Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
152/14.2GTBRG.G1
Relator: ELSA PAIXÃO
Descritores: INIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS MOTORIZADOS
INJUNÇÃO
SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
DESCONTO DO PERÍODO DE INIBIÇÃO CUMPRIDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: O tempo da inibição de conduzir veículos motorizados já cumprido pelo arguido a título de injunção, deva ser descontado no da duração da pena acessória de proibição de conduzir tais veículos em que o mesmo veio a ser condenado no mesmo processo.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório
Na Instância Local de Fafe - Secção Criminal (J1) - da Comarca de Braga, no processo abreviado nº 18/14.6PFPRT, foi submetido a julgamento o arguido Filipe D., tendo sido proferida sentença, em 03.11.2105, com o seguinte dispositivo:
Atento tudo o exposto e devidamente ponderado decide-se:
1) Condenar o arguido Filipe D., como autor material, e na forma consumada de um crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292º, nº1 do Código Penal, na pena 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros), o que perfaz o montante de € 360 (trezentos e sessenta euros).
2) Condenar o arguido Filipe D. em 4 (quatro) meses de sanção acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados, a qual se considera cumprida, face ao período em que o arguido teve a sua carta apreendida nos autos, em cumprimento de injunção consistente na abstenção de conduzir por 4 meses decretada no âmbito da suspensão provisória do processo, que viria a ser revogada.
3) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC’s, nos termos do art. 8º do R.C.P., reduzidas a metade, atenta a confissão integral e sem reservas efectuada pelo arguido.
Após trânsito, remeta boletim à D.S.I.C. e comunique à A.N.S.R.
Notifique e deposite (art. 373º, n.º 2 do C.P.P.).”
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Inconformado, veio o Ministério Público interpor o presente recurso, terminando a respetiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1. A pena acessória de proibição de conduzir assenta no pressuposto formal de uma condenação do agente numa pena principal (nos termos elencados nas diversas alíneas do n.º 1, do artigo 69º, do Código Penal) e no pressuposto material de (em face das circunstâncias do facto e da personalidade do agente), o exercício da condução se revelar especialmente censurável, censurabilidade esta que, dentro do limite da culpa, responde às necessidades de prevenção geral de intimidação e de prevenção especial para emenda cívica do condutor imprudente ou leviano.
2. De facto, é o conteúdo do facto de natureza ilícita que justifica a censura adicional dirigida ao arguido em função de razões de prevenção geral e especial e que constituem a razão de ser de aplicação da pena acessória.
3. As penas acessórias cumprem, assim, uma função preventiva adjuvante da pena principal.
4. Ao invés, a injunção a que o arguido nos autos se obrigou, não lhe foi imposta, nem assumiu o carácter de pena ou sequer de sanção acessória. De facto, o arguido quando entregou a carta de condução fê-lo voluntariamente, no âmbito do cumprimento de uma injunção com que concordou (a de se abster de conduzir quaisquer veículos a motor pelo período de 4 meses) e que visava a suspensão provisória do processo, nos termos do artigo 281º, do Código de Processo Penal.
5. De acordo com o n.º 4, alínea a), do artigo 282º, do Código de Processo Penal, se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta o processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas.
6. Ao contrário do defendido na decisão recorrida, por prestações, nos termos deste normativo, devem entender-se não apenas as dádivas ou doações pecuniárias mas também outras prestações, como as de abster-se de certas actividades (como a de conduzir) ou mesmo as de efectuar serviço de interesse público.
7. Por outro lado, o incumprimento de qualquer das injunções tem como única consequência o prosseguimento do processo, enquanto o incumprimento de uma pena ou sanção acessória de proibição ou de inibição de conduzir implica o cometimento de um crime punível com pena de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias – seja um crime de violação de imposições, proibições ou interdições previsto no artigo 353º do Código Penal, seja um crime de desobediência qualificada previsto no artigo 348º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma, em conjugação com o disposto no artigo 138º, n.º 3, do Código da Estrada.
8. Anote-se ainda que, durante o cumprimento da injunção de proibição de conduzir que implicou a entrega da carta, o arguido poderia, em qualquer momento, pedir a sua imediata devolução, sem que o Ministério Público pudesse opor-se a tal requerimento, o que não pode suceder durante o cumprimento da proibição ou da inibição de conduzir decretadas sem o consentimento do visado.
9. Por outro lado, não procede o argumento invocado na decisão recorrida de que se deve proceder ao desconto, do período de proibição de conduzir imposto no âmbito da suspensão provisória do processo, na pena acessória fixada por força do disposto no artigo 69º do Código Penal, por se mostrar obrigatória a imposição, como injunção, da proibição de condução de veículos automóveis, sempre que o procedimento se refira a crimes para os quais se encontra legalmente prevista essa medida como pena acessória, nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 281.º do Código de Processo Penal.
10. Na verdade, a alteração introduzida no n.º 3, do artigo 281º, do Código de Processo Penal, pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, não veio modificar a voluntariedade na aceitação dos deveres impostos, pressuposto sempre necessário para que haja lugar à suspensão provisória do processo.
11. Também não procede, o argumento de que o período da proibição fixado na injunção deve ser descontado na pena acessória porque no caso da prisão preventiva também esta é sempre descontada na pena de prisão em que vier a ser condenado o arguido. O desconto da prisão preventiva é efectuado porque está expressamente previsto na lei penal – artigo 80º do Código Penal. Se fosse intenção do legislador que se procedesse, no caso de prosseguimento do processo para julgamento, ao desconto, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, do período de proibição de conduzir fixado na injunção, bastar-lhe-ia ter dito isso mesmo. O que não fez.
12. Dúvidas não restam de que, no actual quadro legislativo, não é possível proceder ao desconto, do período de proibição de conduzir imposto no âmbito da suspensão provisória do processo, na pena acessória fixada por força do disposto no artigo 69º do Código Penal.
13. Nesta conformidade, Não pode ser considerada cumprida a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses, em que o arguido foi condenado nestes autos.
14. Ao decidir como decidiu, o Tribunal violou os normativos dos artigos 1º, 69º, n.º 1, alínea a) e 80º, do Código Penal e ainda do artigo 282º, n.º 4, do Código de Processo Penal.

Nestes termos, deverá ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, determinar-se a revogação da sentença recorrida que deverá ser substituída por outra que se abstenha de proceder ao desconto na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor do período pelo período de 4 meses aqui aplicada ao arguido do período em que o mesmo esteve sujeito à injunção de proibição de conduzir veículos com motor, aplicada em sede de suspensão provisória do processo.
Este o nosso entendimento.
V.ª Ex.ªs, porém, farão a acostumada justiça.
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O recurso foi admitido por despacho de fls. 136.
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Não foi apresentada resposta ao recurso.
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Nesta Relação o Ilustre Procurador-Geral Adjunto, perfilhando integralmente a posição do Ministério Público na primeira instância, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta.

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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal [cfr. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal” III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ (Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada e Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95)].
1. Enunciação das questões a decidir no recurso em apreciação.
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada a única questão a decidir consiste em saber se se deve proceder ao desconto, na sanção acessória, da injunção de inibição aplicada e cumprida no âmbito da suspensão provisória do processo e posteriormente revogada.
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2. Vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida.

Segue-se a enumeração dos factos provados e não provados e decisão quanto ao desconto na sanção acessória da inibição cumprida em sede de suspensão provisória do processo (transcrição):

III – FUNDAMENTAÇÃO
1 - Factos Provados:
Com pertinência para a boa decisão da causa encontram-se provados os seguintes factos:
1) No dia 12 de Agosto de 2014, pelas 1h39, o arguido conduzia o veículo ligeiro de mercadorias, na Rotunda das Freguesias, em Fafe.
2) O arguido conduzia, naquela via pública, o referido veículo com uma taxa de 1,90 gramas de álcool por litro no sangue.
3) O arguido ingeriu, em momento anterior ao início da condução de tal veículo, bebidas alcoólicas em quantidade e qualidade não concretamente determinadas, suficientes para apresentar aquela taxa de alcoolemia, bem sabendo que não podia conduzir, na via pública, nessas condições.
4) O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, não se coibindo, porém, de assim actuar.
Mais se provou:
5) No âmbito do presente processo foi aplicada uma suspensão provisória do processo ao arguido, pelo período de 4 meses, sujeita à injunção de entregar a quantia de €280,00 à Cercifaf, devendo comprová-lo nos autos tê-lo feito, no período de um mês a contar da notificação para o efeito, bem como sujeita à injunção de não conduzir veículos com motor, nesse período, devendo para o efeito entregar o seu título de condução no prazo de 10 dias a contar da notificação para esse efeito-cfr. fls.17 e ss, para cujo teor se remete e que aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo o arguido, na sequência do decidido entregue a mencionada quantia (cfr. fls.47), bem como a respectiva carta de condução em 10-12-2014, tendo-se assim iniciado o cumprimento de tal injunção em 11-12-2014 e finalizado a mesma em 11-04-2015, um sábado (cfr. 45), tendo a 13-04-2015, segunda-feira, a mesma lhe sido entregue (cfr. fls.50).
6) No dia 20-03-2015, pelas 11h30, o arguido conduziu o veículo de matrícula … Guimarães, tendo sido interceptado, razão pela qual a fls.59 do processo, o MP a 07-05-2015, considerando que o arguido não cumpriu culposamente a injunção determinada ordenou o prosseguimento dos autos-cfr. despacho de fls.59 e ss, para cujo teor se remete e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
7) O Arguido:
a) trabalha como motorista, auferindo um vencimento mensal de € 600,00;
b) é solteiro e vive em união de facto com a sua companheira, que não trabalha.
c) tem um filho menor e habita em casa arrendada, sendo a renda paga pelo pai da sua companheira.
d) possui o 12º ano de escolaridade;
d) Do CRC do arguido junto a fls.104 nada consta.
2- Factos não Provados:
- Não existem.
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Do desconto requerido pelo arguido
Vem o arguido requerer se proceda ao desconto, na sanção acessória em que foi condenado, da injunção de inibição que cumpriu no âmbito da suspensão provisória do processo que lhe foi aplicada, mas que veio a ser posteriormente revogada: a abstenção de conduzir veículos a motor pelo período de 4 meses.
Entende, pois, que também será aplicável a estes situações o desconto previsto no artigo 80º, nº 2, do Código Penal (relativo aos períodos de detenção, prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação).
Vejamos.
Como se diz no recente Ac. RP de 22-04-2015, in www.dgsi.pt, que aqui brevitatis causa se passa a citar:
“Esta questão tem sido objeto de controvérsia na jurisprudência.
Para uma corrente jurisprudencial (ver, entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de 6 de março de 2012, proc. nº 289/09.2SILSB.L1-5, relatado por Alda Casimiro, e da Relação do Porto de 28 de maio de 2014, proc. nº 427/11.2PDPRT.P1, relatado por Vítor Morgado, ambos in www.dgsi.pt, e o acórdão da Relação de Lisboa de 27 de junho de 2012, in C.J., 2012, III, pg. 109) não há que proceder ao desconto, tendo em conta a diferente natureza e o diferente regime das injunções no âmbito da suspensão provisória do processo, por um lado, e das penas, por outro: a injunção é um instrumento processual que visa a composição e pacificação social e a pena tem fins de prevenção geral e especial; o cumprimento da injunção decorre de um acordo obtido com o arguido, ao contrário do que sucede com as penas, impostas independentemente da vontade deste; o despacho que determina a revogação da suspensão provisória do processo e o seu prosseguimento com a acusação não implica o julgamento sobre o mérito da questão; o incumprimento dessas injunções tem como consequência esse prosseguimento do processo, enquanto o incumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados faz incorrer o arguido na prática de um crime; durante o cumprimento da injunção de entrega da carta de condução, o arguido poderia, em qualquer momento, pedir a sua imediata devolução, sem que o Ministério Público pudesse opor-se a tal requerimento, o que não pode suceder durante o cumprimento da proibição de conduzir decretada sem o consentimento do visado.
Invoca esta corrente o disposto no artigo 282º, nº 4, do Código de Processo Penal: em caso de revogação da suspensão provisória do processo com o prosseguimento deste, «as prestações feitas não podem ser repetidas».
Entende, porém, outra corrente jurisprudencial - a que aderimos - que a todos essas considerações se sobrepõe um critério de justiça material, que atenda à equivalência de ambas as prestações numa perspetiva não apenas conceitual, mas prática, substantiva e funcional. A injunção e a pena em causa decorrem da prática do mesmo crime. Tratando-se de uma proibição de condução de veículos motorizados, afetam de igual modo os direitos de circulação rodoviária do arguido. Apesar da sua diferente natureza conceitual, têm funções de prevenção especial e geral equivalentes. A ausência do desconto em causa levaria a sancionar duplamente a mesma conduta (mesmo que não se considere, rigorosamente, que estarmos perante uma violação do princípio ne bis in idem).
Invoca esta corrente, no que se refere à voluntariedade da injunção, por contraposição às penas, a redação do nº 3 do artigo 281º do Código de Processo Penal decorrente da Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro: «…tratando-se de crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, é obrigatoriamente oponível ao arguido a aplicação de injunção de proibição de conduzir veículos com motor». Daqui decorre a obrigatoriedade desta injunção.
Quando à regra decorrente do nº 4 do artigo 282º do Código de Processo Penal acima referida, entende esta corrente que o conceito de “repetição” tem o sentido que lhe é dado no direito civil e, por isso, dela decorre que não será possível reaver o que foi satisfeito (indemnizações já pagas ou contributos para instituições já entregues), mas não que prestações de facto (positivas ou negativas) já efetuadas tenham de ser efetuadas outra vez.
Em resposta à invocação da diferente natureza das injunções e das penas, invoca esta corrente jurisprudencial que a inquestionavelmente diferente natureza da detenção e das medidas de coação privativas da liberdade, por um lado, e das penas, por outro lado, não impede que o cumprimento daquelas seja descontado nestas, nos termos do artigo 80º, nºs 1 e 2, do Código Penal. E é assim, porque, apesar dessa diferença, há uma substancial equivalência entre elas. Substancial equivalência que também se verifica entre as injunções e as penas.
Neste sentido, podem ver-se, entre outros, os acórdãos desta Relação de 19 de novembro de 2014, proc. nº 24/13.8GTBGC.P1, relatado por Lígia Figueiredo; da Relação de Évora de 11 de julho de 2013, proc. nº 108/11.7PTSTP.E1, relatado por Sénio Alves; da Relação de Guimarães de 6 de junho de 2014, proc. nº 98/12.7GAVNC.G1, relatado por Ana Teixeira, e de 22 de setembro de 2014, proc. nº 7/13.8PTBRG.G1, relatado por António Condesso; e da Relação de Coimbra de 10 de dezembro de 2014, proc. nº 23/13.0GCPBL.C1, relatado por Maria José Nogueira; todos in www.dgsi.pt.
Nestes acórdãos o desconto em apreço dizia respeito à proibição de condução de veículos motorizados.
Por identidade de razão, deve proceder-se ao desconto na pena de multa, e tendo em conta o critério estabelecido nos artigos 48º, nº 2, e 58º, nº 3, do Código Penal, das horas de prestação de trabalho a favor da comunidade também prestadas no âmbito da suspensão provisória do processo”.
Quanto a nós, entende-se ser de perfilhar a segunda tese jurisprudencial acima enunciada, a qual merece a nossa adesão, procedendo-se ao desconto na sanção acessória acima decretada da inibição já cumprida em sede de suspensão provisória do processo.
No caso concreto, a carta de condução do arguido encontrou-se aprendida nos autos por 4 meses a título de injunção decretada no âmbito da suspensão provisória do processo (período do cumprimento, tendo apenas posteriormente ao seu decurso sido proferido despacho a revogar a suspensão provisória do processo e o prosseguimento para julgamento), sendo certo que ficou demonstrado que num desses dias, pese embora tal apreensão, a inibição de condução não foi cumprida pelo arguido, pelo que, efectuado o dito desconto, caberia ao arguido ainda cumprir 1 dia de sanção acessória de inibição de condução.
Sucede que, como resulta dos autos, a injunção em causa terminou num sábado-dia 11-04-2015, pelo que o arguido, apenas pode proceder a levantamento da sua carta de condução na segunda-feira seguinte, dia 13, pois encontrava-se impossibilitado por razões alheias à sua vontade e ligadas aos horários de funcionamento dos Tribunais de a poder levantar a um domingo, dia este que deverá assim também ser imputado no cumprimento, nada lhe restando assim a este título a cumprir.

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3. DECIDINDO
O recorrente Ministério Público insurge-se com o desconto do período de proibição de conduzir imposto no âmbito da suspensão provisória do processo, na pena acessória fixada por força do disposto no artigo 69º do Código Penal.


Vejamos.
A questão suscitada pelo Ministério Público recorrente, como o próprio reconhece, é controvertida na jurisprudência, em que se afirmam duas posições divergentes, em que uma sustenta a realização daquele desconto e uma outra, em sentido oposto, defende a sua impossibilidade.
Os defensores desta última corrente, que defende que não deve ser efetuado o desconto, apelam ao facto de nenhum normativo o permitir, e o contrário parecer resultar do consignado no artigo 282º, nº 4, do Código de Processo Penal, quando ali se estipula que, em caso de incumprimento ou de cometimento de crime da mesma natureza no período em questão, e inerente condenação, as prestações não podem ser repetidas.
Sublinham a diferente natureza da injunção/regras de conduta e das penas, acentuando o lado consensual das primeiras, por contraposição ao caráter imperativo das segundas, considerando que a suspensão provisória do processo não envolve qualquer julgamento sobre o objeto do processo.
Neste sentido, vide, entre outros, os acórdãos do TRL de Lisboa de 06.03.2012, do TRP de 22.04.2015, de 28/5/2014 e de 13.04.2016, todos disponíveis em www.dgsi.pt, e o acórdão da Relação de Lisboa de 27.06.2012, in CJ, 2012, t3, pp. 109 e de 17.12.2014.
A outra corrente jurisprudencial, que defende que deve ser efetuado o desconto e para a qual propendemos, apela a um critério de justiça material, que atenda à equivalência de ambas as prestações numa perspetiva prática e funcional.
Na verdade, embora seja evidente a diferente natureza das injunções e regras de conduta, que não são efetivamente uma pena no sentido do direito penal material, o certo é que, quando reportadas ao mesmo processo, ambas têm em vista precisamente o mesmo facto, a condução em estado de embriaguez num determinado dia e são cumpridas da mesma forma, exigindo do arguido exatamente a mesma conduta. Para além de que visam fins de prevenção especial e geral equivalentes.

Com efeito, parece-nos que a ausência do desconto em causa levaria a sancionar duplamente a mesma conduta (mesmo que não se considere, rigorosamente, que estamos perante uma violação do princípio ne bis in idem, desde logo por o despacho de suspensão provisória do processo não representar qualquer julgamento sobre o mérito da questão, ser proferido numa fase inicial do inquérito, necessitar da concordância, além do mais, do arguido e não por um fim ao processo - cfr. o artigo 282º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal).
E não vislumbramos que a tal raciocínio se oponha, conforme defende a corrente jurisprudencial contrária ao desconto, a regra do artigo 282.º, n.º4, alínea a) do Código de Processo Penal, quando estatui que no caso de revogação da suspensão provisória, «O processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas». Pois, como tem vindo a ser entendido pela jurisprudência favorável à tese do desconto, o conceito de «repetição» tem aqui um sentido civilístico, querendo apenas significar que não será possível reaver o que foi satisfeito – como é o caso de indemnizações já pagas ou contributos para instituições já entregues - mas não que as prestações de facto – positivas ou negativas - já realizadas tenham de o ser de novo.
Por outro lado, não podemos olvidar que também as medidas de coação têm natureza absolutamente diversa das penas e, não obstante, é unânime o entendimento de que deve descontar-se na pena o período da medida de coação que lhe corresponda, nos termos do artigo 80.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.
Neste sentido, vide, entre outros, os acórdãos do TRP de 19/11/2014, de 25.03.2015, de 22.04.2015, de 21.01.2016 e de 07.04.2016; do TRE de 11/7/2013; do TRG de 6/6/2014, de 22/9/2014 e de 10.10.2016; e do TRC de 10/12/2014 e de 07.10.2015, todos disponíveis em www.dgsi.pt. (também os acórdãos do TRP de 16.12.2015 e de 20.04.2016, em que a ora relatora interveio como juíza adjunta).
Assim, face ao exposto e, não obstante a pena e a injunção/regra de conduta tenham natureza diversa, emanam ambas do mesmo crime, foram ambas aplicadas ao mesmo arguido e ainda iniciadas no mesmo processo, embora em fases distintas dele. E o desconto, tal como foi feito na decisão recorrida, cumpre as mais elementares exigências de justiça material, vislumbrando-se mais justo e equitativo, face à lei penal e princípios constitucionais.
Na verdade e, revertendo para o caso em apreço, concluímos que se impunha proceder ao desconto na pena acessória de 4 (quatro) meses de proibição de conduzir veículos motorizados em que o arguido foi condenado, do período de 4 (quatro) meses da injunção de inibição de conduzir que foi aplicada e cumprida pelo mesmo arguido no âmbito da suspensão provisória do processo.
Pelo que, nenhuma censura merece a sentença recorrida.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.
Sem tributação, por dela estar isenta o recorrente.
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Guimarães, 21 de novembro de 2016