Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1804/17.0T8BRG.G1
Relator: RAQUEL BAPTISTA TAVARES
Descritores: PRIVAÇÃO DE USO
EQUIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/26/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A privação do uso de um veículo, ainda que desacompanhada de um prejuízo patrimonial concreto, constitui um dano ressarcível, pelo que o facto de o veículo sinistrado ser usado pelo lesado no seu quotidiano profissional e na sua vida particular não pode deixar de determinar a atribuição de uma indemnização pelo dano da privação do uso no período em que perdurou a privação do uso da viatura, in casu, até à aquisição de uma nova viatura pelo lesado.
II- A determinação do valor dessa indemnização, que não implica um qualquer prejuízo patrimonial concreto, deve ser fixada com recurso a critérios de equidade, nos termos do artigo 566º n.º 3 do Código Civil.
III- Estando em causa um critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando atentem manifestamente contra as regras da boa prudência e do bom senso, e não se enquadrem dentro dos padrões definidos pela jurisprudência para casos idênticos.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

HOTEL X, LDA, sociedade comercial com sede na rua de …, Gerês e C. A., residente na rua de …, Gerês, freguesia de …, concelho de Terras de Bouro, intentaram a presente ação declarativa, sob a forma comum, contra Y – COMPANHIA DE SEGUROS, SA, com sede na avenida …, Lisboa, e SEGURADORAS ..., SA, com sede na avenida …, Lisboa (anteriormente designada por Companhia de Seguros T,., SA), pedindo:
a) A condenação solidária das Rés a pagar à Autora HOTEL X, LDA a quantia de €8.100,00 (oito mil e cem euros) a título de indemnização pela perda da viatura, acrescidos de juros contados da citação;
b) A condenação solidária das Rés a pagar à Autora HOTEL X, LDA a quantia de €25,00 (vinte e cinco euros), por dia, a título de compensação pelo dano de privação de uso da viatura JV, desde a data do sinistro até ao integral pagamento da indemnização devida pelo dano da perda viatura, que se computa na data de 03/04/2017 na quantia de €4.725,00 (quatro mil setecentos e vinte e cinco euros);
c) A condenação solidária das Rés a pagar ao Autor C. A. a quantia de €42.689,88 (quarenta e dois mil seiscentos e oitenta e nove euros e oitenta e oito cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora contados desde a citação;
d) A condenação solidária as Rés a pagar ao Autor C. A. a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora contados desde a citação;
e) A condenação solidária das Rés a pagar ao Autor C. A. o valor que vier a ser fixado posteriormente em execução de sentença, por agravamento do seu quadro clínico.

Alegam, para tanto e em síntese que no dia 27/09/2016, cerca das 13h05m, o 2.º Autor conduzia o veículo ligeiro de mercadorias matrícula JV, pertencente à primeira, na EN 103, no sentido Póvoa de Lanhoso-Braga quando, próximo do km 50.400, o reboque matrícula ......, acoplado ao veículo trator ligeiro de mercadorias matrícula TG, que circulava em sentido oposto, se desprendeu deste, ocupou a via por onde o JV transitava e nele embateu.
Que devido ao impacto, o JV foi projetado contra o muro de uma residência, sofrendo danos, cuja estimativa de reparação ascende a €15.716,90, sendo o seu valor de mercado correspondente a €8.100,00, encontrando-se o veículo imobilizado e impedido de circular desde então, sendo que ambas as Rés, a primeira enquanto seguradora do veículo trator e a segunda do reboque, declinaram a responsabilidade, não tendo disponibilizado veículo de substituição
Mais alegam que a 1.ª Autora é uma sociedade que explora uma unidade hoteleira, utilizando o veículo JV diariamente para transporte de mercadorias, deslocações a fornecedores e transporte de pessoal e, por via da imobilização, teve de recorrer a outras viaturas cedidas pelos sócios.
Que em consequência do acidente, o 2.º Autor foi assistido no local e transportado para o Hospital de Braga, tendo sofrido diversos danos.
Regularmente citada, a Ré Y – Companhia de Seguros SA apresentou contestação na qual alegou, em síntese, que o seguro consigo celebrado não cobre o sinistro, uma vez que consta da apólice que o veículo seguro não faz serviço de reboque e que a seguradora desconhecia que o veículo seguro fazia esse tipo de serviço; todavia, subsidiariamente, não procedendo a exclusão, sustentou que as Rés devem ser condenadas solidariamente no pagamento dos danos. Quanto aos danos da 1.ª Autora, admitiu o valor da reparação e do JV, mas acrescentou que o salvado valia €1.500,00 e que ficou na posse da 1.ª Autora, sendo possível com esses valores adquirir veículo com características semelhantes, com caixa térmica. Já a respeito da indemnização pela privação do uso, invocou que a 1.ª Autora não especificou os prejuízos que teve com a paralisação. No que se refere aos danos do 2.º Autor, impugnou, por desconhecimento, a matéria alegada a esse respeito, bem como considerou excessivas as verbas por ele peticionadas.
Suscitou ainda o incidente de intervenção acessória da sua segurada, por entender que, na eventualidade de vir a ser responsabilizada, tem direito de regresso sobre a tomadora, pois o desengate deveu-se a deficiente e artesanal instalação do gancho do reboque, sem obedecer às normas regulamentares, não se encontrando homologado tecnicamente, e por não apresentar cabo de ligação no exterior.
A 2.ª Ré SEGURADORAS ..., SA, apresentou também contestação na qual, em síntese, admitiu que a responsabilidade pela produção do sinistro se deveu ao veículo articulado composto pelo trator TG e pelo reboque; aceitou o valor do JV; defendeu que a Autora não sofreu qualquer prejuízo com a paralisação, por ter podido satisfazer as necessidades de deslocação e transporte por vias alternativas; impugnou a restante matéria de facto alegada na petição inicial, mormente a relativa às sequelas do acidente para o 2.º Autor; e, a final, sustentou que, a haver condenação, a proporção da sua responsabilidade não deverá ser superior a 20%.
Os Autores apresentaram o articulado de resposta onde sustentaram que a exclusão de falta de declaração por parte da segurada de que fazia serviço de reboque não é oponível aos lesados e que a privação da viatura JV, sua propriedade, foi causa de prejuízos, já que que lhe era dada intensa utilização na atividade da empresa.
Deferido o incidente de intervenção, a sociedade W – Atrações de Feira, Lda, com sede na rua …, e L. C., residente na …, apresentaram contestação conjunta onde, em síntese aceitaram a versão do acidente e defenderam que, sendo desconhecidas as causas que levaram ao desencaixe do reboque, o acidente não deve ser imputado a título de culpa, antes se devendo ao risco próprio do veículo.
Alegaram que em 2016 a Interveniente W – Atrações de Feira, Lda mantinha um seguro de transporte de mercadorias referente ao TG na K e, na mesma apólice, garantia qualquer carga transportada em reboque quando atrelado àquele, contrato esse mediado por S., Mediação de Seguros, SA e que foi entregue a essa mediadora cópia do certificado de matrícula onde consta que o TG pode efetuar reboque até um peso bruto de 3.500 kg, com travão, sabendo o funcionário respetivo que todos os seus veículos da Interveniente fazem ou podem fazer seguro de reboque.
Mais alegam que a estrutura do reboque encontra-se colocada desde que o TG foi adquirido em 2002, não sendo possível removê-la, pelo que os técnicos das sucessivas inspeções não podiam deixar de se aperceber da sua existência e anotar a sua existência anómala, no caso de ser ilegal ou tecnicamente imprópria, encontrando-se o engate devidamente montado; que quando se deu o acidente, o reboque tinha todos os órgãos de segurança totalmente funcionais, incluindo a instalação eléctrica e que o reboque tem um travão de mão, o qual está ligado a uma espia de aço, encontrando-se esta, por sua vez, ligada ao encaixe do reboque, sendo essa estrutura que serve de segurança, já que, se o reboque se desengatar, a espia é posta em tensão e aciona imediatamente o travão de mão para tentar imobilizar o reboque.
Os Intervenientes, por sua vez, pediram a intervenção provocada acessória da mediadora S., Mediação de Seguros, SA, por ter sido a sua prestação que originou a falta de inclusão da menção «faz serviço de reboque» no contrato de seguro celebrado com a 1.ª Ré.
Deferido o incidente, a Interveniente S., Mediação de Seguros, SA, com sede na praça …, n.º …, Braga, apresentou contestação, na qual contrapôs, em síntese, que não teve intervenção relativamente à instalação do gancho do reboque nem teve conhecimento se obedecia ou não às normas regulamentares, homologação técnica ou se o engate do atrelado ao veículo trator padecia de falta de instalação elétrica ou se era deficiente e irregular.
Confirmou que intermediou o contrato de seguro celebrado com a 1.ª Ré e que este o foi de acordo com as instruções da Interveniente W – Atrações de Feira, Lda, tendo sido enviado a esta o contrato, a ata da apólice e demais cláusula.
Concluiu que, havendo dois seguros, um relativo à caminheta e outro sobre o reboque, haverá uma cobertura do risco igual à soma dos dois seguros, sendo solidária a responsabilidade.
Foi dispensada a realização de audiência prévia, proferido o despacho saneador e proferido despacho a fixar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.
O 2.º Autor C. A. reduziu o pedido formulado a título de danos patrimoniais para a quantia de €15.000,00, o que foi admitido pelo despacho de fls. 255.
A 1.ª Autora HOTEL X, Lda, ampliou o pedido formulado quanto a despesas de parqueamento, o que foi indeferido pelo despacho de fls. 256.

Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:
“VI. Dispositivo:
Em face de todo o exposto, julgo a ação parcialmente procedente e em consequência:
1. Condeno solidariamente as Rés Y, SA, e SEGURADORAS ..., SA, a pagar à Autora HOTEL X, L.DA:
i) A título de indemnização pela perda total do veículo, a quantia de €6.600,00 (seis mil e seiscentos euros), sobre a qual incidem juros desde a citação até integral pagamento;
ii) A título de indemnização pela privação do uso do veículo, a quantia diária de € 20,00 (vinte euros) desde 27.09.2016 até integral pagamento da compensação referida em i);
2. Condeno solidariamente as Rés Y, SA, e SEGURADORAS ..., SA, a pagar ao 2.º Autor C. A.:
iii) A título de indemnização pelos danos patrimoniais (pelas despesas médicas e com tratamentos), a quantia de € 2.689,98 (dois mil seiscentos e oitenta e nove euros e noventa e oito cêntimos), sobre a qual vencem juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento;
iv) A título de indemnização pelos danos não patrimoniais, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), sobre a qual vencem juros desde a presente data até integral pagamento;
v) A título de indemnização pela perda de capacidade de ganho e dano biológico a quantia de €9.000,00 (nove mil euros), sobre a qual vencem juros desde a presente data até integral pagamento;
3. Absolvo as Rés Y, SA, e SEGURADORAS ..., SA, do demais peticionado.
As custas da presente ação são da responsabilidade dos Autores e das Rés, na proporção do respetivo decaimento.
Valor da ação: o fixado a fls. 178/verso.
Registe e notifique.”

Inconformada, apelou a Autora HOTEL X, Lda da sentença concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“II – CONCLUSÕES
a) A indemnização pela privação de uso de uma viatura é uma matéria que hoje quase de forma unanime tem sido decidido na jurisprudência como um dano indemnizável, sem necessidade do proprietário/lesado demostrar um prejuízo específico e autónomo.
b) Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (princípio da reconstituição natural), sendo que o dever de indemnizar compreende os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (arts. 562º e 564º, do CC).
c) E no caso dos autos, ficou demonstrado que o lesado deixou de auferir benefícios na forma de lucros cessantes no valor médio mensal de 2.000,00€.
d) A indemnização de privação de uso deve compreender todos os danos sofridos pela compressão do direito de propriedade do lesado que se vê privado de poder usar e fruir do seu veículo, mas também compreende uma reparação por benefícios que este deixou de auferir.
e) E no juízo de equidade realizado para determinar o valor adequado de compensação diária pela privação de uso, não pode o tribunal deixar de tomar em conta que tendo sido provado que o lesado deixou de auferir a título de lucros futuros uma quantia mensal média de 2.000,00€, ou seja cercade67€/dia, e que o valor médio de aluguer uma viatura semelhante seria de 37€/dia, o valor reclamado pela Autora de 25€/dia, representa uma justa e equitativa compensação pelos referidos danos.
f) Tendo sido demonstrados e concretizados os efetivos prejuízos que sofreu, nomeadamente a perda do contrato de fornecimento de refeições com o Município das …, que originava um rendimento médio mensal de 2.000€, forçosamente o valor diário atribuído a título de compensação teria de ser superior.
g) Mostra-se assim como razoável e equitativo a atribuição de um valor diário de 25€ ponderados todos os factos provados.
h) A conduta as Rés não pode deixar de merecer grave censura, pois estas atuaram com total desprezo pelo património da A., bem sabendo que a lei lhes impunha conduta diferente.
i) As Rés era sabedoras que os factos que alegaram para não assumirem as suas responsabilidades enquanto seguradoras titulares dos contratos celebrados pelos veículos que causaram o sinistro e os respetivos danos, não eram oponíveis aos terceiros lesados.
j) Ora, se as Rés tivessem alugado e colocado a disposição da Autora uma viatura de características semelhantes á sua, isso teria para eles um custo superiora 50€, pois o veículo sinistrado tinha caixa térmica, o que agrava significativamente o seu valor de locação.
k) Assim a atribuição de um valor de apenas 20€/dia a título de indemnização pela privação de uso, representa um bom negócio para as Rés, que caso tivessem cumprido a sua obrigação de disponibilizar uma viatura de substituição teriam um encargo de valor muito superior.
l) O valor atribuído á Autora na sentença de que agora se recorre, de apenas 20,00€ diários, mostra-se assim insuficiente para ressarcir de forma justa e equitativa os danos que esta sofreu, devendo assim esta parte da decisão proferida ser revogada, atribuindo o valor reclamado na petição de 25,00€ diários, desde a data do acidente em 27.09.2016 ate efectivo e integral pagamento da compensação devida pela perda total do veiculo.
m) A sentença de que se recorre violou, nomeadamente, o disposto nos Art. 483º, 562º, 564º, 566º/3 e 1305º todos do CC”.
Pugna a Autora pela integral procedência do recurso e consequentemente pela condenação das Rés no pagamento a título do dano de privação de uso na quantia diária de €25,00€ desde 27/09/2016 até integral pagamento da compensação devida pela perda total do veículo.

A Ré Y – Companhia de Seguros, SA veio também interpor recurso apresentando as seguintes conclusões:
“CONCLUSÕES
a) O tribunal a quo condenou solidariamente as rés a pagar à autora "HOTEL X, Lda.", a quantia de 6.600,00 €, correspondente ao valor patrimonial do JV, deduzido do valor do salvado, que ficou na posse da autora (8.100 - 1.500 = 6.600), uma vez que se tratou de uma "perda total", conforme alegado e aceite por aquela, e ainda, a título de indemnização pela privação do uso do veículo, a quantia diária de 20,00 €, desde 27/09/2016, data do acidente, até integral pagamento da referida compensação de 6.600,00 € e que, na data de prolação da sentença, 22/05/2020, perfazia o montante de 26.680,00 €.
b) In casu, não resultou demonstrado qualquer prejuízo efetivo que justificasse o ressarcimento do dano da privação do uso, bem como - a entender-se ser devido - com a avultada e desproporcional indemnização arbitrada pelo tribunal a quo.
c) A indemnização pelo prejuízo da privação do uso do veículo depende da prova de prejuízos efetivos ocorridos durante o período em que o mesmo esteve indisponível, sobretudo quando esses prejuízos são facilmente quantificáveis por se estar perante um uso comercial da viatura.
d) A autora, sendo uma sociedade comercial, não peticionou lucros cessantes nem alegou ou especificou, em concreto, qualquer prejuízo que tenha tido com a paralisação, abordando apenas a questão de ter tido que se socorrer de veículos dos sócios.
e) O requerimento que a autora apresentou em 10/01/2020, em que juntou alguns documentos através dos quais pretendia demonstrar prejuízos efetivos com a privação do uso do veículo, não teve o condão de alterar a factualidade alegada na petição inicial e a forma como se apresentou a peticionar a indemnização pelo dano em causa.
f) A privação do uso de veículo não constitui, em si mesmo, um dano mas um facto suscetível de determinar a produção de danos. Esses danos são condição necessária à obtenção de qualquer indemnização. Os danos decorrentes da privação de uso de veículo automóvel podem revestir natureza patrimonial, na modalidade de danos emergentes ou lucros cessantes, ou natureza não patrimonial. Estando-se perante uma sociedade comercial, há que atentar apenas nos danos patrimoniais.
g) A obrigação de indemnização visa reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento causador do prejuízo. E, para além de depender da existência de danos, pressupõe também a verificação do nexo de causalidade entre eles e o facto ilícito lato sensu. A autora não alegou qualquer prejuízo específico em resultado da impossibilidade de circulação do automóvel e, consequentemente, nenhum dano efetivo resultou provado.
h) Mesmo aceitando que, por um lado, o proprietário deve gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem (artigo 1305.º do Código Civil), e, por outro, reconhecendo que o agente que, ilicitamente, com dolo ou mera culpa, ou mesmo no âmbito do risco (como no caso sub judice), tem o dever de indemnizá-lo dos danos que lhe causar (artigos 483.º e 499.º a 510.º do C. Civil), não se esquece que a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil também depende da existência de danos e pressupõe a verificação do nexo de causalidade entre eles e o facto ilícito lato sensu (artigos 563º do Código Civil).
i) A regra de cálculo da indemnização em dinheiro, alicerçada no princípio da diferença patrimonial, não dispensa o apuramento de danos, de um concreto prejuízo na esfera patrimonial da pessoa afetada.
j) Apesar de se poderem aplicar juízos de equidade, estes não suprem a inexistência de factos reveladores do dano ou prejuízo reparável derivado de facto ilícito lato sensu, porque o referido suprimento só ocorre em relação ao cálculo do respetivo valor em dinheiro, mas não dispensa a necessidade da existência de danos concretos.
k) O lesado deve demonstrar a existência de um saldo negativo determinado através da comparação entre a situação emergente da privação do uso e aquela em que estaria se a mesma não tivesse ocorrido, relevando quer os lucros cessantes, quer os danos emergentes, o que a autora não logrou fazer, pelo que a ré deverá sair absolvida no que a este dano em concreto diz respeito.

Todavia, sem prescindir,
l) Caso o tribunal ad quem perfilhe o entendimento de que a mera indisponibilidade da viatura é suscetível de ser ressarcida, a recorrente não se pode conformar com o valor tão elevado de indemnização encontrado pelo tribunal a quo, que coloca a autora em condições de adquirir quatro viaturas idênticas à que interveio no sinistro.
m) O objetivo da indemnização é tornar indemne o lesado e não enriquecê-lo à custa do património do devedor. O juízo de equidade proferido pelo tribunal de primeira instância, não se revela equilibrado, justo e razoável, obrigando o devedor a suportar uma indemnização que necessariamente constitui uma excessiva onerosidade para si, em flagrante violação dos arts. 562.º e 564.º do C. Civil.
n) Atente-se que a autora não vai utilizar esta quantia para reparar o veículo. A única forma de fazer cessar a situação de privação do uso será utilizar os 6.600,00 €, e o valor do salvado, na compra de veículo idêntico.
o) De acordo com a al. cc) dos factos provados, o JV era utilizado pela autora na sua atividade, nomeadamente no transporte de mercadorias, deslocações a fornecedores, transportes a pessoal e outras necessárias ao acompanhamento da empresa. Ora, de acordo com as regras da experiência da vida, não é crível que a autora, passados quase quatro anos sobre a data do acidente, vá, só agora, aplicar o dinheiro na aquisição de outro veículo que satisfaça as suas necessidades de exercício de atividade comercial lucrativa.
p) Em quase quatro anos, a autora, enquanto sociedade comercial, teve que arranjar uma alternativa sólida e definitiva relativamente ao facto de ter deixado de dispor do veículo acidentado. E, se não a arranjou, é porque não precisava do veículo.
q) Como se refere na douta sentença recorrida, "(...) a Ré Y, SA, comunicou a 03.04.2017 a sua recusa na assunção da responsabilidade (cfr. fls. 70/verso), tendo a ação sido proposta em 05.04.2017, ou seja, escassos dois dias após". Na carta de 03.04.2017 (doc. 3 da contestação), a recorrente fundamenta a recusa no facto de, aquando da celebração do contrato de seguro, inexistir subscrição ou indicação de que o veículo seguro fazia serviço de reboque, o que teve as suas repercussões na ata da apólice - cfr. al. n) dos factos provados. Apesar desta exclusão não ter produzido efeitos na decisão final do processo, não deixa de ser uma razão válida apresentada pela recorrente no momento em que se viu confrontada com a necessidade de regularização do sinistro.
r) Por outro lado, na carta da mesma data de 03.04.207, mas junta sob o n.º 2 com a contestação, a ré comunicou à autora que "Face ao exposto e uma vez que não existe seguro contratado nesta Seguradora, que cubra a responsabilidade emergente da circulação do atrelado, declinamos toda e qualquer responsabilidade pela produção do evento por parte do condutor da viatura que garantimos, não se responsabilizando esta Seguradora por quaisquer despesas relacionadas com reboques, recolhas, privação do uso".
s) Tudo isto serve para dizer que a posição de recusa de assunção da responsabilidade na produção do evento lesivo não foi tomada de ânimo leve e encontra-se devidamente fundamentada.
t) Evidentemente que o facto da ré não se ter responsabilizado perante a autora, a partir daquela carta datada de 03.04.2017, por determinados danos, nomeadamente, o da privação do uso, não descarta a sua responsabilidade, enquanto seguradora para a qual foi transferida a responsabilidade do lesante, pelo ressarcimento desse dano.
u) No entanto, caso a autora, sociedade comercial, necessitasse verdadeiramente, para satisfazer o seu objeto social, neste período de quase quatro anos desde a data do acidente, de um veículo idêntico ao sinistrado, competir-lhe-ia, face à recusa da ré, suprir tempestivamente essa necessidade, providenciando, assim, pela defesa dos seus interesses comerciais.
v) A autora deveria, em caso de necessidade, ter intervindo para conter a evolução danosa, pautando a sua atuação por sensatez, razoabilidade e boa fé.
x) Ao não providenciar pela substituição do veículo, a autora contribuiu para o agravamento dos danos, fundamentando, nos termos do art. 570.º, n.º 1 do C. Civil, a redução da quantia indemnizatória que, por força da paralisação da viatura, lhe deve ser atribuída.
w) O montante indemnizatório pela privação do uso do veículo deve ser reduzido quando haja concurso do lesado para o agravamento desse dano, mediante o protelamento da manutenção da situação, muito para além do razoável, por inércia ou outra causa não justificada.
y) O dano da privação do uso é um dano evolutivo (aumenta até à entrega do veículo reparado ou de substituição) não legitimando, no entanto, a total inércia e passividade do lesado perante a recusa, pelo responsável, de reparação.
z) Na fundamentação da resposta à matéria de facto, o tribunal a quo menciona que também com relação a esta realidade, as testemunhas em questão conseguiram minuciar a forma como era feita essa distribuição de refeições e a sua importância para o hotel, de modo que se ajuizou sincero e revelando conhecimento direto, e de maneira consonante com a cópia do contrato celebrado entre a 1.ª Autora e o Município de …, que consta de fls. 237 a 238/verso, e com as faturas de fls. 239 a 241.
aa) Trata, portanto, este segmento da sentença, da utilização do veículo na distribuição de refeições para a Escola Primária do … e respetivo ATL - cfr. teor das faturas de fls. 239 a 241. Repare-se, no entanto, na situação real subjacente às deslocações para cumprimento desse contrato. A sede da autora situa-se na Rua de …. Efetuando-se uma pequena pesquisa na internet, através do Google Maps, constata-se que a Escola Primária do … fica na Avenida … e que dista, da sede da autora, 950 m! Digamos que, para entregar refeições a esta distância, não seria, na prática, necessário um veículo com caixa térmica para salvaguardar a qualidade e temperatura dos alimentos confecionados.
bb) Na perspetiva da recorrente, in casu, o ressarcimento da privação do uso, desgarrado de qualquer prejuízo efetivo, não deveria ultrapassar a quantia de 5.000,00 €.
cc) No entanto, o prejuízo da privação do uso do veículo há de ser fixado pelo Tribunal ad quem, num valor encontrado através de um juízo de equidade, atentas as regras da boa fé e que, necessariamente, será muito inferior àquele em que a ré foi condenada.
Quanto ao dano não patrimonial do autor C. A.
dd) A condenação no pagamento da quantia 10.000,00 € a título de danos não patrimoniais encontra-se manifestamente exagerada em face dos factos provados, do resultado da perícia médico-legal e dos critérios utilizados pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, jurisprudência essa que deve ser seguida com o objetivo de não haver um afastamento do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais.
ee) A indemnização por danos não patrimoniais tem por finalidade proporcionar um certo desafogo económico que de algum modo mitigue as dores, desilusões, desgostos e outros sofrimentos suportados e a suportar, proporcionando uma melhor qualidade de vida, fazendo eclodir um certo otimismo que permita encarar a vida de uma forma mais positiva. Isto é, esta indemnização destina-se a proporcionar, na medida do possível, ao autor, uma compensação económica que lhe permita satisfazer com mais facilidade as suas necessidades primárias que possam constituir um alívio e um consolo para o mal sofrido.
ff) Propugna-se que a indemnização por danos não patrimoniais do autor se fixe, tomando em consideração os valores praticados na atualidade, num valor não superior a 7.000,00 €.
gg) A sentença de que se recorre violou, nomeadamente, o disposto nos arts. 494.º, 562.º, 564.º, 566.º, n.º 3 e 570.º, n.º 1 do CC”.
Pugna a Ré Y – Companhia de Seguros, SA pela integral procedência do recurso e, em consequência, pela absolvição da Ré da condenação no pagamento do dano da privação do uso, ou, caso assim não se entenda, pela redução da indemnização em que foi condenada a esse título, para um montante não superior a €5.000,00 € e pela redução da condenação na indemnização pelo dano não patrimonial do Autor C. A., para um montante não superior a €7.000,00.

A Ré SEGURADORAS ..., SA veio também interpor recurso apresentando as seguintes conclusões:
“CONCLUSÕES
1- A indemnização arbitrada à Autora a título de privação do uso revela-se manifestamente exagerada e desadequada à prova produzida e aos reais e efectivos danos sofridos pela Autora na sequência do sinistro.
2- Por outro lado, considerando que a Autora sempre aceitou que o seu veículo tivesse ficado em situação de perda total, e atento o valor comercial do mesmo - € 8.100,00 –, a indemnização de € 20,00 por dia, desde o dia do sinistro, até que se mostre paga a quantia de € 6.600,00, é desproporcional e reveste carácter punitivo para as Rés, ao invés de carácter compensatório para a Autora.
3- Resultou demonstrado que o veículo em causa era utilizado na prossecução da actividade da Autora.
4- Resultou ainda demonstrado que, na sequência da imobilização forçada do veículo da Autora, viu-se esta obrigada a recorrer a veículos cedidos pelos seus sócios.
5- Quanto a reais, efectivos e concretos prejuízos ou danos decorrentes da privação do uso, nada ficou demonstrado.
6- Na qualidade de sociedade comercial, obrigada à produção e manutenção e guarda de documentação contabilística, era exigível à Autora que, alegando prejuízos decorrentes da privação do uso, os tivesse efectivamente demonstrado, nomeadamente através da exibição de documentação demonstrativa da quebra de rendimentos, o que não aconteceu.
7- Não o tendo feito, não é razoável ficcionar-se ter a Autora sofrido um prejuízo diário consequente à privação do uso do veículo, até porque foi alegado e resultou provado que a Autora recorreu a veículos dos seus sócios para satisfazer as suas necessidades de locomoção.
8- Daí que a indemnização arbitrada a título de privação do uso deve ser excluída, por falta de prova, revogando-se a Sentença, nessa parte.
9- Assim não se entendendo, deverá a referida indemnização ser alterada para a quantia de € 3.300,00, valor que, perante a inexistência da prova de danos, se revela mais ajustado e proporcional.
10- A indemnização arbitrada ao Autor C. A., pelo dano não patrimonial sofrido decorrente das lesões resultantes do sinistro é, também ela, desadequada e desproporcional.
11- Considerando as lesões sofridas, período de convalescença e sequelas de que o Autor ficou a padecer, tal quantum indemnizatório deverá ser reduzido para € 7.000,00.
12- De toda a prova produzida, pôde alcançar-se o motivo pelo qual os dois veículos que compunham o conjunto responsável pelo sinistro se separaram.
13- Na verdade, considerando as declarações de parte prestadas pelo L. C. e o teor e fotografias anexas ao relatório junto aos autos a fls. 272 a 299, é inequívoco que o que esteve na origem da separação dos referidos veículos foi o facto de a estrutura que os ligava – a bola de reboque, que se encontrava acoplada ao veículo tractor – ter cedido.
14- Assim, não foi o reboque que se desengatou do veículo tractor, mas sim a peça que os unia que cedeu, quebrando, originando que o reboque seguisse desgovernado, até encontrar o veículo da Autora.
15- Tal facto, por se revelar de grande importância para um eventual regresso entre as Rés, solidariamente responsáveis, deverá ficar vertido, de forma cabal e esclarecedora, na matéria de facto provada.
16- Assim, a redacção do facto provado f) deve ser alterada para “f- Na zona próxima do km 50.400 da EN 103, a peça metálica do TG onde estava engatado o reboque ...... soltou-se, provocando a separação dos dois veículos”.
17- Da mesma forma, a redacção do facto provado y) deve ser alterada para “São desconhecidos os motivos que levaram ao desprendimento da peça metálica onde do TG se encontrava engatado da restante estrutura metálica acoplada ao TG”.
18- A Sentença fez uma incorrecta apreciação da prova produzida, assim como uma imperfeita aplicação da lei, nomeadamente dos artigos 342º, 483º, 562º, 563º, 566º, 567º do Código Civil”.
Pugna a Ré SEGURADORAS ..., SA pela integral procedência do recurso e, em consequência, pela revogação da sentença recorrida e sua substituição por outra nos termos das conclusões que apresentou.
O Autor C. A. e a Ré Y – Companhia de Seguros SA apresentaram contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos Recorrentes, são as seguintes:

A) Do recurso interposto pela Autora HOTEL X Lda
1 – Saber se deve ser alterado o montante indemnizatório fixado em 1ª Instância a título de dano da privação do uso;

B) Do recurso interposto pela Ré Y – Companhia de Seguros SA
1 – Saber se deve ser alterado o montante indemnizatório fixado em 1ª Instância a título de dano da privação do uso e de danos não patrimoniais;

C) Do recurso interposto pela Ré SEGURADORAS ... SA
1 – Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto provada;
2 – Saber se deve ser alterado o montante indemnizatório fixado em 1ª Instância a título de dano da privação do uso e de danos não patrimoniais.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
Factos considerados provados em Primeira Instância:

1) Factos considerados assentes no despacho saneador:
a- No dia 27.09.2016, pelas 13h05m, o 2.º Autor conduzia o veículo ligeiro de mercadorias, marca Citroen Berlingo, matrícula JV (doravante JV) na Estrada Nacional (EN) 103, na freguesia de …, do concelho de Póvoa de Lanhoso, no sentido Póvoa de Lanhoso – Braga.
b- O JV pertence à Autora.
c- No momento identificado em a-, no sentido Braga – Póvoa de Lanhoso, circulava o conjunto veículo trator, ligeiro de mercadorias, marca Mitsubishi Canter, matrícula TG (doravante TG), e veículo reboque marca Safeco, matrícula .......
d- Os veículos identificados em c- pertenciam à sociedade comercial W, L.DA.
e- No momento identificado em a-, o TG era conduzido pelo Interveniente L. C..
f- Na zona próxima do km 50.400 da EN 103, o reboque ...... desprendeu-se do TG.
g- O reboque ...... ocupou a via destinada ao sentido Póvoa de Lanhoso – Braga, onde embateu no JV.
h- O condutor do JV foi surpreendido com a presença do reboque na hemifaixa destinada à sua circulação e não conseguiu evitar o embate.
i- Devido ao impacto, o JV foi projetado contra o muro de uma residência particular.
j- No local referido em f-, a via tem dois sentidos de trânsito.
k- Nesse local, ambas as hemifaixas estão divididas por dupla linha longitudinal contínua.
l- O piso da EN é em asfalto e, na ocasião, apresentava-se seco e em bom estado de conservação.
m- Por acordo de seguro titulado pela apólice nº ………04 a sociedade W, L.DA, transferiu para a Ré Y, SA, a responsabilidade pelos danos causados a terceiro pelo veículo ligeiro de mercadorias, marca Mitsubishi Canter, matrícula TG.
n- Das condições particulares da apólice identificada em m- ficou a constar «o veículo seguro não faz serviço de reboque».
o- Por acordo de seguro titulado pela apólice nº 003707132 a sociedade W, L.DA, transferiu para a Ré SEGURADORAS ..., SA, a responsabilidade pelos danos causados a terceiro pelo veículo reboque marca Safeco, matrícula .......
p- A Interveniente W, L.DA, é uma empresa que se dedica ao negócio de diversões públicas, explorando uma pista de carrinhos de choque que vai montando nos mais diversos locais em que ocorrem festividades.
q- A venda de bilhetes para acesso ao entretenimento processa-se numa cabina ou rulote que é transportada a reboque do TG.
r- A Autora tem por objeto a exploração da indústria hoteleira e similares.
s- O JV estava equipado de caixa com revestimento térmico tendo como data de matrícula 26.10.2010.
t- Os danos que o JV apresentava implicavam uma reparação cujo valor ascendia a €15.716,90.
u- O valor de mercado do JV imediatamente antes do acidente era de € 8.100,00.
v- A Autora ficou na posse do salvado.
w- A caixa térmica que equipava o JV tem o valor de € 350,00.
x- O Autor nasceu a -.03.1964.

2) Factos oriundos dos temas da prova:
y- São desconhecidos os motivos que levaram ao desprendimento do reboque do respetivo trator.
z- O veículo JV está imobilizado e impedido de circular desde a data do embate até ao presente.
aa- As Rés declinaram a assunção da responsabilidade relativamente aos prejuízos no JV e nenhuma se disponibilizou a ressarcir a 1.ª Autora do valor da viatura.
bb- Nem tão pouco colocaram à disposição da 1.ª Autora uma viatura de substituição.
cc- O JV era utilizado pela 1.ª Autora na sua atividade, nomeadamente no transporte de mercadorias, deslocações a fornecedores, transportes a pessoal e outras necessárias ao acompanhamento da empresa.
dd- Em virtude do embate e da imobilização do JV, a 1.ª Autora teve de recorrer a outras viaturas cedidas pelos sócios daquela.
ee- Se tivessem de alugar numa empresa de rent-a-car uma viatura de características semelhantes ao JV, importaria um custo diário aproximado de € 37,00.
ff- Em resultado do embate, e como sua consequência, o 2.º Autor foi assistido no local por uma viatura do INEM e de seguida transportado para o Hospital de Braga.
gg- Tendo dado entrada no Serviço de Urgências do Hospital de Braga, e aí permanecido em observação e tratamento desde as 13:58h até as 18:20h do dia 27.09.2016.
hh- Nesse Serviço de Urgência, o 2.º Autor foi trazido imobilizado em plano duro e com colar cervical, com ligeira escoriação e edema do cotovelo e antebraço esquerdo, apresentando queixas de dor abdominal.
ii- Realizou RX e foi dada alta com prescrição de medicação e com conselhos
jj- Foi-lhe atribuída, na data da urgência, na escala de dor, o grau 6.
kk- Apesar de ter tido alta do Hospital de Braga, o 2.º Autor nunca se sentiu completamente reestabelecido.
ll- Nos dias seguintes ao acidente, o 2.º Autor sentia dores cervicais, formigueiro no braço direito, dificuldades de concentração, ansiedade, insónias, apatia e maiores dificuldades no desempenho das suas tarefas diárias.
mm- Como consequência destes sintomas, dirigiu-se no dia 03.10.2016 ao HPB –Hospital Privado de Braga, SA, onde foi atendido de urgência e realizou TAC Cerebral e TAC Coluna Cervical e Electrocardiograma simples de 12 derivações.
nn- Estes exames revelaram múltiplos focos de hiperdensidade espontânea parietal bilateral frontal direta inespecíficos.
oo- Como os sintomas não desapareceram em 24.10.2016, o 2.º Autor consultou o Dr. C. R., médico especialista em medicina física e de reabilitação, na sua clínica em Braga.
pp- Como resultado dessa consulta, o Dr. C. R. prescreveu alguns exames para o 2.º Autor realizar, a saber: 2 exames de RX coluna cervical, o que fez no Centro de Tomografia de Braga no mesmo dia 24.10.2016; 3 sessões de ondas de choque frontais, realizadas na clínica do Dr. C. R.; 31 sessões de tratamentos de reabilitação, realizadas também na clinica do Dr. C. R..
qq- Para a realização de todos estes exames/tratamentos o 2.º Autor teve de se deslocar à clínica do Dr. C. R. sita em Braga, nos dias 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 11, 14, 15, 16, 18, 21, 22, 23, 28, 29 e 30 de novembro de 2016 e também nos dias 2, 5, 6, 7, 9, 12, 13, 14, 15, 16, 19, 20 e 21 do mês dezembro de 2016.
rr- A clínica do Dr. C. R., situada na cidade de Braga, dista aproximadamente 40 km da residência do 2.º Autor, pelo que todas estas deslocações compreenderam que este percorresse um total aproximado de 2.500,00 km, suportando os custos inerentes às mesmas.
ss- Em 21.12.2016, também na mesma clínica do Dr. C. R., e após análise da evolução do 2.º Autor relativamente aos tratamentos efetuados, foi pelo referido médico prescrito que realizasse também 3 sessões de ozonoterapia, o que efetuou na mesma clínica.
tt- Os sintomas não desapareceram e foram-se agravando com o passar do tempo.
uu- Mantinham-se as dores cervicais, falta de concentração, insónias cada vez mais acentuadas, alterações de memória, alterações de humor, e disfunção executiva, dificuldade em concentrar-se, em dividir atenção, organizar tarefas necessárias à sua profissão, tristeza, irritabilidade, queixas de dores de cabeça e tonturas.
vv- Em 15.02.2017, o 2.º Autor foi observado em consulta de neurologia pelo médico Dr. A. M., junto da Clínica Neurológica e da Coluna Vertebral M. C., Serviços Médicos, L.da.
ww- Após observação, foi prescrito pelo referido médico que o 2.º Autor realizasse RM Cerebral e Cervical e Estudo Neuropsicológico.
xx- A RM Cerebral e Cervical excluiu a existências de lesões traumáticas com significado imagiológico.
yy- Após a análise do Estudo Neuropsicológico, o médico Dr. A. M. produziu relatório clínico onde concluiu pela existência de «síndrome pós-traumática ligeira, a qual, transcorridos estes seis meses, deve, ao abrigo da Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Dec. Lei 352/2007, Cap. 3 nº 2.2, ser-lhe atribuída uma incapacidade permanente de 0.07.»
zz- O 2.º Autor foi acompanhado, desde 23.03.2017, em consulta de Psiquiatria no Hospital Privado de Braga, pela Dra. T. F., médica psiquiatra.
aaa- Apos observação clínica do 2.º Autor, a referida médica psiquiatra, declarou que este «apresenta um diagnóstico de perturbação depressiva, pautado por marcada sintomatologia ansiosa e depressiva, com sentimentos de tristeza e de angústia, com marcada apatia, choro frequente, com aumento de irritabilidade e com importante compromisso somático. Apresenta também perturbação do ciclo de sono-vigília, com insónia terminal, anedonia, diminuição do apetite e dificuldades de concentração.»
bbb- Declarou também a médica psiquiatra que o 2.º Autor, fruto da sintomatologia indicada, apresenta um mal – estar clinicamente significativo com compromisso/repercussão no seu funcionamento laboral, com dificuldades de concentração, em tomar decisões e orientar equipas.
ccc- O 2.º Autor foi medicado com Sertralina 100 mg 1id, Alprazolam 0.5mg LP 2id e Zolpidem 10 mg em SOS, em consequência do acidente de 26.09.2016, onde o 2.º Autor esteve envolvido.
ddd- Em consequência do embate, o 2.º Autor ficou a padecer de défice funcional permanente de integridade físico-psíquica correspondente a 2 pontos (por quadro de cervicalgia, sem lesão óssea ou disco-ligamentar documentada).
eee- O 2.º Autor exercia as funções de gerente hoteleiro e auferia a quantia mensal (ilíquida) de € 1.800,00.
fff- Todas as consultas médicas, exames e tratamentos a que o Autor se teve de submeter, importaram um custo para este, até à data, de € 2.689,88.
ggg- Fruto do embate ocorrido, do susto que então apanhou e dos momentos de pânico que viveu, o 2.º Autor já não é a mesma pessoa.
hhh- Como consequência do acidente, o 2.º Autor foi submetido a diversos tratamentos, consultas médicas e exames, que lhe trouxeram sofrimento e angústia e incómodo, tendo o quantum doloris (deste a data do evento até à data da cura) sido de grau 3 numa escala de 1 a 7.
iii- Após o embate e até aos tratamentos que realizou, deixou de conviver com os seus amigos e passou por períodos de silêncio e de isolamento, mostrando-se apático e triste, nervoso e ansioso.
jjj- O 2.º Autor tem de fazer esforços suplementares no exercício das suas funções laborais.
kkk- O 2.º Autor estava em exercício de funções ao serviço da 1.ª Autora, no momento em que se deu o embate.
lll- O embate consistiu no desprendimento do reboque do gancho.
mmm- O veículo trator saiu ileso, não tendo passado para a hemifaixa de rodagem por onde circulava o JV.
nnn- O salvado valia, à data do embate, € 1.500,00.
ooo- A W, L.DA, em 2016, mantinha um seguro de transporte de mercadorias referente ao veículo matrícula TG na K, e, na mesma apólice, garantia igualmente qualquer carga transportada em reboque quando atrelado ao mencionado veículo.
ppp- Este acordo foi celebrado ao abrigo do protocolo S. MARKET, firmado com a Associação Portuguesa de Empresários de Diversões.
qqq- Tal acordo foi mediado pela S., SA.
rrr- Foi também a S., SA, quem, em janeiro de 2016, mediou o seguro obrigatório da TG.
sss- Sendo certo que nesta mediadora foi entregue cópia do certificado de matrícula, da qual consta que o veículo a garantir (o TG) pode efetuar reboque até um peso bruto de 3.500,00 kg, com travão.
ttt- O funcionário da S., SA, sabia que todos os veículos da W fazem, ou podem fazer, serviço de reboque.
uuu- O certificado de verificação periódica foi sempre entregue à S., SA e às respetivas seguradoras, incluindo a Ré Y.
vvv- Nas inspeções periódicas de 2015, 2016 e 2017, o veículo TG foi sempre aprovado.
www- A estrutura do reboque encontra-se nele colocada desde que foi adquirido em 2002, não sendo possível removê-lo, dado que se encontra soldado à estrutura do veículo.
xxx- Os fiscais e técnicos que procederam às sucessivas inspeções periódicas não podiam deixar de se aperceber da sua existência.
yyy- Desde que foi aplicado, o TG suportou o peso e tração de inúmeros atrelados sem que daí tenha resultado qualquer problema ou acidente.
zzz- A estrutura encontra-se devidamente montada e é feito com material com a resistência e medidas apropriadas.
aaaa- O seguro foi negociado aos balcões da S. pelo Interveniente L. C. que alertou o funcionário para a circunstância do TG proceder a reboque.
bbbb- Tendo-lhe este dito que não existia qualquer problema pois o próprio reboque teria, também, seguro e que iria indagar junto das diversas companhias qual delas oferecia a melhor solução.
cccc- O reboque tem um travão de mão que se pode ver nas fotografias de fls. 74.
dddd- Esse travão (que, quando em andamento, está destravado) está ligado a uma espia de aço que, por sua vez, se encontra ligada ao encaixe do reboque.
eeee- É esta estrutura que serve como segurança, pois se o reboque se desengatar a espia é posta em tensão e aciona o travão de mão para tentar imobilizar o reboque.
ffff- Esta espia rebentou aquando do acidente, sendo que o gerente da W, L.DA, quando atrelou o reboque acidentado para o retirar do local do sinistro e levá-lo para a oficina reparadora, substituiu, como precaução de segurança e medida de recurso, a identificada espia (que estava inoperacional) pela corrente, pois pretendia manter todos os procedimentos de segurança.
gggg- Foi enviado à W, L.DA, a apólice de seguro celebrada com a Ré Y, SA.

3) Factos considerados nos termos dos artigos 5º/2,a) e 607º/4, do CPCiv:
hhhh- O vencimento líquido do 2.º Autor, à data do embate, era de € 1.248,00.
***
Factos considerados não provados em Primeira Instância:

1- O 2.º Autor carece, na data atual, de acompanhamento médico e tem de tomar regularmente medicação para dormir e para desempenhar as suas tarefas profissionais, designadamente a que se refere em ccc- dos factos provados.
2- O 2.º Autor vive, na data atual, muito preocupado e angustiado com a hipótese de essas sequelas virem a agravar-se, degenerando ainda mais a sua qualidade de vida.
3- O 2.º Autor, no presente, por causa do embate, não convive com os amigos e deixou de praticar os desportos que gostava, nomeadamente a caça desportiva e a pesca.
4- O 2.º Autor, no presente, é uma pessoa nervosa e ansiosa por causa do embate.
5- O 2.º Autor apresenta, na data atual, em consequência do embate, sequelas para além das indicadas em ddd- dos factos provados ou ficou a padecer de um défice funcional superior ao que ali se alude.
6- Com € 6.600,00, acrescido do produto de venda do salvado, é possível à Autora adquirir no mercado nacional um veículo com características semelhantes às do JV.
7- O desengate do atrelado deveu-se à deficiente e artesanal instalação do gancho de reboque.
8- Efetuada diretamente ou a mando da proprietária do veículo.
9- Sem obediência às regras regulamentares e não homologado tecnicamente.
10- O atrelado não tinha a instalação elétrica efetuada, não apresentava qualquer cabo de ligação no exterior, sendo apenas percetível o local de saída do cabo.
11- A estrutura do reboque foi aplicada por entidade competente.
12- No momento do embate, o reboque tinha todos os seus órgãos de segurança funcionais, aqui se incluindo a instalação elétrica.
13- A tomadora do seguro não declarou à 1.ª Ré que o veículo seguro efetuava serviço de reboque.
14- A tipologia do veículo nem sequer fazia supor que algo costumava andar atrelado ao mesmo.
15- O acordo que a Interveniente S., SA, intermediou foi celebrado de acordo com as instruções da W, L.DA.
16- A W, L.DA, teve conhecimento e aceitou que o seguro celebrado com a Y, SA, aludia a que o TG não fazia serviço de reboque.
17- O salvado do JV tinha valor superior ao indicado em nnn-, dos factos provados.
***
3.2. Da modificabilidade da decisão de facto

Apenas a Ré SEGURADORAS ... SA veio impugnar a decisão sobre a matéria de facto.
Iremos, por isso, começar por apreciar o recurso interposto pela Ré SEGURADORAS ... SA uma vez que o recurso da Autora HOTEL X Lda e da Ré Y - Companhia de Seguros SA se restringe à matéria de direito e, por razões de coerência lógica, entendemos que se impõe apreciar em primeiro lugar a questão da alteração da decisão de facto e só depois se deverá apreciar a pretendida alteração da decisão quanto aos montantes indemnizatórios atribuídos a título de dano da privação do uso e de danos não patrimoniais, sendo que o conhecimento daquela se nos afigura prévio ao conhecimento desta.
O n.º 5 do artigo 607º do Código de Processo Civil preceitua que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, o que resulta também do disposto nos artigos 389º, 391º e 396º do Código Civil, respectivamente para a prova pericial, para a prova por inspecção e para a prova testemunhal; desta livre apreciação do juiz o legislador exclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (2ª parte do referido nº 5 do artigo 607º).
Cumpre realçar que a “livre apreciação da prova” não se traduz obviamente numa “arbitrária apreciação da prova”, pelo que impõe ao juiz que identifique os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção, bem como a “menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 655).
Assim, “(…) o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância” (Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, pág. 591).
De facto, dispõe o n.º 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do Código de Processo Civil, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
O legislador impõe por isso ao recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto tal ónus de especificar, sob pena de rejeição do recurso.
No caso concreto, a Recorrente SEGURADORAS ... SA cumpriu o ónus de impugnação da matéria de facto, indicando os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, o sentido da decisão que em seu entender se impõe e os elementos de prova em que fundamenta o seu dissenso.

Sustenta que houve erro no julgamento da matéria de facto quanto aos factos julgados provados nas alíneas f) e y) que entende devem passar a ter a seguinte redacção:
“f- Na zona próxima do km 50.400 da EN 103, a peça metálica do TG onde estava engatado o reboque ...... soltou-se, provocando a separação dos dois veículos”.
y- São desconhecidos os motivos que levaram ao desprendimento da peça metálica onde do TG se encontrava engatado da restante estrutura metálica acoplada ao TG”.
Analisemos então os motivos da discordância da Recorrente.
Entende a Recorrente que considerando o teor das declarações de parte prestadas pelo gerente da interveniente “W”, L. C., se conclui que apesar de se desconhecer os motivos que estiveram na base do desprendimento da bola de reboque que estava unida à estrutura do tractor, sabemos o que causou a separação dos veículos que compunham o conjunto: a bola de reboque, instalada na estrutura do tractor, e onde estava engatado o reboque, desprendeu-se, desuniu-se, cedeu soltando-se.
E que tal resulta ainda do Relatório de Averiguações, junto por requerimento datado de 24/02/2020 (Ref.ª 34958617), e fotografias anexas, em particular as fotografias da estrutura metálica do veículo tractor (matrícula TG) que retratam o local de onde a bola estava instalada e de onde se terá soltado (fotos número 9 e 10).

A este propósito consta da decisão recorrida:

“- No que se reporta à dinâmica do embate:
No que respeita à forma como a colisão teve lugar e às circunstâncias de tempo e de lugar em que ela ocorreu, as partes admitiram, ainda nos articulados, que o embate deu-se sem intervenção (ativa) do condutor do JV, o qual, quando circulava no sentido Póvoa de Lanhoso – Braga, se viu confrontado com o atrelado (do TG) na sua hemifaixa de rodagem, nada tendo podido fazer para evitar o choque frontal [cfr. als. a-, c-, e-, f-, g-, h- a l-, dos factos provados].
O que, com relação a esta matéria, subsistiu controvertido consistiu nas razões do desprendimento/desengate do atrelado ao trator, o que é conexo com a questão de saber se tal se deveu a uma deficiente e artesanal colocação do gancho do reboque (em violação de normas regulamentares), conforme alegado pela Ré Y, SA (e selecionado para os temas da prova). (…)
Por fim, no que respeita a esta questão da dinâmica do embate, apesar de o acidente ter tido origem no desprendimento do reboque do respetivo gancho (por isso é que apareceu a transitar, desgovernado, na hemifaixa contrária), não se apurou a causa pela qual aquele se deu [cfr. als. y-, lll- e mmm-, dos factos provados]. O Interveniente L. C. avançou com a hipótese de alguém ter tentado roubar o atrelado e, não tendo chegado a concretizar o intento, tenha conseguido desaparafusar, ainda que minimamente, a estrutura de suporte e que, com a trepidação da circulação, tenha havido o desengate quanto estava quase a chegar ao local de destino.
A versão apresentada, embora em abstrato possível, tem carácter especulativo, não tendo havido averiguação pericial detalhada sobre a causa do desengate. Essa análise já não era possível fazer no decurso do processo, uma vez que os veículos foram reparados. Por outro lado, as investigações que foram levadas a cabo pelas respetivas seguradoras não permitiram chegar a conclusões com o mínimo de segurança: no relatório promovido pela Ré SEGURADORAS ..., SA, não é indicada a razão do desprendimento; no relatório efetuado a mando da Ré Y, SA, a referência que lá é efetuada quanto a uma deficiente montagem da estrutura de suporte foi afastada pelos fundamentos que acima se expuseram.
O que, portanto, conduziu a que, tal como alegado pelos Autores, se tenha respondido que são desconhecidos os motivos que levaram ao desprendimento do reboque do respetivo trator [cfr. als. y) e lll), dos factos provados]”.
Vejamos então, começando por referir que a alteração da matéria de facto pretendida pela Recorrente SEGURADORAS ... SA em nada contribuiria, mesmo que viesse a proceder, para a alteração da decisão de mérito, aliás como a própria reconhece e é salientado pela Ré Y - Companhia de Seguros SA.
Ainda assim, adiantamos desde já que não vemos que deva ser alterada a decisão da 1ª Instância.
Foi convicção do tribunal a quo, da análise que fez da prova produzida (aliás de forma critica, fundamentada e exaustiva), designadamente das declarações do gerente da Interveniente “W”, L. C., e do relatório invocado pela Recorrente, mas também do relatório junto pela Ré Y – Companhia de Seguros SA, que não foi possível apurar os motivos que levaram ao desprendimento do reboque do respetivo trator.
A Recorrente sustenta que resultou demonstrado que o reboque se desprendeu do trator por a peça metálica em causa (vulgo bola) se ter soltado e que o que permaneceu desconhecido foram as causas que determinaram a que essa peça se soltasse.
Mas na verdade, analisando a prova produzida, em particular as declarações do referido L. C., condutor do veículo, o que se constata é que este também não se apercebeu em concreto do que ocorreu que determinou o desprendimento do reboque do respetivo trator; o mesmo verificou depois que a peça em causa se não encontrava no veículo e que teria sido por se ter soltado que ocorreu o desprendimento, especulando sobre uma suposta tentativa de roubo do atrelado em que a peça teria sido parcialmente desaparafusada.
Do relatório invocado pela Recorrente, designadamente das fotografias, resulta efectivamente a ausência da peça e a referência a que o veículo seguro seguia engatado a um camião, do qual partiu a peça em que se encontrava engatado o reboque, daí este se ter desengatado e provocado o sinistro. Porém, não consta do mesmo qualquer referência aos motivos que o teriam determinado e nem prima o mesmo pelo rigor terminológico, desde logo em face das referidas fotografias e das próprias declarações do condutor L. C., das quais se não infere que a peça se tenha partido (aliás a própria Recorrente pretende fazer constar que a peça se “soltou”, se “desprendeu”).
Ora, desconhecendo-se em concreto o que determinou que a peça após o acidente se não encontrasse no veículo afigura-se-nos que seria redutor afirmar, em face da prova produzida, que na zona próxima do km 50.400 da EN 103, a peça metálica do TG onde estava engatado o reboque ...... se soltou e provocou a separação dos dois veículos, mostrando-se assim acertado concluir que são desconhecidos os motivos que levaram ao desprendimento do reboque do respetivo trator.
Inexiste, por isso, qualquer fundamento para decidir de forma distinta da 1ª Instância quanto aos pontos da matéria de facto impugnados pela Recorrente.
Pelo exposto, por nenhuma censura merecer a decisão a esse respeito proferida, conforme com a prova constante dos autos, mantêm-se inalterada a matéria de facto fixada pela 1ª Instância.
***
3.3. Reapreciação da decisão de mérito da acção

Mantendo-se inalterado o quadro factual julgado provado pelo Tribunal a quo, importa agora apreciar se deve manter-se a decisão jurídica da causa, analisando os fundamentos constantes da apelação da Autora HOTEL X Lda e os argumentos invocados pelas Rés.
Tendo em atenção que todos os Recorrentes vieram questionar o valor da indemnização arbitrada pelo dano da privação do uso, iremos começar por apreciar esta questão, o que por questões de coerência e economia processual faremos conjuntamente, analisando depois a questão suscitada pelas Rés quanto ao valor da indemnização devida a título de danos não patrimoniais.
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A) DO DANO DA PTRIVAÇÃO DO USO

O recurso da Autora HOTEL X Lda, tal como por esta delimitado, questiona o quantum indemnizatório relativamente ao dano da privação do uso que entende dever ser fixado em €25,00 diários desde a data do acidente em 27/09/2016 até efectivo e integral pagamento.
A Ré Y – Companhia de Seguros SA questiona de igual modo a indemnização fixada a título de dano da privação do uso sustentando que a Autora HOTEL X Lda não demonstrou qualquer prejuízo efectivo que justificasse o ressarcimento de tal dano e que, ainda que se entenda ser devida uma indemnização esta não deve ultrapassar a quantia de €5.000,00.
Da mesma forma a Ré SEGURADORAS ... SA sustenta que não deve ser arbitrada qualquer indemnização a este título por falta de demonstração do dano decorrente da privação do uso e da falta de elementos que permitam pelo menos indiciariamente presumir pela existência do dano, mas ainda que assim se não entenda a indemnização não deve ser fixada em quantia superior a €3.300,00, correspondente a 50% do valor em que as Rés foram condenadas a ressarcir a Autora da perda do seu veículo.
O Tribunal a quo fixou a título de indemnização pela privação do uso do veículo, a quantia diária de €20,00 (vinte euros) desde a data do acidente (27/09/2016) até integral pagamento da quantia de €6.600,00 devida pela perda total do veículo.
O dano decorrente da privação do veículo constitui dano patrimonial autónomo suscetível de indemnização, quando o proprietário do veículo danificado se viu privado de um bem que faz parte do seu património.
A jurisprudência dos tribunais superiores tem-se firmado, maioritariamente segundo julgamos, no sentido de considerar tal dano como dano autónomo indemnizável, bastando-se com a prova genérica que o lesado utilizava a viatura para os fins de lazer/trabalho e, consequentemente, por via daquela privação deixou de poder fazê-lo (v. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Lisboa, de 05/07/2018, relator Conselheiro Abrantes Geraldes, disponível em www.dgsi.pt) o qual, não podendo ser averiguado o valor exato do dano deverá ser determinado com base na equidade (artigo 566º n.º 3 do Código Civil).
Há, contudo, quem venha defendendo na jurisprudência posição ainda mais favorável para o lesado atribuindo à privação do uso uma indemnização autónoma, independentemente de ser feita prova de que o veículo é efetivamente usado de forma habitual (v. Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, vol. I, Indemnização do Dano da Privação do Uso).
No caso em apreço, e atento o quadro factual que se encontra provado, não se coloca sequer tal discussão quanto à ressarcibilidade deste dano.
De facto, e quanto à ressarcibilidade do dano da privação do uso em casos como o dos autos, em que o veículo é usado habitualmente pelo lesado na sua actividade (resulta do ponto cc) dos factos provados que o veículo JV era utilizado pela Autora HOTEL X Lda na sua atividade, nomeadamente no transporte de mercadorias, deslocações a fornecedores, transportes a pessoal e outras necessárias ao acompanhamento da empresa) vem a mesma sendo admitida sem necessidade de o lesado alegar e provar que a falta do veículo foi causa de despesas acrescidas, sendo certo que no caso concreto vem ainda demonstrado que a Autora dd- Em virtude do embate e da imobilização do JV, a 1.ª Autora teve de recorrer a outras viaturas cedidas pelos sócios daquela (ponto dd) dos factos provados).
Assim, quando esteja em causa a privação do uso de um veículo danificado num acidente de viação, bastará apenas que resulte dos autos que o seu proprietário o usava habitualmente na sua atividade, sem ter de fazer provar concreta de efetivos prejuízos.
Entendemos, por isso, que no caso dos autos não pode deixar de se reconhecer à Autora HOTEL X Lda o direito a obter uma indemnização relacionada com a privação do uso do seu veículo automóvel, que usava habitualmente nas suas deslocações diárias, assim tendo demonstrado a existência de uma concreta utilização relevante da coisa.
E a tal não obsta o facto do veículo ter sido considerado em situação de perda total pois que só no momento em que receba a indemnização correspondente, tal como se afirma na sentença recorrida, “é que ficará habilitado a adquirir um veículo que substitua o que foi danificado”; veja-se aliás que o veículo está imobilizado e impedido de circular desde a data do embate, que as Rés declinaram a assunção da responsabilidade e nenhuma se disponibilizou a ressarcir a Autora do valor do veículo, e nem tão pouco colocaram à disposição da mesma uma viatura de substituição, não obstante o veículo ser utilizado pela Autora designadamente no transporte de mercadorias, deslocações a fornecedores e transportes a pessoal; mostra-se, por isso, acertada a sua condenação no ressarcimento do dano até que seja satisfeita a indemnização devida pela perda do veículo, tal como decidido em 1ª Instância.
Uma vez assente ter a Autora direito a receber uma indemnização decorrente da privação do uso do seu veículo importa agora determinar o quantum indemnizatório, sendo que para o efeito terá de recorrer-se à equidade uma vez que não é possível determinar o valor exato dos danos, tal como dispõe o artigo 566º n.º 3 do Código Civil.
O tribunal a quo considerou que “Não sendo possível avaliar o valor exato dos danos, atento o disposto no artigo 566º/3, do CCiv, o cálculo da correspondente indemnização deverá ser efetuado com base na equidade, não sendo de equipará-lo, sem mais, ao custo de aluguer duma viatura de idênticas características, uma vez que a renda própria dum contrato de locação não traduz apenas o valor do bem, mas também o custo de fatores empresariais para o colocar no mercado (cfr. Maria Conceição Trigo, in Responsabilidade Civil – Temas Especiais, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2015, p. 63).
Deste modo, esse valor pode apenas ser tomado como ponto de referência, em paralelo com o facto de a utilização dos veículos em serviços de transporte ser gerador de gastos (v.g., em combustível, portagens e manutenção).
Isto porque se entende que a indemnização não deve propiciar um enriquecimento injustificado de lesado (sobre o assunto, Abrantes Geraldes, ob. cit., pp. 32 e 33); todavia, no caso em questão, em contraponto, há, de igual modo, que realçar que o veículo da 1.ª Autora destinava-se à produção de uma atividade lucrativa, tendo o valor acrescentado de, por sua via, ser produzida uma atividade retribuída (o serviço de transporte de refeições e de compra de mercadoria para a exploração do Hotel X).
Ponderando as vertentes enunciadas, considerada a especificidade do veículo (que era equipado com caixa térmica), a destinação e o valor locativo diário (de € 37,00) [cfr. als. r-, s-, cc- e ee-, dos factos provados], entendo equitativo a fixação de um valor diário de € 20,00, desde a data do acidente até integral pagamento da indemnização devida pela perda total da viatura.
O facto de o decurso do tempo vir a propiciar uma soma superior ao do valor venal do veículo não comprime o dever de indemnizar a cargo das Rés a este título, porquanto a dilação existente deveu-se à conduta das próprias, recusando, injustificadamente, a tutela patrimonial à 1.ª Autora, que não tardou na propositura da ação [veja-se que a Ré Y, SA, comunicou a 03.04.2017 a sua recusa na assunção da responsabilidade (cfr. fls. 70/verso), tendo a ação sido proposta em 05.04.2017, ou seja, escassos dois dias após]”.
Discorda a Autora HOTEL X Lda do montante arbitrado pelo Tribunal a quo a este título entendendo que o valor diário deve ser fixado em €25,00 conforme por si peticionado na petição inicial; sustenta a Ré Y-Companhia de Seguros SA que, ainda que se entenda ser devida uma indemnização, esta não deve ultrapassar a quantia de €5.000,00.
Da mesma forma a Ré SEGURADORAS ... SA sustenta que a entender-se ser devida uma indemnização a este título a mesma não deve ser fixada em quantia superior a €3.300,00, correspondente a 50% do valor em que as Rés foram condenadas a ressarcir a Autora da perda do seu veículo.
Vejamos.
Conforme decorre dos factos provados o acidente ocorreu em 27/09/2016 e a Autora encontra-se privada do uso do veículo desde essa altura até ao momento; se a Autora tivesse de alugar numa empresa de rent-a-car uma viatura de características semelhantes ao JV, tal importaria um custo diário aproximado de €37,00.
Relativamente ao valor diário da indemnização correspondente ao dano pela privação do uso do veículo o tribunal a quo fundamenta , e bem, o valor atribuído tendo por base as regras de equidade; para o efeito considerou que o valor do aluguer apenas deve ser tomado como ponto de referência, que a indemnização não deve propiciar um enriquecimento injustificado de lesado, mas também que no caso concreto o veículo se destinava à produção de uma atividade lucrativa, tendo o valor acrescentado de, por sua via, ser produzida uma atividade retribuída (o serviço de transporte de refeições e de compra de mercadoria para a exploração do Hotel X) e a especificidade do veículo (que era equipado com caixa térmica), entendendo adequado atribuir o quantitativo diário de €20,00, desde a data do acidente até integral pagamento da indemnização devida pela perda total da viatura.
Afigura-se-nos correto o critério seguido pelo tribunal a quo bem como equilibrado o valor encontrado, tendo em conta o que decorre da factualidade provada mas também atendendo aos padrões seguidos em decisões jurisprudenciais recentes; de facto estando em causa a fixação de uma indemnização com recurso a um critério de equidade, a mesma deverá enquadrar-se dentro dos padrões definidos pela jurisprudência para casos idênticos.
A título meramente exemplificativo, podemos aqui citar o acórdão desta Relação de 09/04/2019 (Relator desembargador Paulo Reis) que julgou mostrar-se conforme à equidade fixar a indemnização devida no montante de €20,00 por dia, tal como fixado na 1.ª instância, relativamente à privação do uso de um veículo ligeiro de passageiros marca Peugeot, modelo 5008 1.6 HDI Business Line, que o autor utilizava o veículo para as suas deslocações para o trabalho; neste acórdão são ainda citados os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 28/04/2009 (Relator Conselheiro Mário Cruz) onde foi considerado que durante 2 meses e 4 dias, o autor e o seu agregado familiar esteve privado de viatura própria nas deslocações pessoais diárias e de fins-de-semana, tendo necessitado de se socorrer de transportes públicos ou de usar um veículo cedido gratuitamente por um familiar, sofrendo, para além de incómodos, uma situação de desconforto ou desgosto, e que o custo do aluguer de um veículo com as características do sinistrado ascenderia a quantia não inferior a €25,00/dia e de 16/06/2009 (Relator Conselheiro Silva Salazar) em que se provou que o veículo do autor, devido a acidente ocorrido em 08/02/2005, ficou impossibilitado de circular, sendo que o autor o utilizava nas suas deslocações diárias, e que o aluguer diário de um veículo de idêntica classe custa cerca de €24,00 por dia, considerando-se como suficiente para compensar a privação do uso de veículo automóvel uma quantia média diária de €15,00.
No Acórdão desta Relação de 26/10/2017 (Relator Desembargador José Cravo) foi julgado exagerado o montante indemnizatório fixado na sentença de €10,00/dia e pecar por defeito o montante proposto pela apelante de €5,00/dia, antes se revelando equilibrado fixar em €7,50/dia o valor pela privação do uso do veículo, até ao pagamento da quantia fixada a título de indemnização pela perda total do veículo e até ao montante máximo de €7.299,90.
No acórdão desta Relação de 11/07/2017 (Relatora Desembargadora Maria dos Anjos S. Melo Nogueira) foi considerado que “o montante diário que têm vindo a ser fixado em casos como o dos autos, mencionando-se a título de exemplo o Ac. do STJ de 09.03.2010 e o desta Relação de 27/10/16, disponíveis em www.dgsi.pt ronda os €10,00 euros diários”.
E no acórdão desta Relação de 21/09/2017 (Relatora Desembargadora Helena Melo, todos os acórdãos disponíveis em www.dsgi.pt) afirma-se que “o valor diário de 10,00 euros dia foi tido por adequado no Ac. deste Tribunal da Relação de 27.10.2016 – proc. 224/14, onde são citados no mesmo sentido, designadamente, o Ac. da Rel. do Porto de 07.09.2010 e o Ac. da Rel. de Coimbra de 06-03-2012 e no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.05.15 – Proc. 1222/07 no qual foi considerada também a quantia de €10,00 por dia. E muito recentemente, também no Ac. desta Relação de 04.04.2017, proferido no proc. 474/13, se considerou este valor como adequado. Também nós, entendemos como equilibrado o valor de 10,00, em consonância com o entendido nas referidas decisões jurisprudenciais, montante que se mostra fixado de acordo coma equidade, tendo em atenção as concretas circunstâncias deste caso, pelo que reduzimos o valor da indemnização pela privação do uso, para a quantia de 10,00/euros dia, pelo que é devida uma indemnização no montante de 10.090,00, desde a data do sinistro até à data da propositura da ação”.
Considerando a atribuição da indemnização pela privação do uso calculada mediante a ponderação da reconstituição que existiria se não se tivesse verificado o evento, nos termos do artigo 562º do Código Civil e com recurso à equidade, nos termos do artigo 566º n.º 3, afigura-se-nos equilibrado e enquadrado dentro dos padrões definidos pela jurisprudência o valor de €20,00 por cada dia de privação do uso fixado em 1ª Instância.
Entendemos como correta a posição perfilhada pelo tribunal a quo ao atribuir, no caso concreto, a indemnização devida pela privação do uso desde a data em que ocorreu o acidente (27/09/2016) até integral pagamento da indemnização devida pela perda total da viatura, subscrevendo também que no caso concreto “o facto de o decurso do tempo vir a propiciar uma soma superior ao do valor venal do veículo não comprime o dever de indemnizar a cargo das Rés a este título, porquanto a dilação existente deveu-se à conduta das próprias, recusando, injustificadamente, a tutela patrimonial à 1.ª Autora, que não tardou na propositura da ação [veja-se que a Ré Y, SA, comunicou a 03.04.2017 a sua recusa na assunção da responsabilidade (cfr. fls. 70/verso), tendo a ação sido proposta em 05.04.2017, ou seja, escassos dois dias após]”.
Acresce dizer que não vemos como se pode dizer que a Autora contribuiu para o agravamento do dano ao não adquirir um veículo para substituir o sinistrado e que tal “passividade e inércia” fundamente a redução da indemnização nos termos do disposto no artigo 570º do Código Civil, tanto mais que à Autora não foi disponibilizada qualquer quantia que lhe permitisse proceder a tal aquisição (resultando dos factos provados que foi se socorrendo de outras viaturas cedidas pelos seus sócios) e nem disponibilizado qualquer veículo por nenhuma das Rés, sendo certo que discutindo as Rés entre si a responsabilidade no acidente uma vez que o veículo trator e o reboque se encontram segurados em distintas seguradoras, era evidente que sobre o condutor do veículo da Autora não recaia qualquer responsabilidade na produção do acidente.
Assim, no caso dos autos, atenta a ponderação efectuada e o juízo de equidade, e mostrando-se a mesma enquadrada nos valores jurisprudenciais aplicados, afigura-se-nos adequada a indemnização, devendo a mesma ser mantida.
Improcedem, por isso, nesta parte os recursos da Autora e das Rés.
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B) DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS

Entendem ainda as Rés que a quantia de €10.000,00 arbitrada para compensar os danos não patrimoniais do Autor C. A. é excessiva e defendem que o valor da indemnização seja fixado em €7.000,00.
No que toca aos danos não patrimoniais o montante da indemnização será fixado também equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º (artigo 496º n.º 3 do Código Civil).
Estabelece-se, pois, um critério de mera equidade, que deve atender ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e do lesado e às demais circunstâncias do caso, designadamente a gravidade e a extensão da lesão.
Assim, o montante da reparação há-de ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
Relativamente a estes danos, o prejuízo, na sua materialidade, não desaparece, mas é economicamente compensado ou, pelo menos, contrabalançado: o dinheiro não tem a virtualidade de apagar o dano, mas pode este ser contrabalançado, mediante uma soma capaz de proporcionar prazeres ou satisfações à vítima, que de algum modo atenuem ou, em todo o caso, compensem esse dano (Pinto Monteiro, Sobre a Reparação dos Danos Morais, Revista Portuguesa do Dano Corporal, Setembro 1992, n.º 1, 1.º ano, APADAC, p. 20).

Quanto à questão da fixação de indemnização por danos não patrimoniais, relevam no caso concreto e no essencial, os seguintes factos provados:
- O Autor conduzia o veículo JV e foi surpreendido com a presença do reboque a hemifaixa destinada à sua circulação, não tendo conseguido evitar o choque;
- Em resultado do embate, e como sua consequência, foi assistido no local por uma viatura do INEM e de seguida transportado para o Hospital de Braga, onde permaneceu em observação e tratamento desde as 13:58h até as 18:20h;
- No Serviço de Urgência, foi trazido imobilizado em plano duro e com colar cervical, com ligeira escoriação e edema do cotovelo e antebraço esquerdo, apresentando queixas de dor abdominal;
- Realizou RX e foi-lhe dada alta com prescrição de medicação e com conselhos, tendo-lhe sido atribuída, na data da urgência, na escala de dor, o grau 6;
- Como não se sentia restabelecido, recorreu a outros clínicos, tendo realizado mais exames (TAC Cerebral e TAC Coluna Cervical e Electrocardiograma simples de 12 derivações);
- Recorreu a consulta de medicina física e de reabilitação, em Braga, tendo realizado mais 2 exames de RX coluna cervical, 3 sessões de ondas de choque frontais, e 31 sessões de tratamentos de reabilitação;
- Para a realização de todos estes exames/tratamentos, teve de se deslocar desde a sua residência até Braga (num percurso de cerca 40 km) nos dias 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 11, 14, 15, 16, 18, 21, 22, 23, 28, 29 e 30 de novembro de 2016 e também nos dias 2, 5, 6, 7, 9, 12, 13, 14, 15, 16, 19, 20 e 21 do mês dezembro de 2016 [als. qq- e rr-, dos factos provados];
- Como mantinha as queixas, foi observado em consulta de neurologia e em consulta de psiquiatria;
- Foi acompanhado desde 23/03/2017 em consulta de Psiquiatria no Hospital Privado de Braga pela Dr.ª T. F., médica psiquiatra;
- Foi medicado com Sertralina 100 mg 1id, Alprazolam 0.5mg LP 2id e Zolpidem 10 mg em SOS;
- Em consequência do embate, ficou a padecer de défice funcional permanente de integridade físico-psíquica correspondente a 2 pontos (por quadro de cervicalgia, sem lesão óssea ou disco-ligamentar documentada);
- Fruto do embate ocorrido, do susto que então apanhou e dos momentos de pânico que viveu, já não é a mesma pessoa;
- A submissão aos tratamentos, consultas médicas e exames trouxeram-lhe sofrimento, angústia e incómodo, tendo o quantum doloris (deste a data do evento até à data da cura) sido de grau 3 numa escala de 1 a 7;
- Após o embate e até aos tratamentos que realizou, deixou de conviver com os seus amigos e passou por períodos de silêncio e de isolamento, mostrando-se apático e triste, nervoso e ansioso.
Tendo em conta esta factualidade, considerando as lesões sofridas, os tratamentos a que o Autor foi sujeito e as sequelas de que ficou a padecer julgamos também não merecer censura o montante compensatório do dano não patrimonial fixado pelo tribunal a quo, o qual aliás se não mostra desenquadrado dos valores indemnizatórios fixados a título de danos não patrimoniais pela jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Podemos aqui citar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/12/2017 (Relatora Maria da Graça Trigo, disponível em www.dgsi.pt), onde, num caso em que atentas “as lesões que a autora sofreu em consequência do acidente, em concreto traumatismo da coluna cervical, com as inerentes dores e incómodos que teve de suportar, sendo que o quantum doloris ascendeu ao grau 4, numa escala de 1 a 7, e os tratamentos a que teve de se submeter e bem assim as sequelas de que ficou a padecer”, ficando a padecer de um índice de incapacidade geral permanente de 2 pontos, se considerou “ser de manter o montante indemnizatório fixado pela Relação por danos não patrimoniais no montante de € 15 000”.
Improcedem pois integralmente o recurso da Autora e os recursos das Rés.
As custas de cada um dos recursos são da exclusiva responsabilidade dos respectivos recorrentes atento o seu decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
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SUMÁRIO (artigo 663º nº. 7 do Código do Processo Civil):

I - A privação do uso de um veículo, ainda que desacompanhada de um prejuízo patrimonial concreto, constitui um dano ressarcível, pelo que o facto de o veículo sinistrado ser usado pelo lesado no seu quotidiano profissional e na sua vida particular não pode deixar de determinar a atribuição de uma indemnização pelo dano da privação do uso no período em que perdurou a privação do uso da viatura, in casu, até à aquisição de uma nova viatura pelo lesado.
II. A determinação do valor dessa indemnização, que não implica um qualquer prejuízo patrimonial concreto, deve ser fixada com recurso a critérios de equidade, nos termos do artigo 566º n.º 3 do Código Civil.
III - Estando em causa um critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando atentem manifestamente contra as regras da boa prudência e do bom senso, e não se enquadrem dentro dos padrões definidos pela jurisprudência para casos idênticos.
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente improcedentes o recurso da Autora e os recursos das Rés, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas de cada um dos recursos pelos respetivos Recorrentes.
Guimarães, 26 de novembro de 2020
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta)
Margarida Sousa (2ª Adjunta)