Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1096/13.0PBGMR.G1
Relator: ANA TEIXEIRA E SILVA
Descritores: DEPOIMENTO DE PARTE
RECUSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Os progenitores de quem vive, ou viveu, em união de facto com o arguido não podem recusar-se a depor como testemunhas
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes, em conferência, na Secção Penal da Relação de Guimarães
I – RELATÓRIO
VÍTOR X... veio interpor recurso do despacho proferido na audiência de julgamento de 01/07/2014 Documentado a fls. 149. e da sentença que pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artº 152º, nºs 1, als. b) e c), 2, 4 e 5, e um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artºs 153º, nº1, e 155º, nº1, al. a), todos do CP, o condenou nas penas parcelares de 26 e 7 meses de prisão, e a final, na pena única de 29 meses de prisão, suspensa condicionalmente na execução.
O Ministério Público respondeu, defendendo que a decisão recorrida deve ser mantida.
Nesta instância, a Srª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
O Recorrente respondeu, reiterando o pedido de revogação do despacho e sentença proferidos.
II - FUNDAMENTOS
1. O OBJECTO DO RECURSO.
A essencialidade da suscitada discordância reconduz-se à questão de saber se “a mãe do cônjuge de facto do arguido” tem o direito de recusar o depoimento, por “interpretação extensiva” do disposto no artº 134º, nº1, al. a), do CPP.
2.
A. O DESPACHO RECORRIDO.
Efectivamente, não prevê o artº 134º do Código de Processo Penal a recusa legítima de prestar depoimento no presente caso, pelo que não se considera verificada a nulidade ou irregularidade arguidas.
B. A SENTENÇA RECORRIDA.
Encontra-se provada a seguinte factualidade:
1) Durante três anos e até 16/07/2012, data em que se separaram, o arguido viveu maritalmente, em união de facto, com Helena C..., tendo dois filhos em comum;
2) No dia 25/09/2013, no processo de inquérito n° 1118/12.2PBGMR, que correu termos na 1ª Seção do Ministério Público, foi deduzida acusação contra o ora arguido, na qual lhe foram imputados factos, incluindo ameaças de morte, praticados durante a vivência em comum, bem como, depois da separação e até ao dia 05/03/2013, e o consequente crime de violência doméstica;
3) Após receber a notificação da acusação contra si deduzida, o arguido como retaliação, recomeçou o envio à Helena C... de novas mensagens contendo ameaças de morte dirigidas a ela, à sua mãe e outros familiares;
4) Com efeito, no período compreendido entre 21/10/2013, pelas 22,49 horas, e inícios do mês de Dezembro de 2013, o arguido, através do telemóvel com o cartão associado n° 935424434, enviou diariamente para o telemóvel da Helena C..., com o n° 936730... mensagens escrita SMS, nas quais afirmava que tanto ela como a sua mãe Adosinda C... e outros familiares delas já não iam chegar ao Natal e que as ia matar todos à porta do prédio onde residem, sito na Rua J..., A..., Guimarães, e também, por diversas vezes, que havia de "mandar a Adosinda C... para Angola, onde nasceu, dentro de quatro tábuas" ou seja, dentro do caixão morta;
5) Mensagens que só em inícios do mês de Dezembro deixaram de ser recebidas pela Helena C... porque esta desligou o seu o telemóvel e o cartão 936730... para lhe por termo e o arguido deixou de ter o contacto telefónico dela a partir dessa altura;
6) Perante a persistência e a reiteração do teor das mensagens mencionadas, a Helena C... e a sua mãe Adosinda C... vêm receando pela sua integridade física e pela sua vida, bem como de outros familiares com elas residentes, por temerem que o arguido, dada a animosidade contra elas demonstrada ao longo do tempo, a qualquer altura as procure e surpreenda em qualquer local e, na concretização dos seus propósitos agressivos anunciados, as moleste na sua integridade física, bem como a outros membros da família, provocando-lhes ferimentos graves e passíveis de lhes causar a morte;
7) O arguido quis e conseguiu com tais mensagens intimidar a Adosinda C..., bem sabendo serem as mesmas, pelo seu conteúdo, adequadas a provocar-lhe medo e inquietação;
8) O arguido quis e conseguiu ainda, com tais mensagens intimidar, incomodar e perturbar no seu sossego a Helena C..., bem sabendo serem as mesmas, pelo seu conteúdo, adequadas a provocar-lhe medo e inquietação, e, através de tais intimidações, amedrontamentos, incómodos e perturbações do sossego, por ele levadas afeito reiterada, persistente e persecutoriamente ao longo do referido período de tempo, enxovalhar, rebaixar, humilhar, angustiar, subjugar e sujeitar aos seus caprichos agressivos a Helena C... enquanto mulher pelo simples facto de ter sido sua companheira e ser mãe de dois filhos dele, e, deste modo, provocar-lhe doença a nível psicológico e emocional, para, assim, a condicionar na sua liberdade e capacidade de apreciação e de decisão no tocante ao seu projecto de vida a nível conjugal, com total desprezo pelo respeito a ela devido enquanto pessoa;
9) O arguido agiu de vontade livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas não eram permitidas;
10) O arguido já sofreu as seguintes condenações:
• Proc. 215/05.5PTSTB – 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, pelo crime de condução de sem habilitação legal, praticado em 04/04/05, condenado, por decisão de 05/04/05, transitada em 27/04/05, na pena de 90 dias de multa;
• Proc. 34/04.6PTSTB – 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, pelo crime de condução de sem habilitação legal, praticado em 21/02/04, condenado, por decisão de 11/1 0/05, transitada em 31/1 0/05, na pena de 90 dias de muIta;
• Proc. 404/05.2GTSTB – 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, pelo crime de condução de sem habilitação legal, praticado em 10/09/05, condenado, por decisão de 04/1 0/06, transitada em 19/10/06, na pena de 180 dias de multa;
• Proc. 1087/08.3PCSTB – 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, pelo crime de condução de sem habilitação legal, praticado em 25/06/08, condenado, por decisão de 14/07/08, transitada em 09/09/09, na pena de 7 meses de prisão, suspensa por 1 ano;
• Proc. 1215/08.9PCSTB – 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, pelo crime de ameaça, praticado em 16/07/08, condenado, por decisão de 08/06/10, transitada em 09/07110, na pena de 150 dias de multa;
• Proc. 185/09.0PFSTB – 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, pelo crime de condução de sem habilitação legal, praticado em 23/06/09, condenado, por decisão de 16/07/09, transitada em 15/05/13, na pena de 6 meses de prisão, suspensa por 1 ano, com condição;
• Proc. 1118/012.2PBGMR – 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, pelo crime de violência doméstica, praticado em 2011, condenado, por decisão de 24/01/14, transitada em 10/04/1 4, na pena de 3 anos e 2 meses de prisão, suspensa pelo mesmo período, com sujeição a deveres.
E a propósito da formação da convicção, escreveu o Mmº. Juiz do 3º Juízo Criminal de Guimarães:
A convicção do tribunal fundou-se no CRC junto aos autos e na prova produzida em audiência, que decorreu na ausência do arguido, não tendo a ofendida prestado depoimento, ao abrigo do disposto pelo art.º 134.° do Código de Processo Penal.
A testemunha e ofendida Adosinda C..., mãe da ofendida Helena C..., prestou depoimento totalmente isento e credível, confirmando que o arguido remeteu as mensagens em causa para o telemóvel da filha, mensagens que ela lhe transmitiu, retendo que o arguido dizia que havia de as matar, também a ele e que havia de a mandar para Angola dentro de quatro tábuas, entendendo tal alusão a um caixão e que não iam chegar ao Natal, referindo ainda que tais mensagens foram enviadas repetidamente, até que a sua filha mudou de número de telemóvel, não mais tendo recebido mensagens do arguido. Disse que quer ela quer a filha se sentiram perturbadas, incomodadas e com receio de que o arguido pudesse tomar qualquer atitude de atentar contra a sua integridade física ou vida, referindo também que actualmente as relações entre a sua filha e o arguido estão melhores, vivendo juntos com os dois filhos que têm em comum, em Setúbal, onde esteve nos últimos dias, tendo regressado há três dias e que o arguido tem agora um comportamento completamente diferente. Também disse que acha que o arguido trabalha, não sabendo dizer concretamente o que faz ou se tem mesmo um emprego certo.

3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO.
Considera o Recorrente que “o depoimento da testemunha Adosinda C... está ferido de nulidade” porquanto o artº 134º, nº1, al. a), do CPP “carece de uma interpretação extensiva, já que o corpus verbal desta peca por defeito, estando aquém do seu espírito, devendo-se assim interpretá-la no sentido da mãe do cônjuge de facto do arguido ter o direito de legitimamente recusar depoimento. Assim, coartada a liberdade de decisão que cabia à testemunha em causa, o seu depoimento, por inobservância do n.º 2 do artigo 134.º do CPP, não pode ser valorado como meio de prova para condenar o arguido”.
Dispõe o citado artº 134º do CPP (Recusa de depoimento):
1. Podem recusar-se a depor como testemunhas:
a) Os descendentes, os ascendentes, os irmãos, os afins até ao segundo grau, os adoptantes, os adoptados e o cônjuge do arguido;
b) Quem tiver sido cônjuge do arguido, ou quem com ele conviver ou tiver convivido em condições análogas às do cônjuge, relativamente a factos ocorridos durante o casamento ou a coabitação.
2. A entidade competente para receber o depoimento adverte, sob pena de nulidade, as pessoas referidas no número anterior da faculdade que lhes assiste de recusarem depoimento.
O Código Civil Doravante, designado por CC. determina que:
- são fontes das relações jurídicas familiares o casamento, o parentesco, a afinidade e a adopção (artº 1576º);
- afinidade é o vínculo que liga cada um dos cônjuges aos parentes do outro (artº 1584º);
- a afinidade determina-se pelos mesmos graus e linhas que definem o parentesco e não cessa pela dissolução do casamento por morte (artº 1585º).
Adosinda C... é mãe de Helena C..., a qual, sendo solteira, viveu em união de facto com o Arguido até 16/07/2012 V. Facto Provado 1) e a acta de julgamento, a fls. 148..
Perante tal quadro legal, é inquestionável que nenhum vínculo de afinidade liga À data que ora releva, a da prestação de depoimento em julgamento, 1 de Julho de 2014. a testemunha Adosinda C... ao Arguido; logo, é também indubitável que aquela situação fáctica não cabe na letra do preceito do artº 134º, nº1, do CPP.
A questão controversa está, pois, em saber se o mesmo preceito deve ser interpretado extensivamente, por o seu “conteúdo espiritual” – a protecção da “integridade e entreajuda inerentes às relações de maior proximidade familiar” – exigir que “também à mãe do cônjuge de facto do arguido” seja conferido “o direito de recusar depoimento que assistiria à sogra do arguido, enquanto afim em primeiro grau”.
A resposta, afigura-se-nos, deve ser negativa.
O artº 134º do CPP constitui uma excepção ao princípio geral da obrigatoriedade de prestar depoimento ínsito nos artºs 131º, nº1, 132º, nº1, al. d), do CPP e 360º, nº2, do CP Neste sentido, v. o ac. da RL de 21/02/2007, proc. 9335/2006-3, www.dgsi.pt, citado no Parecer do MP..
A razão de ser da norma é não só a de obstar ao conflito de consciência que resultaria para a testemunha de ter de responder com verdade sobre os factos imputados a um seu familiar ou afim, mas também e sobretudo proteger as relações de confiança e solidariedade, essenciais à instituição familiar.
O legislador processual penal reconhece, pois, o primado de interesses e bens jurídicos que colidem com os interesses da descoberta da verdade e da punição dos culpados, de que são titulares pessoas diversas do arguido (in casu as testemunhas), de cujo consentimento faz depender a sua contribuição para a descoberta da verdade, para além de interesses inerentes à da teia de relações de solidariedade e confiança que a instituição familiar oferece V.g., o ac. da RE de 03/06/2008, proc. 1991/07-1, www.dgsi.pt. No mesmo Ac., pode ler-se: “É claro que pode questionar-se a adequação da amplitude e rigidez do direito de recusa no actual quadro das relações pessoais e familiares e mesmo face à relevância crescente que no processo penal assume o eixo de distinção do tratamento jurídico processual da pequena e média criminalidade, por um lado, e da criminalidade grave e complexa, por outro. Todavia, não obstante as reformas introduzidas no Código de Processo Penal desde a sua entrada em vigor (1988), apenas a recente Lei 48/2007 de 29 de Agosto alterou o art. 134º do CPP e em sentido contrário à sua restrição (eventualmente justificada), pois alargou o direito de recusa aos que coabitam com pessoa do mesmo sexo mantendo-se, no mais, a versão originária de 1987, nomeadamente quanto aos seguintes aspectos: - todos os afins até ao 2º grau mantém o direito de recusa conferido aos descendentes, ascendentes e irmãos; - nunca há lugar a ponderação concreta (contrariamente ao que sucede com o segredo profissional - cfr art. 135 CPP) entre o direito de recusa e o interesse na descoberta da verdade, quer em função da proximidade do laço familiar, quer da gravidade do crime, ou outro factor considerado relevante.
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Porém, em matéria de interpretação da lei, se não devemos cingir-nos somente à respectiva letra, também não podemos ater-nos, exclusivamente, ao seu “espírito” (artº 9º, nº1, do CC).
E só deve haver lugar à interpretação extensiva se o intérprete concluir que o pensamento legislativo coincide com um dos sentidos contidos na lei, mas o legislador, ao formular a norma, disse menos do que queria, sendo, por isso, necessário alargar o texto legal.
Não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso e na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artº 9º, nºs 2 e 3, do CC).
O texto do artº 134º, nº1, do CPP é absolutamente claro quanto à definição do universo que pretende abranger: os descendentes, os ascendentes, os irmãos, os afins até ao segundo grau, os adoptantes, os adoptados, o cônjuge do arguido e quem tiver sido cônjuge do arguido, ou quem com ele conviver ou tiver convivido em condições análogas às do cônjuge.
Não se conhece (nem o Recorrente convoca) qualquer escrito (trabalhos preparatórios, preâmbulos ou relatórios das inúmeras alterações legislativas, por exemplo, do CPP ou mesmo do CPC) que possibilite a conclusão de que o sentido decisivo daquele texto (excluindo os progenitores de quem viva em união de facto com o arguido ou outras pessoas ali não identificadas) não coincide com a vontade real do legislador.
(…) daqui não podemos sair, tanto mais que a expressão da lei, docente, tem um significado que se tem de intuir como rigoroso, preciso («o texto é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou, pelo menos, uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei; mas cabe-lhe, igualmente, uma função positiva, nos seguintes termos; primeiro, se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma»), para mais quando não se colhe a existência de qualquer outra norma, bem pelo contrário, pelo que acima se viu, que imponha a conclusão de que a redacção do texto atraiçoou o pensamento do legislador [«quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais que um significado, então, a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio a, ou sugerir mais fortemente, um dos sentidos possíveis; e que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e directo das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita; ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar, em princípio, por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento» - João Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12ª reimpressão, 2000, pág. 182] Ac da RP de 24/09/2008, relatado pelo Desemb. Custódio Silva no proc. 0843220, www.dgsi.pt..
Note-se que o CPP já vai na 26ª versão Decorrente da Lei Orgânica nº 2/2014, de 06.08. e que o artº 134º foi alterado em 2007 (pela Lei 48/2007, de 27.08), aditando-se-lhe, na alínea b) do nº1, a expressão “sendo do mesmo ou de outro sexo”, para contemplar, obviamente, as uniões de facto entre pessoas do mesmo sexo; mal se compreenderia que o legislador, querendo, se tivesse esquecido dos “parentes” em torno dessas mesmas uniões de facto.
Sinal claro que o legislador não quis alargar as situações de legitimação da recusa a depor é igualmente constituído pela norma do artº 497º do CPC, que, sob a epígrafe “Recusa legítima a depor”, dispõe:
1 - Podem recusar-se a depor como testemunhas, salvo nas ações que tenham como objeto verificar o nascimento ou o óbito dos filhos:
a) Os ascendentes nas causas dos descendentes e os adotantes nas dos adotados, e vice-versa;
b) O sogro ou a sogra nas causas do genro ou da nora, e vice-versa;
c) Qualquer dos cônjuges, ou ex-cônjuges, nas causas em que seja parte o outro cônjuge ou ex-cônjuge;
d) Quem conviver, ou tiver convivido, em união de facto em condições análogas às dos cônjuges com alguma das partes na causa.
2 - Incumbe ao juiz advertir as pessoas referidas no número anterior da faculdade que lhes assiste de se recusarem a depor.
3 - Devem escusar-se a depor os que estejam adstritos ao segredo profissional, ao segredo de funcionários públicos e ao segredo de Estado, relativamente aos factos abrangidos pelo sigilo, aplicando-se neste caso o disposto no n.º 4 do artigo 417.º.
Apesar da muito recente redacção (resultante da Lei 41/2013, de 26.06 Diploma que aprovou o CC.), não se englobam no transcrito preceito os “parentes” das pessoas vinculadas pela “união de facto em condições análogas às dos cônjuges”.
Do que se expôs, resulta que não é legítimo inferir a certeza de que o legislador se exprimiu restritivamente, dizendo menos do que pretendia, o que impossibilita a “interpretação extensiva Neste sentido, o Parecer da PGR nº 71/76, de 08/07/1976, BMJ 263, p. 103. do artº 134º do CPP propugnada pelo Recorrente.
E ao julgador não compete criar livremente o Direito, legislando.
Mas mesmo que assim se não entendesse, cumpre salientar que a “união de facto” entre o Arguido e Helena C... Cosme (filha da testemunha Adosinda C... Invocada por ambas - Helena Cosme e Adosinda Diogo - na audiência, cf. fls. 148.) - fonte da “afinidade de facto” sustentada pelo Recorrente para defesa da tese da liberdade da decisão de depor que deveria ter sido facultada à testemunha Adosinda C... – está longe de demonstrada nos autos.
A “união de facto” é definida por lei como “a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos” (Lei 7/2001 Diploma que adoptou medidas de protecção das uniões de facto., de 11.05, na redacção introduzida pela Lei 23/2010, de 30.08), período temporal este que se não mostrava preenchido à data da realização do julgamento (1 de Julho de 2014) Consta do elenco dos Factos Provados que o Arguido e Helena Cosme não viveram juntos, “em condições análogas às dos cônjuges” desde 16/07/2012 até, pelo menos, 13/06/2014, data em que vieram aos autos declarar a mesma residência (cf. fls. 109-112, 88). .
Compreende-se a preocupação do Arguido em invalidar o depoimento de Adosinda C... (a única testemunha que relatou os factos subjacentes à sua condenação porque à outra, Helena C... – sua companheira – foi indevidamente concedido o direito de “recusa de depoimento Cf. a acta de julgamento, a fls. 148., como se vê do cotejo da acusação com uma leitura atenta da al. b) do nº1 do artº 134º do CPP O qual estatui: “Podem recusar-se a depor como testemunhas: quem tiver sido cônjuge do arguido ou quem, sendo de outro ou do mesmo sexo, com ele conviver ou tiver convivido em condições análogas às dos cônjuges, relativamente a factos ocorridos durante o casamento ou a coabitação” (sublinhado nosso); ora, os factos objecto do libelo acusatório (cf. fls. 69-71) não ocorreram no período da coabitação.), para assim abrir a porta a uma possível absolvição.
Porém, não se vê fundamento jurídico ou fáctico para tal.

III – DECISÃO
1. Nega-se provimento ao recurso interposto pelo Arguido.
2. Custas pelo Recorrente, fixando-se em 4 (quatro) UCs a taxa de justiça devida.

6 de Outubro de 2014