Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
148/12.9TBVPA.G1
Relator: CRISTINA CERDEIRA
Descritores: BALDIOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I) - Os baldios são bens comunitários afectos à satisfação das necessidades primárias dos habitantes de uma circunscrição administrativa ou parte dela e cuja propriedade pertence à “comunidade” formada pelos utentes de tais terrenos que os receberam dos seus antepassados, para, usando-os de acordo com as necessidades e apetências, os transmitirem intactos aos vindouros.

II) - Desde a entrada em vigor do DL 39/76 de 19/1, os baldios, pela sua própria natureza, são insusceptíveis de apropriação privada (por usucapião ou qualquer outro título), sendo imprescritíveis, por se encontrarem fora do comércio jurídico, salvo as excepções taxativamente elencadas na Lei dos Baldios (artº. 4º da Lei nº. 68/93 de 4/9 e, antes, artº. 2º do DL nº. 39/76).

III) - Os cidadãos integrantes das comunidades locais não podem dispor individualmente do direito de propriedade sobre os terrenos baldios nem os podem adquirir por via da usucapião (artºs 1º, nº. 1 e 4º, nº. 1 da Lei nº. 68/93 de 4/9), pois que a sua usufruição individual ou colectiva limita-se à apascentação de gados, à recolha de lenhas ou de matos, ao cultivo ou outras utilizações, nomeadamente de natureza agrícola, silvícola, silvo-pastoril ou apícola.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

SUMÁRIO:

I) - Os baldios são bens comunitários afectos à satisfação das necessidades primárias dos habitantes de uma circunscrição administrativa ou parte dela e cuja propriedade pertence à “comunidade” formada pelos utentes de tais terrenos que os receberam dos seus antepassados, para, usando-os de acordo com as necessidades e apetências, os transmitirem intactos aos vindouros.
II) - Desde a entrada em vigor do DL 39/76 de 19/1, os baldios, pela sua própria natureza, são insusceptíveis de apropriação privada (por usucapião ou qualquer outro título), sendo imprescritíveis, por se encontrarem fora do comércio jurídico, salvo as excepções taxativamente elencadas na Lei dos Baldios (artº. 4º da Lei nº. 68/93 de 4/9 e, antes, artº. 2º do DL nº. 39/76).
III) - Os cidadãos integrantes das comunidades locais não podem dispor individualmente do direito de propriedade sobre os terrenos baldios nem os podem adquirir por via da usucapião (artºs 1º, nº. 1 e 4º, nº. 1 da Lei nº. 68/93 de 4/9), pois que a sua usufruição individual ou colectiva limita-se à apascentação de gados, à recolha de lenhas ou de matos, ao cultivo ou outras utilizações, nomeadamente de natureza agrícola, silvícola, silvo-pastoril ou apícola.

I. RELATÓRIO

Junta de Freguesia X intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra José e esposa Maria e Empresa A – Exploração Florestal, Lda., pedindo a condenação dos Réus:

a) A reconhecer que o prédio/área identificado nos artºs 2º e seguintes da petição inicial são terrenos baldios e pertença de toda a comunidade local da Freguesia X;
b) A indemnizar, solidariamente, os Compartes da Freguesia X, aqui representados pela A., no montante de € 103 670,04, por força dos danos por si sofridos na sequência dos referidos, abusivos e ilegais, cortes de arvoredo efectuados na sua área baldia;
c) A não impedirem, por qualquer forma ou meio, o exercício do direito que aos Compartes assiste, como utilizadores comunitários daquela área baldia, a que se fez menção nos artºs 2º e seguintes da petição inicial.

Para tanto alega, em síntese, que na área da Freguesia X, concelho de Ribeira de Pena, sob a administração da A., existe uma área de utilização comunitária, também denominada baldia, conhecida por “P” e “C.”, área essa que vem sendo logradouro comum e exclusivo dos habitantes daquela Freguesia, há mais de 200 anos, a qual se situa no perímetro florestal do Alvão.

Após invocar factos tendentes a demonstrar a aquisição originária, por via da usucapião, pelos compartes de Freguesia X, representados pela A., de uma área baldia composta de pinhal, com a área aproximada de 70 000 m2 e as confrontações mencionadas na petição inicial, refere que no dia 28 de Setembro de 2010, cerca das 9 horas, os RR. entraram na dita área baldia, mais precisamente no local denominado “P”, tendo a 2ª Ré procedido ali ao corte e abate de cerca de 631 cepos de pinheiros bravos, sem consentimento da A., que perfizeram um volume de 144,672 m3.
No dia 29 de Setembro de 2010, cerca das 16 horas, a 2ª Ré, com o conhecimento e consentimento dos 1ºs RR., procedeu, de novo, ao corte e abate de 202 pinheiros bravos, com cerca de 35 anos de existência, na área baldia referida, mais precisamente no local denominado “C.”, sem qualquer autorização, conhecimento e assentimento da Autora, tendo ambos os trabalhos de corte das referidas árvores sido embargados extrajudicialmente pela A. e respectiva mandatária nos autos.
Acrescenta, ainda, que após o embargo do dia 29, no local da referida área baldia denominada “P”, a 2ª Ré, com o conhecimento e consentimentos dos 1ºs RR., procedeu ao corte de mais 195 árvores, tendo neste local sido cortadas um total de 826 árvores, sendo que a mesma procedeu ao corte de um total de 1028 cepos de pinheiro bravo, a que corresponde um volume de 269,112 m3 que, à razão de € 35/m3, importa em € 9 481,92.
Por outro lado, devido a tal corte abusivo, os RR. incorreram numa taxa de corte indevido e prematuro, no montante de € 47 094,06, tendo os compartes da Freguesia X direito a ser ressarcidos de tais prejuízos.

Os RR. José e esposa Maria contestaram, arguindo a excepção de ineptidão da petição inicial e invocando, sumariamente, que são donos e legítimos possuidores dos seguintes prédios rústicos sitos nos limites da Fonte M., Freguesia X, concelho de Ribeira de Pena:

a) Vinha das C. que confronta do norte e nascente com José (Réu), sul com Manuela e poente com António, com a área de 8.625 m2, inscrito na matriz sob o artº. 111 e descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva sob o nº. 222/Freguesia X;
b) P e Pinhal, terreno de cultivo e bravio, que confronta do norte com José (Réu) e BC, nascente com Baldio, sul e poente com os Réus, com a área de 15.000 m2, inscrito na matriz sob o artº. 333 (antigo artº. 000) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº. 444/Freguesia X.

Além da aquisição derivada, alegam, também, factos inerentes à aquisição originária (por usucapião), por parte dos 1ºs RR., do direito de propriedade sobre os aludidos prédios rústicos.
Impugnam a factualidade alegada na petição inicial, negando que as árvores alvo do corte praticado pelos RR. se situem na zona baldia e que sejam propriedade dos compartes de Freguesia X (sendo os próprios RR. compartes dos baldios de Freguesia X).
Referem, ainda, que pela madeira cortada apenas pela Empresa A receberam o valor de € 4 000 (valor de mercado), tendo procedido ao corte das árvores localizadas nas suas propriedades porque a A., cerca de 3 meses antes, havia procedido à marcação das mesmas, preparando-se para as cortar, tal como havia feito há cerca de 10 anos, sendo que os RR. instauraram a acção nº. 440/2000 uma vez que a A. procedeu, naquela altura, ao corte de várias árvores nos seus terrenos.

Concluem, pugnando pela absolvição da instância ou pela sua absolvição do pedido.

A Ré Empresa A também apresentou contestação, excepcionando a sua ilegitimidade na presente acção e alegando que, por contrato de compra e venda, celebrado entre os 1ºs RR. e a 2ª Ré em Setembro de 2010, aqueles venderam à 2ª Ré toda a madeira existente nos prédios rústicos “Vinhas das C.” e “P”, sitos no Lugar de Freguesia X, inscritos na matriz sob os artºs 917 e 333.

Impugna o demais alegado na petição inicial.

Conclui, pugnando pela procedência da excepção invocada, com a absolvição da Ré da instância, ou pela improcedência da acção e sua absolvição dos pedidos formulados pela Autora, pedindo, ainda, a condenação desta como litigante de má-fé em custas e indemnização condigna a favor da Ré.

A A. apresentou réplica, reiterando o alegado na petição inicial e pugnando pela sua absolvição do pedido de condenação por litigância de má fé formulado pela 2ª Ré.

Por requerimentos de fls. 384 a 388, os RR. vieram arguir a excepção de caso julgado decorrente da sentença proferida na acção de processo sumário nº. 61/14.5T8VPA (anterior nº. 440/2000), tendo a A. deduzido oposição nos termos constantes de fls. 389 a 391.

Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador onde se julgaram improcedentes as excepções de ineptidão da petição inicial, ilegitimidade passiva da Ré Empresa A e caso julgado, tendo sido, ainda, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova, que não sofreram reclamações.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.

Após, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, decidiu:

A) Condenar os Réus JOSÉ e esposa MARIA e EMPRESA A, EXPLORAÇÃO FLORESTAL, LDA a reconhecerem que os terrenos/área identificados nos arts. 2.º e seguintes da petição inicial são baldios que pertencem a toda a comunidade local da Freguesia X;
B) Condenar os Réus JOSÉ e esposa MARIA a indemnizar os compartes da Freguesia X, aqui representados pela Autora, no montante de € 9.481,92 (nove mil quatrocentos e oitenta e um euros e noventa e dois cêntimos);
C) Condenar os Réus JOSÉ e esposa MARIA e EMPRESA A, EXPLORAÇÃO FLORESTAL, LDA a não impedirem, por qualquer forma ou meio, o exercício do direito dos compartes como utilizadores comunitários dos terrenos/área referenciados em A);
D) Absolver os Réus JOSÉ e esposa MARIA e EMPRESA A, EXPLORAÇÃO FLORESTAL, LDA do demais peticionado;
E) Absolver a Autora JUNTA DE FREGUESIA X do pedido de condenação como litigante de má-fé;
F) Condenar a Autora JUNTA DE FREGUESIA X e os Réus JOSÉ e esposa MARIA e EMPRESA A, EXPLORAÇÃO FLORESTAL, LDA o pagamento das custas processuais em função do respectivo decaimento.

Inconformados com tal decisão, os RR. José e esposa Maria dela interpuseram recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:

1 - O presente Recurso funda-se na violação do artigo 343.º do C. C., do artigo 7.º do Código Registo Predial, e dos artigos 1.º e 2.º da Lei dos Baldios, e funda-se no disposto nos artigos 640.º e 639.º n.º 2 a) do C. P. C.
2 - A prova produzida justificava Decisão Diversa.
3 - Os pontos 1 a 8 dos Factos Provados deveriam constar da matéria Não Provada.
4 - Com efeito, ao declarar que a zona do corte era baldia, o Meritíssimo Juiz fê-lo, desconsiderando o disposto nos artigos 1 e 2 da Lei dos Baldios, que expõe, com rigor, que só é zona baldia de uma localidade, a área que é aproveitada pelos compartes, desde tempos imemoriais, de forma pública e pacífica, sem oposição de ninguém, imbuídos de animus de efectivos proprietários comunitários.
5 - Por outro lado, tal pratica, para ser relevante ao nível da aquisição da propriedade, tem de estender-se por várias gerações – o que significa que não trata de uma pratica extemporânea e localizada.
6 - Ora, a prova produzida comprova que na zona de litígio, os compartes de Freguesia X não realizavam qualquer acto de posse.
7 - Aliás, são as próprias testemunhas da Autora que referem que, na zona em litígio só viam os Réus.
8 - Por outro lado, a presente lide e a 440/2000 comprovam que os Réus nunca reconheceram essas áreas como baldias.
9 - E não se diga que os actos praticados pelos Serviços Florestais se insere na práctica de usufruição comunitária, já que eram praticados por instituições públicas – portanto sem o elemento subjectivo da posse – animus possidendi – e desenquadrados de qualquer legitimação comunitária.
10 - Foi inexistente a prova no sentido da pratica de qualquer acto de posse dos compartes de Freguesia X, desde tempos imemoriais, imbuídos de animus possidendi.
11 - Enfatiza-se que o ónus da prova cabia à Autora – artigo 342.º do C. C.
12 - Já os Réus são titulares de justos títulos de aquisição de propriedade (compra e venda e sucessão).
13 - Recorde-se que a própria Autora reconhece que na zona em questão os Réus dispõem de dois prédios – aliás tal matéria foi dada como provada e transitou em Julgado no processo 440/2000.
14 - Logo a intenção da Autora de delimitar a zona baldia da particular naufragou.
15 - Os Réus podem invocar o efeito central do registo – artigo 7.º do C. R. P.
16 - Nesta parte da Sentença, além de violar o disposto no artigo 342. º do C. C., a Douta Decisão também viola os artigos 1.º e 2.º da Lei dos Baldios, e ainda o artigo 7.º do C. R. P.
17 - Não prescindindo de tudo o supra vertido, sempre se dirá que a indemnização arbitrada não tem em conta a prova produzida.
18 - Assim, apesar de em resposta a quesito 6.º da Autora os Srs. Peritos confirmarem o valor de € 35/m3 de madeira,
19 - Em sede de esclarecimentos prestados em Audiência, também informaram que o local onde a madeira foi cortada é de muito difícil acesso, e longe da localidade, o que diminui o valor da mesma.
20 - Por outro lado, a testemunha arrolada pela Autora JC, funcionário reformado dos Serviços Florestais, declarou que a madeira não teria valor superior a € 20/m3, dado o relevo difícil, maus acessos e grande distância da localidade.
21 - Ora, tais meios de prova não foram atendidos, em prejuízo dos Réus.
22 - Face aos mesmos, o ponto 10.º dos Factos Provados deveria prever € 20/m3, e não € 35.
Terminam entendendo que a sentença recorrida deverá ser revogada e os RR. absolvidos do pedido, ou sem prescindir, a indemnização arbitrada deverá ser reduzida, tendo em conta o valor de € 20/m3 de madeira.

A A. contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção da sentença recorrida.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 590.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.

Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pelos RR. José e esposa Maria, delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:

I) - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
II) – Saber se deverá ser alterada a solução jurídica da causa.

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos, com relevância para a apreciação do mérito da causa [transcrição]:

1. Na Freguesia X, há um terreno composto de pinhal, com a área aproximada de 70.000 m2, que vem sendo há 200 e mais anos usada comunitariamente pelos moradores da referida freguesia, nela apascentando seus gados, buscando e recolhendo lenhas e roçando matos, malhando e secando cereais, efectuando desfolhadas, ininterruptamente, à vista de toda a gente, com a convicção de quem exerce um direito próprio e ignorando lesar quaisquer legítimos direitos de terceiros.
2. A área indicada em 1) assume uma configuração de um polígono irregular, tendo na confrontação a nascente, na face mais longa do polígono, cerca de 400 metros de comprimento e na sua base, na confrontação poente, cerca de 300 metros, sendo que, de largura, i.e. na confrontação a norte, tem cerca de 200 metros.
3. O terreno referido em 1) confronta a nascente, nomeadamente, com os prédios mencionados em 11) e 13).
4. Em Setembro de 2010, os Réus José e Maria declararam vender à Ré Empresa A – Exploração Florestal, Lda, uma quantidade de madeira não concretamente apurada, com referência aos pinheiros existentes nas parcelas citadas em 5) e 7), pelo preço de cerca de 8.000,00€.
5. Na sequência do indicado em 4), em 28 de Setembro de 2010, cerca das 9 horas, numa área do terreno mencionado em 1) denominada por “P”, com a dimensão de cerca de 145 metros de comprimento, 100 metros de largura na extremidade nasceste, a qual confronta com os prédios enunciados em 11) e 13), e aproximadamente 59 metros de largura a poente, funcionários da Ré Empresa A procederam ao corte de 631 cepos de pinheiros bravos.
6. No circunstancialismo mencionado em 5), o Presidente da Junta de Freguesia X e a respectiva mandatária nos autos declararam embargar o citado corte, designadamente, a FM, funcionário da Ré Empresa A.
7. Em consequência do referenciado 4), no dia 29 de Setembro de 2010, numa área do terreno mencionado em 1) denominada por “C.”, com cerca de 97 metros de comprimento na face nascente que confronta com o prédio enunciado em 11), e 65 metros de largura, funcionários da Ré Empresa A procederam ao corte de pelo menos 202 cepos de pinheiros bravos.
8. Na sequência do indicado em 4), em 29 de Setembro de 2010, cerca das 16 horas, na área de terreno citada em 5), funcionários da Ré Empresa A procederam ao corte de pelo menos 195 cepos de pinheiros bravos.
9. O corte dos cepos de pinheiros bravos descrito em 5), 7) e 8) corresponde a pelo menos 269,112 metros cúbicos.
10. O valor de mercado do metro cúbico dos pinheiros bravos ascende a cerca de 35,00€.
11. Pela ap. 6 de 1989/06/08, afigura-se registada a aquisição a favor de José e Maria do prédio rústico denominado “Vinha das C.”, sito em Fonte M., Freguesia X, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 222/19890608 e inscrito na matriz sob o artigo 111.
12. O prédio enunciado em 11) confronta de norte, nascente e poente com baldio e de sul com herdeiros de Manuela.
13. Pela ap. 1 de 1991/04/19, afigura-se registada a aquisição a favor de José e Maria do prédio rústico denominado “P”, sito em Fonte M., Freguesia X, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 444/… e inscrito na matriz sob o artigo 333.
14. O prédio mencionado em 13) confronta de norte, nascente e poente com baldio.

Por outro lado, na sentença recorrida, foram dados como não provados os seguintes factos [transcrição]:

15. O terreno referenciado em 1) confronta de norte e poente com RR, AC, ER, Herdeiros de Joaquim, MJ e outros, e sul com MC.
16. No circunstancialismo enunciado em 5), 7) e 8), o gerente e os funcionários da Ré Empresa A sabiam que os pinheiros bravos cortados integravam o terreno assinalado em 1).
17. Os cortes indicados em 5), 7) e 8) implicam uma “taxa de corte indevido” no valor de 47.094,06€ e uma “taxa de corte prematuro” no valor de 47.094,06€.
18. O prédio referido em 11) confronta de norte e nascente com o Réu José, de sul Manuela e de poente com António.
19. O prédio citado em 13) confronta do norte com o Réu José e BC, de nascente com Baldio e de sul e poente com os Réus.
20. Os Réus José e Maria, desde há mais de 20, 30, 40, 50 ou mais anos que os Réus, por si e antecessores, vêm roçando o mato que existe nas áreas de terreno descritas em 5) e 7), cortando lenha, ininterruptamente, à vista de toda a gente, com a convicção de quem exerce um direito próprio e ignorando lesar quaisquer legítimos direitos de terceiros.
*
Apreciando e decidindo.

I) – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

Vêm os RR., ora recorrentes, impugnar a decisão sobre a matéria de facto, pretendendo que:

b) - os pontos 1 a 8 dos factos provados sejam dados como não provados;
b) – seja alterada a redacção do ponto 10 dos factos provados, passando a ser a seguinte:

10. O valor de mercado do metro cúbico dos pinheiros bravos ascende a € 20/m3.
por entenderem que o Tribunal “a quo” não fez uma correcta apreciação e valoração da prova produzida nos autos, designadamente dos esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos em audiência de julgamento e dos depoimentos das testemunhas da Autora JC e DA, tendo a A. violado o disposto no artº. 342º do Código Civil já que era seu ónus provar a matéria por ela alegada, o que não logrou alcançar, existindo uma clara contradição entre os meios de prova produzidos e os fundamentos da sua decisão.
Concretizam os recorrentes que os principais pontos de discórdia, relativamente à sentença sob escrutínio, têm a ver com:

1º) – o facto de se considerar que a zona onde foi efectuado o corte das árvores é baldia, possuída e gerida pelos compartes da Autora (invocando, quanto a esta parte, os depoimentos das testemunhas JC, funcionário reformado dos Serviços Florestais, e DA, também funcionário dos Serviços Florestais);
2º) – o valor de mercado da madeira, cortada e vendida pelos Réus (invocando, em relação a esta matéria, os esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos em audiência de julgamento e o depoimento da testemunha JC).

Ora, no que diz respeito a esta matéria, na “motivação de facto” que integra a sentença recorrida, escreveu-se o seguinte [transcrição parcial]:
«(…)
A formação da convicção do tribunal estribou-se na análise crítica e conjugada dos depoimentos da Ré Maria, das declarações das testemunhas AG, JC, DA, AF, Fernando, Belmiro, Manuel, Sérgio, Ricardo, João, MF, NF e GR e dos esclarecimentos prestados pelos peritos Vítor, Celestino e Vasco, em concatenação com valoração das escrituras públicas de fls. 27-30 e 34-36, das certidões registais de fls. 32-33 e 165-167, da certidão de fls. 37-41, da carta militar de fls. 93, do levantamento topográfico de fls. 100, das certidões matriciais de fls. 168-170, da certidão processual de fls. 370-382, das fotografias de fls. 407-verso a 409 e do relatório pericial de fls. 460-480, sopesados à luz das regras probatórias legalmente tipificadas e do princípio da livre apreciação, em sede de um iter objectivamente cognoscitivo e dialecticamente valorativo.
*
A Ré Maria positivou declarações inerentemente genéricas e conclusivas, cingindo-se ao enquadramento perfunctório da aquisição dos prédios C e P pela mesma e pelo Réu/marido, e prefigurando-se incapaz de deduzir circunstâncias susceptíveis de estabelecer uma conexão histórica da área litigada com os mesmos.
Acresce que a Ré se assomou ostensivamente predeterminada e errática, ora renegando a existência de baldio no local, ora admitindo que os seus prédios confrontavam com o mesmo, com um quadro narrativo assaz claudicante e insubsistente.
*
No que se refere às testemunhas AG, JC, DA, efectivaram depoimentos eivados de imanente naturalidade, sustentabilidade fáctica e fundada razão de ciência, conexa com o facto de terem trabalhado para os serviços florestais durante mais de 40 anos (no perímetro que integra a área controvertida), contextualizando medianamente os terrenos baldios de Freguesia X com referência à área que congloba, designadamente, o terreno litigado, as suas confrontações, a delimitação com os prédios do Réu José positivada pelo aceiro (perpetrado pelos serviços florestais) e descreveram matizadamente que os mesmos são constituídos por pinheiros bravos, matéria substantivamente corroborada pela carta militar de fls. 93, o levantamento topográfico de fls. 100 e o relatório pericial de fls. 460-480.
Ademais, as testemunhas assinalaram com sustentada plausibilidade e percepção directa quer a limpeza/desbaste realizado no terreno controvertido que precedeu o corte efectivado pelos serviços florestais em 1998, quer o entorno fáctico do mesmo, com referência objectivamente verosímil à mesma área onde os Réus cortaram os pinheiros, enunciados que foram credivelmente corroborados pela testemunha GR.
*
A testemunha AF prestou declarações eivadas de tangível espontaneidade e enquadramento fáctico, assomando-se como filha do anterior proprietário do prédio denominado C (actualmente do Réu José), indicando fundadamente as confrontações do mesmo, as quais se coadunam com as atestadas na acção de processo sumário n.º 61/14.5T8VPA (vd. certidão processual de fls. 370-382) e assinalando com verosimilhança que o antedito prédio C não possuía pinheiros e que havia uma surreira que dividia o baldio do mesmo, proposições linearmente convergentes com o referenciado pelas testemunhas AG, JC, DA e atestado pelo levantamento topográfico de fls. 100 e o relatório pericial de fls. 460-480.
A depoente sublinhou, ainda, com plausibilidade e fiabilidade contextual a utilização pretérita do terreno baldio para recolher lenha, quadro fáctico convergente com o enunciado pelas testemunhas dos Réus quanto ao pastoreio do gado caprino.
*
A testemunha Belmiro limitou-se a referir a deslocação ao local para proceder à medição dos cepos cortados, emanando um depoimento linearmente inócuo.
*
No que se atem às testemunhas Fernando, Manuel, Sérgio, Ricardo, João e MF, positivaram depoimentos eminentemente prenhes de enunciados genéricos, conclusivos e desprovidos da exigível consistência.

Na verdade, conquanto os depoentes tenham aflorado minimamente os prédios do Réu José denominados P e C, afiguraram-se marcadamente claudicantes e desprovidos de suficiente contextualização fáctico-descritiva com referência à área historicamente sedimentada dos mesmos, prefigurando-se inaptos para especificar as características da área litigada e aduzir circunstâncias indiciadoras de um nexo de pertinência da mesma aos preditos terrenos do Réu.

Assinale-se que a testemunha Fernando se revelou manifestamente lasso em sede da enunciação de que o terreno C tinha um “bocadito” de pinhal, incapaz de um molécula de concretização, proposição fiavelmente contraditada pela testemunha AF, sendo que referenciou que nasceu pinhal novo nos prédios do Réu, asserção dissonante com a circunstância dos pinheiros cortados pelos Réus já terem a idade adulta (nos termos certificados pelo relatório pericial).
Sublinhe-se, outrossim, que Manuel admitiu que cirandou na área dos sobreditos prédios há 70 anos (só voltando há cerca de 8 anos), dimanando uma vaporosa cognição do núcleo fáctico sob julgamento.

Enfatize-se, outrossim, a comprometedora titubeância da testemunha Sérgio com referência ao local do corte dos pinheiros perpetrado pelo Réu, enxertando predeterminadamente e opacamente que não foi na mesma zona do que o que ocorreu em 1998.
Acresce que, genericamente, as testemunhas reconheceram a existência pretérita do aceiro/surreira especificado pelas testemunhas AG, JC, DA (e perpetrado pelos serviços florestais numa área lineamente de delimitação dos terrenos baldios), e admitiram a utilização comunitária do baldio existente na confinância com os prédios do Réu, v.g., para o pastoreio do gado caprino.
*
Relativamente à testemunha NF, funcionário da Ré Empresa A, enquadrou com plausibilidade o entorno subjacente ao negócio efectivado com o Réu José para a compra dos pinheiros, v.g., o preço de cerca de 8.000,00€ e a indicação do local do corte efectivada pelo mesmo, o que se configurou plausível à luz das regras da normalidade, não possuindo qualquer outro conhecimento da matéria controvertida.
*
A testemunha GR efectuou um depoimento subjectivamente fiável e objectivamente consistente, dimanando insofismável espontaneidade e descomprometimento com referência ao litígio, enquadrando sustentadamente as funções que exerceu nos serviços florestais de Ribeira de Pena durante mais de 10 anos, especificando com lastro fáctico quer a tipologia do corte cultural perpetrado na área litigada no ano de 1998, quer as diligências pretéritas de marcação dos pinheiros e de desbaste, com uma narrativa substancialmente congruente com o declarado pelas testemunhas AG, JC, DA.
Ademais, a testemunha configurou-se concludente em sede da enunciação de que percepcionou directamente o local onde o Réu realizou o corte de pinheiros, assinalando com tangível verosimilhança a correspondência com a área onde foi positivado o corte de 1998, o que se compaginou com o atestado pelo relatório pericial.
*
As escrituras públicas de fls. 27-30 e 34-36, as certidões registais de fls. 32-33 e 165-167, a certidão de fls. 37-41 e as certidões matriciais de fls. 168-170 afiguram-se dotadas de força probatória plena atinente aos factos registados e inscritos e aos directamente percepcionados pelo oficial que exarou as escrituras, v.g., o registo predial enuncia um específico direito real e a matriz predial indica que um prédio está inscrito na autoridade tributária e aduaneira em nome de uma determinada pessoa com finalidade estritamente fiscal, nos termos dos arts. 369.º/1, 370.º/1 e 371.º/1, do Código Civil (quorum notitiam et scientiam habet propiis sensibus, visus et auditus), aferindo-se, assim, que a referenciada força probatória não congloba os elementos descritivos dos prédios, v.g., as áreas, limites, confrontações (vd. Acórdão do STJ de 27.3.2014, proc. n.º 555/2002.E2.S1, in www.dgsi.pt).
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A carta militar de fls. 93 e o levantamento topográfico de fls. 100 afiguram-se parametricamente fundamentados, e compaginam-se com o certificado no relatório pericial de fls. 460-480, atestando de forma concludente quer a área global do baldio, quer a afectação do mesmo, incluindo as parcelas litigadas, ao perímetro florestal do Alvão/Ribeira de Pena, assinalando-se que:
(i) o regime florestal foi criado pelo Decreto Orgânico dos Serviços Agrícolas, de 24 de Dezembro 1901, sendo que o seu art.º 26.º preceituava que “O regime florestal, sendo essencialmente de utilidade publica, incumbe por sua natureza ao Estado; pode, entretanto, sob a tutela deste, ser desempenhado auxiliar ou parcialmente pelas corporações administrativas, pelas associações, ou pelos particulares individualmente”;
(ii) Subsequentemente, foi publicada a Lei n.º 1971, de 15 de Junho de 1938 (Lei do povoamento florestal), a qual sujeitou determinados baldios ao regime florestal, consignando, designadamente, o seguinte: “Base I Os terrenos baldios, definitivamente reconhecidos pelos serviços do Ministério da Agricultura como mais próprios para a cultura florestal do que para qualquer outra, serão arborizadas pelos corpos administrativos ou pelo Estado segundo planos gerais e projectos devidamente aprovados nos termos destas bases”.

Em decorrência, os sobreditos elementos probatórios certificam sustentadamente que os terrenos invocados pelo Autor, incluindo as parcelas litigadas, são utilizados, desde tempos imemoriais, pelos moradores da Freguesia X a título comunitário.
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A certidão processual de fls. 370-382, extraída da acção de processo sumário n.º 61/14.5T8VPA, intentada pelos Réus José e Maria contra a Junta de Freguesia X, induz um efeito de autoridade de caso julgado nos autos atinente à respectiva sentença.
Em concatenação com o supra referenciado, para efeitos de caso julgado, o mesmo abrange, em primeira instância, as designadas relações de identidade, isto é, a mesma causa de pedir, o mesmo facto jurídico decidendo (vd. Manuel Domingues de Andrade, op. cit., Miguel Teixeira de Sousa, op. cit., e João Paulo Remédio Marques, Acção Declarativa à luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 3.ª edição, p. 669 e seguintes).
Acresce que, a título excepcional, o caso julgado congloba, ainda, os fundamentos de facto que consubstanciam antecedente lógico incindível do dispositivo, v.g.: (i) as relações de prejudicialidade entre objectos, as quais se verificam quando a apreciação de um objecto (que é o prejudicial) constitui um pressuposto ou condição do julgamento de um outro objecto (que é o dependente), sendo que o tribunal da acção dependente está vinculado à decisão proferida na causa prejudicial; (ii) as relações sinalagmáticas entre prestações (idem).
Em decorrência, a matéria fáctica provada na sobredita acção relativamente às confrontações dos prédios dos Réus José e Maria constitui caso julgado, outrossim oponível à Ré, Empresa A, porquanto a mesma assumia a qualidade de terceiro juridicamente indiferente (ou seja, aqueles que não são prejudicados com a sentença).
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As fotografias de fls. 407-verso a 409 enquadram fundadamente as áreas litigadas, em correlação com o ínsito no relatório pericial.
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O relatório pericial de fls. 460-480 afigura-se, objectivamente fundado, sendo que, em matéria de juízos de facto, consagra uma posição unânime cristalinamente sustentada em parâmetros claros, suficientemente fundamentados e congruentes com as máximas da experiência, configurando-se, assim, objectivamente consistente e subjectivamente fiável, v.g., certificando as áreas e confrontações das parcelas litigadas “C.” e “P”, indexando-as substantivamente e cartograficamente ao baldio e ao perímetro florestal do Alvão, concretizando a tipologia do arvoredo, pinheiro bravo adulto, atestando plausivelmente o número de árvores cortadas e calculando com lastro fáctico o volume/m3 das mesmas e o respectivo valor, enunciações reiteradas concludentemente pelos peritos Vítor, Celestino e Vasco em sede da audiência.
Ademais, os juízos fácticos exarados na perícia convergem substantivamente com a carta militar de fls. 93 e o levantamento topográfico de fls. 100 e com as declarações das testemunhas AG, JC, DA e GR.
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Em decorrência do supra acervo probatório, no que se refere aos factos 1) e 2), 5) e 7) a 10), sopesaram-se aglutinadamente os depoimentos das testemunhas AG, JC, DA, AF e GR, em correlação com a carta militar de fls. 93, o levantamento topográfico de fls. 100 e o relatório pericial de fls. 460-480, vectores probatórios que, congruentemente e consistentemente, atestaram quer a fruição da comunitária do terreno e das parcelas litigadas, quer as suas confrontações e medições das respectivas áreas, quer o número e valor dos pinheiros cortados, à luz do princípio da normalidade, sendo que não foram produzidas quaisquer contraprovas testemunhais ou documentais minimamente sustentáveis.
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No que tange aos factos 3), 12) e 14), o Tribunal estribou-se na autoridade de caso julgado decorrente da sentença proferida na acção de processo sumário n.º 61/14.5T8VPA, nos termos da certidão processual de fls. 370-382.
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No que concerne aos factos 4) e 6), quer a compra e venda, quer o embargo foram admitidos/reconhecidos reciprocamente pelas partes, sendo que o valor ajustado pelos Réus foi enunciado com inerente verosimilhança pela testemunha NF, funcionário da Ré Empresa A, sendo que não foram produzidas contraprovas.
(…)».

O artº. 640º do NCPC estabelece os ónus que impendem sobre o recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto, e tendo os ora recorrentes satisfeito tais imposições legais, procedendo inclusive à transcrição de pequenos excertos dos esclarecimentos prestados por um dos Peritos e dos depoimentos das testemunhas JC e DA por eles mencionados para fundamentar a sua pretensão, constando dos autos toda a prova documental tida em atenção pelo Tribunal “a quo” na formação da sua convicção e estando gravados, no caso concreto, os depoimentos prestados em audiência de julgamento, nada obsta à reapreciação da decisão da matéria de facto relativamente aos factos provados colocados em crise no presente recurso.

Com efeito, após ouvida a gravação da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento – com destaque para os esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos e os depoimentos das testemunhas JC (funcionário dos Serviços Florestais aposentado) e DA (funcionário dos Serviços Florestais), arroladas pela A., todos eles mencionados nas alegações de recurso, bem como o depoimento da testemunha da A. GR, mencionada na “motivação de facto” e nas contra-alegações apresentadas pela Autora/recorrida, relativamente aos factos provados acima referidos e colocados em crise pelos recorrentes - e sopesando-a com a restante prova existente no processo, designadamente com os depoimentos das restantes testemunhas inquiridas, com a carta militar de fls. 93, o levantamento topográfico de fls. 100, a certidão da sentença proferida na acção de processo sumário nº. 61/14.5T8VPA inserta a fls. 392 a 399, as fotografias juntas a fls. 407vº a 409 e o relatório pericial acompanhado das fotografias tiradas pelos Srs. Peritos constante de fls. 460 a 480 referidos na “motivação de facto”, constatamos ser de atender parcialmente à pretensão dos RR./recorrentes, no sentido de ser alterada a redacção do ponto 10 dos factos provados (atinente ao valor de mercado da madeira, cortada e vendida pelos RR.), não lhes assistindo razão, salvo o devido respeito, quanto à restante matéria de facto provada que pretendem seja considerada não provada – ou seja, pontos 1 a 8 dos factos provados (que têm a ver com o facto do Tribunal recorrido ter considerado que a zona onde foi efectuado o corte das árvores é baldia, possuída e gerida pelos compartes da Autora) – relativamente à qual constatamos que o Tribunal “a quo” fez uma correcta apreciação e análise crítica, detalhada e exaustiva de todos os elementos de prova constantes dos autos, confrontando-os, ainda, com as regras da experiência comum, tal como consta clara e detalhadamente explanado na “motivação de facto” da sentença recorrida que acima transcrevemos (apenas a parte que releva para apreciação dos concretos pontos de facto impugnados) e que merece a nossa concordância.

Vejamos então.

O ponto 10 dos factos provados que os recorrentes pretendem ver alterado tem a seguinte redacção:

“O valor de mercado do metro cúbico dos pinheiros bravos ascende a cerca de 35,00€”.
No relatório pericial junto aos autos, mais concretamente no quesito 6º formulado pela A.. é perguntado o seguinte:
- Quesito 6º: O corte de 1028 cepos de arvoredo bravo, levado a cabo pelos RR., na dita área baldia, a que corresponde um volume de 269,112 m3, e isto à razão de € 35,00 o metro cúbico, importa em € 9 481,92?
Resposta dos Srs. Peritos: Sim. Considerando: 269,112 m3 a € 35,00/m3 equivale a € 9 481,92.

Contudo, aquando da visita ao local foi dito pelos RR. que a referida madeira foi vendida por € 7.000,00.
Pese embora tal resposta dada no relatório pericial, em sede de esclarecimentos prestados na audiência de julgamento, os Srs. Peritos confirmaram que o valor de € 35/m3 foi solicitado pelos Autores, não tendo sido eles que chegaram a esse valor. Referiram, ainda, que o preço de mercado da madeira é “um bocado variável”, depende de vários factores, como a oferta e os custos de extracção, sendo os custos de extracção naquele local ligeiramente superiores, relativamente a outras áreas, pois trata-se de uma zona de difícil acesso, onde os camiões grandes não conseguem fazer as manobras, e isso será um aspecto a ter em conta, que podia baixar o preço da madeira.

Por sua vez, a testemunha JC - que revelou ter um profundo conhecimento da zona onde se situam os terrenos em discussão nestes autos, dado ter trabalhado nos Serviços Florestais, sempre no concelho de Ribeira de Pena, durante 43 anos – referiu que o preço que é atribuído à madeira tem em consideração “a distância a que está de carregar os camiões, o relevo do terreno, os solos (se tem muita pedra, se tem pouca pedra), a idade do pinhal. Eu muito sinceramente, naquele tempo, neste caso em concreto, aquela madeira valeria entre 15 e 20 euros o metro cúbico”, não tendo este seu depoimento sido suficientemente contrariado pela restante prova produzida nos autos.

Assim, da conjugação dos elementos de prova acima enunciados, entendemos que deve o ponto 10 dos factos provados ser alterado, passando a ter a seguinte redacção:

10. O valor de mercado do metro cúbico dos pinheiros bravos ascende a € 20/m3.
No que concerne aos pontos 1 a 8 dos factos provados, entendemos que os mesmos se devem manter inalterados, por estarem em conformidade com os elementos probatórios supra referidos e tendo, ainda, em atenção o raciocínio lógico expendido na “motivação de facto” a este respeito que acima transcrevemos.
Com efeito, como supra transcrito, o Tribunal recorrido fez a sua valoração da prova produzida, tendo apresentado a respectiva motivação de facto, na qual explicitou minuciosamente, não apenas os vários meios de prova (esclarecimentos dos peritos, depoimentos das testemunhas, documentos, fotografias, carta militar, levantamento topográfico e relatório pericial) que concorreram para a formação da sua convicção, como os critérios racionais que conduziram a que a sua convicção acerca dos diferentes factos controvertidos se tivesse formado em determinado sentido e não noutro.
Apesar de, na sua extensa e minuciosa análise da prova produzida nos autos, o Tribunal “a quo” ter equacionado toda a prova testemunhal, documental e pericial que os recorrentes ora pretendem que seja valorada de forma diferente, importa, ainda, tecer alguns considerandos, em sede de fundamentação, relativamente a alguns dos elementos de prova enunciados na sentença e referidos pelos recorrentes, conjugando-os com as regras da experiência comum, por forma a reforçar a convicção formada por aquele Tribunal e afastar a pretensão dos recorrentes quanto à alteração da matéria de facto.
Defendem os RR./recorrentes que a matéria vertida nos pontos 1 a 8 dos factos provados deveria constar dos factos não provados, porquanto nenhum meio de prova produzido permite fundamentar que na zona do corte os compartes de Freguesia X lá apascentam o gado, cortam lenha e estrumes, secam cerais e fazem desfolhadas, há mais de 200 anos, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente e com animus de exercer pacificamente um direito próprio.
Fundamentam a sua pretensão nos depoimentos das testemunhas JC e DA (este último também funcionário dos Serviços Florestais há 44 anos), alegando que o primeiro não só afirmou que não via lá nenhum comparte da Freguesia X, como chegou a afirmar que quem lá via era gente afecta aos Réus, tendo o segundo também referido que não via lá nenhum comparte da Freguesia X e que quem lá via era o Réu marido, que afirmava que a zona em questão lhe pertencia.
Como é sabido, a análise critica da prova impõe a ponderação do conjunto de toda a prova produzida e não apenas de alguns depoimentos analisados separadamente e valorados apenas na parte que interessa ao recorrente, tendo sido do conjunto de todos os elementos de prova, sopesados à luz das regras da experiência comum, que resultou a convicção do Tribunal “a quo” no sentido plasmado na sentença sob censura.
Revisitada a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento (através da audição dos respectivos registos) e em consonância com o que se mostra escrito na “motivação de facto”, constatamos que, embora as testemunhas JC e DA tivessem referido o que se mostra transcrito pelos RR. nas suas alegações de recurso, não podemos olvidar que elas apenas se estavam a referir às ocasiões em que se deslocaram àquela zona, no âmbito das funções que desempenharam, e desempenham, nos Serviços Florestais, designadamente quando faziam intervenções nas áreas submetidas a regime florestal (trabalhos de desbaste, limpeza, marcação e corte dos pinheiros), não podendo atestar, como é óbvio, a utilização que era dada àquela área, desde tempos imemoriais, pelos moradores da Freguesia X, nos períodos em que estas testemunhas não se deslocavam lá.
Esta parte dos depoimentos das duas testemunhas acima referidas, de forma alguma, invalida o que resultou da restante prova produzida nos autos, cuja análise se mostra profusamente explanada na “motivação de facto”, e que levou o Tribunal “a quo” a concluir que “os sobreditos elementos probatórios certificam sustentadamente que os terrenos invocados pelo Autor, incluindo as parcelas litigadas, são utilizados, desde tempos imemoriais, pelos moradores da Freguesia X a título comunitário”, acrescentando mais adiante que “em decorrência do supra acervo probatório, no que se refere aos factos 1) e 2), 5), e 7) a 10), sopesaram-se aglutinadamente os depoimentos das testemunhas AG, JC, DA, AF e GR, em correlação com a carta militar de fls. 93, o levantamento topográfico de fls. 100 e o relatório pericial de fls. 460-480, vectores probatórios que, congruentemente e consistentemente, atestaram quer a fruição comunitária do terreno e das parcelas litigadas, quer as suas confrontações e medições das respectivas áreas, quer o número e valor dos pinheiros cortados, à luz do princípio da normalidade, sendo que não foram produzidas quaisquer contraprovas testemunhais ou documentais minimamente sustentáveis. (…)” e a dar como provados os factos 1 a 8 ora impugnados pelos RR. José e esposa Maria.
Ademais, importa salientar que a testemunha JC - que participou nos trabalhos de desbaste e marcação de pinheiros realizados naquela zona, que antecederam o corte de pinheiros efectuado em 1998 pelos Serviços Florestais, e procedeu à contagem dos cepos dos pinheiros que foram cortados pelos RR. em 2010 – confirmou ter feito, em 43 anos de trabalho nos Serviços Florestais, várias intervenções naquela área, porque a mesma estava submetida a regime florestal, tendo afirmado de forma segura e assertiva que, desde 1945 quando foram elaborados ortofotomapas de projecção da floresta (sendo por esses mapas que os trabalhadores dos Serviços Florestais se regulavam), as áreas submetidas a regime florestal, enquanto não houvesse nada em contrário, situavam-se em terrenos baldios, que se distinguiam dos terrenos privados por terem apenas uma floresta de pinheiros bravos, com maior densidade em relação aos outros terrenos, tendo constatado que a área onde os RR. andaram a cortar os pinheiros estava submetida a regime florestal e que tal corte foi realizado na mesma zona onde os Serviços Florestais fizeram o corte em 1998.
Ao ser confrontada com o levantamento topográfico e as fotografias insertas no relatório pericial, esta testemunha apontou a localização da área baldia e a sua delimitação, bem como a forma como tal área se distingue dos terrenos de particulares e as respectivas confrontações.
Tal depoimento foi corroborado pelo depoimento da testemunha DA – que trabalha nos Serviços Florestais há 44 anos e acompanhou o corte de pinheiros efectuado pelos Serviços Florestais em 1998, bem como os Srs. Peritos quando estes se deslocaram ao local para efeitos de elaboração do relatório pericial – que confirmou, de forma clara e inequívoca, que o corte realizado pelos Serviços Florestais em 1998, foi efectuado exactamente na mesma área onde os RR. andaram a cortar em 2010, tendo os trabalhadores daqueles Serviços, durante mais de 20 anos antes daquele corte de 1998, procedido a trabalhos de desbaste, limpeza e marcação do pinhal, sendo que o R. marido andava naquela zona, porque tinha lá terrenos de cultivo e gado, e nunca interpelou a testemunha e os seus colegas por andarem a trabalhar naquela área.
Esclareceu, ainda, esta testemunha que a zona tratada, cuidada e na qual foi feito o corte pelos Serviços Florestais em 1998, é toda composta de pinheiro bravo e está bem demarcada e distinta dos terrenos de particulares, indicando sem qualquer hesitação as confrontações e a delimitação da área baldia, e acrescentando que:

- toda a zona que tem pinhal bravo é baldia e no interior daquela zona baldia não existem terrenos particulares;
- não existe naquela zona, junto ao baldio em causa, nenhum terreno particular que tenha pinheiros bravos (estes existem somente naquela mancha);
- não tem dúvidas que todos os pinheiros mandados cortar pelo R. marido foram no interior do baldio.
No mesmo sentido depôs a testemunha GR, engenheiro florestal que em 1998 era o administrador florestal de Ribeira de Pena, tendo exercido estas funções durante 11 anos. Como se pode comprovar pela audição do seu depoimento, esta testemunha afirmou de forma espontânea, assertiva e descomprometida que, em 1998, os Serviços Florestais procederam a um “corte cultural” naquela zona denominada “P” e “C.”, do qual foi ele o responsável (explicando de forma clara em que consiste um “corte cultural”), tendo tal corte ocorrido em terreno baldio que os Serviços Florestais administravam e que fazia parte do plano de cortes existente naqueles Serviços, tendo sido os Serviços Florestais que intervieram naquela zona para preparar o pinhal para o corte (o chamado “desbaste” e marcação dos pinheiros). Explicou, também, como conseguiam distinguir as delimitações do terreno baldio e dos terrenos particulares e o modo como tais delimitações eram feitas no tempo do Estado Novo, confirmando que na zona referida nos autos, haviam “sorreiras” (depressões feitas no terreno que serviam como divisão) que eram respeitadas por todos e que separavam o terreno baldio do particular.
Confirmou, ainda, que esse pinhal sempre foi considerado zona de baldio e tratado pelos Serviços Florestais, e que após os RR. terem cortado os pinheiros em 2010, deslocou-se ao local e ali constatou que aqueles haviam feito um “corte raso” no mesmo sítio onde tinha sido efectuado o corte cultural pelos Serviços Florestais, afirmando com tangível verosimilhança a correspondência com a área onde foi positivado o corte de 1998.

Os depoimentos das testemunhas supra referidas, bem como das restantes testemunhas da A. referidas na “motivação de facto”, foram devidamente valorados pelo Tribunal recorrido e lograram convencer este tribunal de recurso sobre a sua verosimilhança no que concerne à factualidade dada como provada nos pontos 1 a 8 e ora impugnada, não só por força da sua razão de ciência (demonstrando ter um conhecimento seguro e aprofundado dos factos dados como provados, em virtude das funções que exerceram, e exercem, nos Serviços Florestais), mas também pela forma como foram prestados (espontâneos, consistentes e equidistantes das partes em litígio).

Relativamente à produção de prova realizada na audiência de julgamento, acresce referir que, embora resulte da gravação dos depoimentos que a testemunha JC foi confrontado com o levantamento topográfico de fls. 100 e as fotografias que constam do relatório pericial, não tem este Tribunal forma de sindicar o respectivo depoimento na parte em que identificou ou assinalou, nesse levantamento e nas fotografias, a localização dos terrenos referidos nos autos (P e C.), as delimitações do terreno baldio em relação aos particulares, as zonas onde foram efectuados os cortes de pinheiros e em que efectuou medições, uma vez que não resulta perceptível do registo audio a parte do documento em que a testemunha está a assinalar os pontos e/ou pormenores sobre os quais está a depôr, não sendo possível vislumbrar, a quem apenas ouve a gravação, que locais a testemunha está a apontar nos documentos.

Nesta parte, o que conta é a convicção formada pelo julgador na 1ª instância, que beneficiou da imediação resultante do julgamento e, por isso, pode visualizar com clareza o que estava a ser identificado pela testemunha nos mencionados documentos.
Como tivemos oportunidade de constatar, a prova produzida nos autos, e designadamente os elementos probatórios mencionados pelos recorrentes, não têm a virtualidade de sustentar qualquer alteração à matéria de facto dada como provada nos pontos 1 a 8, nos termos por eles pretendidos.

Na fixação da matéria de facto provada e não provada, o Tribunal de 1ª instância rege-se pelo princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artº. 607º, nº. 5 do NCPC, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, só podendo ocorrer alteração da mesma por parte do Tribunal da Relação, que se deve reger também pelo aludido princípio, nos termos do artº. 662º do mesmo diploma legal.

De acordo, pois, com o citado artº. 607º, nº. 5 do NCPC, o Tribunal “a quo”, neste caso, apreciou livremente os depoimentos de todas as testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, em conjugação com as demais provas produzidas, designadamente a prova documental e pericial (onde se incluem as fotografias juntas aos autos e insertas no relatório pericial), tendo decidido segundo a sua prudente convicção acerca da factualidade ora colocada em crise.
Ora, a convicção formada por este tribunal de recurso, depois de ouvida a gravação da prova produzida em audiência de julgamento e de efectuada a apreciação dos depoimentos prestados em conjugação com os documentos mencionados, as fotografias constantes dos autos, o relatório pericial e as regras da experiência comum, é aquela que vem plasmada na decisão do Tribunal recorrido, resultando do atrás exposto que, relativamente aos pontos 1 a 8 dos factos provados que os recorrentes pretendem sejam considerados não provados, inexistem quaisquer elementos de prova que permitam formar uma convicção diferente.

É certo que os recorrentes não concordam com o decidido, mas não carrearam para os autos prova consistente que imponha decisão diversa.

Em face do acima exposto e nos termos do disposto no artº. 662º, nº. 1 do NCPC, procede parcialmente a impugnação da matéria de facto deduzida pelos RR./recorrentes, alterando-se a redacção do ponto 10 dos factos provados nos termos atrás mencionados, mantendo-se, no entanto, inalterada a restante matéria de facto provada e não provada supra descrita.
*
II)Saber se deverá ser alterada a solução jurídica da causa:

Na sentença recorrida, após se fazer uma caracterização do direito de propriedade e enunciação das suas formas de aquisição e se ter analisado, grosso modo, a natureza e o regime jurídico dos baldios, em cotejo com a propriedade privada e com o domínio público, o Tribunal “a quo” conclui que, em face da matéria de facto dada como provada nos pontos 1 e 2 – configurando tal factologia «a efectivação de cristalinos actos de uso e fruição do mencionado terreno pela comunidade local da Freguesia X, incluindo as parcelas descritas em 5) e 7), de forma concludente, pública, pacífica e ininterrupta, com linear desiderato de domínio comunitário, a título de logradouro comum para, designadamente, efeitos de apascentação de gados, de recolha de lenhas ou de matos, de culturas de natureza agrícola, silvícola, silvo-pastoril, efectivamente gerido pelos “condóminos” mediante a assembleia de compartes e o conselho directivo, curando-se, assim, de um bem imóvel afecto ao sector económico comunitário» – se mostram preenchidos os pressupostos objectivos e subjectivos plasmados na Lei dos Baldios (Lei nº. 68/93 de 4/9), pelo que o mencionado terreno consubstancia um baldio titulado pelo universo de compartes de Freguesia X, os quais exercem, assim, a plenitude dos poderes de uso, fruição e disposição do mesmo, na qualidade de um direito absoluto oponível erga omnes e adstringindo todas as pessoas a um dever geral de abstenção da prática de actos que comprimam ou lesem a esfera jurídico-real da A., julgando, assim, procedentes as pretensões formuladas nas alíneas a) e c) do petitório.
Entendem os RR./recorrentes que a A., para além de não ter conseguido provar a matéria por ela alegada, como era seu ónus nos termos do artº. 342º do Código Civil, violou o disposto nos artºs 1º e 2º da Lei dos Baldios, que expõe, com rigor, que só é zona baldia de uma localidade a área que é aproveitada pelos compartes, desde tempos imemoriais, de forma pública e pacífica, sem oposição de ninguém, inexistindo prova, na presente lide, “dessa prática comunitária, pacífica, pública e de boa-fé, por mais de uma geração, de forma ininterrupta, com animus de efectivos proprietários”, fundando esta sua tese no acolhimento da pretendida alteração da matéria de facto vertida nos pontos 1 a 8 dos factos provados.

Ora, mantendo-se incólume o quadro factual julgado provado e não provado, com excepção do ponto 10 dos factos provados, cuja redacção foi alterada nos termos acima referidos, entendemos que o Tribunal “a quo” fez uma correcta integração da aludida factualidade apurada nas normas jurídicas aplicáveis ao caso em apreço, tal como consta detalhadamente explicado na “fundamentação de direito”, pelo que outra não poderia ter sido a decisão daquele Tribunal senão a que consta nas alíneas A) e C) do dispositivo da sentença recorrida:

A) condenando os RR. a reconhecerem que os terrenos/área identificados nos artºs 2º e seguintes da petição inicial são baldios que pertencem a toda a comunidade local da Freguesia X;
C) condenando os RR. a não impedirem, por qualquer forma ou meio, o exercício do direito dos compartes como utilizadores comunitários dos terrenos/área referenciados em A);
nos termos e com os fundamentos nela clara e exaustivamente explanados.
Na verdade, como bem se refere na sentença sob escrutínio, os baldios prefiguram, historicamente, terras que não eram objecto de clara apropriação, afigurando-se disponíveis para quem usar para apanha da lenha ou apascentar gado, sendo que a sua origem é ancestral, associada a comunidades agro-pastoris que os utilizam, em comum, na base de usos ou do Direito consuetudinário (cfr. A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Parte Geral - Tomo II, 2ª ed., pág 89 e segtes).
Porque a solução da questão suscitada pelos recorrentes se prende com a natureza e regime jurídico dos baldios, começaremos por abordar, em traços gerais, este tema à luz da evolução legislativa nesta área.
Historicamente, os baldios surgiram da necessidade social de os agricultores pouco abastados utilizarem espaços desocupados e/ou abandonados das respectivas freguesias para apascentação de gado, para roça de mato ou de lenha, para apanha de estrume, extracção de barro ou outros proveitos análogos complementares da sua actividade agrícola.
Assim, e como explica Rogério Santos, os baldios são figuras jurídicas distintas dos bens públicos: “Nos bens dominiais, o essencial é a sua afectação à satisfação de uma necessidade pública, que só em certos casos pode reflexamente coincidir com a satisfação de necessidades particulares; pelo contrário, os baldios estão propostos à satisfação de certas necessidades individuais, precisamente porque nasceram e se desenvolveram para permitir um aproveitamento silvícola a pastoril de certas terras por certas pessoas” (in R.D.E.S., Ano XIV, pág. 290).
As Ordenações Manuelinas definiam os baldios como “terras incultas, matos maninhos, ou matos bravios que nunca foram aproveitados ou não há memória de homens que o fossem, e que não tendo sido coutadas, nem reservados pelos reis, passaram geralmente pelos forais, com as outras terras, aos povoadores delas, para os haverem por seus em proveito dos pastos, criações e logramentos que lhes pertencem” (cfr. §§ 8º e 9º - Lº IV, Título LXVII, das Sesmarias, citadas por Jaime Gralheiro, in “Comentário à Nova Lei dos Baldios”, pág.74).
A Lei de 26 de Julho de 1850 classificou os baldios em paroquiais e municipais, presumindo-se paroquiais aqueles cujo logradouro comum e exclusivo, os moradores da paróquia tiverem posse por trinta ou mais anos, e municipais aqueles em cuja posse tiverem estado os moradores do concelho durante um igual espaço de tempo.
O Decreto nº. 7933 de 10/12/1921 declarou no artº. 1º que “os baldios, quer na administração das câmaras municipais, quer na das juntas de freguesia, que tenham vindo a ser aproveitados como logradouro comum dos respectivos moradores vizinhos, nos termos do direito tradicional, continuarão a ter esse direito, no todo ou em parte, conforme as necessidades daqueles”.
E acrescentou no § único deste artigo que “Esse logradouro, para dever considerar-se como tal, tanto no presente como no futuro, consiste na apascentação dos gados, criação e aproveitamento do mato, lenha e madeira para as casas e lavoura dos moradores vizinhos, ou na utilização desses terrenos por qualquer meio compatível com a sua natureza, uma vez que não envolva a apropriação de qualquer parcela dos mesmos, ou fruição, que não seja em proveito comum dos ditos moradores”.
No Código Civil de 1867 (Código de Seabra) os terrenos baldios passaram a estar compreendidos no domínio comum, por contraposição ao domínio público ou particular (artºs 379º e 381º).
“Não obstante esta classificação tripartida, na vigência desse Código, muitos autores sustentaram que os baldios eram propriedade (pública ou privada) das autarquias locais, enquanto outros defenderam que constituíam propriedade comunal dos vizinhos de certa circunscrição ou parte dela” (vide Parecer do Conselho Consultivo da PGR nº. 6/99 de 24/06/1999, publicado no DR, II Série, nº. 274, de 24/11/1999); mas havia já quem entendesse que os baldios também podiam ser adquiridos, mediante a prescrição aquisitiva ou positiva (regulada nos artºs 517º e segtes) “para favorecer o incremento da produção agrícola” (Prof. Dr. Cunha Gonçalves, in Tratado de Direito Civil, Vol. III, pág. 145).
Por sua vez, o Código Administrativo de 1940 definia, no artº. 388º, os baldios como «os terrenos não individualmente apropriados dos quais só é permitido tirar proveito, guardados os regulamentos, aos indivíduos residentes em certa circunscrição ou parte dela».
À luz destes diplomas, os baldios municipais eram tidos pela doutrina civilista da época e pela jurisprudência, como integrando a propriedade pública das autarquias locais, podendo entrar no domínio privado por desafectação, sendo, por isso, alienáveis e susceptíveis de serem adquiridos mediante a prescrição aquisitiva ou positiva que era regulada nos artºs 517º e segtes do Código Civil de 1867.
Extinta a categoria de coisas comuns pelo Código Civil de 1967, a doutrina e a jurisprudência passou a qualificar os baldios como propriedade privada da autarquia local, embora sujeita à afectação especial de suportar certas utilizações tradicionais pelos habitantes de uma dada circunscrição ou parte dela, pelo que passou a entender genericamente que tais bens eram susceptíveis de apropriação e de usucapião (vide Marcelo Caetano, in “Manual de Direito Administrativo”, Vol. II, pág. 973 e acórdão do STJ de 12/10/1975, BMJ, nº. 230, pág. 63).
Subsequentemente, o DL 203-C/75 de 15/4 consagrou a restituição dos baldios aos seus legítimos utentes, tendo na sequência deste sido promulgado o DL 39/76 de 19/1, com o objectivo de proceder à entrega dos baldios submetidos ao regime florestal às populações locais, definindo os baldios como sendo os terrenos comunitariamente usados e fruídos pelos moradores de determinada freguesia ou freguesias ou parte delas (artº. 1º).
E, em consonância com o disposto no artº. 89º da CRP de 1976, estatuiu, no seu artº. 2º, que os terrenos baldios se encontram fora do comércio jurídico, não podendo no todo ou em parte, ser objecto de apropriação privada por qualquer forma ou título, incluída a usucapião.
Complementarmente, entrou em vigor o DL 40/76 de 19/1 que, no seu artº. 1º, nº. 1, declarou serem anuláveis a todo o tempo os actos ou negócios jurídicos que tenham como objecto a apropriação de terrenos baldios ou parcelas de baldios por particulares, bem como as subsequentes transmissões que não forem nulas.
À data da propositura da presente acção (e também da prolação da sentença recorrida), encontrava-se em vigor a Lei nº. 68/93 de 4/9 (com as alterações introduzidas pela Lei nº. 89/97 de 30/7), que consubstanciava a Lei dos Baldios, que no seu artº. 1º, nº. 1 define baldios como os terrenos possuídos e geridos por comunidades locais, estabelecendo os nºs 2 e 3 que, para os efeitos da presente lei, comunidade local é o universo dos compartes, sendo estes os moradores de uma ou mais freguesias ou parte delas que, segundo os usos e costumes, têm direito ao uso e fruição do baldio.
Sublinha-se na sentença sob censura que, nos termos do artº. 2º, nº. 1 da citada Lei, as disposições desta são aplicáveis aos terrenos baldios, mesmo quando constituídos por áreas descontínuas, nomeadamente aos que se encontrem nas seguintes condições:

a) Terrenos considerados baldios e como tais comunitariamente possuídos e geridos por moradores de uma ou mais freguesias, ou parte delas, mesmo que ocasionalmente não estejam a ser objecto, no todo ou em parte, de aproveitamento por esses moradores, ou careçam de órgãos de gestão regularmente constituídos;
b) Terrenos passíveis de uso e fruição por comunidade local, os quais, tendo anteriormente sido usados e fruídos como baldios, foram submetidos ao regime florestal ou de reserva não aproveitada, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 27207, de 16 de Novembro de 1333, e da Lei n.º 2069, de 24 de Abril de 1954, e ainda não devolvidos ao abrigo do Decreto-Lei n.º 39/76, de 19 de Janeiro;
c) Terrenos baldios objecto de apossamento por particulares, ainda que transmitidos posteriormente, aos quais são aplicáveis as disposições do Decreto-Lei n.º 40/76, de 1 de Janeiro;
d) Terrenos passíveis de uso e fruição por comunidade local que tenham sido licitamente adquiridos por uma tal comunidade e afectados ao logradouro comum da mesma.
Por sua vez, estabelece o seu artº. 3 que “os baldios constituem, em regra, logradouro comum, designadamente para efeitos de apascentação de gados, de recolha de lenhas ou de matos, de culturas e outras fruições, nomeadamente de natureza agrícola, silvícola, silvo-pastoril ou apícola”.
Ao abrigo do consignado no artº 5º da Lei dos Baldios, “o uso e fruição dos baldios efectiva-se de acordo com as deliberações dos órgãos competentes dos compartes ou, na sua falta, de acordo com os usos e costumes (…)”.

Em resumo, poder-se-á dizer que os baldios são bens comunitários afectos à satisfação das necessidades primárias dos habitantes de uma circunscrição administrativa ou parte dela e cuja propriedade pertence à “comunidade” formada pelos utentes de tais terrenos que os receberam dos seus antepassados, para, usando-os de acordo com as necessidades e apetências, os transmitirem intactos aos vindouros.
E que desde a entrada em vigor do DL 39/76 de 19/1, os baldios, pela sua própria natureza, são insusceptíveis de apropriação privada (por usucapião ou qualquer outro título), sendo imprescritíveis, por se encontrarem fora do comércio jurídico, salvo as excepções taxativamente elencadas na Lei dos Baldios (artº. 4º da Lei nº. 68/93 e, antes, artº. 2º do DL nº. 39/76) - cfr. acórdãos do STJ de 15/09/2011, proc. nº. 243/08.9TBPTL e de 19/06/2014, proc. nº. 310/09.1TBVLN, que confirmou o acórdão do TRG de 9/04/2013, proferido no mesmo processo; acórdão da RP de 25/03/2010, proc. nº. 1388/05.2TBCHV, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Veja-se a este respeito também o acórdão do STJ de 4/12/2007, proferido no proc. nº. 07B4321 (acessível em www.dgsi.pt), segundo o qual os cidadãos integrantes das comunidades locais não podem dispor individualmente do direito de propriedade sobre os terrenos baldios nem os podem adquirir por via da usucapião (artigos 1º, nº 1 e 4º, nº 1 da Lei dos Baldios), pois que a sua usufruição individual ou colectiva limita-se à apascentação de gados, à recolha de lenhas ou de matos, ao cultivo ou outras utilizações, nomeadamente de natureza agrícola, silvícola, silvo-pastoril ou apícola.
Retornando ao caso dos autos, perante a realidade fáctica dada como provada nos pontos 1 e 2 e face às considerações atrás expostas e mais detalhadamente explanadas na sentença recorrida, inquestionável se torna que as parcelas em causa, descritas nos pontos 5 e 7 dos factos provados, estão inseridas num terreno que deve ser considerado baldio, pois tal factologia configura actos de uso e fruição do terreno mencionado em 1) e 2) pela comunidade local da Freguesia X, onde se incluem as parcelas supra referidas.
Com efeito, trata-se de terreno, não individualmente apropriado que, desde há mais de 200 anos, vem sendo usado comunitariamente pelos moradores da Freguesia X, nele apascentando seus gados, buscando e recolhendo lenhas e roçando matos, malhando e secando cereais, efectuando desfolhadas, ininterruptamente, à vista de toda a gente, com a convicção de quem exerce um direito próprio e ignorando lesar quaisquer legítimos direitos de terceiros.
Não colhe, pois, a tese defendida pelos RR. recorrentes porquanto estes não lograram provar os factos por si alegados e que seriam demonstrativos da aquisição, por usucapião, das parcelas descritas em 5) e 7) dos factos provados, sendo certo que tal aquisição só seria possível se ocorresse antes da entrada em vigor do DL 39/76 de 19/1, já que, a partir de então, os terrenos baldios deixaram de poder ser objecto de apropriação privada por qualquer forma ou título, incluída a usucapião (cfr. ponto 20 dos factos não provados).
Entendemos que bem andou o Tribunal recorrido ao concluir que “se afiguram positivados os pressupostos objectivos e subjectivos plasmados na Lei dos Baldios, pelo que o citado terreno consubstancia um baldio titulado pelo universo de compartes de Freguesia X, os quais exercem, assim, a plenitude dos poderes de uso, fruição e disposição do mesmo, na qualidade de um direito absoluto oponível erga omnes e adstringindo todas as pessoas a um dever geral de abstenção da prática de actos que comprimam ou lesem a esfera jurídico-real da A.”, julgando procedentes as pretensões formuladas nas alíneas a) e c) do petitório, pelo que se mantém, quanto a esta parte, a decisão recorrida.
*
Resta apreciar a condenação dos RR./recorrentes por incorrerem em responsabilidade civil.
Perante a matéria vertida nos pontos 4 a 10 dos factos provados (sendo este último com a alteração introduzida por este tribunal de recurso), não podemos deixar de concluir que estamos perante a prática de actos ilícitos por parte dos RR./recorrentes, pois estes venderem os aludidos pinheiros bravos pertencentes ao terreno baldio da comunidade de Freguesia X, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam, tendo desta forma atentado contra o direito de uso e fruição dos moradores daquela freguesia sobre aquele terreno, agindo, assim, ilicitamente e com culpa, sendo que, em resultado da conduta ilícita dos recorrentes (o corte abusivo de um total de 1208 pinheiros bravos correspondente a pelo menos 269,112 m3 de madeira), os compartes da Freguesia X, aqui representados pela A., sofreram um prejuízo correspondente ao valor de mercado dos pinheiros na altura em que foram cortados, que terá de ser ressarcido nos termos do disposto no artº. 483º do Código Civil.
Como é sabido, a indemnização por danos causados por factos ilícitos tem como objectivo reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que determinou a reparação (artº. 562º do Código Civil) e inclui o prejuízo causado (danos emergentes), os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão sofrida (lucros cessantes), bem como a reparação dos danos futuros desde que sejam previsíveis (artº. 564º do Código Civil), julgando o Tribunal com recurso à equidade, se não for possível apurar-se o valor exacto dos danos, dentro dos limites que tiver por provados (artº. 566º, nº. 3 do mesmo Código).
No caso em apreço, estão em causa apenas danos emergentes, que correspondem à diminuição do património (já existente) dos lesados em resultado da conduta dos recorrentes.
Deste modo, os RR./recorrentes são responsáveis pelos danos por eles perpetrados, os quais se reconduzem ao valor de mercado dos pinheiros cortados. Tendo resultado provado que o corte de pinheiros bravos descrito em 5), 7) e 8) corresponde a pelo menos 269,112 m3 e que o valor de mercado do metro cúbico dos pinheiros bravos ascende a € 20/m3, estão os recorrentes obrigados a pagar aos compartes da Freguesia X, aqui representados pela A., uma indemnização no valor € 5 382,24 (269,112 m3 x € 20) pelos prejuízos causados com a sua conduta.
Nestes termos, terá de proceder, nesta parte, o recurso de apelação interposto pelos RR. José e esposa Maria.

III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelos Réus José e esposa Maria e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte relativa:

a) à alteração do ponto 10 da matéria de facto provada nos termos atrás expostos;
b) ao montante da indemnização a pagar pelos RR. José e esposa Maria aos compartes da Freguesia X, aqui representados pela Autora, pelos danos patrimoniais resultantes da sua conduta, que se fixa no montante de € 5 382,24 (cinco mil trezentos e oitenta e dois euros e vinte e quatro cêntimos).
No mais, decide-se manter a sentença recorrida.

Custas a cargo de ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento.
Notifique.
Guimarães, 25 de Janeiro de 2018

(Maria Cristina Cerdeira)
(Raquel Baptista Tavares)
(Margarida Almeida Fernandes)