Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
68/10.1GCBRG.G1
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: TRANSCRIÇÃO
MENSAGENS SMS
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL
JUIZ
PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Da interpretação da norma do artº 189º, nº 1 do CPP, na redação da Lei 48/07 de 29 de Agosto, decorre que a transcrição de mensagens sms existentes no telemóvel de um queixoso pode valer como prova apesar de não ter sido ordenada pelo juiz de instrução.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

No Tribunal Judicial de Amares, em processo comum com intervenção do tribunal singular (Proc. nº 68/10.1GCBRG), foi proferida sentença que condenou a arguida Susana C...:
1 - por um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, do C.P., na pena de setenta dias de multa, à taxa diária de seis euros.
2.- por um crime de ameaça, previsto e punido pelos artigo 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, do C.P., na pena de setenta dias de multa à taxa diária de seis euros.
3 – em cúmulo jurídico destas penas parcelares na pena única de cento e vinte dias de multa, à taxa diária de seis euros.
4 – condenou a arguida e demandada cível Susana C... a pagar à demandante Maria G... a quantia de oitocentos euros, acrescida de juros de mora desde a data de notificação dos pedidos de indemnização civil até integral pagamento.
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A arguida Susana C... interpôs recurso desta sentença.
Suscita as seguintes questões:
- não podia ser valorado o auto fls. 64, no qual foi feita a transcrição do conteúdo de mensagens existentes no telemóvel da assistente; e
- impugna a decisão sobre a matéria de facto, visando, alterada esta, a sua absolvição da acusação e do pedido cível.
- invoca a violação do princípio in dubio pro reo.
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Respondendo, a magistrada do MP junto do tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso.
Nesta instância, o sr. procurador-geral adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.
Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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I – Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos (transcrição):
1.- No dia 21-01-2010, a arguida enviou as seguintes mensagens de texto do telemóvel com o nº934905152 para o telemóvel da ofendida Maria G. com o nº...593310 com o seguinte teor: 15h29 “… o que t queres minha puta, o teu dia está a chegar.”; 17h21 “deixa t estar quando te apanhar tv vais gozar entusa maneira vai t rindo”; 17h24 “tu pensas k sou como a minha mãe, mas não sou, estas avisada e e bom k deixes a minha mãe em paz.”; 18h01 “estas fodida, vais levar mal t veja.”; 18h09 “não sabes com quem t metes e tu vais ver puta, puta és tu e vais levar disso garanto t seja onde for… bom que me deixes em paz a mim e a minha mãe estas bem avisada.”; 22h38 “vais engolir tudo o que disses t mais cedo do k imaginas … puta do caralho ao menos não estranho casamentos nem tenho filhos de uns e outros como tu p.”; 22h58 “força estou cheinha de medo… pior e quando levares prostituta …”; 23h20 “… és puta e nem vale a pena falar com putas. eu so estou à espera de t apanhar estas avisada.”
2. Ao agir como acima descrito, a arguida fê-lo de forma livre e consciente, com o propósito de perturbar, como perturbou, a liberdade de decisão e de acção e o sentimento de segurança da ofendida, causando-lhe, medo e inquietação, e de ofender a honra e o bom nome da assistente, o que veio a conseguir.
3. A arguida sabia que as suas condutas eram previstas e punidas por lei.
4.- A arguida não tem antecedentes criminais.
5.- Na sequência da conduta da arguida, a assistente sentiu-se humilhada, vexada e triste.
6.- A arguida aufere um rendimento mensal de 146 euros, vive com a mãe e tem o 8.º ano de escolaridade.
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Transcreve-se igualmente a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, apreciada à luz das regras de experiência comum e de normalidade, designadamente, na conjugação das declarações da arguida e da assistente Maria R..., com o depoimento da testemunha Ana F... e auto de transcrição de fls. 64.
E da conjugação destes meios de prova, ajuizou o Tribunal que a arguida praticou os factos descritos na acusação.
Com efeito, e não obstante a arguida ter negado a prática dos factos, a verdade é que a testemunha Ana F..., ex-namorada do irmão da arguida, referiu que quando a assistente lhe mostrou essas mensagens confirmou que o número de telemóvel donde essas mensagens foram enviadas era o número de telemóvel para o qual telefonava sempre quando pretendia contactar a arguida, e que nessas alturas, era sempre a arguida que atendia esse telefone.
Acrescentou, ainda, com relevância para o apuramento dos factos, que o irmão da arguida e seu ex-namorado tinha um telemóvel com o indicativo 9... e nunca atendeu o telemóvel usado pela arguida que tinha o indicativo 9....
Resultou, portanto, deste depoimento, e ao contrário do que referiu a arguida e as testemunhas de defesa Maria C... e Helena C..., que o número de telefone em discussão dos autos era utilizado exclusivamente pela arguida.
É certo que se nos ativermos às declarações da arguida, da assistente e destas duas testemunhas de defesa, ficamos com sérias dúvidas de que as mensagens em causa nos autos, não obstante ser patente a animosidade entre a arguida e a sua família e a assistente, dada a relação extra-conjugal que esta tem com o pai da arguida, foram efectivamente redigidas e enviadas pela arguida.
No entanto, tais dúvidas, esfumaram-se facilmente com o depoimento claro, isento, objectivo e coerente com as informações de Fls. 98 e 137, da testemunha Ana F....
Dito isto, perante este quadro probatório, ajuizou o Tribunal que a arguida praticou os factos descritos na acusação.
Por fim, foi relevante o C.R.C. junto aos autos quanto aos antecedentes criminais da arguida, e as suas declarações quanto à sua situação sócio económica.
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FUNDAMENTAÇÃO
1 – A proibição de valoração do auto de transcrição de fls. 64
Por despacho proferido a fls. 7 dos autos o magistrado do MP titular do inquérito ordenou a transcrição das mensagens sms existentes no telemóvel da queixosa nº ...593310. A transcrição foi feita no Auto de fls. 64 e 65, através de visionamento do telemóvel.
Entende a recorrente que a transcrição não pode valer como prova por não ter sido ordenada pelo juiz de instrução.
A solução está na interpretação da norma do art. 189 nº 1 do CPP, na redacção da Lei 48/07 de 29 de Agosto –“O disposto nos arts. 187 e 188 (que genericamente tratam das «escutas telefónicas») é correspondentemente aplicável às conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, mesmo que se encontrem guardadas em suporte digital”.
Entre o momento em que uma sms é enviada e aquele em que é lida medeia sempre algum tempo. Enquanto a mensagem não for “aberta” e lida pelo destinatário, a transmissão da comunicação não está completa. Durante todo esse tempo a sua intercepção está sujeita às regras das intercepções das comunicações telefónicas.
O bem tutelado é o direito à reserva da vida privada, que só pode ser postergado mediante prévia decisão judicial. Nada de substancial, quanto aos valores tutelados, diferencia uma sms da demais correspondência trocada entre particulares, sejam cartas, telegramas, encomendas, ou qualquer outra forma de correio.
Uma vez aberto o envelope duma carta, esta fica na disponibilidade do destinatário, que a poderá livremente mostrar a quem entender. O mesmo se passa com a sms. Depois de a ler, o dono do telemóvel do destino pode simplesmente apagá-la ou mostrá-la a quem entender.
A sms pode continuar a existir no suporte digital do telemóvel enquanto não for apagada, isto é, se for «guardada». Tal como a carta que, depois de lida, pode voltar a ser colocada no envelope, também a sms, igualmente depois de lida, pode continuar guardada em suporte digital.
A lei continua a proteger a mensagem assim «guardada». Mantém-se a tutela do direito à reserva da vida privada do titular do telemóvel, quanto aos dados contidos no seu próprio sistema informático, contra intromissões de terceiros.
Ora, o direito à reserva da vida privada é um bem disponível. Na realidade, nenhuma norma ou princípio da ordem jurídica impedem cada um de expor, ou partilhar com outrem, factos da sua vida privada.
No caso destes autos, em 22-1-2010 a assistente Maria G. apresentou queixa contra a arguida Susana Carvalho por esta ter enviado para o seu telemóvel mensagens com os dizeres que posteriormente foram transcritos a fls. 64. Todo o comportamento processual da assistente permite o juízo de que a transcrição foi feita de acordo com os seus desejos e interesses.
Assim sendo, não procede a arguição pela arguida de que “nunca foi dado consentimento expresso ou tácito pela assistente para se proceder à transcrição…”. Usando uma expressão da linguagem corrente, é a arguida a assumir as dores da assistente. A protecção do conteúdo de sms já lidas, abrange apenas o titular do telemóvel. A arguida invoca uma pretensa violação dum direito da assistente, para, perversamente, impedir que esta prossiga os seus fins processuais. Naturalmente, carece de legitimidade para “defender” os interesses da “parte” contrária.
É um entendimento que, embora não seja pacífico, se afigura de acordo com o regime resultante da Lei 109/09 de 15-9 (Lei do Cibercrime), nomeadamente dos seus arts. 11 nº 1 al. b), 15 nºs 1, 2 e 6 e 17.
É certo que estas normas, que tratam da obtenção, pesquisa e apreensão de dados armazenados em sistemas informáticos, em mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, prevêem a intervenção do juiz. Mas tal intervenção impõe-se apenas quando os dados pretendidos não estão acessíveis, quando não são espontaneamente fornecidos por quem pode dispor deles livremente. Só nesses casos é obrigatória a intervenção do juiz de instrução, que terá de ponderar e decidir qual dos valores conflituantes deverá prevalecer: o respeito pela reserva da vida privada, ou o interesse da administração da justiça.
No sentido da solução aqui assumida, é significativa a norma do art. 15 nº 6 da referida Lei 109/09 de 15-9, nos termos da qual “à pesquisa a que se refere este artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras de execução das buscas previstas no Código de Processo Penal”. Também as buscas domiciliárias não são permitidas sem a prévia ordem ou autorização do juiz (art. 177 nº 1 do CPP). Mas nada impede que o morador da habitação leve voluntariamente à justiça o bem que esta procura. Pode até o visado consentir na busca, prescindindo da ordem judicial – art. 174 nº 5 al. b) do CPP. O caso em apreço é similar.
Entendimento contrário transtornaria, de modo injustificável, aspectos significativos da vida moderna.
As normas acima referidas equiparam as mensagens de correio electrónico ou os registos de comunicações de natureza semelhante a todos os demais sistemas de natureza informática.
Veja-se, nomeadamente, o art. 17 da Lei 109/09 de 15-9 (Lei do Cibercrime), que dispõe:
“Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal”.
Os actuais computadores pessoais são “sistemas informáticos”, que “armazenam” “dados informáticos” (entre os quais, “mensagens de correio electrónico e registos de comunicações”). São utilizados pela generalidade dos seus proprietários para os mesmos fins que, noutros tempos, tinham os arquivos pessoais de dados e documentos, sobre os quais nunca foi questionada a possibilidade do proprietário poder dispor deles livremente. Afigura-se desproporcionada a ideia de que o legislador pretendeu impor, a cada cidadão proprietário de um computador pessoal, que só possa fornecer a um tribunal os dados que nele possui depois de prévia autorização do juiz. Seria um entendimento pouco harmonioso com teleologia da lei, que visa a protecção do proprietário do sistema informático contra atentados de terceiros à privacidade dos seus próprios dados (e não a protecção dos terceiros). E igualmente pouco harmoniosa com a perspectiva do juiz de instrução enquanto garante de direitos e liberdades, que é a do nosso processo penal.
Seria uma solução que levaria a consequências surpreendentes: o proprietário do sistema informático passaria a poder livremente exibir, facultar ou retransmitir a qualquer pessoa as mensagens e dados que armazenou (ou «guardou», para usar a terminologia do art. 189 nº 1 do CPP), desde que essa pessoa não seja uma autoridade judiciária. Na realidade, a retransmissão e exibição de mensagens recebidas, seja através de sms, mails ou outros meios informáticos, é actualmente uma prática diária de milhões de pessoas em todo o planeta.
Finalmente, ainda o mesmo art. 17 da Lei do Cibercrime trata da apreensão de dados “no decurso de uma pesquisa informática…”.
«Pesquisar» significa “procurar com diligência, esquadrinhar” – Dicionário da Porto editora, 3ª ed. Quem “pesquisa” normalmente não tem certezas sobre o que vai encontrar, ou sobre o lugar onde vai encontrar. É o uso de um termo adequado à procura feita num sistema informático sem a vontade do seu proprietário. Mas que fica sem sentido quando é o próprio proprietário a pretender fornecer os dados que tem guardados. Neste caso, não há «pesquisa», mas simples «recolha» dos dados fornecidos, como foi nestes autos.
Improcede, pois, a arguida proibição de valoração do conteúdo do auto de transcrição de fls. 64.
2 – A impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Nesta parte, a argumentação do recurso assenta num equívoco: o de que a relação pode fazer um novo julgamento da matéria de facto, decidindo, através da consulta do registo da prova e dos elementos dos autos, quais os factos que considera «provados» e «não provados». Como escreveu o Prof. Germano Marques da Silva, talvez o principal responsável pelas alterações introduzidas no CPP pela Lei 59/98 de 25-8, “o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância” – Forum Justitiae, Maio/99. É que “o julgamento a efectuar em 2ª instância está condicionado pela natureza própria do meio de impugnação em causa, isto é, o recurso… Na verdade, seria manifestamente improcedente sustentar que o recurso para o tribunal da Relação da parte da decisão relativa à matéria de facto devia implicar necessariamente a realização de um novo julgamento, que ignorasse o julgamento realizado em 1ª instância. Essa solução traduzir-se-ia num sistema de “duplo julgamento”. A Constituição em nenhum dos seus preceitos impõe tal solução…” – ac. TC de 18-1-06, DR, iiª série de 13-4-06.
Por isso é que as als. a) e b) do nº 3 do art. 412 do CPP dispõem que a impugnação da matéria de facto implica a especificação dos «concretos» pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados e das «concretas» provas que impõem decisão diversa. Este ónus tem de ser observado para cada um dos factos impugnados. Em relação a cada um têm de ser indicadas as provas concretas que impõem decisão diversa (é mesmo este o verbo - «impor» - utilizado pelo legislador) e em que sentido devia ter sido a decisão. É que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução.
Não concretiza aquele Professor a que “vícios” se refere, mas alguns poderão ser sumariamente indicados.
Por exemplo, se o tribunal a quo tiver dado como provado que A bateu em B com base no depoimento da testemunha Z, mas se da transcrição do depoimento de tal testemunha não constar que ela afirmou esse facto, então estaremos perante um erro manifesto no julgamento. Aproveitando ainda o mesmo exemplo, também haverá um erro no julgamento da matéria de facto se, apesar da testemunha Z afirmar que A bateu em B, souber de tal facto apenas por o ter ouvido a terceiros. Aqui estaremos perante uma indevida valoração de meio de prova proibido (arts. 129 e 130 do CPP), que pode ser sindicada pela relação. Poderá ainda afirmar-se a existência de um “vício” no julgamento da matéria de facto, quando a decisão estiver apoiada num depoimento cujo conteúdo, objectivamente considerado à luz das regras da experiência, deva ser considerado fruto de pura fantasia de quem o prestou.
O recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art. 127 do CPP. A decisão do tribunal há-de ser sempre uma “convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais” – Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. I, ed.1974, pag. 204.
Por outro lado, a livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância. Como ensinava o Prof. Alberto do Reis “a oralidade, entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal”. E concluía aquele Professor, citando Chiovenda, que “ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar” – Anotado, vol. IV, pags. 566 e ss.
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A argumentação da motivação do recurso consiste na análise da prova produzida no julgamento e na extracção das conclusões que a recorrente tem por pertinentes.
Na realidade, os recorrentes faz a sua própria análise crítica da prova para concluir que o essencial dos factos deveria ter sido considerado não provado. Mas o momento processualmente previsto para o efeito são as alegações finais orais a que alude o artigo 360 do CPP. A impugnação da decisão da matéria de facto não se destina à repetição, agora por escrito, do que então terá sido dito. Fica-se a saber qual teria sido a decisão se a arguida/recorrente tivesse sido a juiz do seu próprio caso, mas isso nenhumas consequências pode ter, pois é ao juiz e não a outros sujeitos processuais, naturalmente condicionados pelas específicas posições que ocupam, que compete o ofício de julgar. Verdadeiramente, nesta parte, a procedência do recurso implicava que a Relação censurasse o tribunal recorrido por, cumprindo a lei, ter decidido segundo a sua livre convicção, conforme lhe determina o art. 127 do CPP.
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Ainda assim, dir-se-á o seguinte:
Resolvida a questão da valoração da transcrição do conteúdo das mensagens, o essencial da impugnação está na prova de que estas foram enviadas pela arguida de um telemóvel que lhe pertencia.
Nos termos da motivação, foi nuclear o depoimento da testemunha Ana Maria Fortes, ex-namorada do irmão da arguida. Volta a transcrever-se da motivação: “referiu que quando a assistente lhe mostrou essas mensagens confirmou que o número de telemóvel donde essas mensagens foram enviadas era o número de telemóvel para o qual telefonava sempre quando pretendia contactar a arguida, e que nessas alturas, era sempre a arguida que atendia esse telefone”.
Os desembargadores ouviram o registo do depoimento da Ana Maria Fortes e confirmaram que teve o sentido indicado. Foi inequívoca a afirmar que na altura leu as mensagens e confirmou que o número do telemóvel de origem era da arguida – v. minuto 1,49 e ss.
No mais, há factos circunstanciais que se harmonizam e são coerentes com o que disse a Ana Maria – as más relações existentes entre arguida e assistente explicam o comportamento. A prova deve ser toda conjugada e relacionada.
É certo que podem ser conjecturadas muitas hipóteses para alguém, que não a arguida, ter enviado as mensagens do telemóvel em causa. Por exemplo, pode alguém, sabedor das más relações existentes, ter subtraído o telemóvel à arguida e enviado as mensagens com o fito de as mesmas serem imputadas a pessoa inocente.
Porém, este é, por excelência, um dos campos da livre convicção do julgador, apreende a prova com imediação e oralidade. Não se demonstrando que as conclusões a que a julgadora chegou, face à prova produzida, colidem com as regras da experiência, deve manter-se inalterada a matéria de facto.
Só mais uma nota: o tribunal não tem de desmontar uma a uma todas as hipóteses, mais ou menos fantasiosas, que a terem ocorrido levariam à absolvição (no caso que não existiu a subtracção do telemóvel). Não há que provar que cada uma das hipóteses alternativas não ocorreu. O que exige o princípio da presunção da inocência é só a absolvição em caso de dúvida, pelo que se o tribunal, pelo conjunto das provas praticadas, está convencido da inexistência de circunstâncias justificativas ou desculpantes, poderá condenar com base na prova dos factos constitutivos do crime – v. Germano Marques da Silva, Processo Penal, vol. II, ed. 1.999, pag. 108.
Finalmente, invoca ainda a recorrente a violação do princípio in dubio pro reo.
Este princípio é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A sua violação pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido – ac. STJ de 24-3-99 CJ stj tomo I, pag. 247.
Ora no texto da sentença não se vislumbra que o sr. juiz tenham tido dúvidas sobre a prova de qualquer dos factos que considerou provados, pelo que improcede a invocada violação.
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Não vêm questionadas a incriminação nem as penas concretas para o caso dos factos se manterem inalterados.
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DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães negam provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
A recorrente pagará 3 UCs de taxa de justiça.