Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ELSA PAIXÃO | ||
Descritores: | INIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS MOTORIZADOS INJUNÇÃO SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO DESCONTO DO PERÍODO DE INIBIÇÃO CUMPRIDO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/21/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | O tempo da inibição de conduzir veículos motorizados já cumprido pelo arguido a título de injunção, deva ser descontado no da duração da pena acessória de proibição de conduzir tais veículos em que o mesmo veio a ser condenado no mesmo processo. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório Na Instância Local de Fafe - Secção Criminal (J1) - da Comarca de Braga, no processo abreviado nº 18/14.6PFPRT, foi submetido a julgamento o arguido Filipe D., tendo sido proferida sentença, em 03.11.2105, com o seguinte dispositivo: Atento tudo o exposto e devidamente ponderado decide-se: 1) Condenar o arguido Filipe D., como autor material, e na forma consumada de um crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292º, nº1 do Código Penal, na pena 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros), o que perfaz o montante de € 360 (trezentos e sessenta euros). 2) Condenar o arguido Filipe D. em 4 (quatro) meses de sanção acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados, a qual se considera cumprida, face ao período em que o arguido teve a sua carta apreendida nos autos, em cumprimento de injunção consistente na abstenção de conduzir por 4 meses decretada no âmbito da suspensão provisória do processo, que viria a ser revogada. 3) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC’s, nos termos do art. 8º do R.C.P., reduzidas a metade, atenta a confissão integral e sem reservas efectuada pelo arguido. Após trânsito, remeta boletim à D.S.I.C. e comunique à A.N.S.R. Notifique e deposite (art. 373º, n.º 2 do C.P.P.).” *** Inconformado, veio o Ministério Público interpor o presente recurso, terminando a respetiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1. A pena acessória de proibição de conduzir assenta no pressuposto formal de uma condenação do agente numa pena principal (nos termos elencados nas diversas alíneas do n.º 1, do artigo 69º, do Código Penal) e no pressuposto material de (em face das circunstâncias do facto e da personalidade do agente), o exercício da condução se revelar especialmente censurável, censurabilidade esta que, dentro do limite da culpa, responde às necessidades de prevenção geral de intimidação e de prevenção especial para emenda cívica do condutor imprudente ou leviano. 2. De facto, é o conteúdo do facto de natureza ilícita que justifica a censura adicional dirigida ao arguido em função de razões de prevenção geral e especial e que constituem a razão de ser de aplicação da pena acessória. 3. As penas acessórias cumprem, assim, uma função preventiva adjuvante da pena principal. 4. Ao invés, a injunção a que o arguido nos autos se obrigou, não lhe foi imposta, nem assumiu o carácter de pena ou sequer de sanção acessória. De facto, o arguido quando entregou a carta de condução fê-lo voluntariamente, no âmbito do cumprimento de uma injunção com que concordou (a de se abster de conduzir quaisquer veículos a motor pelo período de 4 meses) e que visava a suspensão provisória do processo, nos termos do artigo 281º, do Código de Processo Penal. 5. De acordo com o n.º 4, alínea a), do artigo 282º, do Código de Processo Penal, se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta o processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas. 6. Ao contrário do defendido na decisão recorrida, por prestações, nos termos deste normativo, devem entender-se não apenas as dádivas ou doações pecuniárias mas também outras prestações, como as de abster-se de certas actividades (como a de conduzir) ou mesmo as de efectuar serviço de interesse público. 7. Por outro lado, o incumprimento de qualquer das injunções tem como única consequência o prosseguimento do processo, enquanto o incumprimento de uma pena ou sanção acessória de proibição ou de inibição de conduzir implica o cometimento de um crime punível com pena de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias – seja um crime de violação de imposições, proibições ou interdições previsto no artigo 353º do Código Penal, seja um crime de desobediência qualificada previsto no artigo 348º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma, em conjugação com o disposto no artigo 138º, n.º 3, do Código da Estrada. 8. Anote-se ainda que, durante o cumprimento da injunção de proibição de conduzir que implicou a entrega da carta, o arguido poderia, em qualquer momento, pedir a sua imediata devolução, sem que o Ministério Público pudesse opor-se a tal requerimento, o que não pode suceder durante o cumprimento da proibição ou da inibição de conduzir decretadas sem o consentimento do visado. 9. Por outro lado, não procede o argumento invocado na decisão recorrida de que se deve proceder ao desconto, do período de proibição de conduzir imposto no âmbito da suspensão provisória do processo, na pena acessória fixada por força do disposto no artigo 69º do Código Penal, por se mostrar obrigatória a imposição, como injunção, da proibição de condução de veículos automóveis, sempre que o procedimento se refira a crimes para os quais se encontra legalmente prevista essa medida como pena acessória, nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 281.º do Código de Processo Penal. 10. Na verdade, a alteração introduzida no n.º 3, do artigo 281º, do Código de Processo Penal, pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, não veio modificar a voluntariedade na aceitação dos deveres impostos, pressuposto sempre necessário para que haja lugar à suspensão provisória do processo. 11. Também não procede, o argumento de que o período da proibição fixado na injunção deve ser descontado na pena acessória porque no caso da prisão preventiva também esta é sempre descontada na pena de prisão em que vier a ser condenado o arguido. O desconto da prisão preventiva é efectuado porque está expressamente previsto na lei penal – artigo 80º do Código Penal. Se fosse intenção do legislador que se procedesse, no caso de prosseguimento do processo para julgamento, ao desconto, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, do período de proibição de conduzir fixado na injunção, bastar-lhe-ia ter dito isso mesmo. O que não fez. 12. Dúvidas não restam de que, no actual quadro legislativo, não é possível proceder ao desconto, do período de proibição de conduzir imposto no âmbito da suspensão provisória do processo, na pena acessória fixada por força do disposto no artigo 69º do Código Penal. 13. Nesta conformidade, Não pode ser considerada cumprida a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses, em que o arguido foi condenado nestes autos. 14. Ao decidir como decidiu, o Tribunal violou os normativos dos artigos 1º, 69º, n.º 1, alínea a) e 80º, do Código Penal e ainda do artigo 282º, n.º 4, do Código de Processo Penal. Nestes termos, deverá ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, determinar-se a revogação da sentença recorrida que deverá ser substituída por outra que se abstenha de proceder ao desconto na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor do período pelo período de 4 meses aqui aplicada ao arguido do período em que o mesmo esteve sujeito à injunção de proibição de conduzir veículos com motor, aplicada em sede de suspensão provisória do processo. Este o nosso entendimento. V.ª Ex.ªs, porém, farão a acostumada justiça. *** O recurso foi admitido por despacho de fls. 136. *** Não foi apresentada resposta ao recurso. *** Nesta Relação o Ilustre Procurador-Geral Adjunto, perfilhando integralmente a posição do Ministério Público na primeira instância, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. *** Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta. *** Segue-se a enumeração dos factos provados e não provados e decisão quanto ao desconto na sanção acessória da inibição cumprida em sede de suspensão provisória do processo (transcrição): III – FUNDAMENTAÇÃO *** 3. DECIDINDOO recorrente Ministério Público insurge-se com o desconto do período de proibição de conduzir imposto no âmbito da suspensão provisória do processo, na pena acessória fixada por força do disposto no artigo 69º do Código Penal. Vejamos. A questão suscitada pelo Ministério Público recorrente, como o próprio reconhece, é controvertida na jurisprudência, em que se afirmam duas posições divergentes, em que uma sustenta a realização daquele desconto e uma outra, em sentido oposto, defende a sua impossibilidade. Os defensores desta última corrente, que defende que não deve ser efetuado o desconto, apelam ao facto de nenhum normativo o permitir, e o contrário parecer resultar do consignado no artigo 282º, nº 4, do Código de Processo Penal, quando ali se estipula que, em caso de incumprimento ou de cometimento de crime da mesma natureza no período em questão, e inerente condenação, as prestações não podem ser repetidas. Sublinham a diferente natureza da injunção/regras de conduta e das penas, acentuando o lado consensual das primeiras, por contraposição ao caráter imperativo das segundas, considerando que a suspensão provisória do processo não envolve qualquer julgamento sobre o objeto do processo. Neste sentido, vide, entre outros, os acórdãos do TRL de Lisboa de 06.03.2012, do TRP de 22.04.2015, de 28/5/2014 e de 13.04.2016, todos disponíveis em www.dgsi.pt, e o acórdão da Relação de Lisboa de 27.06.2012, in CJ, 2012, t3, pp. 109 e de 17.12.2014. A outra corrente jurisprudencial, que defende que deve ser efetuado o desconto e para a qual propendemos, apela a um critério de justiça material, que atenda à equivalência de ambas as prestações numa perspetiva prática e funcional. Na verdade, embora seja evidente a diferente natureza das injunções e regras de conduta, que não são efetivamente uma pena no sentido do direito penal material, o certo é que, quando reportadas ao mesmo processo, ambas têm em vista precisamente o mesmo facto, a condução em estado de embriaguez num determinado dia e são cumpridas da mesma forma, exigindo do arguido exatamente a mesma conduta. Para além de que visam fins de prevenção especial e geral equivalentes. Com efeito, parece-nos que a ausência do desconto em causa levaria a sancionar duplamente a mesma conduta (mesmo que não se considere, rigorosamente, que estamos perante uma violação do princípio ne bis in idem, desde logo por o despacho de suspensão provisória do processo não representar qualquer julgamento sobre o mérito da questão, ser proferido numa fase inicial do inquérito, necessitar da concordância, além do mais, do arguido e não por um fim ao processo - cfr. o artigo 282º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal). E não vislumbramos que a tal raciocínio se oponha, conforme defende a corrente jurisprudencial contrária ao desconto, a regra do artigo 282.º, n.º4, alínea a) do Código de Processo Penal, quando estatui que no caso de revogação da suspensão provisória, «O processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas». Pois, como tem vindo a ser entendido pela jurisprudência favorável à tese do desconto, o conceito de «repetição» tem aqui um sentido civilístico, querendo apenas significar que não será possível reaver o que foi satisfeito – como é o caso de indemnizações já pagas ou contributos para instituições já entregues - mas não que as prestações de facto – positivas ou negativas - já realizadas tenham de o ser de novo. Por outro lado, não podemos olvidar que também as medidas de coação têm natureza absolutamente diversa das penas e, não obstante, é unânime o entendimento de que deve descontar-se na pena o período da medida de coação que lhe corresponda, nos termos do artigo 80.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal. Neste sentido, vide, entre outros, os acórdãos do TRP de 19/11/2014, de 25.03.2015, de 22.04.2015, de 21.01.2016 e de 07.04.2016; do TRE de 11/7/2013; do TRG de 6/6/2014, de 22/9/2014 e de 10.10.2016; e do TRC de 10/12/2014 e de 07.10.2015, todos disponíveis em www.dgsi.pt. (também os acórdãos do TRP de 16.12.2015 e de 20.04.2016, em que a ora relatora interveio como juíza adjunta). Assim, face ao exposto e, não obstante a pena e a injunção/regra de conduta tenham natureza diversa, emanam ambas do mesmo crime, foram ambas aplicadas ao mesmo arguido e ainda iniciadas no mesmo processo, embora em fases distintas dele. E o desconto, tal como foi feito na decisão recorrida, cumpre as mais elementares exigências de justiça material, vislumbrando-se mais justo e equitativo, face à lei penal e princípios constitucionais. Na verdade e, revertendo para o caso em apreço, concluímos que se impunha proceder ao desconto na pena acessória de 4 (quatro) meses de proibição de conduzir veículos motorizados em que o arguido foi condenado, do período de 4 (quatro) meses da injunção de inibição de conduzir que foi aplicada e cumprida pelo mesmo arguido no âmbito da suspensão provisória do processo. Pelo que, nenhuma censura merece a sentença recorrida. *** III – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público. Sem tributação, por dela estar isenta o recorrente. *** Guimarães, 21 de novembro de 2016 |