alfaias, com todos os referidos bens que o integravam, ao dito senhor A.., para exploração desse estabelecimento, pelo prazo e pela renda nela indicados.
2-Não convém, à A., a continuação do contrato para além do termo do prazo da renovação em curso, e por isso declara a sua vontade de o denunciar e, efectivamente, o denuncia para o dia 31 de Janeiro de 2009, data em que lhe deverá ser restituído o prédio e o estabelecimento hoteleiro nele instalado, com todos os bens de equipamento que o compunham à data da escritura de arrendamento, com excepção dos artigos de miudezas de louças, culinária, talheres e roupas da Irmandade que estavam a uso do senhor A.. e lhe foram vendidos, pelo preço de três mil escudos, conforme deliberação da Mesa da I.. do dia 17-07-1996. doc. de fl.s 32 a 34. (G).
Por carta datada do dia 23-01-2009, a R. comunicou à A. que não aceita a denúncia do contrato – cfr. fl.s 35. (H).
A A. construiu a unidade hoteleira Hotel.., no primeiro quartel do século XX. (1.º).
O estabelecimento hoteleiro vem dispondo de:
a) um número variável de quartos de dormir, entre 18 e 25 destinados aos hóspedes, alguns com quarto de banho privativo;
b) Cozinha dotada de equipamentos necessários para confeccionar e servir refeições;
c) Sala de jantar para servir, as refeições mencionadas na alínea anterior;
d) Sala de estar ou de visitas;
e) Adega;
f) Rouparia. (2.º).
O estabelecimento hoteleiro está e sempre esteve aberto ao público, pelo menos a partir de 1946 e é e sempre foi explorado por terceiros. (3.º e 4.º).
No dia 12-06-1960, a categoria do estabelecimento do Hotel .. baixou para hotel de 2ª classe. (5.º).
O estabelecimento hoteleiro estava instalado no prédio identificado em A). (7.º).
Era dotado de bens de equipamento. (8.º).
(…) estava devidamente licenciado e encontrava-se aberto ao público e em normal funcionamento. (9.º).
A A. e o dito A.. celebraram o contrato referido em A), o qual teve início em 1-02-1961 e que o mantiveram até 26-06-2006. (10.º, 11.º e 12.º).
A A. pretende proceder à transformação do hotel .. numa unidade hoteleira, adequada ao turismo de qualidade. (14.ºe 15.º).
A I.. emitiu recibos de renda que entregou ao arrendatário A.., deles constando a retenção de IRC sobre rendimentos prediais. (26.º).
A I.. participou o arrendamento à Administração Fiscal em 30 de Janeiro de 1964. (27.º).
Apresentou declarações de rendas pagas e os montantes retidos como rendimentos prediais. (28.º).
O arrendatário A.. declarou as rendas pagas e os montantes retidos como rendimentos prediais. (29.º).
Após a cessação da proibição legal de actualização das rendas, a I.. requereu a fixação de renda pela Comissão de Avaliação, tendo havido recurso para o Tribunal Judicial de Guimarães que fixou a renda em 18.000$00 mensais, por sentença proferida no processo nº 36/81. (30º).
A I.. requereu tal avaliação afirmando-se proprietária e senhoria e reconhecendo A.. como inquilino. (31º).
Nunca a I.. pôs em causa a qualidade de inquilino/arrendatário de A... (32º).
Ao longo da vigência do contrato de arrendamento a A. procedeu a actualização de rendas. (33º).
O Alvará de Licença Sanitária para exploração de Hotel, instalado em prédio pertencente à I.., foi, pela Câmara Municipal de Guimarães, concedido a A.. em 12-01-1993.(34º).
Era o arrendatário A.. quem efectuava o pagamento do Imposto de Turismo. (35º).
A Escritura Pública referida em A) traduz a efectiva vontade das partes, confirmada perante Notário. (36º).
***

ANÁLISE JURÍDICA
A questão trazida a recurso cinge-se, única e exclusivamente, á qualificação do contrato dito de arrendamento e que o Tribunal recorrido caracterizou como de cessão de exploração.
A Recrte., na defesa da sua tese, funda-se nos seguintes argumentos: a Recrdª agiu sempre e apenas como proprietária do imóvel – e não de qualquer negócio –, o objecto do contrato versou sobre um imóvel e não sobre um estabelecimento, pelo que quer a escritura pública de 1961, quer a acta do mesmo ano, corporizam um verdadeiro contrato de arrendamento e a vontade da Recrdª em celebrá-lo. Por outro lado, o íter da execução do contrato foi desconsiderado na análise efectuada pela sentença, na medida em que este revela inequivocamente que sempre a Recrdª se comportou como senhoria deste contrato.
Contrapõe a Recrdª o bem fundado da sentença porquanto as partes contratantes quiseram celebrar um contrato de locação de exploração de estabelecimento e não o arrendamento de um prédio, que da cobrança de rendas não podem extrair-se conclusões acerca do objecto e substância do negócio.
Vejamos!
O contrato em discussão é aquele que é titulado pela escritura datada de 15 de Junho de 1961, segundo o qual (e transcrevemos a parte relevante) a I.. e A.., declaram, “que a referida I..... é dona e possuidora de um prédio urbano denominado “Casa do Despacho e de Arrecadação de Alfaias, também conhecida por “Hotel..”... Que... dá de arrendamento ao segundo aquele designado prédio... que se destinará a nele ser explorada, pelo segundo outorgante, a indústria hoteleira”, mediante uma renda anual.
Detendo-se sobre a interpretação do negócio jurídico, consignou-se na sentença recorrida que “ a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição real do declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele” – art.º 236.º, n.º1, do citado código, e, para tanto, deve atender-se a todas as circunstâncias do caso concreto, como “os termos do negócio, os interesses nele compreendidos, o seu mais razoável tratamento, o objectivo do declarante, as negociações preliminares e os usos” cfr Vaz Serra, in Rev. Leg. E J., 111.º, pág. 220.
....
Em caso de dúvida, deve prevalecer, nos contratos onerosos, o sentido “que conduzir ao maior equilíbrio das prestações “, art.º 237.º, do Cód. Civil. Em particular quanto aos negócios formais, que são aqueles que devem constar de documento escrito, exige-se que o sentido da declaração tenha “um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”, art.º 238.º, n.º1, do C.C., mas a vontade real das partes pode ser relevante, apesar da falta dessa correspondência, se “as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade”, n.º2, do mesmo artigo.”
Partindo-se, após, para a definição de locação, de arrendamento urbano, arrendamento para comércio e cessão de exploração, salientou que “A cessão de exploração ou a concessão de exploração de estabelecimento comercial é um contrato de locação de estabelecimento como unidade jurídica, isto é, um negócio jurídico pelo qual o titular do estabelecimento proporciona a outrem, temporariamente e mediante retribuição, o gozo e fruição do estabelecimento, ou seja a sua exploração mercantil. O cedente ou locador demite-se temporariamente do exercício da actividade comercial e quem o assume é o cessionário ou locatário.
O objecto da cessão de exploração não é o imóvel em si, mas o estabelecimento como um bem unitário, compreendendo a globalidade dos
elementos que o integram e a sua destinação ao prosseguimento de uma dada actividade mercantil.”
E aqui reside, efectivamente, o traço distintivo entre a cessão de exploração e o arrendamento comercial urbano: neste o objecto do contrato é apenas e tão só um prédio urbano destinado a comércio; naquela, o objecto do contrato (que também é de locação) é um estabelecimento comercial, definido como uma pluralidade de coisas corpóreas e incorpóreas, móveis ou imóveis, entre as quais se incluem as instalações, a clientela, o aviamento, os direitos de crédito...
Conforme decidiu o STJ “o contrato de cessão de exploração comercial ou de locação de estabelecimento consiste numa forma de negociação do estabelecimento comercial, traduzido numa transferência temporária e onerosa de uma exploração e em que o explorador não recebe qualquer remuneração como se fora um gerente, tendo, antes, de pagar uma renda ao locador, explorando o estabelecimento por sua conta e risco. Para haver cessão de exploração comercial, não é necessário que o estabelecimento esteja a ser explorado, podendo tal negócio ter lugar mesmo que a exploração não se tenha ainda iniciado ou esteja mesmo interrompida, bastando tão só que a estrutura organizativa exista e esteja potencialmente apta a funcionar e a realizar o seu destino” (Ac. de 8/01/2004, www.colectaneadejurisprudencia.com).
Donde, se sufraga completamente a conclusão ínsita na sentença segundo a qual “há arrendamento se o titular do local se limitar a pôr à disposição do locatário o gozo e fruição da instalação e haverá cessão de exploração se o prédio já se encontrar provido dos meios materiais indispensáveis à sua utilização como empresa, nomeadamente móveis, máquinas utensílios, que tornem viável, mediante a simples colocação de mercadoria o arranque da exploração comercial, não sendo indispensável que o estabelecimento já antes estivesse em exploração .”
O que nos parece essencial é que o estabelecimento esteja em condições de ver reiniciada a exploração, o que não ocorrerá se se ceder o gozo de um prédio inactivo onde vai ser montado um negócio, mas já ocorrerá se se ceder o gozo de um prédio equipado para um determinado fim, ainda que momentaneamente encerrado. Ou seja, o contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial implica a funcionalidade e inerente explorabilidade do estabelecimento.
Na verdade, a situação de inactividade de um estabelecimento não significa a inexistência do mesmo, sobretudo se pensarmos na mais valia constituída pela clientela.
Significa isto que o negócio em que se traduz o estabelecimento mantém-se muito para além do local em que ele se insere.
Daí que para que se verifique uma cessão de exploração de estabelecimento comercial não seja necessário que o estabelecimento esteja a ser explorado, bastando que se trate duma organização com aptidão para funcionar (neste sentido também os Ac. do STJ de 8/01/2004 e RLx. de 22/11/2007, www.colectaneadejurisprudencia.com).
Posto isto, também nos parece verdade que só cede um negócio, quem seja seu titular, pelo que cabe encontrar resposta á seguinte questão: era a A., ora Recrdª, titular de algum negócio hoteleiro que pudesse ceder a A..?
Os factos indiciam uma resposta positiva.
Na verdade, a partir do acervo fáctico podemos concluir, sem margem para dúvidas, que em 1949 já existia o estabelecimento hoteleiro (B); que em 1961 havia Hotel.. na posse da I.., que não se limitava ao prédio, mas também era constituído por recheio (C e D) – “pretendendo tomar conta do Hotel.....”; que o estabelecimento hoteleiro está e sempre esteve aberto ao público, pelo menos a partir de 1946 e é e sempre foi explorado por terceiros (3º e 4º). Por outro lado, o acervo em referência revela-nos ainda que o estabelecimento hoteleiro estava instalado no prédio identificado em A) (7.º), e era dotado de bens de equipamento (8.º), estando devidamente licenciado e encontrando-se aberto ao público e em normal funcionamento (9.º) quando foi celebrado o contrato.
Não duvidamos, assim, do acerto da decisão recorrida quando conclui: “Atendendo às cláusulas da escritura e aos demais factos provados, verifica-se, sem qualquer dúvida, que houve um acordo entre a A., enquanto possuidora de um estabelecimento comercial, denominado Hotel.., e o referido A.., tendo por objecto a transferência para este da exploração daquele estabelecimento comercial, englobando a transmissão de instalações, utensílios e outros elementos que o integravam, feita juntamente com o gozo do prédio, continuando a funcionar o hotel.., sendo que essa transferência tinha uma duração temporariamente delimitada e era feita mediante título oneroso.”
Ou seja, é claro, também para nós, que, não obstante o uso do termo arrendamento de prédio, o que se pretendeu foi formalizar um negócio de cessão de exploração de um estabelecimento hoteleiro, aliás não afastado pelo que se expressou na escritura de 1961. Antes pelo contrário, manifestou-se ali o desígnio de o prédio se destinar á exploração da indústria hoteleira, pelo que, revelando a matéria fáctica supra exposta que sempre existiu e funcionou o estabelecimento hoteleiro, não se pode agora concluir, como pretendido pela Recrte. que apenas se deu de arrendamento um prédio urbano. Tanto mais que a identidade do titular do arrendamento era coincidente com a identidade daquele que ficou na exploração do negócio ali instalado.
A esta conclusão não obsta a circunstância de a Recrdª receber e aumentar as rendas, comportando-se como senhoria (afinal, a cessão de exploração é uma espécie de locação) ou de o A.. ter comunicado um trespasse do estabelecimento (sendo o trespasse uma venda, só pode trespassar quem é dono), circunstância apenas imputável a este e não á Recrdª.
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Ficam, assim, prejudicadas as questões suscitadas através da ampliação do objecto do recurso.
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recrte..
Notifique.
Manuela Fialho
Edgar Valente
Paulo Barreto