Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
757/1.3TBCBT-A.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA
ALIMENTOS PROVISÓRIOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/12/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - Com o arbitramento de reparação provisória assumiu-se que, para a tutela eficaz de certos direitos como o de indemnização é, por vezes, insatisfatória a resposta condicionada ao natural decurso da tramitação das ações que visam obter o seu reconhecimento.
2 - Contudo, em face dos maiores riscos que comporta a atribuição provisória de montantes pecuniários, o legislador limitou-se a tutelar antecipadamente os danos que determinem para o lesado uma situação de carência de meios económicos “situação de necessidade”, tendo os outros danos que aguardar pela decisão final a proferir na ação principal.
3 – Para apurar tal montante deve ter-se em conta o indispensável ao sustento, habitação e vestuário, por paralelismo com a definição de alimentos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO
J… intentou contra a ré “Companhia de Seguros…, SA”, procedimento cautelar para arbitramento de reparação provisória, pedindo que a requerida seja condenada a pagar-lhe a renda mensal de € 1000,00, até que se mostre transitada em julgado a decisão que julgue o pedido formulado na ação principal. Alegou que a requerida já lhe vinha pagando tal renda, no valor de € 868,00, desde o acidente até 2011 e de € 1000,00, desde 2011, mas que cessou tal pagamento em Outubro de 2013, não tendo o requerente condições de subsistir sem a mesma.
Na data designada para a audiência a ré apresentou a sua contestação onde, aceitando a responsabilidade da sua segurada, alegou que foi antecipando a indemnização ao longo dos meses para suprir a falta de independência e autonomia do réu, decorrente do acidente, e a título de ajuda de terceira pessoa (num valor global de € 69.182,20), situação que hoje se encontra ultrapassada, uma vez que foi dado como curado, sem necessidade de qualquer ajuda ou assistência de terceira pessoa e com uma incapacidade permanente para o trabalho de 21 pontos.
Foram inquiridas as testemunhas arroladas e junta diversa documentação clínica.
Foi proferida sentença que julgou o procedimento cautelar parcialmente procedente e, em consequência, arbitrou a reparação provisória de € 600,00 a favor do requerente, condenado a requerida no seu pagamento desde 1 de Janeiro de 2014.
Discordando da sentença, dela interpôs recurso o requerente, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes
Conclusões:
1. Do teor dos elementos clínicos juntos aos autos – designadamente dos registos das consultas da especialidade de urologia – bem como do depoimento testemunhal de M…, M… e M…, resulta que o requerente, em consequência das lesões sofridas no acidente de viação, ficou a padecer de uma incapacidade sexual, designadamente disfunção eréctil, valorizada na Tabela Nacional das Incapacidades em Direito Civil, de 5 a 15 pontos.
2. Aliás, se o requerente (tal como resultou indiciado), foi submetido a intervenção cirúrgica para implante de prótese peniana – a qual representa uma solução para a disfunção eréctil, ou seja, para pacientes que apresentam dificuldade de erecção ou de mantê-la – é porque, obviamente, padece dessa mesma incapacidade.
3. Contudo, entendeu a M.ma Juiz a quo que, com a colocação da prótese peniana, tal incapacidade deixou de existir – o que não corresponde à verdade já que a colocação de uma prótese – neste caso uma prótese peniana – não tem o propósito - nem o conseguiria alcançar - de fazer desaparecer a incapacidade mas apenas o de ultrapassar algumas das consequências desfavoráveis dessa mesma incapacidade. Veja-se o exemplo de uma pessoa que perdeu uma parte do membro inferior e coloca uma prótese.
4. Assim sendo, face à prova documental e testemunhal produzida, deveria ter sido dada como indiciada a matéria de facto alegada em 9 do Requerimento Inicial, ou seja, que o requerente não tem capacidade de conseguir uma erecção suficiente para manter relações sexuais de coito completo.
5. O tribunal a quo considerou não indiciado o seguinte facto alegado pelo requerente em 12 do requerimento inicial: O requerente ”o) Está impossibilitado de realizar sem auxílio de terceiros todos os actos relativos à sua vida diária, como cozinhar, arrumar a sua casa, preparar e cuidar das suas roupas.”, não o considerando, por isso, na fixação do montante da renda mensal.
6. Salvo o devido respeito, não vemos como esta conclusão da M.ma Juiz a quo possa ser compatível com alguns dos factos considerados indiciados, respeitantes à situação clínica actual do requerente, entre eles, o facto de o requerente se encontrar privado dos sentidos do olfacto (anosmia) e do paladar (ageusia), apresentar limitações da mobilidade e flexão do joelho e perna direitos, padecer de limitações da mobilidade dos dois membros superiores e do tronco, não conseguir levantar pesos, elevar os braços, flectir ambas as pernas.
7. Na verdade, da factualidade apurada resulta evidente que o requerente padece actualmente de gravíssimas sequelas físicas e psicológicas, em resultado das lesões corporais sofridas no acidente, as quais se reflectem no seu dia-a-dia, tornando-o incapaz de executar as mais simples tarefas como ir ao supermercado para comprar a mercearia necessária para a semana (já que não consegue carregar sacos pesados ou garrafões de água ou mais do que dois pacotes de leite…) ou fazer a limpeza da sua habitação (já que não consegue elevar os braços para aceder aos locais mais altos ou flectir as pernas para aceder a locais baixos) bem como cozinhar as suas refeições.
8. As limitações descritas, que mais não são do que consequências inevitáveis das sequelas de que padece o requerente e que resultaram indiciadas nos autos, foram comprovadas pelas testemunhas M…, M… e M….
9. Não pode o tribunal a quo considerar – como considerou - que a apurada necessidade de ajuda de terceira pessoa foi suprida a partir do momento em que a senhora que foi contratada pelo requerente para a execução de tais tarefas (facto considerado indiciado pelo tribunal a quo) passou a viver em união de facto com o requerente, sem que tenha ficado indiciado ou sequer tenha sido alegado nos autos que desde essa altura o requerente não paga à senhora a respectiva remuneração que até aí vinha pagando.
10. Posto isto, face à prova supra-referida, deveria ter sido dada como indiciada a matéria de facto alegada em 12 do Requerimento Inicial, ou seja que o requerente ”o) Está impossibilitado de realizar sem auxílio de terceiros todos os actos relativos à sua vida diária, como cozinhar, arrumar a sua casa, preparar e cuidar das suas roupas.”.
11. Entende o requerente que o montante arbitrado pelo tribunal a quo se revela insuficiente para suprir as suas necessidades actuais, decorrentes do acidente de viação de que foi vítima.
12. Na verdade, conforme defende o requerente no presente recurso da matéria de facto, para além das necessidades básicas de alimentação, sustento e habitação, o requerente necessita ainda de ajuda de terceira pessoa para a realização de todas tarefas domésticas, incluindo a execução das refeições.
13. Por isso, ao montante da renda mensal arbitrada em 600,00€ há que acrescer o montante necessário para fazer face à necessidade de ajuda de terceira pessoa, que segundo as regras da experiência comum, se quantifica em montante não inferior a 400,00€, perfazendo um total de 1.000,00€.
14. Acresce que, o M.mo Juiz a quo, na fixação da renda mensal, adoptou o critério da indispensabilidade ao sustento, habitação e vestuário, previsto para os alimentos provisórios, quando na reparação provisória fundada em lesões corporais não se estabelecem limites em função do tipo de necessidade económica em que se encontra o requerente nem a reparação está limitada ao estritamente necessário para a satisfação dessas apuradas necessidades do requerente.
15. No caso de lesões corporais, considera-se qualquer tipo de necessidade tendo em conta o estilo de vida do requerente. (Neste sentido veja-se Lebre de Freitas in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 2ª Edição, Coimbra Editora, n.º 4 da anotação ao artigo 388º).
16. Ora, conforme resultou apurado nos autos, em resultado das lesões corporais sofridas no acidente, o requerente padece de gravíssimas sequelas físicas: limitações da mobilidade dos membros superiores, do tronco e do joelho e perna direitos, que o impossibilitam de efectuar os mais elementares movimentos como elevar os braços, flectir as pernas, levantar pesos; dores indescritíveis; anosmia (privação do sentido do olfacto) e ageusia (privação do sentido do paladar) e psicológicas (perdeu a alegria de viver, sentindo desgosto e profunda tristeza),
17. sendo que o requerente – que até à data do acidente exercia a profissão de trolha da construção civil, auferindo um vencimento mensal de cerca de 1.100,00€ - não aufere actualmente qualquer rendimento nem é expectável, face à sua situação clínica, que o venha a auferir.
18. Quer isto dizer que, o acidente em causa nos autos diminuiu de forma drástica a capacidade de ganho do requerente, encontrando-se o mesmo impedido de fazer face às suas necessidades básicas designadamente de alimentação, habitação, saúde, vestuário, bem como de frequentar cafés, ir ao cinema, fazer passeios, passar alguns dias longe do seu local de residência - onde ninguém o conhece ou conhecia antes do acidente - como forma de o requerente ultrapassar a grave situação em que se encontra.
19. Durante 4 anos a recorrida pagou voluntariamente ao recorrente, a título de reparação provisória, a quantia mensal que a partir de Fevereiro de 2012 se cifrou em 1.000,00€, tendo contudo em Outubro de 2013 cessado totalmente esses pagamentos.
20. Não tendo qualquer rendimento e encontrando-se impedido de trabalhar, o requerente não só viu a satisfação das suas necessidades básicas posta em causa, como perdeu a esperança de reconstruir uma nova vida perante a cruel realidade.
21. Criar de imediato ao requerente condições dignas de vida é um acto de justiça absolutamente elementar, que em circunstância alguma poderá ceder ao potencial financeiro imenso de uma seguradora de primeira grandeza como a Requerida, muito menos quando a culpa do seu segurado é tão brutalmente evidente quanto sucede nos presentes autos.
22. Para tal, será prudente fixar uma renda mensal a título de reparação provisória no montante de 1.000,00€.
Assim sendo, revogando V.as Ex.as parcialmente a sentença recorrida, nos termos apontados nas conclusões vindas de enumerar, estarão fazendo a mais elementar justiça a um jovem que se viu privado da sua vida normal devido a um grave acidente de que foi vítima.

Contra alegou a requerida pedindo que seja negado provimento ao recurso.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
A única questão a resolver traduz-se em saber qual o montante mensal que deve ser arbitrado a título de reparação provisória.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:
«O tribunal julga indiciariamente provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa:
1. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.° 751843997, à data de 21/12/2008, encontrava-se transferida para a requerida Companhia de Seguros…, S.A., a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do veículo de matrícula …-OL, estando atribuído à cobertura de responsabilidade civil obrigatória o capital de € 1.800.000,00;
2. No dia 21/12/2008, cerca das 11h15m, ao km 9,780 da Estrada Nacional 101-4, em Agilde, concelho de Celorico de Basto, houve um embate entre o velocípede com motor de matrícula …-GH, conduzido pelo requerente, e o veículo automóvel de matrícula …-OL, propriedade do réu P… e conduzido pela ré A…;
3. No local e data do acidente a estrada possuía piso em asfalto, que se encontrava em bom estado de conservação, por não apresentar desgaste ou irregularidades do piso que pudessem comprometer a aderência dos pneus de qualquer veículo.
4. Nesse mesmo local, a estrada desenvolve-se numa curva à direita, atento o sentido Lixa/Celorico,
5. O requerente circulava no sentido Lixa-Celorico de Basto, conduzindo o referido veículo …-GH.
6. Fazia-o ocupando exclusivamente a sua metade direita da estrada,
7. A condutora do veículo OL preparava-se para entrar na referida estrada nacional, para nela passar a circular em sentido contrário ao do requerente, oriunda de uma propriedade privada situada do lado direito da estrada, atento o sentido do deste, mas num plano inferior ao da plataforma da estrada,
8. Circunstância que a obrigava a vencer previamente uma rampa, ainda localizada no interior da referida propriedade.
9. No fim da referida rampa, encontrava-se o portão de acesso à via pública da referida propriedade, sendo que entre o referido portão e a faixa de rodagem propriamente dita, se interpõe uma berma, inicialmente (junto ao portão) em terra e depois (na sua maior extensão), em asfalto, numa solução de continuidade da própria faixa de rodagem,
10. O requerente foi surpreendido pelo aparecimento do veículo OL quando passava pelo local do referido portão,
11. Cuja condutora, conduzia com falta de perícia e destreza,
12. O requerente e o velocípede que conduzia embateram de encontro ao veículo OL;
13. E este, desamparado, tombou e imobilizou-se no solo;
14. Devido a tal embate, o requerente sofreu lesões corporais que lhe determinaram a imediata entrada em coma de Glasgow, no grau 3, mais concretamente, contusão frontal direita com traumatismo crânio encefálico com hemorragia sub-aracnoideia, esfacelo da face, fractura cominutiva da mandíbula, fractura do rochedo temporal direito, fractura da apófise estilóide direita, fractura/luxação escafoperilunar, e lesão ligamentar com arrancamento da cabeça do perónio esquerdo.
15. Socorrido no local, foi de imediato transportado para os serviços de urgência do Hospital de S. João do Porto, onde deu entrada nesse mesmo dia, com entubação orotraqueal.
16. Aí se manteve, primeiro na unidade de cuidados intensivos e, após isso, na unidade de cuidados intermédios.
17. Esteve em coma até 09 de Janeiro seguinte.
18. Em 19 de Janeiro de 2009, foi transferido para o Hospital de S. Marcos, em Braga, onde recebeu tratamentos nas áreas de ortopedia, cirurgia plástica, neurocirurgia e fisioterapia.
19. Realizados todos os exames, verificou-se, que, mercê do descrito acidente de viação, o requerente, sofreu:
a. ao nível da cabeça,
i. pequena contusão hemorrágica frontal alta para-sagital direita;
ii. sangue subaracnoideu;
iii. edema cerebral à direita com apagamento dos sulcos corticais da convexidade;
iv. fractura da parede lateral do seio maxilar à direita;
v. fractura da parede lateral da câmara esquerda do seio efenoidal;
vi. fractura longitudinal do rochedo esquerdo
vii. fractura temporal homolateral com hemotimpano esquerdo.
b. ao nível torácico:
i. Contusão pulmonar bilaterais e consolidação no lobo inferior direito (Hemorragia
alveolar/Atelectasia);
ii. Enfisema subcutâneo e pneumomediastino.
c. ao nível abdominal, lesão fechada com laceração/hematoma hepático e esplénico.
d. ao nível ortopédico,:
i. Fractura luxação (transescafoperilunar) do punho direito;
ii. Diastase da sínfise púbica sem lesão considerável das sacroilíacas;
iii. fractura da estiloide radial e meta mão direita;
iv. Lesão ligamentar do joelho esquerdo com provável arrancamento da cabeça do perónio;
e. ao nível urológico:
i. hematoma perivesical, com lesão de continuidade vesical intraperitoneal;
ii. disfunção renal que reverteu totalmente.
20. Até hoje, o requerente já foi objecto dos mais diversos tratamentos, como intervenções cirúrgicas, fisioterapia, imobilização de diversos membros, diversas intervenções cirúrgicas ao maxilar, à mão direita (uma) ao braço esquerdo (uma para colher enxerto ósseo para o maxilar), ao ouvido esquerdo (uma), e perna direita (duas).
21. Após a alta do Hospital de S. Marcos, de Braga, o Autor passou a ser tratado nas instituições hospitalares e outras que a Requerida entendeu designar,
22. Tendo esta suportando ainda todos os respectivos custos.
23. Ainda hoje se mantêm os tratamentos, inclusive cirúrgicos.
24. O requerente tem necessidade de ver “reconstruída” toda a sua boca, ainda lhe não foi colocada nesta data a prótese que irá substituir a dentição do maxilar inferior, relativamente ao qual, perdeu massa óssea.
25. Desde a data do acidente e até hoje, o requerente, devido às lesões sofridas e aos tratamentos a que foi sujeito, sofreu e continua a sofrer dores indescritíveis,
26. Sendo previsível que tal sofrimento se prolongue ainda por bastantes mais meses e até anos.
27. E tem sentido sofrimento psicológico decorrente da circunstância de se ver impedido de trabalhar.
28. Perdeu a alegria e vontade de viver;
29. Passando o tempo permanentemente irritado e angustiado;
30. O estado psicológico do requerente degradou-se mercê da circunstância de aquela que era a sua companheira na data do acidente, o haver entretanto deixado, porque o requerente perdeu todo o “encanto” que até ao acidente e mercê da sua juventude possuía, tornando-se desde então num homem desfigurado, perturbado psicologicamente e totalmente dependente da ajuda de terceiros, seja porque psicologicamente o requerente passou a viver debaixo de uma permanente agitação e angústia, profusamente deprimido e sem vontade de viver.
31. O requerente encontra-se privado dos sentidos do olfacto (anosmia) e do paladar (ageusia),
32. Ficará igualmente afectado por permanente estado de ansiedade e depressão, motivado por se não conformar com as gravíssimas deformações na face e no resto do corpo.
33. Ficou ainda o requerente impedido para sempre de exercer a profissão que tinha antes do acidente, de trolha da construção civil,
34. O requerente apresenta limitações da mobilidade e flexão do joelho e perna direitos,
35. Padecendo de limitações da mobilidade dos dois membros superiores e do tronco, devido à fractura dos ossos da bacia.
36. Não consegue o requerente levantar pesos, elevar os braços, flectir ambas as pernas,
37. O esfacelo/fractura da mandíbula lesaram de forma irreversível a face do requerente, deformando-a;
38. O requerente foi submetido em Outubro de 2013, a nova intervenção cirúrgica, destinada ao implante de uma prótese peniana,
39. O Requerente trabalhava na construção civil, como trolha,
40. Auferindo um salário mensal médio na ordem dos EUR 1.100,00, quatorze vezes por ano, sustentados numa remuneração diária de EUR 40,00/dia e de EUR 5/hora, seis dias por semana,
41. Sendo este o valor ainda hoje corrente na região da residência do Requerente,
42. Onde não abunda mão de obra para a construção civil.
43. O requerente está impedido de exercer em definitivo a sua profissão, nem qualquer outra do ramo técnico-profissional para o qual se encontra preparado,
44. O requerente não possui aptidões socioprofissionais para exercer qualquer actividade profissional que o dispense de realizar trabalho manual e pesado, de flectir as pernas, de pegar em pesos,
45. Na região onde reside inexiste qualquer empregabilidade em tais tipos de actividades mais leves.
46. A Requerida, desde a data do acidente, passou a pagar mensalmente ao Requerente uma quantia no valor de € 868.00, desde o acidente e, a partir de Fevereiro de 2010, de € 1.000,00,
47. Tendo sido com tal quantia que o Requerente se alimentou, vestiu, pagou a renda, gás e electricidade e, em tudo o mais se sustentou,
48. Tendo sido com esse rendimento que o Requerente, após a altura em que a sua companheira o deixou, devido às dificuldades sexuais, afectivas e psicológicas que o afectam, passou a pagar a terceiros os serviços de que carece para se alimentar e manter a sua casa em condições de habitabilidade e higiene.
49. O requerente não possui nem beneficiou de qualquer formação profissional que o habilitasse a desempenhar outra actividade profissional que não aquela que exercia à data do acidente,
50. Em consequência do embate o requerente foi tratado em instituições hospitalares designadas pela requerida, que suportou os respetivos custos;
51. A requerida tem suportado todos os custos com a assistência médica, clínica e de reabilitação que o requerente precisa em consequência do embate, bem como tem contribuído mensalmente para o seu sustento, designadamente:
a) a partir de 10 de setembro de 2009, o requerente recebeu da requerida a quantia de € 400,00 (quatrocentos euros) por mês a título de ajuda a terceira pessoa, e a quantia, também por mês, de € 468,00 (quatrocentos e sessenta e oito euros), a título de adiantamento indemnizatório.
b) em 10 de fevereiro de 2010, passando a requerida a pagar ao requerente a quantia de € 532,00 (quinhentos e trinta e dois euros) por mês a título de ajuda de terceira pessoa, e manteve a quantia de € 468,00 a título de adiantamento indemnizatório.
c) a título de adiantamento por conta da indemnização global e final, a requerida já pagou ao requerente a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) em 14 de abril de 2010, e, a quantia de € 11.000,00 (onze mil euros) em 10 de fevereiro de 2011 e outros que no total , perfaz a quantia de € 69 182.20.
52. No mês de Outubro de 2013, a Requerida cessou o pagamento da renda mensal no valor de € 1000.00.
53. O requerente conduz veículos automóveis, sendo proprietário de um;
54. O requerente frequenta cafés, onde convive com terceiros;
Mais se provou que (art. 5º, n.º 2, al. b) do CPC):
55. O requerente reside em união de facto com a senhora que previamente havia contratado para lhe prestar serviços de limpeza, confecção de alimentos e os demais necessários à sua vivência.
O tribunal não julga indiciariamente provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa:
a) A condutora do OL o fazia instruída por P…, que a havia incumbido de exercer tal condução, nas referidas circunstâncias de tempo e local.
b) Eram visíveis em toda a sua extensão as marcações brancas relativas aos limites da faixa de rodagem e ao eixo da via.
c) A via encontra-se dividida em duas faixas de rodagem de igual largura, separadas por um traço longitudinal descontínuo e servindo sentidos contrários de trânsito.
d) O requerente circulava a uma velocidade não superior a 40 Km/h.
e) E encontrava-se do portão a não mais de 4 ou 5 metros,
f) O OL irrompeu rampa acima e, sem parar ou sequer reduzir a marcha, entrou na faixa de rodagem por onde circulava o GH,
g) Sem previamente se certificar da sua iminente aproximação,
h) Nela se atravessando em toda a sua largura,
i) Por forma a “cortar” completamente a linha de marcha do veículo conduzido pelo requerente, de forma obliquada relativamente ao eixo da via, por seguir com a frente do OL já orientada no sentido Celorico/Lixa, que pretendia tomar.
j) O requerente nem tempo teve para reagir,
k) O requerente conduzia o velocípede sem ter em si colocado o capacete de protecção.
l) O requerente perdeu a sensibilidade e mobilidade necessárias para a motricidade fina dos membros superiores,
m) Não consegue manusear pequenos objectos, como seja o acto de descascar um fruto ou outro qualquer vegetal.
n) Não tem capacidade de conseguir uma erecção suficiente para manter relações sexuais de coito completo,
o) Está impossibilitado de realizar sem auxílio de terceiros todos os actos relativos à sua vida diária, como cozinhar, arrumar a sua casa, preparar e cuidar das suas roupas.
p) O requerente caminha quase sem claudicação ou outra dificuldade,
q) Participa e visita activamente festas e romarias,
r) Toma refeições em restaurantes,
s) Consegue realizar actividades agrícolas com sucesso.
As demais afirmações das partes reportam-se a factos que não relevam para a decisão da causa, ou constituem alegações conclusivas ou de direito, pelo que não foram aqui consideradas.

O arbitramento de reparação provisória é uma providência que encontra o seu fundamento em razões de justiça social e equidade que o direito não pode ignorar “com óbvias repercussões na tutela eficaz de direitos subjetivos, na medida em que, além de assegurar aos interessados a antecipação dos efeitos da sentença, também constitui um forte instrumento ao serviço da celeridade processual no que concerne ao exercício dos direitos de crédito visados” – Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, IV Volume, 4.ª edição revista e atualizada, pág. 139.
Assumiu-se, claramente, com esta providência que, para a tutela eficaz de certos direitos como o de indemnização é, por vezes, insatisfatória a resposta condicionada ao natural decurso da tramitação das ações que visam obter o seu reconhecimento.
Contudo, em face dos maiores riscos que comporta a atribuição provisória de montantes pecuniários, o legislador limitou-se a tutelar antecipadamente os danos que determinem para o lesado uma situação de carência de meios económicos “situação de necessidade” – artigo 388.º, n.º 2 do CPC – tendo os outros danos que aguardar pela decisão final a proferir na ação principal.
Na integração deste conceito de “necessidade”, “não deve usar-se um critério tão restritivo que limite a atribuição da prestação antecipatória a situações de indigência. Mas, igualmente, não será qualquer redução na capacidade de ganho que poderá motivar a concessão da providência. (…) é necessária a redução de ganhos que afete seriamente a satisfação das necessidades básicas do lesado (…) estando afastadas as situações em que tenham ocorrido simples danos morais não repercutidos na vida económica dos sujeitos” – Obra citada, pág. 150 e 151.
Deve, ainda, ter-se em conta que o necessário paralelismo a estabelecer entre esta medida e a de alimentos provisórios que, de acordo com o artigo 2003.º e seguintes do Código Civil, se restringe ao que for indispensável ao sustento, habitação e vestuário, sendo certo que, ao contrário do que acontece com os alimentos provisórios (que, em caso algum, têm que ser restituídos – artigo 2007.º, n.º 2 do CC), neste caso, se a decisão final na ação principal, não arbitrar qualquer reparação ou atribuir reparação inferior à provisoriamente estabelecida, o lesado terá que restituir o que for devido – artigo 390.º, n.º 2 do CPC – o que também deve ser considerado na decisão a proferir, face aos gastos já suportados pela requerida e aqueles que previsivelmente ainda suportará até ao desfecho final da ação.
A quantificação da renda mensal terá que suportar-se nos factos provados, temperados pelo critério da equidade que, como é sabido “é a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, devendo o julgador ter em conta as regras da boa prudência, do bom sendo prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida” – Ac. do STJ de 10/02/1998, referenciado na obra citada, pág. 169.
No caso que nos ocupa, temos que ater-nos apenas àquelas necessidades básicas nos termos supra definidos, uma vez que as despesas suplementares que o lesado teve em virtude do acidente de que foi vítima e que se prendem com a realização de despesas de montante elevado em médicos, operações, despesas clínicas e medicamentosas, estão asseguradas pela requerida que as tem suportado na integralidade.

Importa, agora, reverter ao caso concreto e conhecer das questões suscitadas na apelação.
Em primeiro lugar dir-se-á que não se descortina qualquer contradição entre ter-se dado como provado que o requerente foi submetido, em Outubro de 2013, a nova intervenção cirúrgica destinada ao implante de prótese peniana e ter-se considerado não provado que não tenha capacidade de conseguir uma erecção suficiente para manter relações sexuais de coito completo. Desde logo porque não pode haver contradição entre um facto provado e outro não provado e depois porque, como bem explicitou a Sra. Juíza, a colocação da prótese peniana destinou-se exatamente a suprir aquela incapacidade que era evidenciada pelos relatórios clínicos anteriores, sendo que o último relatório já refere “prótese funcionante e bem posicionada”. Daí que nenhuma alteração tenha que ser feita.
Aliás, esta matéria é irrelevante para a fixação do montante da reparação provisória, pois como acima dissemos, não relevam, aqui os danos morais (a fixar na ação principal), mas apenas a situação de carência de meios económicos em que se deve traduzir o conceito de “situação de necessidade”.

A outra questão de facto suscitada prende-se com a necessidade de auxílio de terceira pessoa, tendo o tribunal considerado não provado que o requerente esteja impossibilitado de realizar sem auxílio de terceiros todos os actos relativos à sua vida diária, como cozinhar, arrumar a sua casa, preparar e cuidar das suas roupas.
Esta necessidade de auxílio de terceira pessoa já foi admitida pela requerida numa fase inicial após o acidente, tendo, inclusivamente, suportado o seu pagamento. Entende, contudo, que, após os tratamentos e intervenções cirúrgicas a que foi, entretanto, submetido, o seu estado evoluiu, não necessitando hoje, já, de tal acompanhamento por terceira pessoa.
Sobre esta matéria, não descurando o que as testemunhas disseram e que o apelante transcreveu (apesar de todas elas se reportarem a um período anterior, mais próximo do acidente, designadamente quando o lesado ainda vivia com a sua familiar – veja-se que apenas conhecem de vista a pessoa que atualmente vive com o lesado), não é possível desconsiderar o facto de o apelante ter passado a residir em união de facto com a senhora que previamente havia contratado para lhe prestar serviços de limpeza, confeção de alimentos e os demais necessários à sua vivência e que, certamente agora, já sem a necessidade de pagamento, continuará a efetuar todas essas lides domésticas como, em geral, efetuam todas as mulheres do nível sócio-económico a que nos reportamos e em meios rurais como o presente, estando ou não os seus companheiros impossibilitados de as realizarem. Por outro lado, pese embora alguma limitação de que certamente padece, a verdade é que a mesma não será totalmente incapacitante, uma vez que o apelante conduz normalmente um veículo automóvel, o que exige uma certa destreza física, do mesmo modo que não se provou que não consiga manusear objetos ou que não seja capaz de descascar fruta ou vegetais.
Assim, também quanto a este facto improcede a pretensão do apelante.

Quanto à questão de direito, deve dizer-se que o apelante incorre num erro, já acima assinalado.
É que não está posto em causa – nem este é o processo adequado para tal – que o apelante sofreu inúmeras lesões derivadas do acidente, com sequelas físicas e psicológicas gravosas. Acontece é que tais lesões e sequelas terão que ser averiguadas e quantificadas em sede de ação principal, sendo aí que se deve determinar a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais a que o lesado terá direito.
Aqui cumpre apenas, como supra referimos, ter em consideração o necessário ao sustento, habitação e vestuário, num necessário paralelismo com a atribuição de alimentos provisórios, de que o apelante discorda, sem, contudo, propor outro método que se afigure mais adequado.
E, por referência a este critério, julgamos adequado o montante de € 600,00/mês encontrado em 1.ª instância, que é superior ao salário mínimo nacional e que, certamente obviará às necessidades básicas do apelante, nunca esquecendo que a requerida suporta todas as despesas médicas necessárias, tal como tem vindo a fazer desde o acidente até hoje.
Diga-se, ainda, que o facto de a requerida já ter pago € 1000,00 por mês não poderia ter criado no apelante qualquer expectativa de que continuaria a fazê-lo indefinidamente, não só porque as condições se alteraram, estando hoje o apelante numa situação melhor do que aquela em que já esteve nos momentos mais próximos do acidente, como porque tal pagamento acabaria por ter um fim com a decisão da ação principal.

Pelo que, improcedem as conclusões da apelação, sendo de manter a sentença recorrida.

Sumário:
1 - Com o arbitramento de reparação provisória assumiu-se que, para a tutela eficaz de certos direitos como o de indemnização é, por vezes, insatisfatória a resposta condicionada ao natural decurso da tramitação das ações que visam obter o seu reconhecimento.
2 - Contudo, em face dos maiores riscos que comporta a atribuição provisória de montantes pecuniários, o legislador limitou-se a tutelar antecipadamente os danos que determinem para o lesado uma situação de carência de meios económicos “situação de necessidade”, tendo os outros danos que aguardar pela decisão final a proferir na ação principal.
3 – Para apurar tal montante deve ter-se em conta o indispensável ao sustento, habitação e vestuário, por paralelismo com a definição de alimentos.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
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Guimarães, 12 de junho de 2014
Ana Cristina Duarte
Fernando F. Freitas
Purificação Carvalho