Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
104/15.5T8PTL.G1
Relator: FRANCISCA MICAELA MOTA VIEIRA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO FACULTATIVO
PRIVAÇÃO DE USO
DIREITO DE ACÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Num contrato de seguro de danos próprios – artigos 123.º e seguintes do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril –, tendo por objecto um veículo automóvel do segurado, a prestação devida pela seguradora, a este último, consiste na entrega duma quantia em dinheiro e não na reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o dano.
O segurado não tem direito a exigir da Ré um indemnização pela privação de uso do veículo sinistrado (n.º 3 do artigo 130.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro) se essa cobertura não foi contemplada pelas partes.

É susceptível de ofender o princípio geral do direito a ser indemnizado, considerar que, perante a recusa do lesante ou respectiva seguradora em satisfazer o pedido de indemnização, o lesado estaria obrigado a optar pela via judicial sob pena de não obter o total ressarcimento dos danos.

Sob pena de ofender aquele princípio geral de direito e ainda o disposto no artigo art.º 20º da C.R.P ( o direito de acção é um dos vários direitos que está compreendido no direito fundamental de acesso aos tribunais) não pode o tribunal, em abstracto fixar o período temporal tido por razoável para a propositura da acção para efeitos de redução do montante indemnizatório ao abrigo do disposto no artigo 570º, do Código Civil.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO

P, melhor identificado a fls.24, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, contra C, com os sinais a fls.66-67, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe o montante total de €14.556,00 (catorze mil, quinhentos e cinquenta e seis euros) – sem prejuízo do que vier a liquidar-se em momento ulterior –, a título de indemnização por danos sofridos em consequência do acidente que se discute nos autos, acrescido dos correspondentes juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 8%, atento o disposto no artigo 38º, nº2, do Decreto-Lei nº291/2007, de 21 de Agosto, calculados desde a data do acidente de viação até à data da sentença, e posteriormente a esta à taxa legal de 4%, até efectivo e integral pagamento.

Alega, para tanto, que no dia 18 de Dezembro de 2013, pelas 19 horas, circulava com o veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, com a matrícula BX (doravante, abreviadamente, BX), o que fazia na Estrada Municipal nº1264, no sentido Fojolobal – Anais, pela hemi-faixa de rodagem direita, a uma velocidade não superior a 50Km/h.

Ao aproximar-se de uma curva fechada à direita, encontrando-se a cerca de 10m desta, girou o volante para descrevê-la.

Contudo, a viatura não obedeceu a esse comando, razão pela qual seguiu em frente, de forma descontrolada, atravessando a hemi-faixa de rodagem contrária e saindo pela berma esquerda da via, em direcção a um valado, acabando por chocar de frente contra uns pinheiros, assim se imobilizando.

Em consequência do descrito acidente, o veículo BX sofreu estragos, além de que o autor ficou privado de usá-lo e terá de efectuar despesas com o seu aparcamento na oficina onde se encontra recolhido a aguardar a reparação.

Sustenta, pois, nestes factos o respectivo petitório.

Regularmente citada para contestar, a ré C apresentou-se a fazê-lo, defendendo não ter obrigação de indemnizar o autor na medida em que o acidente sob discussão deveu-se à má conservação dos pneus da viatura BX, não se tendo providenciado pela sua oportuna substituição, como se impunha, estando excluído do contrato de seguro que celebrou os danos provocados ou agravados por defeito de construção, montagem ou afinação, vício próprio ou má conservação do veículo.

Impugnou os danos invocados pelo autor.

Por despacho datado de 29 de Abril de 2015, a fls.73-74, foi verificada a regularidade e a validade da instância, dispensando-se a realização da audiência prévia e designando-se data para realização da audiência final.

Procedeu-se à realização da audiência final com observância estrita das formalidades legais, como consta da respectiva acta.

Nessa sede, o autor pronunciou-se nos termos previstos no artigo 3º, nº4, do Código de Processo Civil, quanto à matéria de excepção deduzida pela ré no articulado da contestação (cfr. fls.274-275).

Foi proferida sentença cujo dispositivo é o seguinte :

“ Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a ré C a pagar ao autor P a quantia total de €13.789,00 (treze mil, setecentos e oitenta e nove euros), a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal e anual em vigor em cada momento, sendo actualmente de 4% (cfr. artigos 559º, nº1, 804º, 805º, nºs1 e 3, e 806º, nºs1 e 2, todos do Código Civil, e Portaria nº291/2003, de 08 de Abril), computados desde a data da citação da ré e até efectivo e integral pagamento.

Condena-se, ainda, a ré C a pagar ao autor P a quantia que vier a liquidar-se em relação ao custo do parqueamento do veículo BX, desde o dia 18 de Dezembro de 2013 até à data da sua reparação, a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal e anual em vigor em cada momento, sendo actualmente de 4% (cfr. artigos 559º, nº1, 804º, 805º, nºs1 e 3, e 806º, nºs1 e 2, todos do Código Civil, e Portaria nº291/2003, de 08 de Abril), computados desde a data da citação da ré e até efectivo e integral pagamento”.

Inconformada a Ré interpôs recurso de apelação formulando as seguintes Conclusões:

1.A prova produzida em audiência de discussão e julgamento foi bastante para se poder concluir que o recorrido dispôs de outro veículo que lhe satisfez as suas necessidades de locomoção tal como o faria o veículo sinistrado e que a falta do veículo BX não lhe ocasionou qualquer prejuízo ou despesa acrescida, tendo sido incorrectamente dados como provados os factos constantes de 31 da douta sentença recorrida.

2.Das declarações de parte do autor/recorrido e do depoimento da testemunha J, ouvidos na sessão de julgamento de 1 de Abril de 2016, declarações e depoimentos registados através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no tribunal a quo, as do autor com início às 10:05:52 e termo às 10:30:52 e o depoimento da testemunha J com início às 1:40:36 e termo às 12:06:39 resulta, por um lado, que o recorrido não paralisou a sua actividade profissional em consequência do acidente e que não despendeu qualquer quantia com o empréstimo do veículo que na mesma actividade utiliza.

3.Por outro lado e, designadamente, das declarações da testemunha J, conclui-se que as várias viagens realizadas pelo recorrido tinham como propósito o levantamento de material que cabia no veículo que utiliza emprestado, sendo que o material que não cabe em tal veículo é-lhe entregue directamente e sem qualquer custo acrescido.

4.Mais resulta que as deslocações várias do recorrido ao armazém de pladur têm como causa a circunstância de não ter capacidade financeira para fazer stock.

5.Não resulta, pois, que o recorrido, desde o acidente e por causa dele, tenha duplicado viagens e com isso tenha incorrido em custos acrescidos, sejam de gasóleo, sejam de tempo, porquanto os materiais que não pode transportar no veículo emprestado são-lhe entregues sem qualquer custo adicional – pelo que não foi demonstrada a matéria de facto constante de 31 dos factos provados.

6.Nos termos do disposto no art.º 662º do CPCivil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão inversa – é o que desde já respeitosamente se requer a este Venerando Tribunal, no sentido de os factos constantes de 31 dos factos provados da douta sentença recorrida serem considerados não provados.

7.Verifica-se assim não se encontrar demonstrado qualquer dano de privação de uso do veículo. Com efeito,

8.Para haver indemnização, tem de haver danos, o que vale por dizer que a simples privação do uso de um veículo, sem a demonstração de qualquer dano concreto ocasionado por essa privação, ou seja, sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, não é susceptível de fundar a obrigação de indemnizar.

9.Para que a imobilização de uma viatura possa traduzir-se em danos para o seu proprietário, susceptíveis de serem indemnizados, é necessário que o lesado alegue e prove os factos que consubstanciam esses danos, o que no caso dos autos não ocorre.

10.É neste sentido que tem decidido a jurisprudência pátria, quando chamada a pronunciar-se sobre a questão. Neste particular, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.01.2012, disponível em www.dgsi.pt, no qual se decidiu que:

V - A simples privação do uso de um veículo, desacompanhada da demonstração de outros danos – seja na modalidade de lucros cessantes (frustração de ganhos), seja na de danos emergentes (despesas acrescidas justificadas pela impossibilidade de utilização) – não é susceptível de fundar a obrigação de indemnizar.

VI - Daí que, não tendo a autora alegado, nem demonstrado, quaisquer ganhos ou vantagens frustradas pela impossibilidade de utilização do veículo sinistrado, nem as despesas que teve de suportar com o aluguer de viaturas – inexista dano de privação.

11.Também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.07.2013 se decidiu:

A privação do uso de um veículo automóvel não é suficiente para nela fundar a obrigação de indemnizar, a não serem alegados e provados danos emergentes e (ou) lucros cessantes por aquela causados.

12.E em muitos e muitos outros arestos deste Supremo Tribunal que perfilham este entendimento, dos quais a título exemplificativo se citam os acórdãos de 10.01.2012, 03.05.2011, 04.05.2010, 21.04.2010, 09.03.2010, 02.06.2009, 30.10.2008, 09.12.2008, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Por outro lado e sem conceder,

13.Ainda que assim se não entenda e sabendo-se, como se sabe, que o recorrido intentou a presente acção contra a ré alegando a existência de contrato de seguro de danos próprios e tendo a acção, para além do mais, como causa de pedir esse mesmo contrato, nunca o recorrido poderia receber da recorrente qualquer quantia a título de privação de uso do veículo, porquanto o contrato de seguro em causa não prevê tal cobertura e tal dano, ao contrário do que se defende na douta sentença recorrida – entendimento com o qual, ressalvando o muito e devido respeito por opinião contrária, não se concorda – reveste a natureza de dano patrimonial.

14.Veja-se, a tal propósito, o acórdão deste mesmo Venerando Tribunal, proferido em 10.10.2013, no qual foi Relatora a Exma Senhora Juíza Desembargadora Helena Melo e onde se decidiu que:

I- O dano da privação do uso é um dano de natureza patrimonial.

II- No âmbito da responsabilidade civil contratual, em regra, o dano da privação do uso só é indemnizável se o segurado tiver acordado essa garantia facultativa, sujeito aos limites diários e ao período de tempo acordados.

15.O recorrido não tem assim direito ao recebimento de qualquer quantia a título de dano de privação de uso do veículo.

II- A condenação no custo do parqueamento do veículo

16.A condenação no custo do parqueamento do veículo – se e quando se vier a demonstrar a existência desse custo para o recorrido – não deverá ultrapassar o período de tempo de um ano e meio.

17.Esta alegação produ-la a recorrente na esteira do que se decidiu na douta sentença recorrida a propósito do dano de privação de uso do veículo, à luz do que dispõe o art.º 570º do CCivil – fundamentação para a qual, com a devida vénia, se remete.

18.Com efeito, tendo o acidente ocorrido no dia 18 de Dezembro de 2013 e tendo a recorrente informado o recorrido, em 22 de Janeiro de 2014, ou seja, pouco mais de um mês decorrido sobre o acidente, de que não estava disposta a reparar o veículo, o certo é que o recorrido somente em 3 de Fevereiro de 2015 propôs a presente acção em tribunal.

19.Considera a recorrente, que, tal como ocorre no dano de privação de uso do veículo, a inacção, por parte do recorrido, na propositura da acção constitui fundamento da redução da indemnização que o recorrido eventualmente venha a ter direito a receber da ré a título de custo de parqueamento do veículo.

20.Isto porque o recorrido instaurou a acção decorrido mais de um ano do conhecimento da posição assumida pela recorrente, podendo tê-lo feito muito antes e desse modo desagravado tal eventual prejuízo.

21.Afigura-se assim à recorrente como razoável fixar o período em que eventualmente tenha de suportar o custo de parqueamento do veículo em um ano e meio, na esteira, uma vez mais, do decidido na douta sentença recorrida a propósito do dano de privação de uso.

Sem Prescindir,

22.A douta sentença recorrida decidiu incorrectamente ao condenar a recorrente no pagamento do custo do parqueamento até à data da reparação do veículo.

23.Com efeito, não só tal pedido não é formulado pelo recorrido – este, como decorre do pedido formulado na acção, peticiona o pagamento do custo do parqueamento do veículo até a recorrente colocar à sua disposição o valor necessário para a reparação do veículo – como a condenação, nesta pate e tal como formulada, coloca a recorrente numa posição de incerteza quanto à questão de se encontrar desonerada do cumprimento daquela obrigação, seja porque não pode, ela própria, ordenar a reparação do veículo, posto que não é sua proprietária, seja porque desconhece se o recorrido pretende efectivamente tal reparação, e, em caso afirmativo, quando a irá realizar.

24.A parte da decisão que condena a ré no pagamento do custo de parqueamento do veículo deve, assim, ser alterada, no sentido de tal pagamento se limitar à data em que a recorrente coloque à disposição do recorrido o valor do custo necessário à reparação do veículo.

25.Na douta sentença recorrida fez-se menos acertada interpretação dos factos e errada aplicação da Lei, designadamente, dos art.ºs 607º e 609º, ambos do CPCivil e 562º, 564º, 566º e 570º, todos do CCivil.

Pelo exposto, na procedência das conclusões do recurso da recorrente, deve a douta sentença ora recorrida ser revogada nos termos supra descritos, assim se fazendo Justiça.

O Autor respondeu ao Recurso e apresentou recurso subordinado apresentando as seguintes Conclusões :

1-O Tribunal a quo, interpretou e aplicou erradamente a jurisprudência contida no ARP de 22.09.2011, proc. 201/05.5TBMUR.P1 – quando, com base nela, decidiu limitar ao lesado o tempo a considerar para o dano da privação de uso do seu veículo a apenas um ano e meio a contar da data do acidente, referindo que, a partir desse lapso temporal, o lesado contribui para a lesão, na medida em que lhe é exigível um dever de diligencia no recurso aos tribunais.

2-Ao decidir dessa forma, a sentença a quo está a aplicar a lei no sentido de que todo o período de paralisação do seu veículo, após ano e meio a contar da data do acidente, seria culpa do lesado.

3-A interpretação e aplicação da lei que o acórdão citado em 1 e demais jurisprudência que tal perfilha faz é no sentido de que, se nada de anormal acontecer, sabendo o lesado que a R não vai assumir a sua responsabilidade, deve o lesado intentar a acção no ano e meio seguinte à ocorrência do facto, pois, se exceder esse prazo razoável ( encontrado por proporção de metade do prazo que a lei lhe concede), pode considerar-se que também há culpa sua no dano que vai ocorrendo, podendo esse período que medeia entre o ano e meio e a data em que realmente intenta a Acão não lhe ser considerado para efeitos indemnizatórios.

4-Mesmo a jurisprudência que perfilha o entendimento vertido na sentença recorrida vai no sentido de que, se o lesado intentar a ação dentro do ano e meio a contar da data do facto lesivo, NÂO HÀ QUE CRIAR QUAISQUER LIMITES TEMPORAIS para a consideração da indemnização por paralisação do veículo.

5-Se acaso se perfilhasse a tese adotada na sentença recorrida - a decidir que todo o período após ano e meio a contar da data do acidente é culpa do lesado e, por isso será desconsiderado o dano existente – isso equivaleria a qualificar como culpa do lesado fenómenos a que o mesmo é alheio, tal como o eventual atraso dos tribunais; os incidentes processuais de que fosse alvo, etc.

6-Mesmo aplicando a lei no sentido da jurisprudência citada na sentença recorrida, sabendo-se que o recorrido – aqui também recorrente - INTENTOU A ACÇÂO UM ANO depois do acidente, ou seja, ANTES DO ANO E MEIO dos 3 que dispunha para o fazer, há que concluir que em nada contribuiu para a lesão de privação que teve e continua a ter (designadamente continuando a ser ampliada pela interposição do recurso da R…)

7-Desta forma, deve o cálculo da privação ser contabilizado desde o dia do acidente até ao dia em que o veículo esteja reparado, sendo que o Tribunal Superior, não pondo as partes em causa o valor de 12 euros diários, deverá proferir condenação, liquidando o valor até à data mais recente em que profira decisão e condenar no pagamento diário de 12 euros diários desde essa data em que faça a liquidação até que o veículo fique reparado.

Termos em que, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao recurso interposto pela R tranquilidade e dar provimento ao recurso apresentado pelo A P, tudo para que se façaJustiça!.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II -DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.

As conclusões acima transcritas definem e delimitam o objecto do presente recurso – cfr. artigos 608º., nº. 2, exvi do artº. 663º., nº. 2; 635º., nº. 4; 639º., nºs. 1 a 3; 641º., nº. 2, b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.).Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelos apelantes, urge apreciar as seguintes questões:

1-Apreciar e decidir se existe erro de julgamento no ponto nº 31 dos factos provados.

2- Do Enquadramento Jurídico Dos Factos em resultado da Apreciação e decisão sobre o recurso da decisão sobre o segmento dos factos provados que foi impugnado.

III – FUNDAMENTAÇÃO

3.1- Na primeira instância foi proferida decisão que julgou provados e não provados os seguintes factos:

Factos Provados:

1. O autor P, pelo menos desde o dia 04 de Janeiro de 2013, é o proprietário inscrito do veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, da marca “Ford”, modelo “Transit 350E (135 ch/CD 7), com a matrícula BX.

2. No dia 18 de Dezembro de 2013, pelas 19 horas, esta viatura circulava na Estrada Municipal nº1264, que liga a freguesia de Fojolobal à freguesia de Anais, ambas do concelho de Ponte de Lima, no sentido Fojolobal – Anais, sendo tripulada pelo autor.

3. A via em causa é pavimentada em betuminoso asfáltico, ladeada por extensa vegetação, sobretudo de pinhal, e encontra-se a menos de 1Km da zona industrial de Anais, do concelho de Ponte de Lima, permitindo dois sentidos de trânsito e tendo cerca de 5m de largura.

4. Momentos antes do acidente sob discussão nos autos, o autor fazia seguir o BX no sentido Fojolobal – Anais pela hemi-faixa de rodagem do lado direito, junto da berma direita – atento o referido sentido –, animado de velocidade não superior a 50Km/h.

5. O local do acidente consiste, atento o sentido de marcha do autor, numa curva fechada à direita.

6. Nesse local, a Estrada Municipal mencionada em 2. apresenta-se com uma inclinação descendente bastante acentuada.

7. Quando estava a não mais de 10m do início da curva aludida em 5., o autor girou o volante do BX para a direita, de modo a descrevê-la.

8. Sucede que o veículo não obedeceu a essa ordem, tendo escorregado com a sua frente, de forma descontrolada, seguindo em frente na via, atravessando a hemi-faixa de rodagem destinada à circulação em sentido contrário e saindo pela berma esquerda da via, em direcção a um valado que faceia com a estrada, acabando por chocar, de frente, contra uns pinheiros que aí estavam.

9. No momento do descrito acidente as condições meteorológicas eram de chuva, sendo que àquela hora era já noite cerrada.

10. Em virtude do choque referido em 8. e como sua consequência directa e necessária, a viatura BX ficou com a frente danificada, a caixa de madeira empenada, a direcção afectada, bem como sofreu diversos estragos ao nível do motor e da caixa de velocidades.

11. O referido em 10. impossibilita o autor de usar este veículo que está, desde o dia do acidente – 18 de Dezembro de 2013 –, imobilizado numa oficina de mecânica automóvel, sita na freguesia de Mato, do concelho de Ponte de Lima.

12. O custo de reparação dos estragos apontados em 10. é de, pelo menos, €7.031,00 (sete mil e trinta e um euros), com IVA incluído.

13. O BX tinha sido comprado pelo autor naquele mesmo ano de 2013, pelo montante de €11.000,00 (onze mil euros), sendo esse, aliás, o valor médio de mercado do mesmo.

14. Por acordo celebrado no dia 04 de Janeiro de 2013 entre o identificado P e a ré “T”, constante da apólice com o nº…, aquele declarou transferir para esta, a qual declarou assumir, as obrigações que sobre si impendessem como resultado de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros pelo veículo automóvel BX.

15. O autor contratou, ainda, a cobertura facultativa de danos próprios desta viatura, obrigando-se a ré a indemnizá-lo por quaisquer danos que ocorressem no BX como consequência, nomeadamente, de choque, colisão, capotamento e quebra isolada de vidros, até ao limite de €11.000,00 (onze mil euros), deduzido de uma franquia de €250,00 (duzentos e cinquenta euros).

16. A ré, no momento da contratação e para o período anual seguinte, avaliou e segurou o veículo BX pelo valor de €11.000,00 (onze mil euros).

17. O acordo referido em 14. rege-se, designadamente, por “condições gerais”, estipulando na cláusula 40ª, nº1, alínea g), que: (…) para além das exclusões previstas na cláusula 5.ª, o contrato também não garantirá ao abrigo das coberturas facultativas acima previstas, as seguintes situações (…) g) Danos directa e exclusivamente provenientes de defeito de construção, montagem ou afinação, vício próprio ou má conservação do veículo (…).

18. Após a ocorrência do mencionado acidente, a ré seguradora diligenciou pelas competentes averiguações.

19. No dia 22 de Janeiro de 2014, a identificada C remeteu uma carta ao autor, subordinada ao assunto “Proposta condicional de perda parcial”, comunicando-lhe, além do mais, que: (…) Serve a presente para informa V. Exa. (s) que, após análise do processo, verificámos que a responsabilidade pela produção do acidente não cabe a esta seguradora em virtude do disposto na cláusula 40ª, nº1, na alínea g), das Condições Gerais da Apólice de Seguro Automóvel, o qual determina que se encontram excluídos: “Danos provocados ou agravados por defeito de construção, montagem ou afinação, vício próprio ou má conservação do veículo”. Não obstante, e em cumprimento dos deveres legais a que a presente Seguradora se encontra adstrita serve ainda a presente para informar V. Exa. que a melhor proposta de aquisição da sua viatura com danos foi de 1.200€ (…).

20. A ré entendia que um pneu interior traseiro, do lado esquerdo, da viatura sinistrada, apresentava mau estado de conservação e teria estado na origem do sinistro.

21. Sucede que os pneus que o veículo BX usava no momento do acidente não apresentavam qualquer desgaste anormal.

22. À data do descrito acidente esta viatura contava percorridos 243.042Km.

23. Quando apresentava 241.579KM foi objecto de inspecção técnica obrigatória, não tendo nessa ocasião sido registada qualquer anomalia ou irregularidade, nomeadamente, na medida ou piso dos pneus.

24. O BX não trocou de pneus entre o momento dessa vistora técnica e a data do acidente.

25. Os pneus, no momento deste acidente, apresentavam-se praticamente no mesmo estado de conservação e piso com que foram vistoriados e aprovados naquela vistoria técnica.

26. A viatura BX tem rodado traseiro duplo, sendo que, do lado esquerdo, o pneu do exterior tem ainda quase o piso todo.

27. Desde o dia 18 de Dezembro de 2013 que o autor está privado da utilização deste veículo, não tendo condições económicas para adquirir outro da mesma categoria.

28. O autor trabalha, sem quaisquer empregados, como empresário em nome individual, na colocação de pladur.

29. Adquiriu o BX por ter necessidade de deslocar-se no mesmo desde a sua residência até ao local das obras e, sobretudo, para poder efectuar transporte de mais carga de uma só vez, desde o armazém de venda das placas de pladur até ao local da sua aplicação.

30. Desde o momento do referido acidente que trabalha com um veículo emprestado, de menor dimensão, que tem cerca de metade da capacidade de carga do BX.

31. Desde tal momento que o autor vem duplicando as viagens entre o armazém de pladur e os locais de obra, com custos acrescidos de gasóleo e tempo.

32. Desde aquele dia 18 de Dezembro de 2013 que a viatura BX está aparcada nas instalações da oficina reparadora.

33. O aparcamento custará ao autor um valor que, em concreto, não foi possível apurar.

Factos não provados

Não se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa, designadamente:

a) que se verificasse posteriormente que a via em causa, devido à passagem de camiões para a zona industrial ali existente, se apresentava com manchas de óleo;

b) que o aparcamento referido sob o nº33, dos factos provados, custasse ao autor um valor diário de €5,00 (cinco euros), acrescido de IVA;

c) que o acidente sob discussão nos autos ocorresse em virtude de um dos pneumáticos do lado traseiro esquerdo do veículo BX, designadamente, o pneumático interior, se encontrar desgastado e com um perfil (profundidade de piso) a variar entre 0,4mm e 07mm, muito abaixo do legalmente permitido (1,7mm), isto é, se encontrar “careca”;

d) que à data do descrito acidente o valor venal de mercado desta viatura fosse de cerca de €6.000,00 (seis mil euros);

e) que o autor P, desde 17 de Agosto de 2012, fosse dono de um veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, da marca “Hyundai”, com a matrícula QD, de características idênticas às da viatura BX;

f) que tal veículo “Hyundai” permitisse ao autor, tal como permitia à data do acidente que se aprecia, a satisfação das suas necessidades de locomoção pessoais e/ou profissionais, tal como fazia com o BX;

g) quaisquer outros factos para além dos descritos em sede de factualidade provada, que com os mesmos estejam em contradição ou que revelem interesse para a decisão a proferir.

3.2- Do Recurso sobre a decisão de facto.

Porque o recurso preenche os requisitos legalmente exigidos no artigo 640º do CPC admito o recurso sobre a decisão de facto.

A recorrente alega que da prova produzida não resulta, que o recorrido, desde o acidente e por causa dele, tenha duplicado viagens e com isso tenha incorrido em custos acrescidos, sejam de gasóleo, sejam de tempo, porquanto os materiais que não pode transportar no veículo emprestado são-lhe entregues sem qualquer custo adicional – pelo que não foi demonstrada a matéria de facto constante de 31 dos factos provados.

Para tanto, alega que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento foi bastante para se poder concluir que o recorrido dispôs de outro veículo que lhe satisfez as suas necessidades de locomoção tal como o faria o veículo sinistrado e que a falta do veículo BX não lhe ocasionou qualquer prejuízo ou despesa acrescida, tendo sido incorrectamente dados como provados os factos constantes de 31 da douta sentença recorrida.

Mais alega que das declarações de parte do autor/recorrido e do depoimento da testemunha J, ouvidos na sessão de julgamento de 1 de Abril de 2016, resulta, por um lado, que o recorrido não paralisou a sua actividade profissional em consequência do acidente e que não despendeu qualquer quantia com o empréstimo do veículo que na mesma actividade utiliza.Por outro lado e, designadamente, das declarações da testemunha J, conclui-se que as várias viagens realizadas pelo recorrido tinham como propósito o levantamento de material que cabia no veículo que utiliza emprestado, sendo que o material que não cabe em tal veículo é-lhe entregue directamente e sem qualquer custo acrescido.

Apreciando e decidindo:

Resulta do recurso interposto que relativamente ao segmento de facto impugnado a recorrente parte das seguintes premissas :

aa) - Que o recorrido não teve dano de privação porque dispôs de outro veículo que lhe satisfez as suas necessidades e pelo qual nada pagou. (conclusões 1 e 2)

ab)- Que o autor não teve custos acrescidos porque o material que não lhe cabia no veículo emprestado lhe era entregue sem custos acrescidos, razão que deve determinar a alteração da matéria de facto provada em 31. ( cls 3 a 12)

ac) Que, assim sendo, não há dano até porque este dano não estava contratualizado. ( cls 13 a 15)

Todavia, urge atentar no seguinte:

aa) Ficou provado sob os itens 29 e 30 – e a recorrente não questiona tal factualidade – que o recorrido adquiriu o BX – veículo sinistrado – por ter necessidade de deslocar-se no mesmo desde a sua residência até ao local das obras E SOBRETUDO para poder efectuar transporte de mais carga de uma só vez, desde o armazém de venda das placas de pladur até ao local da sua aplicação

Ficou ainda provado que, desde o momento do acidente, o veículo emprestado com que trabalha é de menor dimensão e tem cerca de metade da capacidade de carga do BX.

Acresce que consta expressamente dos factos não provados - alínea f) – que a recorrente não logrou provar precisamente a premissa por ela alegada para poder contrariar a consequência que é o facto elencado em 31, qual fosse o de que o veículo emprestado tivesse permitido ao recorrido satisfazer as suas necessidades de locomoção pessoais e profissionais tal como acontecia com o BX!!

Assim, a conjugação da matéria de facto provada em 29 e 30, acrescida da não provada na alínea f), permite concluir que não se verifica qualquer erro grosseiro na afirmação contida no ponto 31º dos factos provados.

Como refere o recorrido nas alegações do recurso subordinado “ Seria altamente improvável que, tendo-se por certo que o recorrido adquiriu o BX “SOBRETUDO para poder efectuar transporte de mais carga de uma só vez, desde o armazém de venda das placas de pladur até ao local da sua aplicação” e que, “desde o momento do acidente, o veículo emprestado com que trabalha é de menor dimensão e “tem cerca de metade da capacidade de carga do BX”, afinal ele estivesse a trabalhar precisamente da mesma forma; a fazer as mesmas viagens e sem nenhum custo acrescido”.

De qualquer modo, sempre se dirá que este Tribunal procedeu à audição do registo fonográfico do depoimento de parte do recorrido e da testemunha J.

No que concerne ao recorrido este , no essencial, declarou após o acidente, pese embora o veículo tenha ficado em estado de não ser usado, foi-lhe emprestada uma carrinha, sem qualquer contrapartida e não teve de parar a sua actividade profissional.

A testemunha J “esclareceu que manteve relações comerciais com o autor, tendo-o aconselhado a adquirir uma viatura melhor do que o veículo QD, para evitar fazer uma “série de viagens” para carregar material, tanto mais que se fosse carregado no armazém – em lugar de ser transportado até ao local da obra pelo vendedor – fazia-lhe um desconto de cerca de 10%, a que acresce o tempo que poupava com tais deslocações, bem como combustível”.

Disse que essa sugestão se devia, essencialmente a dois factores: Com uma carrinha pequena nem conseguia levar as placas de pladur maiores e, tendo elas de ser colocadas em obra, perdia o desconto comercial de 10% que não lhe era feito com a entrega do material em obra ; Por outro lado, apesar de determinado tipo de placas menores caberem no veículo emprestado, o recorrente não conseguia levar as quantidades de placas necessárias, sendo a duplicações de viagens uma inevitabilidade.

Disse que, por isso, entendia que o recorrido, sem uma carrinha maior – como a BX – perdia muito tempo.

Ora, se ia lá muitas mais vezes, sendo um veículo a gasóleo, obviamente o recorrido tinha gastos maiores de tempo e combustível.

A isto acrescenta-se que, de todo o depoimento, perpassa ainda outro factor incontroverso: É que, tendo o fornecedor de lhe ir levar o material, “aplicava-lhe 10%”.

E, apesar do autor-recorrente ter quantificado a perda desse desconto num valor entre 300 a 500 euros, esta testemunha, não conseguindo ir de encontro a esses valores, não os achou desajustados .

Em face do exposto, reapreciados os meios de prova indicados pela recorrente, e sem se ignorar que o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade, entendemos que a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável nos meios de prova por nós reapreciados, sendo que, a nossa convicção quanto ao segmento de facto impugnado, formada com base naqueles meios de prova, não diverge daquela que foi alcançada pelo Tribunal recorrido sobre o facto vertido no nº31 dos factos provados, pelo que, não merece provimento o recurso sobre a decisão de facto.

3.3- Do Enquadramento Jurídico.

Em face do não provimento do recurso sobre a matéria de facto vejamos se existe razão válida para alterar a decisão de direito.

A recorrente, nas suas alegações, não põe em causa a condenação proferida relativamente ao valor da reparação do veículo e respectivos juros, delimitando expressamente o seu recurso a dois aspectos:

a)Saber se o recorrido tem ou não direito a ser indemnizado pela privação do uso do veículo sinistrado

b)Saber se deve ser reduzido o período a ter em consideração quanto à indemnização a liquidar a titulo de custo de parqueamento do veículo sinistrado.

3.3.1.Da Privação do Veículo.

Na sentença recorrida fixou-se para a indemnização deste dano o montante de € 7 008,00, valor encontrado na sentença recorrida para a multiplicação de 548 dias pelo valor diário de € 12,00.

A Ré recorrente discorda da atribuição deste valor por entender, e, no pressuposto do provimento do recurso sobre a matéria de facto, alega que não resultou demonstrado qualquer prejuízo resultante da privação do uso do veículo por parte do Apelado, o que implica que não lhe possa ser atribuído qualquer indemnização por este dano.

Mais alega ( vide conclusão 13ª ) que o contrato de seguro de danos próprios, cujo incumprimento constitui a causa de pedir desta acção não prevê a cobertura de danos decorrentes da privação do uso de veículo.

Vejamos.

O problema da ressarcibilidade do dano da privação do uso está longe de merecer uma resposta jurisprudencial unânime. Desde logo quanto à exacta natureza desse dano: enquanto algumas decisões sustentam que se trata de um dano não patrimonial outras concluem pela sua patrimonialidade.

A distinção entre o dano patrimonial e não patrimonial assenta na natureza do interesse afectado, sendo, por isso, possível que da violação de direitos patrimoniais resultem danos não patrimoniais, da mesma maneira que da violação de direitos ou bens de personalidade podem derivar danos patrimoniais.

A privação de uso de um bem pode, portanto, dar origem tanto a um dano patrimonial como a um dano não patrimonial; quando ocorra esta última espécie de dano, ele será indemnizável de harmonia com os critérios específicos de valoração e mensurabilidade desse tipo de dano.

Contudo, a clivagem jurisprudencial, não se limita à qualificação da natureza do dano de privação do uso. Mesmo quando se aceita a sua patrimonialidade, verifica-se uma nítida fractura entre as decisões para as quais basta, para que seja reparável, a demonstração do não uso do bem atingidoCfr. Acs. do STJ de 05.07.07, da RL de 04.10.07 e 18.09.07 e da RC de 20.03.07 e 12.02.08 www.dgsi.pt.. e aquelas que julgam insuficiente essa demonstração, sendo ainda necessária a prova de um autónomo ou específico dano patrimonial.Cfr. Acs. do STJ de 22.06.05,12.01.06 e 04.10.07, da RL de 22.06.06 e da RC de 13.03.07

Na doutrina, sustentam a reparabilidade do dano de privação do uso, António dos Santos Abrantes Geraldes Indemnização do Dano de Privação do Uso, Almedina, Coimbra, 2001,págs. 30 e ss.

[15] RDE, nº 12, 1986, págs. 169 e ss., Luís Manuel Teles Menezes Leitão Direito das Obrigações, 3ª Edição, Vol. I, Almedina, Coimbra, págs. 338/339 e nota 686..
Por nossa parte entendemos que a privação do gozo de uma coisa pelo titular do respectivo direito constitui seguramente um ilícito que o sistema jurídico prevê como fonte da obrigação de indemnizar, pois que, impede o respectivo proprietário de dela dispor e fruir as utilidades próprias da sua natureza–arts. 483.º nº 1 e 1305.º C. Civil.

E, acolhendo o entendimento de Paulo Mota Pinto Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Positivo e Interesse Contratual Positivo, Vol. I, pág. 594/596. Coimbra Editora, 2008, entende que o dano só se concretiza ao nível das privações concretas das vantagens que a coisa proporciona e não antecipadamente ao nível da perturbação (ilícita) das possibilidades abstractas de uso que resultam para o proprietário derivadas do «jus utendietfruendi» inerente ao direito de propriedade., citado no Acordão do Tribunal da Relação do Porto de 16-06-2014, Proc. nº 1045/12.3TBESP.P1, pensamos, porém, que a questão da ressarcibilidade da “privação do uso” não pode ser apreciada e resolvida em abstracto, aferida pela mera impossibilidade objectiva de utilização da coisa.

Na verdade, uma coisa é a privação do uso e outra, que conceptualmente não coincide necessariamente, será a privação da possibilidade de uso.

Uma pessoa só se encontra realmente privada do uso de alguma coisa, sofrendo com isso prejuízo, se realmente a pretender usar e utilizar caso não fosse a impossibilidade de dela dispor.

Não pretendendo fazê-lo, apesar de também o não poder, está-se perante a mera privação da possibilidade de uso, sem repercussão económica, que, só por si, não revela qualquer dano patrimonial indemnizável.

Bastará, no entanto, que a realidade processual mostre que o lesado usaria normalmente a coisa, para que o dano exista e a indemnização seja devida.

Por isso se tem entendido que não basta a simples privação, em si mesma, sendo necessário ainda que se alegue e prove a frustração de um propósito de proceder à utilização da coisa, demonstrando o lesado que a pretenderia usar, dela retirando utilidades que a mesma normalmente lhe proporcionaria, não fora a privação dela pela actuação ilícita de outrem, o lesante.Cfr. neste sentido Ac. do STJ de 9/12/2008, proc. 3401/08 in www.dgsi.pt

- Postos estes considerandos cumpre, então, analisar a situação concreta dos autos.

O autor reclama da ré o pagamento da quantia mensal de €440,00 (quatrocentos e quarenta euros), a título de privação do uso da viatura BX, desde a data do acidente que se discute até à sua efectiva e integral reparação.

Entre aquele dia 18 de Dezembro de 2013 e a data da propositura da acção – 4 de Fevereiro de 2015 – computa, a esse título, o valor de €5.720,00 (cinco mil, setecentos e vinte euros).

De relevante, a este propósito, ficou provado:

27. Desde o dia 18 de Dezembro de 2013 que o autor está privado da utilização deste veículo, não tendo condições económicas para adquirir outro da mesma categoria.

28. O autor trabalha, sem quaisquer empregados, como empresário em nome individual, na colocação de pladur.

29. Adquiriu o BX por ter necessidade de deslocar-se no mesmo desde a sua residência até ao local das obras e, sobretudo, para poder efectuar transporte de mais carga de uma só vez, desde o armazém de venda das placas de pladur até ao local da sua aplicação.

30. Desde o momento do referido acidente que trabalha com um veículo emprestado, de menor dimensão, que tem cerca de metade da capacidade de carga do BX.

31. Desde tal momento que o autor vem duplicando as viagens entre o armazém de pladur e os locais de obra, com custos acrescidos de gasóleo e tempo.

32. Desde aquele dia 18 de Dezembro de 2013 que a viatura BX está aparcada nas instalações da oficina reparadora.

Atentos os factos tidos por demonstrados, verifica-se que o dano de que ora se cuida assume essencialmente natureza não patrimonial (incómodos para o mencionado P decorrentes da impossibilidade de utilizar o veículo BX e de ter de recorrer a um veículo emprestado, com menor capacidade de carga, envolvendo duplicação de viagens entre o armazém de pladur e os locais de obra e perdas de tempo), bem como danos de natureza patrimonial ( acréscimo com custos de gasóleo e tempo).

Todavia, a questão que se coloca é se a ré “Tranquilidade está obrigada a indemnizar o autor –recorrido pela privação do veículo, uma vez que não facultou ao autor um veículo de substituição idêntico ao BX.

Ora, desde já adiantamos que nesta parte divergimos da sentença recorrida e entendemos que no caso a Recorrente-ré não está obrigada a indemnizar o autor –recorrido pela privação do veículo.

De resto, o nosso entendimento é aquele que maioritariamente é acolhido na nossa Jurisprudência.

Entre outros, a propósito, pode consultar-se Acordão da Relação do Porto de 28-10-2013, proferido no P 2965/12.0TBMTS.P1, Relator:Alberto Ruço e Acórdão da Relação de Coimbra de 11-03-2014, proferido no processo 176/12.4TBTMR.C1, Relator:Henrique Antunes

Como resulta dos autos, o autor contratou com a Ré, ainda, a cobertura facultativa de danos próprios da viatura BX , obrigando-se a ré a indemnizá-lo por quaisquer danos que ocorressem no BX como consequência, nomeadamente, de choque, colisão, capotamento e quebra isolada de vidros, até ao limite de €11.000,00 (onze mil euros), deduzido de uma franquia de €250,00 (duzentos e cinquenta euros).

Assim, no caso dos autos, estão acoplados dois contratos de seguro: um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel , cujo regime está previsto no DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto e um contrato de seguro de danos facultativo cujo regime está previsto no artigo 123º e ssdo Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril.

A Recorrente -ré, no momento da contratação e para o período anual seguinte, avaliou e segurou o veículo BX pelo valor de €11.000,00 (onze mil euros).

Assim, a prestação contratual prevista e devida pela Recorrente ao Autor, verificados os respectivos pressupostos factuais e jurídicos, consistia na entrega ao autor da quantia que seria encontrada através da determinação do valor do bem à data do sinistro, até ao limite máximo do capital acordado.

No caso dos autos, tal quantia atingiu os € 7 031,00, com IVA incluído, valor ao qual há que subtrair a quantia de € 250,00 da franquia prevista, o que, resultou, no valor de € 6 781,00, com IVA incluído.

Mas o dano que, nesta parte, o Autor- recorrido pretende ver indemnizado não é apenas este que emerge directamente da relação contratual.

O dano que afecta a esfera patrimonial do Autor e que é nesta parte é reclamado consiste no dano na supressão ou privação do poder de usar o veículo.

O Autor- recorrido identifica a omissão de entrega, por parte da Ré ao Autor, da quantia devida, nos termos do contrato, como a causa geradora deste dano.

Isto porque, não dispondo de meios financeiros para adquirir outro veículo, como resultou provado, só dispondo da quantia devida pela Ré, o Autor poderia adquirir outro veículo.

Vejamos então.

Afigura-se que a passagem de uma situação factual vantajosa em que alguém necessita de um veículo automóvel para se deslocar e podia fazê-lo por possuir um, para uma situação em que não dispõe de tal meio de transporte, dá origem a uma situação desvantajosa, existindo, por isso, um dano.

Ou seja, há necessidades que continuam actuais, que antes eram satisfeitas, mas que agora não o são.

A pergunta que se coloca é então esta: o incumprimento contratual da prestação devida pela Ré poderá ter gerado na esfera jurídica do devedor a obrigação de indemnizar o dano causado pela omissão dessa prestação?

A resposta é negativa, pelas seguintes razões:

a) A primeira questão a esclarecer consiste em verificar que tipo de prestação era ou é devida pela Ré em virtude do contrato de seguro.

À obrigação de pagar o prémio contrapõe-se, como equivalente, a promessa ou a assunção da obrigação de pagar a indemnização ou o capital convencionado.

Em certos casos, aliás frequentes, o contrato de seguro celebrado entre as partes respeita à transferência da responsabilidade civil do tomador do seguro para a seguradora.

Através de tal contrato, a seguradora assume a responsabilidade de indemnizar os lesados quanto aos danos imputáveis ao lesante, ou seja, a seguradora, na hora da reparação, até ao limite do capital seguro, ocupará o lugar do lesante devedor.

Nestes casos, o tomador do seguro está obrigado, em primeira linha, a restabelecer o status quo ante (restauração natural) em que se encontrava o lesado em relação ao momento em que ocorreu o evento danoso (ver n.º 1 do artigo 566.º do Código Civil) e a seguradora ocupa o lugar dele para efeitos da obrigação de indemnizar.

No caso dos autos, estando em causa a cobertura facultativa de danos próprios, não estamos face a um contrato de seguro deste tipo, sendo certo que, porque no acidente dos autos apenas teve intervenção o próprio tomador-segurado não pode ser accionado o recurso obrigatório de responsabilidade civil automóvel perante terceiros.

Assim, não se trata aqui de colocar um terceiro lesado na situação em que estaria se não tivesse ocorrido o sinistro, mas sim de entregar ao tomador do seguro uma quantia prevista contratualmente para o caso da coisa segurada vir a sofrer um dano, mesmo que causado involuntariamente pelo próprio tomador do seguro, como ocorreu no caso dos autos.

Não existe neste contrato uma obrigação de indemnizar em sentido próprio, isto é, de reparar um dano reconstituindo a situação que existiria se não tivesse ocorrido o dano (ver artigo 562.º do Código Civil), dever esse emergente da prática de um acto gerador de responsabilidade civil extracontratual ou contratual (ver artigos 483.º, 499.º, 798.º, entre outros, todos do Código Civil).

Com efeito, repete-se, a seguradora não assumiu, através da cobertura de danos próprios, o dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o dano.

A seguradora assumiu o dever de entregar ao tomador do seguro uma quantia correspondente ao valor do dano, até ao limite do capital seguro, no caso do veículo do autor sofrer um dano.

Muito embora exista no contrato de seguro contra danos em coisas uma finalidade indemnizatória, a respectiva prestação contratual (entrega de uma certa quantia) é diversa da prestação inerente à obrigação de indemnizar prevista no artigo 562.º do Código Civil, que consiste, como se disse já, na reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o dano.

A circunstância de não se encontrar logo determinada no contrato a quantia a entregar ao segurado, logo após a verificação do dano, deve-se ao facto de vigorar nesta matéria o «princípio indemnizatório», segundo o qual a seguradora só tem de pagar, nos limites do capital seguro, a quantia correspondente ao valor da coisa no momento do sinistro Ver, José Vasques. Contrato de Seguro. Coimbra Editora, 1999, pág. 145 e seguintes..

Trata-se da regra consagrada no artigo 128.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, onde se dispõe que «A prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro», sendo que, é este o regime a aplicar ao caso dos autos, uma vez que o contrato de seguro foi celebrado no ano de 2013 e esse regime jurídico entrou em vigor a 1-01-2009.

Concluindo: a prestação devida pela recorrente- seguradora ao autor- recorrido, em virtude do cobertura de facultativa de danos próprios, que é um seguro de dano em coisa do próprio, é uma quantia em dinheiro e não a reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o dano.

Desta conclusão resulta que o Autor só tem direito a exigir da Ré a quantia em dinheiro correspondente ao dano sofrido na coisa; não tem direito a obter a reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o dano, na qual, aqui sim, se inseriria a obrigação de proporcionar os meios necessários ao restabelecimento da faculdade de usar um veículo.

Por outras palavras, a dívida daRecorrente- Ré para com o Autor é uma mera dívida pecuniária – ver artigos 550.º e seguintes do Código Civil Nas palavras de M. J. Almeida Costa, «Chamam-se obrigações pecuniárias aquelas cuja prestação debitória consiste numa quantia em dinheiro (“pecunia”), que é tomada pelo seu valor propriamente monetário» - Direito das Obrigações, 4.ª Edição. Coimbra Editora, 1984, pág. 499.

Cumpre fazer a distinção entre estas dívidas e as denominadas dívidas de valor que aparentemente também consistem numa prestação em dinheiro.
Nas palavras de A. Pinto Monteiro, «…há que distinguir das obrigações pecuniárias propriamente ditas – sujeitas ao princípio nominalista – as chamadas “dívidas de valor”, as quais originariamente não são dívidas de dinheiro, antes o dinheiro funciona como substituto do valor económico de um bem ou da reintegração de um património. São dívidas “que não têm directamente por objecto o dinheiro” este não é, de per se, o objecto da obrigação, antes o dinheiro surge apenas como meio necessário de liquidação da prestação» - Inflação e Direito Civil. Depositário: Livraria Almedina. Coimbra, 1984, pág. 23.

Assim, a mora no cumprimento deste tipo de obrigação apenas concede ao autor- recorrido o direito de receber juros.

Com efeito, nos termos do artigo 806.º do Código Civil, «1 - Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora. 2 - Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal».

Está, pois, excluído do dever de indemnizar, neste tipo de obrigações, em consequência da mora, qualquer outro dano diverso do gerado pela simples indisponibilidade do dinheiro inerente à prestação pecuniária.

Resta acrescentar que nos n.º 2 e 3, do artigo 130.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, norma inserida no Título II deste regime jurídico, relativos ao «seguro de danos», se encontra estipulado que «…2. No seguro de coisas, o segurador apenas responde pelos lucros cessantes resultantes do sinistro se assim for convencionado» e que «3. O disposto no número anterior aplica-se igualmente quanto ao valor de privação de uso do bem».

Face a esta norma, que se justifica pelo que ficou dito anteriormente, a pretensão do recorrente só podia ser acolhida se tivesse sido convencionada tal prestação no próprio contrato de seguro, o que não ocorreu.

Em face do exposto, concluímos que no caso não há, pois, que discutir se o autor-recorrido ficou ou não – em absoluto ou só relativamente – privado do uso do bem seguro e se essa privação se resolve num dano. Desde que não se convencionou que a recorrente- seguradora responderia também, em caso de verificação do sinistro, pelo dano emergente, decorrente da privação do uso da coisa e que a prestação a que segurador se vinculou é uma pura obrigação contratual pecuniária, tem-se por certo que ao recorrido não assiste o direito de exigir da seguradora uma qualquer prestação indemnizatória dirigida para a supressão do eventual dano de privação do uso da coisa sinistrada.

Em consequência do exposto, a parte do recurso principal dirigida contra a condenação da ré-recorrente a indemnizar o autor-recorrido pela privação do veículo BX no valor de € 7 008,00 ( sete mil e oito euros) procede, pelo que, nesta parte impõe-se a revogação da sentença da sentença recorrida, improcedendo nesta parte o recurso subordinado interposto pelo autor.

3.3.2 –Do Custo do Parqueamento do Veículo.

Resta agora apreciar e decidir se deve ser reduzido o período a ter em consideração quanto à indemnização a liquidar a titulo de custo de parqueamento do veículo sinistrado.

Apreciando e decidindo:

Conforme decorre das Conclusões Recursórias do Recurso Principal a Recorrente aceita que assiste ao autor –recorrido, com fundamento num contrato de seguro de danos próprios, o direito de ser indemnizado das despesas com o custo do parqueamento do veículo, se e quando se vier a demonstrar a existência desse custo para o recorrido, pelo que, nesta parte, verifica-se caso julgado.

Todavia, a recorrente alega que essa condenação não deverá ultrapassar o período de tempo de um ano e meio, na esteira, alega, “ do que se decidiu na recorrida a propósito do dano de privação de uso do veículo, à luz do que dispõe o art.º 570º do CCivil – fundamentação para a qual, com a devida vénia, se remete”.

Alega que tendo o acidente ocorrido no dia 18 de Dezembro de 2013 e tendo a recorrente informado o recorrido, em 22 de Janeiro de 2014, ou seja, pouco mais de um mês decorrido sobre o acidente, de que não estava disposta a reparar o veículo, o certo é que o recorrido somente em 3 de Fevereiro de 2015 propôs a presente acção em tribunal.

Considera a recorrente, que, tal como ocorre no dano de privação de uso do veículo, a inacção, por parte do recorrido, na propositura da acção constitui fundamento da redução da indemnização que o recorrido eventualmente venha a ter direito a receber da ré a título de custo de parqueamento do veículo.

Isto porque, alega, o recorrido instaurou a acção decorrido mais de um ano do conhecimento da posição assumida pela recorrente, podendo tê-lo feito muito antes e desse modo desagravado tal eventual prejuízo.

Afigura-se assim à recorrente como razoável fixar o período em que eventualmente tenha de suportar o custo de parqueamento do veículo em um ano e meio, na esteira, uma vez mais, do decidido na sentença recorrida a propósito do dano de privação de uso.

Apreciando e decidindo:

Conforme resulta do exposto este Tribunal revogou a parte da sentença recorrida a propósito da qual o Senhor Juiz de 1ª instância teceu considerações sobre a inacção do recorrido como fundamento da redução de indemnização a título de indemnização pela privação de uso de veículo.

Não obstante, e porque a sentença reproduz um entendimento jurisprudencial a propósito das questões relativas a indemnizações, tendo aí sido citado a propósito o Acórdão do STJ de 09-03-2010, processo nº 1247/07.4TJVNF.P1.S1, relator Alves Velho e o Acórdão da Relação do Porto, de 22-09-2011, Processo nº201/05.5TBMUR.P1, relator, Amaral Ferreira, urge tomar posição.

Ora, com o devido respeito pelo entendimento sufragado nos Acórdãos proferidos nos Acórdãos citados a propósito dos casos concretos ali apreciados, entendemos, seguindo aqui de perto, a posição de Maria da Graça Trigo, in Responsabilidade Civil, Temas Especiais,págs 65 e seguintes, Universidade Católica Editora, que no presente litígio, os factos apurados não permitem concluir, para efeitos do artigo 570º do CCivil , que houve culpa do autor-recorrido-lesado por não ter intentado a presente acção judicial mais cedo.

Concretizando.

Como resulta do documento de fls 21 dos autos, junto à petição inicial, o Autor- recorrido soube a 22 de Janeiro de 2014 ( data da carta enviada pela Recorrente – seguradora comunicando que não estava disposta a reparar o veículo, nem a fornecer-lhe outro) que a Recorrente não estava disposta a reparar o veículo, nem a fornecer-lhe outro.

Mais resulta que a presente acção foi instaurada a 30- 2-2015.

Ora, à luz das regras da experiência comum aplicados ao caso dos autos, considerando que a presente acção judicial foi instaurada cerca de um ano após o acidente e comunicação de não assunção de responsabilidades por parte da Recorrente, não vislumbramos em que medida é que a actuação do recorrido-autor tenha contribuído significativamente para um aumento dos dias de parqueamento do veículo sinistrado.

E como refere Maria da Graça Trigo, na obra citada: “ Ao direito de ser indemnizado corresponde a acção de indemnização. Constitui uma clara inversão deste princípio geral de direito, e um incitamento à litigância, considerar-se que, perante a recusa do lesante ou respectiva seguradora em satisfazer o pedido de indemnização, o lesado estaria obrigado a optar pela via judicial ( ou a suportar o ónus de o fazer) sob pena de não obter o total ressarcimento dos danos.Diferente seria se o Tribunal viesse a dar razão à Seguradora relativamente ao montante que esta se propôs pagar ao lesado ; nesta hipótese, a partir do momento da apresentação da proposta indemnizatória por parte da seguradora teria ocorrido mora do credor e a seguradora não teria de responder pelo agravamento dos danos após a constituição da mora”.

Reportando estas considerações ao caso dos autos, consideramos que sob pena de ofender aquele princípio geral de direito e ainda o disposto no artigo art.º 20º da C.R.P ( o direito de acção é um dos vários direitos que está compreendido no direito fundamental de acesso aos tribunais) não pode o tribunal, em abstracto fixar o período temporal tido por razoável para a propositura da acção para efeitos de redução do montante indemnizatório ao abrigo do disposto no artigo 570º, do Código Civil.

Em face das considerações expostas, entendemos que não merece procedência o recurso principal na parte em que pretende que este Tribunal da Relação fixe o período em que eventualmente tenha de suportar o custo de parqueamento do veículo em um ano e meio, na esteira, do decidido na douta sentença recorrida a propósito do dano de privação de uso, sendo certo que dos autos resulta que a proposta indemnizatória da seguradora foi de € 1200,00 ( ponto 19 dos factos ), logo muito inferu«ior ao valor que foi atribuído na sentença recorrida.

Por último, no que concerne à alegação da recorrente ( conclusões 22ª a 24ª ) que considera que o tribunal recorrido julgou incorrectamente ao condenar a recorrente no pagamento do custo do parqueamento até à data da reparação do veículo, diremos o seguinte.

Com efeito, compulsados os autos, resulta do pedido formulado na alínea D) da petição inicial, que tal pedido não é formulado pelo recorrido.

Este, como decorre do pedido formulado na acção, peticiona o pagamento do custo do parqueamento do veículo até a recorrente colocar à sua disposição o valor necessário para a reparação do veículo.

Acresce que, a condenação, nesta parte e tal como formulada, é susceptível de colocar a recorrente numa posição de incerteza quanto à questão de se encontrar desonerada do cumprimento daquela obrigação, seja porque não pode, ela própria, ordenar a reparação do veículo, posto que não é sua proprietária, seja porque desconhece se o recorrido pretende efectivamente tal reparação, e, em caso afirmativo, quando a irá realizar.

Assim, sem prejuízo de ser nosso entendimento que a obrigação da recorrente – seguradora se extingue com a entrega ao recorrido do valor necessário para a reparação do veículo, equivalendo esta entrega a uma reparação, por forma a esclarecer a condenação, decidimos alterar a redacção da condenação da sentença recorrida nesta parte, a qual, passa a ter a seguinte redacção:

“Condena-se, ainda, a ré C a pagar ao autor P a quantia que vier a liquidar-se em relação ao custo do parqueamento do veículo BX, desde o dia 18 de Dezembro de 2013 até à data em que a recorrente coloque à disposição do recorrido o valor do custo necessário à reparação do veículo BX, a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal e anual em vigor em cada momento, sendo actualmente de 4% (cfr. artigos 559º, nº1, 804º, 805º, nºs1 e 3, e 806º, nºs1 e 2, todos do Código Civil, e Portaria nº291/2003, de 08 de Abril), computados desde a data da citação da ré e até efectivo e integral pagamento, procedendo, nesta parte e nesta medida o recurso principal e improcedendo o recurso subordinado.

Síntese Conclusiva:

Num contrato de seguro de danos próprios – artigos 123.º e seguintes do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril –, tendo por objecto um veículo automóvel do segurado, a prestação devida pela seguradora, a este último, consiste na entrega duma quantia em dinheiro e não na reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o dano.

O segurado não tem direito a exigir da Ré um indemnização pela privação de uso do veículo sinistrado (n.º 3 do artigo 130.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro) se essa cobertura não foi contemplada pelas partes.

É susceptível de ofender o princípio geral do direito a ser indemnizado, considerar que, perante a recusa do lesante ou respectiva seguradora em satisfazer o pedido de indemnização, o lesado estaria obrigado a optar pela via judicial sob pena de não obter o total ressarcimento dos danos.

Sob pena de ofender aquele princípio geral de direito e ainda o disposto no artigo art.º 20º da C.R.P ( o direito de acção é um dos vários direitos que está compreendido no direito fundamental de acesso aos tribunais) não pode o tribunal, em abstracto fixar o período temporal tido por razoável para a propositura da acção para efeitos de redução do montante indemnizatório ao abrigo do disposto no artigo 570º, do Código Civil.

IV- DECISÃO:

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar o recurso de apelação principal parcialmente procedente, por provado, e, em julgar improcedente, por não provado, o recurso de apelação subordinado, e, assim, alterando a sentença recorrida :

- revogamos a sentença recorrida na parte em que condenou a Recorrente Seguradora a indemnizar o autor P pela privação do veículo BX no valor de € 7 008,00 e condenamos a ré C a pagar ao autor P a quantia total de € 6 781,00 ( seis mil, setecentos e oitenta um euros) , com IVA incluído, a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal e anual em vigor em cada momento, sendo actualmente de 4% (cfr. artigos 559º, nº1, 804º, 805º, nºs1 e 3, e 806º, nºs1 e 2, todos do Código Civil, e Portaria nº291/2003, de 08 de Abril), computados desde a data da citação da ré e até efectivo e integral pagamento e

-- condenamos, ainda, a ré C a pagar ao autor P a quantia que vier a liquidar-se em relação ao custo do parqueamento do veículo BX, desde o dia 18 de Dezembro de 2013 até à data até em que a recorrente coloque à disposição do recorrido o valor do custo necessário à reparação do veículo 51-BX-97, a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal e anual em vigor em cada momento, sendo actualmente de 4% (cfr. artigos 559º, nº1, 804º, 805º, nºs1 e 3, e 806º, nºs1 e 2, todos do Código Civil, e Portaria nº291/2003, de 08 de Abril), computados desde a data da citação da ré e até efectivo e integral pagamento.

As custas do recurso principal serão suportadas pelo autor- recorrido na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do direito a protecção jurídica de que aquele beneficia (cfr. fls.30-31).

As custas do recurso subordinado serão suportadas pelo autor- recorrido sem prejuízo do direito a protecção jurídica de que aquele beneficia (cfr. fls.30-31).

Registe e notifique.

Guimarães, 09-02-2017

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)

______________________________

(Francisca Micaela Fonseca da Mota Vieira)

_______________________________

(Fernando Fernandes Freitas)

_______________________________

(Lina Aurora R e Castro Bettencourt Baptista )