Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7834/17.5T8VNF-A.G1
Relator: ANIZABEL SOUSA PEREIRA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
REQUISITOS
INTERPELAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Num contrato de mútuo bancário quando se vem exigir a totalidade do capital em dívida e dos juros vencidos e não apenas prestações em dívida (estas sim diretamente resultantes das obrigações assumidas no contrato), o título, ou causa de pedir da ação executiva, compreende não só o contrato, onde porventura se clausulou a possibilidade do mutuante exigir a totalidade do capital mutuado, como os documentos comprovativos da verificação do evento de funcionamento dessa cláusula, ou da perda do benefício do prazo, ou de se ter operado a resolução do contrato.
II- A exigibilidade da obrigação exequenda, enquanto condição da ação executiva, deve estar demonstrada em momento prévio à sua instauração, nomeadamente através de prova complementar, a realizar pelo exequente, quanto à realização da interpelação extrajudicial do devedor.
III- Essa interpelação nos termos do art. 781º do CC pode ser feita extrajudicialmente ou pode ter lugar no próprio processo executivo, através da citação do executado para pagar no prazo legal.
IV- Se, ao invés, o credor opta pela forma sumária, a ausência de interpelação extrajudicial prévia à instauração da execução tem como consequência a extinção da ação, constituindo assim fundamento de oposição à execução e caso de procedência da mesma.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
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I - Relatório (que se transcreve):

R. M. e mulher, C. A., Executados nos autos principais de que os presentes constituem apenso, deduziram os presentes embargos de executado à execução intentada por X, S.A., Exequente com os sinais nos autos principais, pedindo, a final, que sejam julgadas procedentes as excepções invocadas e os Embargos de Executado julgados procedentes.

Alegam, para tanto:
[i] a ilegitimidade da Exequente (cessionária);
[ii] que celebraram um acordo de regularização de dívida com a cedente Caixa ..., que vinha sido cumprido, pelo que a obrigação exequenda não está vencida nem é exigível;
[iii] por força dos pagamentos que efectuaram à cedente o valor que se encontra em dívida referente ao contrato de mútuo que celebraram com a Caixa ... ascende apenas à quantia de €86.245,98;
[iv] que o contrato de mútuo celebrado com a Caixa ... não foi resolvido donde não pode exigir a totalidade das prestações;
[v] que a Exequente/ Embargada actua com abuso de direito;
[vi] que a Exequente/ Embargada litiga com má fé;
[vii] que não são devidos os juros peticionados, bem como o valor respeitante as despesas reclamadas no requerimento executivo.
Sustentam, pois, nestes factos o respectivo petitório.
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A Embargada/Exequente X, S.A. apresentou contestação, pugnando pela improcedência dos embargos deduzidos.
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Foi proferido despacho saneador no âmbito do qual se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade da Exequente/ Embargada.
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Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença nos termos da qual foi decidido julgar procedente a presente oposição à execução e determinou-se a extinção da execução e levantamento das penhoras.
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Inconformada com esta decisão, a exequente/embargada, dela interpôs recurso e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

I. O douto Tribunal a quo proferiu sentença que julgou os embargos de executado totalmente procedentes, determinando, em consequência, a extinção da execução de que estes autos constituem apenso;
II. O Julgador a quo julgou procedente os embargos, tendo em consideração a falta de resolução, contudo a mesma resulta das cláusulas do contrato, ou seja, do contrato resulta que a falta de cumprimento de alguma das obrigações assumidas determinariam a resolução do contrato, o que aconteceu.
III. Por outro lado, os embargantes não negam o incumprimento, nem as datas, sendo certo que assumem o incumprimento desde Abril de 2011, sendo que iniciaram pagamentos junto do banco, mas sem qualquer acordo escrito, uma vez que o contrato já se encontrava resolvido há muito.
IV. Conforme consta do número 1 do artigo 432º do Código Civil (C.C.) a resolução resulta directamente da lei ou por convenção e, pode operar por mera declaração da outra parte, o que in casu se aplica, uma vez que os embargantes concordaram que o incumprimento das obrigações determinaria a resolução do contrato.
V. Por outro lado ainda e, conforme resulta da sentença e todo o processado, os embargantes não cumpriram com o pagamento das prestações a que estavam obrigados, sabendo que com isso o contrato se resolveria e a totalidade da dívida seria peticionada, o que se verificou.
VI. Ainda nos termos do 781º C.C., a falta de realização do pagamento das prestações no tempo devido e estabelecido contratualmente, implica a resolução do contrato.
VII. Deste modo, os embargantes não poderiam desconhecer a resolução do contrato, sendo que estiveram desde Abril de 2011 a Outubro de 2015 sem pagar qualquer prestação, não se podendo assumir por isso, que o contrato estivesse a ser cumprido, que não estava, conforme resulta do alegado pelos embargantes.
VIII. De igual forma, a dívida é exigível, uma vez que é do conhecimento dos embargantes a resolução do contrato objecto de execução.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, OS QUAIS SERÃO DOUTAMENTE SUPRIDOS POR V. EX.AS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, REVOGANDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA E, EM CONSEQUÊNCIA, DETERMINANDO-SE A PROSSECUÇÃO DA INSTÂNCIA EXECUTIVA, ASSIM SENDO FEITA A ACOSTUMADA JUSTIÇA.
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Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela total improcedência do recurso.
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O recurso foi admitido, por despacho de 21-03/2022, como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:
1. se o título junto reúne os requisitos necessários para ser considerado título executivo, nomeadamente se se verifica o requisito da suficiência, da exequibilidade ou exigibilidade da obrigação.
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III. Fundamentação de facto.

Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes:

2.1. Factos Provados
1. A X, SA. instaurou, em 26 de Novembro de 2017, a execução para pagamento da quantia de 143 107,21 € (Cento e Quarenta e Três Mil Cento e Sete Euros e Vinte e Um Cêntimos), contra os ora Embargantes R. M. e esposa, C. A..
2. Como título executivo foi junta a escritura pública denominada «Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca» outorgada no dia 27 de Novembro de 2002, no Segundo Cartório Notarial de …, pela qual a Caixa ..., emprestou aos ora Embargantes R. M. e esposa, C. A., a quantia de 149.630,00 €, de que estes se confessaram devedores;
3. E se obrigaram a restituir no prazo de 30 anos a contar da data da escritura;
4. E a reembolsar em 370 prestações mensais de capital de juros, a primeira a vencer-se um mês após a escritura e as restantes em igual dia dos meses subsequentes, no valor de €756,38 cada, sem prejuízo das cláusulas relativas às alterações do contrato.
5. Na cláusula 11ª do documento complementar à escritura pública ficou a constar, sob a epígrafe «Direito de resolução» que:
“1. A CAIXA ... reserva-se o direito de resolver o contrato considerando o crédito imediatamente vencido se o imóvel hipotecado for alienado, arrendado ou de qualquer forma cedido ou onerado sem o seu consentimento escrito, se lhe for dado fim diverso do estipulado, e ainda, nos casos de falta de cumprimento pela PARTE DEVEDORA de qualquer das obrigações assumidas neste contrato.»
6. Da escritura pública referida em 2 resulta ainda que, para garantia das obrigações assumidas pelos ora Embargantes os mesmos constituíam a favor da mutuante Caixa ... hipotecas voluntárias sobre o prédio urbano sito em Rua …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número …, e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo ….
7. Por documento particular, autenticado, denominado «Contrato de Venda de Créditos», assinado em 30 de dezembro de 2016, a CAIXA ... vendeu à Y INVESTMENTS, S.A. uma carteira de créditos, entre os quais se inclui os créditos que detinha sobre os Executado referido em 2 e todas as garantias acessórias a ele(s) inerentes.
8. Na cláusula 7, desse contrato, a CAIXA ..., desde logo, autorizou a Y INVESTMENTS, S.A. a ceder a sua posição contratual à Cessionária Autorizada, a X SA (identificada na cláusula 1.1. al. c), mediante notificação à primeira da cessão da posição contratual – cfr. cláusula 7.2.
9. Por documento particular, autenticado, denominado «Notificação da Cessão da Posição Contratual», datado de 24 de fevereiro de 2017, outorgado pela CAIXA ..., pela Y INVESTMENTS, S.A. e pela a X SA, a Y INVESTMENTS, S.A. designou a X SA para passar a ser parte no contrato referido em 5, tendo esta declarado aceitar tal designação e ratificar a sua designação como Parte no contrato no lugar daquela; e tendo ainda a CAIXA ... declarado reconhecer e aceitar esse acordo.
10. Os Embargantes incumpriram o contrato de mútuo referido em 2. que haviam celebrado com a Caixa ..., nomeadamente durantes os meses de Abril de 2011 a Outubro de 2015.
11. De forma a regularizar a referida dívida, em Outubro de 2015, os Embargante propuseram à Caixa ... um acordo de regularização de divida, nos seguintes termos:
a) Entregar de imediato a quantia de €3.000,00;
b) Entregar mensalmente, a partir do mês de Dezembro de 2015, a quantia mensal de €1.000,00.
12. Em cumprimento da referida proposta os Embargantes efectuaram as seguintes transferências e entregas em numerário:
a. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2015-11-03;
b. Entrega em numerário no valor de €500,00, efectuada em 2015-11-03;
c. Transferência no valor de €1450,00, efectuada em 2015-11-04;
d. Entrega em numerário no valor de €500,00, efectuada em 2015-11-05;
e. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2015-11-26;
f. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2015-12-28;
g. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2016-01-27;
h. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2016-02-29;
i. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2016-03-29;
j. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2016-04-27;
k. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2016-05-27;
l. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2016-06-27;
m. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2016-07-27;
n. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2016-08-26;
o. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2016-09-27;
p. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2016-10-27;
q. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2016-11-28;
r. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2016-12-23;
s. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2017-01-27;
t. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2017-02-27;
u. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2017-03-27;
v. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2017-04-26;
w. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2017-05-26;
x. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2017-06-27;
y. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2017-07-27;
z. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2017-08-28;
aa. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2017-09-28;
bb. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2017-10-30;
cc. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2017-11-28;
dd. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2017-12-28;
ee. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2018-01-29;
ff. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2018-02-28;
gg. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2018-03-29;
hh. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2018-04-28;
ii. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2018-05-30;
jj. Transferência no valor de €1000,00, efectuada em 2018-07-03;

13. Até ao mês de janeiro de 2017 a Caixa ... debitou os valores mensais depositados na conta dos Embargantes correspondentes às prestações do crédito.
14. De acordo com o extracto integrado emitido pela Caixa ..., referente ao período de 1/1/2017 a 31/1/2017 o montante em divida ascendia a 103.245,98 euros;
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2.2. Factos não provados

Não se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa, designadamente:
- que a Caixa ... houvesse expressamente aceite a proposta de regularização de divida referida em 12.
- os Embargantes tivessem sido interpelados para o pagamento dos créditos reclamados na execução e que lhes tenha sido comunicado que o contrato dos autos ficava resolvido na sequência das referidas comunicações.
- em fevereiro de 2017, a Embargada tivesse notificado os Embargantes da cessão de créditos ocorrida, pelo que a partir daquela data nunca poderia a CAIXA ... continuar a aceitar quaisquer pagamentos dos Embargantes quanto ao crédito cedido;
- nas referidas comunicações, os Embargantes tivessem ainda informados todas as importâncias devidas a título de pagamento deverão ser efetuadas à X, S.A., tendo sido indicado o IBAN para o efeito.”
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IV. Do objecto do recurso.

Prima facie, importa, relembrar o seguinte:
De acordo com o art. 10º, nº 5, do NCPC, o título executivo constitui a base da execução e por ele se determina o fim e os limites da ação executiva.
Os documentos aos quais a lei reconhece eficácia executiva encontram-se taxativamente elencados no art. 703º do NCPC, do qual constam as espécies de títulos executivos que podem servir de base à execução, dispondo, na parte que ora interessa da escritura pública em si, que à execução podem servir de base os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação – b).
No caso dos autos, mostra-se dado à execução um contrato de mútuo com hipoteca formalizado por escritura pública, tratando-se, pois, como é indiscutido, de documento autêntico - artigo 363º, n.º 2, do Cód. Civil, integrando o mesmo a previsão do artigo 703º, n.º 1, alínea b), do CPC.
Desde já, cumpre conhecer da questão da exigibilidade das quantias reclamadas pelo exequente, sendo certo que é esse o ponto central da discordância da Recorrente em face da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância
Ora, nos termos dos artigos 713º a 716º do Cód. Proc. Civil, a lei assegura, a possibilidade de o exequente demonstrar e/ou conseguir, no início do processo, que a obrigação exequenda é – ou se torne - certa, líquida e exigível.
“A prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do art. 777-1 CC, de simples interpelação ao devedor” (Lebre de Freitas, “ A Ação Executiva”, 7ªed., p. 100).
“O conceito de exigibilidade não se confunde com o de vencimento nem com o de mora do devedor. A obrigação pura cujo devedor não tenha sido ainda interpelado não está vencida e, no entanto, é exigível (art. 777-1 CC)” – Lebre de Freitas, ob cit, pag.101).
Volvendo ao caso sub judicio.
Sustenta a apelante que, em face do nº 1 da cláusula 10ª do documento complementar à escritura e perante o facto de os devedores terem deixado de pagar as prestações acordadas desde Abril de 2011, nessa data se venceu a obrigação de pagamento de toda a dívida, nos termos do art. 781º e, assim, tratando-se de uma obrigação com prazo certo, não se mostrava necessária a interpelação (artigo 805º nº 2-a) do Cód. Civ.), o que implica a resolução, aliás conforme as cláusulas do contrato.
Mas sem razão.
Vejamos mais uma vez o que diz a cl. 10ª: sob a epígrafe «Direito de resolução» que: “1. A CAIXA ... reserva-se o direito de resolver o contrato considerando o crédito imediatamente vencido se o imóvel hipotecado for alienado, arrendado ou de qualquer forma cedido ou onerado sem o seu consentimento escrito, se lhe for dado fim diverso do estipulado, e ainda, nos casos de falta de cumprimento pela PARTE DEVEDORA de qualquer das obrigações assumidas neste contrato”.
Esta cláusula, na sua formulação, encerra em si, desde logo, uma contradição insanável, quando prevê a consideração do vencimento imediato do crédito que pressupõe a execução do contrato ou o seu cumprimento antecipado e quando prevê a resolução do contrato que pressupõe o incumprimento definitivo do contrato.
Dito de outro modo, perante um incumprimento, duas hipóteses se perfilam: ou a parte pretende ainda executar o contrato e pede o cumprimento e vencimento antecipado de todas as prestações ou pede a resolução do contrato.
Por conseguinte, em nosso ver, não colhe sentido, no caso dos autos, discutir-se a resolução do contrato e saber-se se esta teve lugar mediante comunicação ao executado/embargante ou, ainda, se no caso se impunha a realização da interpelação admonitória prevista no artigo 808º, n.º 1, do Cód. Civil para efeitos de conversão da mora em incumprimento definitivo, pois que, a cláusula acima referida não consagra uma hipótese de resolução do contrato e, portanto, a obrigação exequenda a cargo dos executados não decorre dessa resolução, mas antes do vencimento antecipado da totalidade das prestações que, no contexto do contrato de mútuo celebrado caberia aos executados satisfazer perante o banco/exequente no decurso do prazo contratado.
Recentrada, assim, a questão, nos termos que julgamos serem os corretos, ou seja, do vencimento antecipado/perda de benefício do prazo em favor dos devedores/executados, temos por evidente que de qualquer modo, não se prevê o vencimento automático, ou seja, independente de qualquer conduta do credor.
Destarte, não se concluindo pelo nº 1 da cláusula 10ª ou por qualquer outra cláusula do contrato ter por vencida a obrigação exequenda, será possível chegar a solução diversa através do artigo 781º do Cód. Civ., preceito, aliás, invocado pela exequente na conclusão VI?
Desde já, diremos perentoriamente que não.
Mais uma vez reforçamos: a exequente, além do mais, refere-se ao artigo 781º do CC como implicando a resolução do contrato quando, como impressivamente se refere no Ac do Tribunal da Relação do Porto de 21.06.2021, relator Jorge Seabra, disponível in www.dgsi.pt.: “Não se trata, portanto, neste âmbito, como já acima se referiu, de resolver o contrato e de lhe por termo, mas antes de o credor exigir antecipadamente do devedor o seu cumprimento integral, verificadas aquelas condições que importam a perda do benefício do prazo.”.
Diga-se ainda, que é pacífico na jurisprudência e na doutrina (com a voz discordante de Galvão Teles) que a prerrogativa concedida pelo artigo 781º do Cód. Civ. não opera automaticamente, correspondendo antes a uma faculdade concedida ao credor – cfr. Ac. STJ de 25.10.18 (http://www.dgsi.pt, Proc. nº 13426/07.0TBVNG-B.P1.S1), onde se cita numerosa doutrina e jurisprudência.

Perante a falta de pagamento de uma prestação, o credor pode seguir um de três caminhos (Ac. STJ de 12.7.18, in http://www.dgsi.pt, Proc. nº 10180/15.5T8CBRT-A.C1.S1):

- reclamar o pagamento das prestações vencidas e não pagas até ao termo do contrato;
- reclamar o pagamento das prestações vencidas e não pagas até ao momento em que provoca o vencimento antecipado das restantes prestações, reclamando, também, a totalidade da dívida de capital que, nessa altura, ainda subsista;
- resolver o contrato, reclamando uma indemnização pelo não cumprimento.

Tudo direitos alternativos que o credor escolherá o que melhor se adequa aos seus interesses. O exercício do direito traduz-se, in casu, na reclamação de cumprimento antecipado feita pelo credor ao devedor, isto é, na interpelação. E só nessa altura é possível ter-se por vencida a obrigação.
Decorre do exposto que a obrigação exequenda, embora não vencida, vence-se com a interpelação, pelo que é exigível.
Daí no Ac da RG de 14.03.2019 (relatora Eva Almeida) citado na sentença se ler “com o exposto queremos significar que a questão colocada pode não respeitar apenas à exigibilidade da obrigação mas à própria suficiência do título”.
É que “ num contrato deste tipo – mútuo bancário em que se acorda o pagamento dos juros e a restituição do capital de forma fraccionada, em prestações mensais – quando se vem exigir a totalidade do capital em dívida e dos juros vencidos e não apenas prestações em dívida (estas sim directamente resultantes das obrigações assumidas no contrato), o título, ou causa de pedir da acção executiva, compreende não só o contrato, onde porventura se clausulou a possibilidade do mutuante exigir a totalidade do capital mutuado, como os documentos comprovativos da verificação do evento de funcionamento dessa cláusula, ou da perda do benefício do prazo, ou de se ter operado a resolução do contrato”.

No caso vertente, é indubitável que não se provou que a credora (exequente) procedeu à mencionada interpelação dos devedores (embargantes), daí ressuma da sentença que “não logrou a Embargada demonstrar que houvesse (ela ou a cedente) interpelado os Embargantes para o pagamento da totalidade das prestações, muito menos que o contrato de mútuo houvesse sido resolvido e que essa resolução tivesse sido comunicada aos mutuários.… não tendo o contrato de mútuo em apreço nos presentes autos sido declarado resolvido - seja pela cedente seja pela cessionária - nem tendo sido demonstrada a interpelação dos mutuários para procederem ao pagamento da totalidade da dívida, conclui-se pela insuficiência do título executivo, mostrando-se, ademais inexigível a totalidade da dívida exequenda, o que determina a procedência dos Embargos de Executado.”
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Chegados aqui, poder-se-á sempre colocar a questão de indemonstrada a interpelação extrajudicial, a citação dos executados para a execução poderia valer como interpelação para pagamento da obrigação exequenda, de acordo com o nº 1 do artigo 805º do Cód. Civ?
Dispõe o artigo 550º nº 1 que o processo comum para pagamento de quantia certa é ordinário ou sumário.
E a alínea c) do subsequente nº 2 preceitua que se emprega o processo sumário nas execuções baseadas em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca ou penhor.
A exequente apesar de inicialmente ter instaurado a ação executiva sob a forma ordinária, veio logo pedir a correção da forma de processo para a forma sumária, o que foi deferido por despacho.
Uma vez que a exequente considerava já vencida – automaticamente - a dívida exequenda, a escolha da forma de processo sumário constituía corolário processual daquela posição. Não podia, por isso, falar-se em erro na forma de processo (artigo 193º do Cód. Proc. Civ.). Por outro lado, o agente de execução poderia/deveria ter suscitado a intervenção do juiz nos termos do disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 855º do Cód. Proc. Civ., por se lhe afigurar faltar o documento comprovativo da interpelação dos executados e/ou duvidar da aplicação da forma sumária. E, se assim o tivesse feito, impunha-se a prolação de despacho de aperfeiçoamento, em que o juiz convidaria a exequente a juntar o documento comprovativo da interpelação dos executados, sob pena de indeferimento (artigo 726º nº 4 e 5 do Cód. Proc. Civ.).
Diferentemente, porém, a execução avançou com a penhora de fração hipotecada e subsequente citação dos executados (artigos 855º nº 3 e 856º do mesmo diploma).
E só em sede de embargos de executado, a questão da falta de interpelação vem a ser suscitada.
A execução baseada em título extrajudicial de obrigação pecuniária, garantida por hipoteca, só segue a forma sumária se estiver vencida à data do requerimento inicial (artigo 550º nº 2-c) do Cód. Proc. Civ.); se o vencimento ainda não tiver ocorrido, a execução terá de assumir a forma ordinária - Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, p. 282.
Ora, como acima concluímos, a obrigação exequenda, ainda que exigível, não estava vencida na altura em que a execução foi instaurada.
Ainda que não tivessem sido deduzidos embargos de executado, poderia o juiz ter convidado a exequente a juntar o documento comprovativo da interpelação dos executados, nos termos do artigo 734º do Cód. Proc. Civ.. E, se a exequente o não fizesse, a execução extinguir-se-ia.
Porém, os embargantes opuseram-se à execução, acusando, nomeadamente, a ausência de interpelação prévia. Após a contestação, a embargada/exequente foi expressamente notificada comprovar ter efetuado a interpelação, o que, como resulta da matéria de facto não provada, não conseguiu.
Ora, a consequência deste insucesso probatório não pode deixar de coincidir com aquela que teria resultado de uma inicial intervenção do juiz suscitada pelo agente de execução ou de uma intervenção oficiosa mais tardia nos moldes que acima expusemos, a saber, a extinção da execução.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, a citação dos executados não poderia nunca, in casu, valer como interpelação.
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V- Decisão.

Por tudo o exposto, acordam os Juízes que constituem esta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela embargada/recorrente.
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Guimarães, 21 de abril de 2022

Assinado eletronicamente por:
Anizabel Sousa Pereira
Jorge dos Santos e
Margarida Pinto Gomes