Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
301/13.8TBTMC.G1
Relator: HEITOR GONÇALVES
Descritores: LITISPENDÊNCIA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
CITAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – A excepção de litispendência deve ser oposta na acção proposta em segundo lugar, considerando-se proposta em segundo lugar a acção para a qual o réu foi citado posteriormente.
II - Porém, a citação do réu no procedimento cautelar de arrolamento antecipa a produção dos efeitos da sua citação em qualquer das acções principais.
Decisão Texto Integral: Acordam no tribunal da relação de guimarães

1.Relatório.
No processo de divórcio que lhe moveu AA a ré BB invocou na contestação a litispendência, tendo o autor pugnado na réplica pela sua improcedência.



No despacho saneador, essa excepção dilatória foi julgada improcedente, nos termos e com os fundamentos seguintes: «Como prevê o art. 577.º, n.º 1, al. i), do Código de Processo Civil, a litispendência é uma exceção dilatória. O regime regra das exceções dilatórias é o da sua sanação ou suprimento, tal como prevê os n.ºs 2 e 3 do art. 278.º do Código de Processo Civil. No sentido de que "as excepções dilatórias só subsistem enquanto a respectiva falta ou irregularidade não for sanada" (n.º 3) e "quando a falta ou irregularidade tenha sido sanada", o juiz deve abster-se de declarar a exceção dilatória e de absolver o réu da instância (n.º 2). É, aliás, com essa finalidade que o n.º 2, al. a) do art. 590.º do Código de Processo Civil, refere que deve o juiz, findos os articulados proferir despacho destinado a providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias. Transpondo estas disposições legais para o caso concreto da litispendência e retomando o que ficou dito supra a exceção de litispendência pressupõe "a repetição de uma causa estando a anterior ainda em curso" (art. 458.º, n.º 1, do CPC) e "tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior" (art. 580.º, n.º 2, do CPC). O que pressupõe que ambas as causas estejam pendentes no momento em que é apreciada e decidida a exceção (cfr. ac. do STJ de 13-05-2003, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 02A4354). É que, como diz o acórdão do STJ de 11-03-2010 (….), "a excepção de litispendência não corresponde a um direito, que o réu citado para uma segunda acção tenha, de evitar o segundo julgamento de uma mesma causa. Tal como o caso julgado, a excepção de litispendência tem a função de evitar que um tribunal se veja colocado na situação de ter de repetir ou de contradizer uma decisão anterior; independentemente de mais considerações, sempre seria uma decisão inútil, por prevalecer a que primeiro transitasse (n.º 1 do artigo 675.º do Código de Processo Civil)". Assim, perante o alegado pelas partes, resulta que a questão a decidir consiste em decidir se a exceção dilatória da litispendência deve ser julgada procedente, neste processo ou na ação que a aqui Ré moveu contra o Autor, posto que se não questiona a verificação dos requisitos da litispendência. Nos termos do artigo 582°, n.° 1, do C.P.C., a litispendência, que constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso deve ser deduzida na ação proposta em segundo lugar (…). Sucede que, nos outros autos supra identificados (em que figura como requerente/Autora a aqui Ré), está, também, a correr uma providência cautelar como preliminar da ação principal, nos termos e para os efeitos do artigo 364°, n.° 1 do C.P.C., a qual foi já decretada. A litispendência, assim como o caso julgado, tem, essencialmente, por fundamento uma razão de certeza ou segurança jurídica, e verifica-se quando se dá a repetição de uma causa, encontrando-se a anterior ainda pendente. E para se saber se existe ou não repetição da ação, deve atender-se não só ao critério formal (assente na tríplice identidade dos elementos que definem a acção) fixado e desenvolvido no artigo 581º, mas também à diretriz substancial traçada no nº 2 do artigo 580º, onde se afirma que a exceção da litispendência (tal como a do caso julgado) tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior. (cfr. A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 302). De acordo com o referido critério formal a causa repete-se quando se propõe uma outra ação idêntica quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, existindo identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo ato ou facto jurídico (artigos 581º nº 2 e 580º nº 1 do Código de Processo Civil). Assim, a única questão a resolver tem a ver com a determinação da ação em que deve ser deduzida a litispendência. Sobre esta matéria rege o artigo 582º do Código de Processo Civil, que, no que ora releva, dispõe que a litispendência deve ser deduzida na ação proposta em segundo lugar, considerando-se proposta em segundo lugar a ação para a qual o réu foi citado posteriormente. Perante o mencionado resulta claro que a citação posterior ocorreu na ação intentada pela ora Ré contra o aqui autor. O caso em análise apresenta, porém, a particularidade de a Ré ter instaurado procedimento cautelar como preliminar da ação especial de divórcio litigioso que moveu contra o Autor. Esta questão tem de ser apreciada à luz do disposto no nº 7 do artigo 366º do Código de Processo Civil, que estabelece o seguinte : “Se a ação for proposta depois de o réu ter sido citado no procedimento cautelar, a proposição produz efeitos contra ele desde a apresentação da petição inicial”. Decorre deste normativo que a citação do réu no procedimento cautelar antecipa a produção dos efeitos da citação do réu na ação de que o procedimento cautelar constituiu preliminar à data do recebimento da petição inicial, ou seja, à data da propositura da ação. Dito de outro modo, os efeitos da citação do réu produzem-se a partir da proposição da ação quando, à data desta, o réu já tenha sido citado no procedimento cautelar. Um dos efeitos da citação que se antecipa é, precisamente, a restrição imposta ao réu de propor contra o autor ação destinada à apreciação da mesma questão jurídica (artigo 481º al. c) do Código de Processo Civil) suscetível de gerar a exceção dilatória da litispendência. In casu, o Autor, que é Réu na outra ação que lhe foi movida pela aqui Ré foi citado no procedimento cautelar após a propositura desta ação, razão pela qual é manifesto que a litispendência ocorre nos outros autos. Nestes termos julga-se improcedente a exceção invocada nestes autos, porquanto a litispendência ocorre precisamente na ação intentada pela Ré contra o aqui Autor».




II. A ré pretende com este recurso a revogação daquela decisão interlocutória, e que seja substituída por outra que aprecie a excepção dilatória da litispendência e a julgue procedente. Para o efeito formulou as seguintes conclusões:

1.A Recorrente/R. deduziu a excepção de litispendência no presente processo em conflito com o processo n.º 281/13.0TBTMC-A, pois que, verificava-se a triplicidade de elementos: identidade de sujeitos, a causa de pedir e pedido, sendo este a decretação do divórcio.
2.Sendo que, atento aos factos existentes nos autos, a aqui Recorrente/R. foi citada posteriormente para a presente acção, relativamente ao processo n.º 281/13.0TBTMC-A, em que é R. o aqui Recorrido.
3.A Recorrente instaurou como prévio à presente acção, Procedimento Cautelar Especial de Arrolamento, de acordo com o previsto o artigo 427.º do anterior CPC (actual artigo 409.º) – processo n.º 301/13.8TBTMC.
4.Tal Procedimento deu entrada em juízo em 19/6/2013.
5.Tendo o A., aqui Recorrido sido citado em 29/08/2013.
6.O Recorrido/A. deu entrada em juízo da presente acção, contra a aqui Recorrente/R., em 08/7/2013.
7.Tendo sido a aqui Recorrente citada para a mesma em 27/9/2013.
8.Conforme decorre do n.º 7 do artigo 366.º do CPC (anterior 385.º), se a acção for proposta depois do réu ter sido citado do procedimento cautelar, a proposição produz efeitos contra ele desde a apresentação da petição inicial.
9.Assim aconteceu. O Recorrido/A. foi citado do Procedimento Cautelar de Arrolamento prévio ao divórcio (processo n.º 281/13.TBTMC) em 29/8/2013, sendo que acção da qual depende o procedimento cautelar foi proposta em 19/9/2013 (processo n.º 281/13.TBTMC-A)
10.Ora, se da interpretação do n.º 7 do artigo 366.º do CPC resultar que a “petição inicial” a que se refere é o Procedimento Cautelar de Arrolamento, significa que à propositura da acção principal, os efeitos da citação retroagem à data de 19/6/2013.
11.Se por outro lado, resultar uma interpretação diversa, de que a “petição inicial” se refere à acção principal da qual depende o Procedimento Cautelar, significa que se considera citado o R. no processo n.º 281/13.0TBTMC-A, aqui Recorrido, na data da propositura da mesma, isto é, a 19/9/2013.
12.Certo é que, em qualquer das situações resulta que o aqui Recorrido/A. foi citado antes da aqui Recorrente/R. em relação a ambas as acções propostas.
13 A Recorrente/R. foi citada para o presente processo em 27/9/2014.
14.Sendo esta data posterior a qualquer uma das outras, seja 19/6/2013, ou, 19/9/2013.
15. Um dos efeitos da citação é, precisamente, a restrição imposta ao réu de propor contra o autor acção destinada à apreciação da mesma questão jurídica (artigo 564º al. c) do Código de Processo Civil) susceptível de gerar a excepção dilatória da litispendência.
16.Decorre do exposto que, atento aos normativos invocados, o Recorrido/A. foi citado antes da aqui Recorrente/R. em relação às acções propostas por ambos.
17.Atenta a situação de litispendência entre os processos 281/13.0TBTMC-A e o 301/13.8TBTMC, salvo melhor opinião, deveria o Tribunal a quo julgar procedente a excepção de litispendência suscitada pela R./Recorrente.
18.para efeitos de verificação da acção que foi proposta em segundo lugar, o n.º 2 do artigo 582.º do CPC refere-se às citações de ambas as acções e não ao conflito entre citação e propositura das acções conforme se estribou o Tribunal para proferir a decisão.
19.Assim de acordo com este normativo, bem como o estipulado no seu n.º 1, a litispendência deveria ter sido julgada procedente na presente acção.
20.Violou assim o Tribunal os normativos conjugados do n.º 7 do artigo 366.º, alínea c) do artigo 564.º e 582.º, todos do CPC.

III. Colhidos os vistos, cumpre decidir:
Considerando as conclusões de recurso, a questão a decidir passa por saber em que acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge deve ser suscitada a excepção de litispendência, se na 301/2013.8tbtmc, como pretende a recorrente, se na 281/13.0tbtmc, como foi entendimento da decisão recorrida.








Vejamos os factos em que assentou a decisão:

a) Esta acção de divórcio 301/13.8tbmc foi proposta em 8 de Julho de 2013, e nela o autor AA pede que se decrete o divórcio entre ele e a ré BB, alegando que desde pelo menos meados do mês de Julho de 2011 até à presente data ambos fazem vida independente, separados um do outro, e sem intenção de ser restabelecida a comunhão de vida. A ré foi citada em 27 de Setembro de 2013.
b) O processo 281/13.0tbmc foi proposto em 19 de Setembro de 2013, pedindo a autora BB que seja decretado divórcio entre ela e o réu AA, com o fundamento das alíneas a) e d) do artigo 1781º, do C.Civil, e que o réu seja condenado a pagar alimentos, a título provisório e definitivos. Como preliminar dessa acção, a autora havia intentado procedimento cautelar de arrolamento, para o qual o requerido foi citado em 29.08.2013.

Resulta pois que a acção 281/13.0tbcm foi proposta quando ainda estava em curso a presente acção 301/13.8tbcm, havendo entre elas a tríplice identidade de sujeitos O que releva não é a posição processual das partes, mas a identidade sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica- cfr. nº2 do artigo 581º, do CPC., de pedido e de causa de pedir.
Sendo incontroverso a verificação da excepção dilatória da litispendência (artºs 580º, nº1; 581º e 577º, alínea i, do CPC), que visa fazer desaparecer um das acções em que se pretende decidir o mesmo litígio, resta saber em qual delas deve ser deduzida e julgada a excepção.
Ora, nesse âmbito rege um princípio de prevenção segundo a ordem temporal das respectivas citações: a excepção deve ser oposta na acção proposta em segundo lugar, considerando-se proposta em segundo lugar a acção para a qual o réu foi citado posteriormente (cfr. nºs 1 e 2 do artigo 582º do Cód. Processo Civil).
Contudo, como bem anota a decisão recorrida, o caso em apreço apresenta a particularidade de a ré ter instaurado procedimento cautelar como preliminar da referida acção 281/13.0tbcm, e evoca com a-propósito o normativo do nº7 do artigo 366º do CPC, segundo o qual «Se a acção for proposta depois de o réu ter sido citado no procedimento cautelar, a propositura produz efeitos contra ele desde a apresentação da petição inicial». Trata-se dum desvio à regra geral de que só a partir da citação para a acção é que se projectam sobre o réu os efeitos previstos no artigo 564º. É que, com a sua audiência no processo preventivo, o réu toma conhecimento da intenção do demandante de propor contra ele a acção subsequente.

Significa que a citação do réu no arrolamento antecipa a produção dos efeitos da sua citação na acção 281/13.0tb à data da apresentação em juízo da petição, ou seja, em 19 de Setembro de 2013, antes de a ré ter sido citada para a acção 301/13.8tbmc (27 de Setembro de 2013), o mesmo é dizer que é esta a acção que deve ser considerada proposta em segundo lugar e, consequentemente, onde a litispendência deve ser apreciada. E estando verificados os pressupostos dessa excepção, impõe-se a absolvição da ré da instância, na conjugação dos artigos 278º, nº1-alínea e), e 577º, alínea i), do Código de Processo Civil.

Decisão: Em face dos enunciados fundamentos, acordam os Juízes desta Relação em revogar a decisão recorrida, e absolvem a ré/recorrente da instância desta acção 301/13.8tbcm, pela procedência da excepção dilatória da litispendência.

Custas pelo recorrido.

TRG, 10.09.2015
Heitor Gonçalves
Carvalho Guerra
José Estelita Mendonça