Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1836/17.9T8VRL.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: CADUCIDADE DO PRAZO
ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
LIQUIDAÇÃO DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
VALOR DA QUOTA SOCIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/02/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

. Se a questão da caducidade do prazo para requerer a anulação de uma deliberação social, apenas foi suscitada nas alegações de recurso, constitui uma questão nova, razão pela qual a Relação está impedida de a conhecer. Apenas é de conhecimento oficioso e pode ser alegada em qualquer fase do processo, a caducidade em matéria excluída da responsabilidade das partes.
.No âmbito do processo especial para liquidação de participações sociais, só haverá lugar a outras diligências, para além da prova pericial, se o juiz o entender necessário.
. No caso em que foram efectuadas duas perícias com vista à determinação do valor da quota social do A., ambas com laudos obtidos por unanimidade, tendo em conta o elevado pendor técnico da avaliação da participação social, a ausência de outras reclamações para além da deduzida pela ora recorrente, a qual não versava sobre a data da avaliação dos imóveis, questão que a recorrente só veio pôr em questão no recurso, tendo os peritos respondido, o tribunal a quo não cometeu qualquer nulidade ao proferir decisão sem previamente ouvir as testemunhas, por entender a sua inquirição como desnecessária.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – Relatório

J. M. e mulher, A. R., em 16 de novembro de 2019, vieram propor ação especial de liquidação de participações sociais contra X, Lda., S. T. e marido, C. T. e M. M., afirmando não concordar com o valor de € 79.631,89 que foi atribuído à sua quota amortizada, por lhe corresponder, em seu entender, um valor superior, por reporte ao valor dos ativos da sociedade no ano de 2011 e à dedução do passivo existente. Terminaram, pedindo a realização de uma avaliação da quota amortizada, com a nomeação de perito que, no desempenho das suas funções, esclarecesse a identificação dos ativos da ré, procedesse à avaliação dos ativos identificados e à fixação definitiva do valor da quota, verba à qual deveriam acrescer os respectivos juros vencidos e vincendos.
Os RR. contestaram e reafirmaram que o valor pago corresponde ao valor real da participação social do A.

Elaborou-se o despacho saneador e foi proferida decisão que determinou o prosseguimento dos autos contra a R. X, Lda., absolvendo-se os demais réus da instância por ilegitimidade.
Realizou-se a perícia ordenada que comportou a avaliação por dois grupos de peritos e na sequência do determinado pelo despacho de 01/07/2020, foi junto o relatório a fls. 279/284, complementado a fls. 310/315.

Após foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
Face ao exposto, fixa-se o valor da quota do A. J. M. em € 347.644,00 correspondente à sua participação social na sociedade ré X, Lda..
Custas por autores e ré na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 25% para os primeiros e 75% para a segunda (art. 527º, nºs 1 e 2 do C.P.C.).

A R. não se conformou e interpôs o presente recurso, tendo concluído as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. O presente Recurso vem interposto na sequência da Douta Sentença proferida em primeira instância, nos autos que fixou o valor da quota do A. J. M. em 347.644,00€ (trezentos e quarenta e sete mil seiscentos e quarenta e quatro euros), correspondente à sua participação social na sociedade ré, X Lda.
2. DA NULIDADE DE SENTENÇA
Uma vez que a sentença recorrida veio estabelecer que em causa não está a discussão da legitimidade ou validade da exoneração do sócio, mas tão-somente a atribuição do valor pela participação social e, como esta questão apenas ficou determinada em sede da sentença recorrida, então é notório que o direito de requerer somente a avaliação da quota se encontra precludido por força do artigo 59º, nº 2, alínea a), do C.S.C.

Neste sentido do Acórdão do S.T.J. de 18/10/2016 – 6ª secção, processo nº 2170/15.4T8OAZ-A.P1.S1:
3. “… I. Tendo a quota social sido objecto de amortização por banda da sociedade e não concordando o sócio judicialmente excluído com o valor a ela atribuído, poderá o mesmo, através do meio processual prevenido nos artigos 105º do C.S. Comerciais do C.S. Civil, requerer em juízo a avaliação da sua participação social.
Não estando em causa a impugnação da deliberação de amortização da quota, mas tão o montante a ela atribuído, não lugar a qualquer lugar de anulação de deliberação social, mas antes àquele específico procedimento de avaliação judicial.
O prazo para requerer tal avaliação será o de trinta dias, por aplicação analógica do preceituado no artigo 59º., 2, alínea a), do C.S. Comerciais….”
4. Salvo o devido respeito, atenta a matéria de facto dada como assente na sentença recorrida, não está em causa a validade e eficácia da exoneração, mas somente a avaliação da quota, tendo tal facto sido fixado somente pela sentença recorrida, denota-se no actual estádio dos autos que o direito está Precludido - artigo 59º, nº 2 al. a) do C.S.C.
5. A sentença recorrida é nula, por força do artigo 195º nº 1 do C.P.C, devido à omissão de um acto que a lei prevê como obrigatória – Produção de Prova. Isto porque, pese embora, nos processos de jurisdição voluntária, o Mmº Juiz não estar obrigado a critérios de legalidade estrita, menos verdade não é que nos termos do artº 986º, nº 1 e 292º a 295º do C.P.C. tendo as partes indicado prova testemunhal, seria obrigatória a inquirição das testemunhas arroladas.
6. E, reitere-se, que a produção de prova testemunhal era da mais Mor importância à boa e justa decisão da causa, porquanto seria a prova testemunhal que demonstraria que após 2011 ocorreram imensas obras de melhoria, restauração nos imóveis, objecto de reavaliação nos presentes autos.
Avaliação a qual teve em consideração o seu estado em Abril de 2019 - - cfr. Relatório dos senhores Peritos Engenheiros junto aos autos no dia 7/6/2019.
7. Impunham-se diligências adicionais isto porque os imóveis são avaliados em 2019 e não à data da exoneração de sócio - 2011.
Com base nesta avaliação os Peritos contabilísticos em Novembro de 2019, actualizaram o primeiro relatório apresentado e aumentam o capital próprio para mais de um milhão de euros, tendo em consideração o valor dos imóveis à data de 2019.
A avaliação do imóvel é reportada a 2019 e não 2011, como obriga os artigos 1068º, nº 3, do C.P.C.; 1021º, nº 1 do C.C.; 240º, nº 5 do C.S.C; 105º, nº 2, do C.S.C.
8. Assim, deve o presente processo baixar novamente à primeira instância, porque tanto o requerente, como a sociedade requerida, pediram produção de prova e não foi realizada.
Deve pois, o processo baixar para produção de prova, segundo ulteriores termos até prolação de nova Sentença.
Por tudo o que supra se expôs, deve o Douto Acórdão que vier a ser proferido, revogar a Sentença Recorrida.
A parte contrária contra-alegou, mas não ofereceu conclusões (a que não está obrigada), tendo pugnado pela manutenção da sentença recorrida..

No despacho que admitiu o recurso o Mmo Juiz a quo pronunciou-se sobre a nulidades invocadas no recurso, não as atendendo.

II – Objeto do recurso

Considerando que:
. o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

as questões a decidir são as seguintes:
. se devem ser admitidos os documentos juntos pela apelante com as alegações;
.se o direito exercido pelos AA. caducou;
. se os autos deveriam ter prosseguido para julgamento, com a inquirição das testemunhas arroladas, pelo que foi omitido um ato que a lei prevê como obrigatório e por se mostrar necessária a inquirição uma vez que a avaliação do imóvel se reportou a 2019 e não a 2011.
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III – Fundamentação

Na primeira instância foram considerados provados os seguintes factos:

1. O A. enviou à sociedade ré de uma missiva, datada de 14/09/2011, comunicando-lhe a vontade de exercer o direito à exoneração de sócio, nos termos previstos nos artigos 240.º, n.º 1, do C.S.C. e 1002.º, n.º 1, do Código Civil, por não ter sido estipulado prazo para a duração da sociedade no pacto social, devendo a exoneração produzir efeitos em 31/12/2011.
2. Em 09/04/2013 o autor requereu o registo da exoneração de sócio, com efeitos reportados a 31/12/2011, juntando para tanto cópia da missiva indicada em 2.
3. No pacto social da sociedade ré constam as seguintes cláusulas, no que releva para a boa decisão da causa: “(…) Décimo Segundo o Sócio que deseje sair da sociedade, dirá da sua resolução por aviso escrito com a antecedência de dois meses (…) Décimo Quarto: A sociedade poderá amortizar a quota de qualquer sócio nos casos seguintes: (…) c) A quota do sócio que deseje afastar-se da sociedade (…) Parágrafo Único: O preço de amortização será o valor apurado no último balanço aprovado acrescido da parte do Fundo de Reserva Legal e do Fundo de Reserva Especial bastando para que a amortização se efectue que seja depositado na Caixa … à ordem de quem de direito, com a citação competente, depois de cumpridas as formalidades legais (…)”.
4. Mediante missiva datada de 23/11/2011 a ré S. T., invocando actuar por si e em representação da ré M. M., comunicou ao autor que a sociedade ré não aceitava a exoneração do autor, por a quota deste não estar integralmente liberada e decorrer uma avaliação à sua gestão.
5. Em 22/05/2017 a sociedade ré procedeu ao depósito na Caixa … do montante de € 79.631,89, a favor do autor, destinando-se tal quantitativo à amortização da quota deste, na sequência da sua exoneração com efeitos reportados a 31/12/2011.
6. O A. foi sócio da sociedade X, Lda., onde detinha uma quota de 23% do capital social, no valor nominal de € 61.090,27.
7. No âmbito da avaliação realizada nos autos, apurou-se que o valor do capital próprio constante da contabilidade da referida sociedade, em 31/12/2011, era de € 425.401,28 e com o acréscimo da valorização dos terrenos e edifícios da mesma, os activos tangíveis fixos (imobilizado) sofreram um aumento de € 1.086.095,35, reportado à mesma data.
8. À quota do A., avaliada pelos peritos subscritores do aludido relatório, foi atribuído o valor de € 347.644,00, correspondente a 23% do capital próprio (1.511.496,63).

Da junção de documentos com as alegações

Os apelantes vieram juntar com as suas alegações 13 faturas visando demonstrar que foram efectuadas obras nos imóveis da R., em data posterior a 31.12.2011.
Será permitida aos apelantes nesta fase processual, a junção dos documentos em apreço?
O Código de Processo Civil estabelece limites temporais para a apresentação dos documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa.
Assim, a regra geral quanto à oportunidade da junção de documentos posteriores ao encerramento da discussão, em 1ª instância, deve ser encontrada, através da interpretação conjugada dos artigos 423º, 425º e 651º do CPC.
Assim, os documentos podem ser juntos supervenientemente nos casos em que a sua apresentação não tenha sido possível, até ao encerramento da discussão em 1ª instância (artº 425º do CPC), quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados ou quando a sua apresentação se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior (artº 423 º nº 3 do CPC), quando a sua junção apenas se tenha tornado necessária, em virtude do julgamento proferido em 1ª instância (artº 651º do CPC), o que acontece quando a decisão é de todo surpreendente em relação ao que seria esperado, em face dos elementos constantes dos autos (1).
Nos casos especiais previstos na lei, os documentos devem ser juntos às alegações (artº 651º do CPC).
A junção em apreciação não se subsume a qualquer dos casos referidos. Não se pode entender que a decisão recorrida constitui uma surpresa para os apelantes, pois que o cerne da questão e que esteve sempre em discussão foi a determinação do valor da participação social do A. na Ré.
Não se admite assim a sua junção, devendo ser desentranhado e devolvido à apresentante o documentos junto com as alegações, com custas do respectivo incidente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo.

Se o direito exercido pelos AA. caducou por força do disposto no artº 59º, nº 2, alínea a) do CSC.

As deliberações das sociedades comerciais podem ser anuladas (artº 58º do CSC). A anulabilidade pode ser arguida pelo órgão de fiscalização ou por qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente (artº 59º, nº 1 do CSC). E de acordo com as diversas alíneas do nº 2 o prazo para a proposição da acção de anulação é de 30 dias contados a partir:

a) Da data em que foi encerrada a assembleia geral;
b) Do 3.º dia subsequente à data do envio da acta da deliberação por voto escrito;
c) Da data em que o sócio teve conhecimento da deliberação, se esta incidir sobre assunto que não constava da convocatória.

Vem a apelante defender que o direito de requerer a avaliação da quota se encontra “precludido” por força do disposto no artº 59, nº 2, alínea b) do CSC, tendo apenas ficado esclarecido na sentença recorrida que estava somente em causa a atribuição do valor da participação social e não também a nulidade da exoneração de sócio.
Os AA. vieram instaurar processo especial de liquidação da participação social contra a R, alegando que no ano de 2012, o A. decidiu negociar a venda da sua participação na R., tendo negociado com a segunda R. a cessão da quota e tendo outorgado em 5 de abril de 2013 contrato promessa de cessão de quota nos termos da qual o A. prometeu vender a participação social que detinha na 1ª R. à 2º e à 3ª RR., igualmente sócias da R., que lhe prometeram comprar, pelo preço de 900.000,00.
Mais alegaram que por razões fiscais atinentes à vida e à contabilidade da 1ª R e por 2ª R. ter o capital necessário para a aquisição em contas bancárias sedeadas no estrangeiro, a 2ª R. sugeriu ao A. que procedesse à sua exoneração de sócio, o que este fez, confiando que a 2ª R., sua prima, iria cumprir com o acordado no contrato promessa. Assim, promoveu a sua exoneração de sócio, 4 dias após a outorga do contrato promessa, com efeitos a 31.12.2011.
Porém, não obstante os seus esforços, nunca veio a ser outorgado o contrato definitivo, pelo que o requerente fixou um prazo para a realização da escritura, sob pena de ultrapassado o prazo sem a sua realização, considerar o contrato incumprido.
A 2ª R. reconheceu que não cumpriu o contrato promessa porque, segundo a sua advogada, dado que o A. se tinha exonerado, já não era possível cumpri-lo, uma vez que o A. já não era titular de qualquer quota.
Em 24 de Maio de 2017 é surpreendido com um depósito processado pela 1ª R. a seu favor no montante de 79.631,89.
Em 30 de Maio de 2017 informou que não concordava com aquele valor, uma vez que a 1ª R. é detentora de um de património e de direitos de valor superior a 4.000.000,00.
Concluiu, pedindo que se determinasse a avaliação da sua quota, com nomeação de perito que esclarecesse a a identificação dos ativos da Ré e procedesse à avaliação dos ativos identificados, fixando-se o valor da sua quota à data da exoneração, verba à qual deverão acrescer os respectivos juros vencidos desde aquela data e os vincendos, até integral e efectivo pagamento.
De acordo com o pedido e a causa de pedir constantes da petição inicial, nunca esteve em causa a anulação de qualquer deliberação, pelo que a recorrente não tem razão quando vem defender que tal questão só “ficou determinada” na sentença recorrida. Nem na petição inicial, nem na contestação foi suscitada a anulabilidade de qualquer deliberação, desde logo porque a exoneração não resultou de qualquer deliberação da sociedade, mas sim da manifestação de vontade nesse sentido do A..

A Mma Juíza a quo no despacho em que admitiu o recurso e se pronunciou sobre as nulidades arguidas, entendeu não se aplicar o disposto no art. 59º, nº 2 do CSC, por não estar em causa “a impugnação da deliberação de amortização da quota, mas tão só o montante a ela atribuído”.
No acórdão do STJ de 18.10.2016, proferido no processo 2170/15.4T8OAZ-A.P1.S1 citado pela apelante, entendeu-se dever ser aplicado analogicamente o prazo constante do artº 59º, nº 2, CSC, num caso em que o sócio, exonerado por decisão judicial, não concordou com o valor atribuído à sua quota pela sociedade e recorreu ao processo especial de liquidação de participações sociais.

No caso em apreço, o sócio A. não foi exonerado, mas foi sim ele que requereu a sua exoneração, mas mantêm- as razões justificativas da aplicação analógica do disposto no artº 59º, nº 2 do CSC: estipulação de uma limitação temporal sob pena de se poder por em causa todo o giro e funcionamento societário.
Independentemente da interpretação que se defender – aplicação ou não analógica do artº 59º, nº 2 do CSC - a questão suscitada pela R. apelante constitui uma questão nova, só agora colocada em sede de recurso, razão pela qual a Relação está impedida de a conhecer. A caducidade apenas é de conhecimento oficioso e pode ser alegada em qualquer fase do processo, em matéria excluída da responsabilidade das partes (artº 333º, nº 1 do CC), o que não é o caso. Quando a caducidade é estabelecida em matéria não excluída da responsabilidade das partes, tem de ser invocada (artº 333º, nº 2 e 303º do CC) e a R. na contestação não a veio invocar. Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, sob pena de preclusão (artº 573º, nº 1 do CSC).

Assim, se decide não conhecer da questão suscitada.

Da omissão de um acto imposto por lei – produção de prova testemunhal

Veio a apelante alegar que o tribunal deveria ter procedido à inquirição das testemunhas, pelo que não o tendo feito, a sentença recorrida é nula por força do disposto no artº 195º, nº 1 do CPC.
Afigura-se-nos que a apelante confunde vícios da sentença com vícios do processo.
A lei processual distingue dois tipos de nulidades: as nulidades da sentença que estão expressamente previstas no artº 615º do CPC, sujeitas ao regime do artº 615º nº 4 do CPC e as nulidades processuais. Estas só se verificam (e ressalvadas as nulidades principais previstas nos arts. 186º a 194º do CPC) quando a lei expressamente o declare ou quando a irregularidade possa influir no exame ou na decisão da causa (art. 195º, nº 1 do CPC), dependendo a sua apreciação e julgamento de invocação por parte do interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do acto (arts. 196º, 2ª parte e 197º, nº 1 do CPC).
A arguição de nulidade secundária, em regra, é feita perante o tribunal onde a irregularidade foi cometida, nos prazos previstos no art. 199º, nº 1 do CPC (cfr. também o art. 149º, nº 1 do CPC), podendo ser arguida perante o tribunal superior no caso de o processo ser expedido em recurso antes de findar o prazo para a parte a invocar (art. 199º, nº 3 do CPC), o que não é o caso dos presentes autos.
É da decisão que for proferida sobre essa nulidade que a parte, se não concordar com a mesma, poderá recorrer, com as limitações estabelecidas no nº 2 do artº 630º do CPC.
Embora a apelante qualifique a nulidade que considera ter sido cometida como nulidade sentença, o que pretende invocar é uma nulidade processual consistente na omissão de ato – produção de prova testemunhal.
Tanto na petição inicial, como na contestação, as partes arrolaram testemunhas.
O presente processo especial de liquidação de participações sociais segue a tramitação prevista no artº 1068º do CPC, sendo um processo de jurisdição voluntária.
Citada a sociedade, o juiz designa perito para proceder à avaliação, em conformidade com os critérios estabelecidos no artº 1021º do CC (1068º, nº 3 do CPC) e ouvidas as partes sobre o resultado da perícia realizada, o juiz fixa o valor da participação social, podendo, quando necessário, fazer preceder a decisão da realização de segunda perícia, ou de quaisquer outras diligências (artº 1068º, nº 4 do CPC).
Assim, só haverá lugar a outras diligências, para além da prova pericial, se o juiz o entender necessário, como é norma nos processos de jurisdição voluntária no qual só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias (artº 986º, nº 2 do CC).
Consequentemente, não tem razão a apelante quando diz que o tribunal estava obrigado à inquirição das testemunhas.
A questão que se coloca não é da sua obrigatoriedade, mas da sua eventual necessidade.
No caso, pretende-se com o presente processo a fixação do valor da quota de que o requerente era titular.
A desnecessidade de produção de prova testemunhal já resultava do despacho saneador de 8 de março de 2018 onde se determinou “o prosseguimento dos autos para a realização do arbitramento pressuposto pelo artº 1068º, nº 3 do CPC” e não se admitiu os róis de testemunhas.
Defende a apelante que deverão ser ouvidas as testemunhas porque a prova testemunhal iria permitir demonstrar que após 2011 ocorreram imensas obras de melhoria e de restauração nos imóveis, objecto de reavaliação nos presentes autos, sendo que a avaliação a que se procedeu teve em consideração o estado dos imóveis em abril de 2019, cfr. relatório dos senhores peritos de 07.06.2019 e não a data da exoneração – 31.12.2011 – pelo que se impunham diligências adicionais para apurar o valor do imóvel em 2011, o que não foi feito.

Vejamos:
O artigo 1068º, nº 3 do CPC determina que a avaliação do valor da quota seja feita de acordo com o disposto no artº 1021º do CC, o qual no seu nº 1 preceitua que o valor da quota é fixado com base no estado da sociedade à data em que ocorreu ou produziu efeitos o facto determinante da liquidação.
Face ao disposto nos citados preceitos, a Mma Juíza a quo determinou, por despacho de 13.04.2018, a realização de uma perícia colegial para se avaliar a quota que o A. detinha na sociedade R., com efeitos reportados a 31.12.2011, data em que o A. requereu a produção de efeitos da exoneração por si pretendida.
No relatório pericial de 20.11.2018 efetuado à contabilidade da Ré, os peritos sugeriram que se procedesse à avaliação do ativo composto de terrenos e edifício, reportado a 31.12.2011, cujo valor contabilístico se encontrava desfasado da realidade, para determinar o seu justo valor, avaliação de que careciam para fixar o valor da quota e a que não podiam proceder por não dispor para o efeito dos adequados conhecimentos técnicos.
Tal avaliação do ativo da Ré, foi deferida e em 07.06.2019 e os peritos que procederam à avaliação dos imóveis de que a R. é proprietária, apresentaram relatório, no qual concluíram que o valor médio do prédio inscrito na matriz sob o artº ...º da freguesia de Vila Real, era de 211.000,00, à data de abril de 2019 e o valor médio do prédio urbano inscrito na matriz sob o artº ...º da freguesia de Vila Real, era de 890.000,00, à data de maio de 2019.
Este relatório foi notificado à R. que nada reclamou nem requereu quaisquer esclarecimentos, designadamente solicitando que a avaliação dos imóveis que compõem o ativo fosse feita por referência a 31.12.2011.
Foram assim efectuadas duas perícias: uma por peritos que procederam à análise da contabilidade da R. e outra realizada pelos peritos que procederam à avaliação dos edifícios e do terreno (prédios inscritos na matriz da freguesia de Vila Real sobre os artºs ...º e ...º).

O valor da avaliação dos imóveis foi depois tido em conta pelos senhores peritos que procederam à perícia à contabilidade da Ré e fixaram o valor da quota detida pelo A. – correspondente a 23% do capital social da Ré - por reporte aos capitais próprios da R. que, em consequência da peritagem, aumentaram de 425.401,28 para 1.511.496,63.
Deste relatório a requerida reclamou, mas não alegando ter sido considerado um valor de avaliação de 2019, mas sim porque, em seu entender, o imóvel inscrito na matriz sob o artº ...º incluía o imóvel inscrito na matriz artº ...º, não sendo artigos separados, pelo que o imóvel estava incorrectamente avaliado, oferecendo como testemunha, caso fosse julgado necessário, C. T..
Notificados da reclamação apresentada, os senhores peritos mantiveram a avaliação e o método seguido no relatório, o que foi notificado às partes.
Em 01.07.2020 foi proferido despacho ordenando a notificação dos peritos que tinham efectuada a perícia à contabilidade da R. para complementarem a perícia realizada considerando que a participação social do A. “abrange outros componentes que não se reduzem apenas ao imobiliário societário, em função da avaliação dos ativos relacionados no relatório perícia, deduzindo os passivos e atendendo a todos os componentes determinantes, concluírem pelo valor a atribuir à quota, por reporte à data da exoneração – 31.12.2011”.
Em 30.09.2020 os referidos peritos prestaram os seguintes esclarecimentos quanto ao ponto 5 – Resposta ao quesito “Perícia Colegial, através da qual se deverá proceder à avaliação da quota da sociedade Ré que o A. era titular, com efeitos reportados a 31.12.2011:
Entendem os peritos dentro do princípio da Razoabilidade e com o valor de Revalorização dos Ativos em Terreno e Edifícios e Outras Construções, efectuados por peritos qualificados, onde foi ponderado, entre outros, a depreciação física causada pela idade, que o valor base para efeitos de determinação do valor da quota do requerente, com que comparticipa no capital da Ré, deverá ser o valor do capital próprio constante do Balanço transcrito em 3.2. no montante de 1.511.996,63”.
O Tribunal a quo teve o cuidado de clarificar qual era a data da avaliação que entendia ser relevante (despacho de 13.04.2018) e insistiu pela determinação do valor da quota, por reporte à data da exoneração (despacho de 01.07.2020), tendo no último relatório apresentado pelos peritos contabilistas, estes mantido o recurso aos valores dos imóveis indicado pelos peritos/avaliadores de imóveis, considerando o princípio da razoabilidade e o valor dos ativos em terrenos e edifícios que teve em linha de conta a depreciação causada pela idade dos edifícios, depreciação essa que aliás é naturalmente maior em 2019 do que seria em 2011.
Embora se pudessem ter expressado em termos mais claros, afigura-se que os peritos pretenderam dizer que o valor encontrado em 2019 se mostrava adequado à avaliação pretendida por referência a 2011, porque corrigido pela depreciação, não havendo que encontrar outro valor.
É manifesto que os valores constantes do balanço na rubrica de ativos em terrenos e edifícios estava manifestamente desajustados, distorcidos como referem os peritos, pois que a esse título constava inscrito apenas o valor de 14.631,18 como valor do terreno e do edifício industrial e sede da Ré.
Em todos os laudos se verificou unanimidade e todos foram notificados às partes.
A recorrente nunca reclamou da avaliação a que procederam os segundos peritos, alegando ter sido considerada a data de 2019 quanto à avaliação dos imóveis. As partes podem reclamar do relatório pericial por deficiência, obscuridade ou contradição (artº 485 do CPC), sendo que o erro que a recorrente diz agora verificar-se poderia motivar uma reclamação por deficiência (o relatório não contempla os pontos que devia). Ora, não podemos olvidar que no nosso processual civil também vigora o princípio da auto responsabilidade das partes e o princípio da preclusão. Dispondo a parte de mecanismos ao seu dispor, como no caso a reclamação ao relatório pericial, deve utilizá-los sob pena de preclusão.
Manuel de Andrade (2) ensinou que a prova pericial “traduz-se na percepção, por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos científicos ou técnicos especiais, ou por motivos de decoro ou de respeito pela sensibilidade (legítima susceptibilidade) das pessoas em quem se verificam tais factos; ou na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca doutros factos), caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas.”
A prova pericial é livremente apreciada pelo tribunal – artº 389º do CC e 489º do CPC, o que significa que o tribunal não está vinculado ao laudo dos peritos ou dos peritos do laudo maioritário, podendo socorrer-se de outros meios probatório. A livre apreciação da prova não significa apreciação arbitrária da prova, mas sim uma apreciação racional e criticamente fundamentada das provas de acordo com as regras da experiência comum e com corroboração pelos dados objectivos existentes. No entanto, não dispondo o juiz de conhecimentos especiais na área a que respeita a perícia, salvo casos de erro grosseiro, não estará em condições de sindicar o juízo científico emitido pelo perito. Como se refere, no Ac. do TRC de 31.05.2011, proferido no proc. 1197/05 (3) “será, talvez, ao nível dos dados de facto que servem de base ao parecer científico que o juiz se acha em posição de pôr em causa o juízo pericial. Apesar do princípio enunciado no citado artigo 389.º do CC, perante a especificidade técnica das questões suscitadas, ao Tribunal impõe-se que respeite o princípio da interdisciplinaridade na definição da verdade material, traduzido na aceitação do contributo das várias áreas do saber (técnico-científico), podendo o julgador, no exercício da liberdade que a citada norma lhe confere, pôr em causa o relatório técnico dos peritos, devendo no entanto fazê-lo apenas com recurso a argumentação técnica, eventualmente baseada noutros meios de prova divergentes, de igual ou superior credibilidade técnica.”
A avaliação de uma participação social assenta em factores de natureza essencialmente técnica e, por essa razão, o parecer dos peritos tem grande relevância, dado que o tribunal não dispõe de conhecimentos técnicos para o fazer.
Pretendendo o juiz divergir do laudo pericial deverá exercer essa faculdade de forma especialmente prudente, fundamentando os motivos do seu desacordo, tanto mais que estão em causa factos que implicam conhecimentos especiais que os julgadores não dispõem. Daí que se deva exigir, em caso de divergência com o laudo pericial, um acrescido dever de fundamentação (cfr. se defende nos Acs. do TRG de vide o Acórdão da Relação de Guimarães de 26.10.2017, Processo n.º 5237/16.8T8GMR.G1 e do TRE de 28.01.20121, proc. 1991/15.2T8PTM-E.E1).
No caso, tendo em conta as perícias efectuadas, sem quaisquer divergências entre os seis peritos nomeados, não se vislumbra que fosse necessário proceder a outras diligências, antes de proferir decisão.
Assim, tendo em conta terem sido efectuadas duas perícias para a determinação do valor da quota, ambas com laudos obtidos por unanimidade, o elevado pendor técnico da avaliação da participação social, a ausência de outras reclamações para além da deduzida pela ora recorrente, a qual não versava sobre a data da avaliação dos imóveis, tendo os peritos respondido, o tribunal a quo não cometeu qualquer nulidade ao proferir decisão sem previamente ouvir as testemunhas, por entender a sua inquirição como desnecessária. A apelante se entendia que o relatório pericial estava deficiente, deveria ter prontamente reclamado do mesmo.

Sempre se dirá que a produção da prova testemunhal não iria trazer outro valor de capitais próprios ao processo, não só porque dependente de uma apreciação técnica a efetuar por perícia, como a prova testemunhal, de acordo com a apelante, se destinaria apenas a confirmar que foram feitas obras de melhoramento nos imóveis após 2011 (com reflexo no valor dos imóveis, o que não é dito mas que está subjacente), prova que por si só não determinaria o seu valor, como a apelante reconhece, pois alega que daria causa à realização de outras diligências adicionais que não concretizou.
No corpo alegatório do seu recurso veio a apelante defender que, ainda que se entenda que não era obrigatória a inquirição da prova testemunhal, o tribunal deveria previamente ter ouvido as partes sobre a dispensa de audição das testemunhas por aquelas arroladas. Não o tendo feito, violou o princípio do contraditório e foi proferida uma decisão surpresa.
A apelada, por sua vez, veio defender que em momento algum foi violado o princípio do contraditório, pois que todos os relatórios periciais foram notificados às partes que deles podiam ter reclamado ou pedido esclarecimentos, não tendo a apelante feito uso desta faculdade porque não quis.
No entanto, a apelante não transpôs esta questão para as conclusões. São as conclusões que delimitam o objecto do recurso, pelo que não há que conhecer da referida questão por não integrar o objecto do recurso.

IV - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas do incidente e da apelação pela apelante, fixando-se, relativamente ao incidente, a taxa de justiça no mínimo.
Not.
Guimarães, 2 de Junho de 2021


1. António Santos Abrantes Geraldes, Código de Processo Civil-Novo Regime, Coimbra:Almedina, 2010, p.254.
2. Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1993, Reimpressão, pág. 262.
3. Acessível em www.dgsi.pt, onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham a ser citados sem indicação da fonte.