Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
204/05.0TBPCR-B.G1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
EXTINÇÃO
EFEITOS JURÍDICOS
LIQUIDAÇÃO
REPRESENTAÇÃO
ACÇÃO PENDENTE
RESPONSABILIDADE
SÓCIOS
PASSIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: MANTIDA
Indicações Eventuais: 1ª CIVEL
Sumário: I - Com a extinção da sociedade, deixa de existir a pessoa colectiva, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem, como resulta do disposto nos artigos 162º, 163º e 164º do Código das Sociedades Comerciais.
II - Assim, no tocante às acções pendentes em que a sociedade seja parte, elas continuam após a extinção desta, que se considera substituída – sem que haja lugar a suspensão da instância, uma vez que não é necessária habilitação – pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários.
III – Os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha.
Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO
AA…, deduziu oposição contra a execução comum para pagamento de quantia certa, instaurada por BB…[1], alegando, em síntese, ser parte ilegítima na execução, uma vez que esta prosseguiu pessoalmente contra o oponente, quando devia ter prosseguido contra si mas apenas enquanto sócio da referida sociedade, acrescendo ainda a circunstância de, à data da dissolução da sociedade, esta não possuir qualquer património nem deter qualquer crédito contra terceiros, pelo que não houve lugar à partilha ou entrega de quaisquer bens ou direitos, não pode por isso exigir-se ao oponente o pagamento da dívida da sociedade.
Termina, pedindo que seja julgada procedente a excepção da sua ilegitimidade e, caso a execução prossiga, deverá ser contra o oponente mas enquanto sócio da sociedade.
Contestou o exequente, defendendo a improcedência da excepção de ilegitimidade passiva invocada, pugnando ainda pela condenação do oponente, enquanto pessoa singular, a pagar ao exequente o valor devido e reclamado em conformidade com a sentença exequenda, e ainda a sua condenação como litigante de má-fé, em multa e indemnização a liquidar em ulterior execução de sentença.
Saneado, condensado e instruído o processo, realizou-se o julgamento da matéria de facto controvertida, fixada sem reparos das partes, após o que foi proferida sentença julgando improcedente a oposição e determinando o prosseguimento da execução.
Inconformado com o assim decidido, interpôs o oponente/executado o presente recurso de apelação, cuja motivação culminou com as conclusões que a seguir se transcrevem:
«1 - O executado não se conforma com a sentença proferida.
2 - Desde logo, porque, a execução apesar de ter sido instaurada em 25/10/2006, esteve parada por falta de impulso processual do Exequente até Março de 2013, data em que, o seu mandatário a fls. …, veio requerer que o sócio gerente da mesma – AA, fosse habilitado para “contra si e como único sócio liquidatário da executada, a presente acção prossiga os seu termos”, tudo nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 162º, do C.S.C. (código das sociedades comerciais).
3 - E, o art.º 162º do referido diploma legal dispõe que “As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários …”.
4 - Ora, legislador pretendeu definir o destino das acções em que anteriormente à sua extinção, a sociedade era parte, dizendo que nesse caso, a sociedade passa a ser representada pelos sócios enquanto tal.
5 - Ou seja, estamos no âmbito da representação dos sócios enquanto sócios de uma sociedade que perdeu a sua personalidade jurídica em virtude da sua dissolução e liquidação.
6 - Diferente do caso sub judice, em que a presente execução, prosseguiu os seus termos contra os sócios ou sócio, enquanto pessoa singular, como que, passando o mesmo a responder pessoalmente pelas dívidas da sociedade.
7 - Porém, a Meritíssima Juíza a quo proferiu despacho a ordenar que em substituição da sociedade, entretanto, extinta, a presente execução continua-se os seus termos contra o sócio único da executada.
8 - Quando deveria ter referido expressamente no dito despacho que a execução prosseguiria os seus termos contra o único sócio da sociedade enquanto representante daquela.
9 - Ao não faze-lo, permitiu, não só que a presente execução prosseguisse contra o sócio enquanto pessoa singular e, portanto, contra pessoa ilegítima, uma vez que não consta como parte no título dado à execução.
Como permitiu uma alteração da causa de pedir, plasmada no requerimento apresentado pelo exequente na contestação à oposição deduzido pelo executado, ao ponto de se indicar nos autos como bens da sociedade os bens pessoais do ora executado, pronunciando-se a Meritíssima Juíza sobre o direito de propriedade dos mesmos, como se depreende do ponto 12 dos factos tidos como provados (sublinhado é nosso).
10 - Tanto mais que, o exequente, alega na sua douta contestação à oposição, que todos os elementos estruturais inerentes à actividade da executada CC Lda., transitaram para a empresa – “DD, Lda.”, constituída em 12 de Novembro de 2007, portanto, um ano após, a entrada em juízo da presente execução, porém, cerca de um ano antes da decisão da dissolução e liquidação da executada em 31/12/2008.
11 - Acresce que, a presente execução deu entrada em juízo no ano de 2006, ficou parada por culpa exclusiva do exequente até o ano 2012, sem que o tribunal procedesse à sua extinção com base no disposto no art.º 285º do anterior C.P.C.
12 - E, assim, o requerimento apresentado pelo exequente a fls. .., nem sequer, deveria ter sido admitido face ao referido normativo legal.
13- Não obstante, o executado / recorrente até admite, como aliás resulta do seu depoimento de parte que os materiais, estruturas e trabalhadores da sociedade executada transitaram para a sociedade DD.
14 - Porém, tal transmissão, é apenas meramente material e não formal, uma vez que, dos elementos contabilísticos existentes nos autos, não resulta a existência desses materiais como activos da empresa, o que de facto acontece, mesmo antes das empresa DD, Lda. ter sido constituída.
15 - Pelo que, tal transferência a ser efectuada, ocorreu de forma material, não tendo existido entre uma e outra empresa a atribuição de qualquer valor, uma vez que, conforme já se referiu, atento o valor daqueles e a sua idade já nem sequer constavam na contabilidade da sociedade unipessoal como activo da empresa.
16 - É aliás o que resulta dos depoimentos das testemunhas ANTÓNIO (depoimento prestado dia 23/05/2013 de 00:00:01 a 00:20:20) e, JOSÉ (depoimento prestado dia 23/05/2013 de 00:00:01 a 00:14:48).
17 - Dos depoimentos das testemunhas não resulta em algum momento, que o executado pretendeu preservar o património da sociedade, para se eximir ao cumprimento das suas obrigações enquanto sócio da executada. Até porque, atenta a natureza e dimensão da própria sociedade, tal património tinha um valor diminuto se não inexistente.
18 - Neste sentido também, as declarações do próprio executado a instâncias da Meritíssima Juíza a quo, do advogado da executada.
19 - Até, porque, o executado só teve conhecimento da existência da presente execução seis (6) anos após, o exequente ter instaurado a mesma.
20 - Desta forma, não deveria a Meritíssima Juíza a quo ter dado como provado o disposto no ponto 11 da douta sentença.
21- Ao fazê-lo, fez uma interpretação errada dos factos, apreciou mal a prova e decidiu de forma errada.
22 - Por último, declara, a Meritíssima Juíza a quo como provado que “com os rendimentos resultantes da sociedade executada o executado adquiriu o prédio referido em 9”, o sublinhado é nosso.
23 - Porém, que o referido prédio foi arrematado pelo executado enquanto pessoa singular, em 12/07/2002, por dívidas de terceiros a si enquanto pessoa singular e, não à sociedade CC, Lda., no âmbito do processo de execução ordinária que aquele instaurou contra – António … e que correu termos neste tribunal sob o proc. n.º 121/2002.
24 - Pelo que, se trata de um bem adquirido pelo próprio executado a título pessoal e cerca de quatro (4) anos antes de ser instaurada a acção judicial contra a sociedade unipessoal (2006) cuja sentença posteriormente, decretada serviu de base à presente execução.
25 - Desta forma, ao declarar como declarou provado o ponto 12 da douta sentença, ignorou a Meritíssima Juíza o documento junto a fls…, no qual, expressamente se refere que a referida parcela de terreno foi adquirida pelo executado enquanto pessoa singular ao dito António …, no âmbito do processo judicial de execução ordinário por dívidas contraídas por este, referentes ao ano 2000, mesmo antes da sociedade CC Lda., existir.»
O exequente contra-alegou, batendo-se pela confirmação do julgado.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões essenciais colocadas à apreciação desta Relação, consubstanciam-se em saber:
- se o oponente/executado é parte ilegítima;
- se deve ser alterada a matéria de facto;

III - FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Na sentença foram dados como provados os seguintes factos:
1. Por sentença datada de 30/08/2006, proferida na acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, que correu termos sob o número 204/05.0TBPCR, no Tribunal Judicial de Paredes de Coura, a sociedade “CC, Lda.” foi condenada a pagar ao exequente o valor de € 7.850,00 acrescido de juros vencidos e vincendos, relativamente a cada uma das quantias constantes das facturas juntas aos autos, desde as respectivas datas de emissão até efectivo e integral cumprimento.
2. A 26/01/2006, o exequente intentou a acção executiva a que estes autos se encontram apensos – apenso A
3. Encontra-se registada, mediante Inscrição 1, Ap. 3, de 07/11/2001, a constituição da sociedade “CC, Lda.”, do registo constando como único sócio, AA, conforme certidão de fls. 78 e seguintes dos autos de execução, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4. Conforme acta n.º 14, datada de 31/12/2008, constante de fls. 80 dos autos de execução, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, foi deliberado pelo sócio único da executada, a dissolução e encerramento da mesma.
5. Encontram-se registadas, mediante Inscrição 3, Ap. 1, de 09/12/2012, a dissolução e encerramento da sociedade “CC, Lda.”, conforme certidão de fls. 78 e seguintes dos autos de execução, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
6. Por despacho datado de 07/03/2012, foi determinada a continuação da acção executiva, apensa a estes autos, contra o sócio único da sociedade executada.
7. Encontra-se registada, mediante Inscrição 1, Ap. 5, de 12/11/2007, a constituição da sociedade “DD, Lda.”, do registo constando como sócio gerente, AA, conforme certidão de fls. 22 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8. Encontra-se inscrito a favor de AA, na matriz predial urbana sob o artigo 402, da freguesia de Mozelos, concelho de Paredes de Coura, o prédio destinado a habitação com 3 pisos e tipologia T4, resultante de ampliação do prédio urbano inscrito matriz predial sob o artigo 342, conforme certidão constante de fls. 23 e 24 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
9. Encontra-se inscrito a favor de AA, na matriz predial urbana sob o artigo 396, da freguesia de Mozelos, concelho de Paredes de Coura, o terreno destinado a construção, com área total de 5.500,0000 m2 e área de implantação de 184.4200 m2, conforme certidão constante de fls. 25 e 26 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
10. Os materiais, estruturas e trabalhadores da sociedade executada transitaram para a sociedade referida em 7.
11. Com o referido em 10 pretendeu o executado preservar o património da sociedade a fim de eximir-se ao cumprimento das suas obrigações enquanto sócio da executada.
12. Com rendimentos resultantes da sociedade executada, o executado adquiriu o prédio referido em 9.

E foram considerados não provados os seguintes factos:
1. À data em que a sociedade executada foi dissolvida inexistiam quaisquer bens na titularidade da mesma.
2. Na sequência do referido em 4 e 5, inexistiu partilha ou entrega de quaisquer bens ou direitos da sociedade executada.
3. Com os rendimentos resultantes da sociedade executada, o executado adquiriu e fez remodelações no prédio que constituía o artigo matricial 342, dando depois origem ao artigo 402 (prédio referido em 8)?

O DIREITO
Da ilegitimidade do oponente/executado
São realidades distintas, sujeitas a regimes igualmente distintos, a dissolução e liquidação da sociedade e a sua extinção.
Na verdade, uma sociedade dissolvida e em liquidação não está extinta: a extinção só se verifica com a inscrição, no registo, do encerramento da liquidação (art. 160º, nº 2, do CSC). Como refere o Prof. Raúl Ventura[2], a fattispecie extintiva da sociedade é complexa, integrando um facto que coloque a sociedade na fase de liquidação e um processo de liquidação lato sensu (mais ou menos complexo): a extinção é um efeito legal do registo do encerramento da liquidação.
Como se escreveu no Acórdão do STJ de 26.06.2008[3], «dissolvida a sociedade, esta entra em liquidação (art. 146º/1), mantendo ainda a sua personalidade jurídica (art. 146º/2). Os seus administradores passam a ser liquidatários, salvo disposição estatutária ou deliberação noutro sentido (art. 151º/1), competindo-lhes, em tal veste, ultimar os negócios pendentes, cumprir as obrigações da sociedade, cobrar os créditos, reduzir a dinheiro o património residual e propor a partilha dos haveres sociais (art. 152º/3). Com a proposta respectiva, submetem à deliberação da sociedade (art. 157º/4) um relatório completo da liquidação, acompanhando as contas finais (art. 157º/1). Aprovada a deliberação, será requerido o registo do encerramento da liquidação - e é com este registo que, finalmente, a sociedade exala o último suspiro, isto é, se considera “extinta, mesmo entre os sócios” e sem prejuízo das acções pendentes ou do passivo ou activo supervenientes[4].
Com a extinção, deixa de existir a pessoa colectiva, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem, como flui do disposto nos arts. 162º, 163º e 164º.
Estes normativos tratam de matérias conexas, todas elas derivadas da subsistência de relações jurídicas depois de extinta a sociedade.
Assim, no tocante às acções pendentes em que a sociedade seja parte, elas continuam após a extinção desta, que se considera substituída – sem que haja lugar a suspensão da instância, uma vez que não é necessária habilitação – pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários».
Ora, foi precisamente isto que sucedeu no caso em apreço, considerando a factualidade elencada nos pontos 4, 5 e 6 dos factos provados e como resulta, aliás, do processo de execução a que a presente oposição de encontra apensa.
Na verdade, após ter sido deliberado pelo aqui oponente - único sócio da sociedade executada - a dissolução e o encerramento da sociedade, e após o registo do encerramento da liquidação, veio o exequente requerer a fls. 77 da execução, o prosseguimento desta contra o oponente enquanto único sócio liquidatário da sociedade extinta.
E, por despacho de 07.03.2012, a fls. 81-82 dos mesmos autos de execução, foi determinada «a continuação da presente acção executiva contra o único sócio da executada, AA, que nos termos do artigo 162º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais substitui a sociedade extinta, nos termos dos artigos 163º, nºs 2, 4 e 5, do mesmo diploma legal, sem prejuízo do disposto no artigo 158º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais, respondendo este pelos bens sociais e até ao montante que recebeu na partilha».
Tudo em conformidade, pois, com as disposições legais aplicáveis.
Não se compreende por isso o alegado pelo recorrente na conclusão 8ª de que a Mm.ª Juíza a quo «deveria ter referido expressamente no dito despacho que a execução prosseguiria os seus termos contra o único sócio da sociedade enquanto representante daquela», quando é isso precisamente isso que resulta desse despacho.
A execução prosseguiu contra quem tinha de prosseguir, o aqui oponente, enquanto único sócio da sociedade extinta, sendo evidente que o facto do mesmo não figurar no título executivo (a sentença condenatória dada à execução) não acarreta a sua ilegitimidade, como erradamente conclui o recorrente[5].

Da impugnação da matéria de facto
Como resulta do artigo 662º, nº 1, do CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se os factos tidos como assentes e a prova produzida impuserem decisão diversa.
Do processo constam os elementos em que se baseou a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto – documentos e depoimentos testemunhais registados através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do Tribunal.
Considerando o corpo das alegações e as suas conclusões, pode dizer-se que o recorrente cumpriu minimamente os ónus impostos pelo artigo 640º, nºs 1 e 2, do CPC.
No que respeita à questão da alteração da matéria de facto face à incorrecta avaliação da prova testemunhal cabe a esta Relação, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 662º do CPC, e enquanto tribunal de 2ª instância, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto.
Presente deve ter-se, outrossim, que o sistema legal, tal como está consagrado, com recurso à gravação sonora dos meios probatórios oralmente produzidos, não assegura a fixação de todos os elementos susceptíveis de condicionar ou influenciar a convicção do julgador perante o qual foram produzidos os depoimentos em causa, sofrendo a apreciação da matéria de facto pela Relação, naturalmente, a limitação que a inexistência da imediação de forma necessária acarreta.
Feitas estas breves considerações, vejamos então a factualidade posta em causa pelo recorrente e o que se afere dos meios de prova que na 1ª instância estiveram na base da decisão de facto proferida.
Estão em causa as respostas dadas aos pontos 4 e 6 da base instrutória que correspondem aos pontos 11 e 12 dos factos provados da sentença, do seguinte teor:
«11. Com o referido em 10 pretendeu o executado preservar o património da sociedade a fim de eximir-se ao cumprimento das suas obrigações enquanto sócio da executada.
12. Com rendimentos resultantes da sociedade executada, o executado adquiriu o prédio referido em 9.»
O referido em 10 é o seguinte: «Os materiais, estruturas e trabalhadores da sociedade executada transitaram para a sociedade referida em 7.»
E a sociedade referida em 7 é a sociedade “Traço Marcante – Construção Civil, Lda.”, da qual consta como sócio gerente o aqui oponente.
A Mm.ª Juíza a quo fundamentou a resposta aos pontos 4 e 6 da base instrutória do seguinte modo:
«A prova dos factos constantes do ponto 4 resultou da conjugação das declarações das testemunhas ouvidas em audiência, com o depoimento do próprio executado e, bem assim, com os documentos juntos aos autos.
Assim, o executado confessou que os bens pertencentes à sociedade executada transitaram para a empresa DD, da qual é sócio gerente. Por outro lado, as testemunhas ouvidas em audiência, muito particularmente António e José, que referiram ter trabalhado para o executado, esclareceram que, a certa altura, no período em que para aquele trabalhavam, e sem que dessem pela alteração de qualquer circunstância relevante, de um momento para o outro, o recibo do seu vencimento passou a ser emitido em nome da sociedade DD, quando até essa data havia sempre sido emitido em nome da sociedade executada. Acresce ainda, que a testemunha José Luís referiu inclusive que as frotas e as carrinhas da sociedade executada eram as mesmas da sociedade DD. Ora, a dívida que se executa nos presentes autos encontra-se titulada por sentença proferida em 30.08.2006, já transitada em julgado. Resulta também dos autos que, em 31.12.2008 foi deliberada a dissolução da sociedade executada, a qual foi registada em 9.12.2012. Em face da dissolução da sociedade executada, os bens que esta detinha transitaram para a sociedade DD entretanto constituída e da qual é sócio gerente AA.
Ora, da conjugação de todos os factos expostos resulta indiscutivelmente que a sociedade executada, ré naquela acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias e AA, à data da dissolução daquela, não desconheciam a existência da referida dívida. Sucede que, não obstante tal facto, o executado declarou que a sociedade executada não tinha dívidas aquando da dissolução e transmitiu os bens para a sociedade DD, sem que no entanto tivesse procedido ao pagamento da quantia em dívida.
Da conjugação de todos estes factos resulta claro que através da passagem dos trabalhadores, materiais e estruturas para a sociedade DD, bem sabendo que a sociedade detinha dívidas para com terceiros, o executado teve por objectivo preservar esse património, pois se assim não fosse, em primeiro lugar teria procedido ao pagamento das dívidas e só depois, diligenciaria pelo destino a dar aos bens».
Ouvidos os depoimentos produzidos em sede de audiência de julgamento, considerada a demais factualidade provada e a dinâmica processual subjacente ao caso, subscrevemos integralmente a análise da prova feita pela Mm.ª Juíza, pelo que não temos a menor dúvida em afirmar que o objectivo da transição dos bens da sociedade executada para a sociedade DD, foi o de preservar o património da primeira, subtraindo-o aos seus credores, nomeadamente ao aqui exequente/oposto.
As partes das passagens dos depoimentos das testemunhas António e José, em nada infirmam aquela factualidade, antes a corroboram, sendo que a demais factualidade provada não deixa margem para quaisquer dúvidas sobre o verdadeiro propósito do executado/oponente.
Na verdade, sabendo este da dívida da sociedade para com o exequente, a qual remonta à data da prolação da sentença dada à execução, em 30.08.2006, não deixou o oponente de deliberar, aquando da dissolução da sociedade, em 31.12.2008, que a mesma não tinha, àquela data “qualquer activo nem passivo” (cfr. doc. de fls. 80 da execução).
Estes factos falam por si.
Bem andou, pois, a Mm.ª Juíza a quo em dar como provado o ponto 4 da base instrutória, que transitou para o ponto 11 dos factos provados da sentença.
O mesmo se diga, outrossim, da resposta ao ponto 6 da referida base, cuja factualidade constitui o ponto 12 do elenco dos factos provados da sentença.
Como se colhe da fundamentação da decisão de facto, a prova do facto em causa, ou seja, que com os rendimentos provenientes da sociedade executada, o executado/oponente adquiriu o prédio a que se alude no ponto 9 dos factos provados supra, resultou, essencialmente, da certidão de fls. 131 a 150.
Como aí acertadamente se escreveu, «(…) o imóvel em apreço foi adquirido pelo executado em arrematação judicial no âmbito de uma execução que tinha na sua base letras nas quais figuravam como sacadora CC, Lda. Resulta assim que o dito prédio foi adquirido através de um crédito que a sociedade executada detinha sobre um terceiro, obviamente resultante da sua actividade, o que configurava seus rendimentos. Refira-se que se afigura irrelevante o facto de à data da adjudicação, CC, Lda. já ter cessado a sua actividade».
É completamente falso o alegado pelo recorrente na conclusão 23ª, pois resulta da certidão de fls. 131 a 150, nomeadamente a fls. 141 a 143, que o executado/oponente apresentou uma proposta para aquisição do imóvel em causa no dia 30.03.2009 e não em 12.07.2002, ou seja, muito depois da sentença que condenou a sociedade executada e que constitui o título dado à presente execução.
Resulta assim do exposto, que não se vislumbra uma desconsideração da prova produzida, mas sim uma correcta apreciação da mesma, não se patenteando a inobservância de regras de experiência ou lógica, que imponham entendimento diverso do acolhido. Ou seja, no processo da formação livre da prudente convicção do Tribunal a quo não se evidencia nenhum erro que justifique a alteração da decisão sobre a matéria de facto, designadamente ao abrigo do disposto no art. 662º do CPC.
Assim, teremos de concluir que, perante a prova produzida, bem andou a Mm.ª Juiz a quo na decisão sobre a matéria de facto, mantendo-se nos exactos termos as respostas aos artigos 4º e 6º da base instrutória.

Não se condena o executado/oponente por litigância de má-fé, por se considerar que posição assumida no recurso é mais fruto de equívoco na leitura dos factos que de atitude obstrutiva à acção da justiça.

Sumário:
I - Com a extinção da sociedade, deixa de existir a pessoa colectiva, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem, como resulta do disposto nos artigos 162º, 163º e 164º do Código das Sociedades Comerciais.
II - Assim, no tocante às acções pendentes em que a sociedade seja parte, elas continuam após a extinção desta, que se considera substituída – sem que haja lugar a suspensão da instância, uma vez que não é necessária habilitação – pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários.
III – Os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha.

IV – DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes desta Secção Cível em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga.

Guimarães, 26 de Março de 2015
Manuel Bargado
Helena Gomes de Melo
Amílcar Andrade
____________________________________
[1] A execução foi inicialmente proposta contra a sociedade Manuel Augusto Nogueira – Unipessoal, Lda., tendo depois prosseguido contra o oponente.
[2] Dissolução e Liquidação de Sociedades, Almedina, 1987, pp. 436 e ss.
[3] Proc. 08B1184 (relator Santos Bernardino), in www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, 3ª ed., p. 546.
[5] Também não faz o menor sentido a afirmação do recorrente que o aludido despacho de 07.03.2012 - há muito, aliás, transitado em julgado -, «permitiu uma alteração da causa de pedir, plasmada no requerimento apresentado pelo exequente na contestação à oposição deduzido pelo executado», pois a causa de pedir na acção executiva é o facto jurídico concreto donde emerge o direito, o qual não sofreu alteração com o prosseguimento da execução contra o oponente.