Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
11/14.9TTVRL.G2
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: RECLAMAÇÃO DA CONTA
ERRO DE JULGAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: O incidente de reclamação da conta não é adequado a modificar decisões condenatórias em matéria tributária e relativamente às quais se invoca erro de julgamento.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Guimarães:

O MINISTÉRIO PÚBLICO, não se conformando com o despacho que determinou a retificação da conta, por forma a dela excluir as custas em que a arguida foi nestes autos definitivamente condenada, vem do mesmo interpor o presente recurso.
Pede a respetiva revogação.
Após motivar, conclui com o segue:
1ª) Independentemente da questão de saber se a arguida deveria ou não beneficiar, “in casu”, de isenção tributária, tendo a mesma sido condenada em custas por decisões judiciais transitadas em julgado, tais custas devem ser levadas à conta do processo – em observância do disposto no artº 30º, nº1 do RCP;

2ª) Não sendo oportunamente retificados eventuais os erros de julgamento em matéria tributária, seja por via recursiva, seja no âmbito do incidente de reforma das correspondentes decisões, estas tornam-se definitivas;

3ª) Sendo certo que o requerimento de reforma das decisões judiciais – a que a arguida não lançou mão – se encontra sujeito ao prazo geral de 10 dias, contado da data da respetiva notificação;

4ª) Não servindo a reclamação da conta para erradicar eventual erro de julgamento em matéria tributária, sob pena de violação do caso julgado;

5ª) Neste entendimento, a douta decisão recorrida, ao determinar a retificação da elaborada conta por forma a dela se excluírem as custas em que a arguida foi neste processo condenada por decisões transitadas em julgado, na sequência de reclamação contra a mesma (conta) deduzida (pela responsável), traduz, a um tempo, (i) errada interpretação do preceituado no artº 31º, nº2 do RCP e (ii) afronta ao disposto nos arts 30º, nº1 do mesmo dip. legal e 613º, nº1 do C.P.Civil;

6ª) Assim, deverá tal decisão ser revogada e substituída por outra que indefira, por falta de fundamento legal, a questionada pretensão da arguida (mantendo e confirmando a reclamada conta).

Não foram proferidas contra-alegações.

O Ministério Público nesta Relação pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.

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B. veio deduzir reclamação quanto à conta elaborada a fls. 240, invocando para o efeito que beneficia de isenção do pagamento de taxas de justiça, atento o seu estatuto de pessoa coletiva de utilidade pública e quanto ao montante da coima alega que a mesma já se encontra liquidada, por via do regime excecional de regularização de dívidas à Segurança Social, tendo pago de imediato a coima e beneficiado dum desconto de 90% sobre o seu valor.
O contador pronunciou-se no sentido da improcedência desta reclamação e, neste mesmo sentido veio pugnar o Ministério Público em promoção que se seguiu.
Foi proferido despacho que julgou a reclamação à conta parcialmente procedente, devendo a mesma ser retificada em conformidade com a isenção acima referida.

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Das conclusões de recurso emerge uma única questão a decidir: a decisão recorrida, ao determinar a retificação da elaborada conta por forma a dela se excluírem as custas em que a arguida foi neste processo condenada por decisões transitadas em julgado, na sequência de reclamação contra a mesma (conta) deduzida (pela responsável), traduz errada interpretação do preceituado no artº 31º, nº2 do RCP e (ii) afronta ao disposto nos arts 30º, nº1 do mesmo dip. legal e 613º, nº1 do C.P.Civil?

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ANÁLISE JURÍDICA:

Na sequência do recurso interposto da decisão proferida pela Autoridade Administrativa foi proferida sentença, em 1ª instância, que julgou tal recurso improcedente e condenou a recorrente em custas.
Interposto recurso desta decisão para a Relação, foi proferido acórdão a julgar o recurso improcedente, condenado a recorrente nas custas.
Foi ainda interposto recurso para o Tribunal Constitucional, de cujo objeto ali não se conheceu, tendo a recorrente sofrido nova condenação em custas (aqui não em causa).
Remetidos os autos à 1ª instância, foi ali elaborada a conta que, em sintonia com as decisões acima mencionadas, contabilizou um valor global de 5.828,98€.
Após “reclamação da conta” – que não incidiu sobre o montante contabilizado-, veio a ser proferida a decisão impugnada de acordo com a qual e no que para aqui releva se consignou: “no que se refere à isenção relativa ao pagamento das taxas de justiça, considera-se que assiste razão ao aqui recorrente, dado que tendo o Tribunal reconhecido a isenção decorrente da integração do mesmo arguido na previsão legal do art. 4º al. f) do RCP – cfr. despacho de fls. 42, o mesmo beneficia desta isenção por força do seu estatuto de pessoa coletiva de utilidade pública, estando assim abrangidas as taxas de justiça devidas durante toda a tramitação dos autos, aqui incluídas as dos Tribunais superiores. A condenação em custas fixada nas diversas decisões judiciais proferidas no âmbito destes autos não prejudica a isenção de que o recorrente beneficia por força da indicada norma legal e poderão ainda ser alvo de cobrança na eventualidade do recorrente deixar de preencher os respetivos requisitos legais.”
Efetivamente a fls. 43 consta um despacho em que se defere a isenção de custas relativamente à recorrente.
Ocorre, porém, que em presença de tal decisão e regime dela decorrente nunca a mesma impugnou as decisões condenatórias acima referidas, pelo que tais decisões se consolidaram por via de trânsito em julgado.
Ora, dispõe-se no Artº 30º/1 do RCP que a conta é elaborada de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da ação, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos.
Tal como menciona o Recrte., não tendo sido oportunamente requerida a reforma quanto a custas das referidas decisões judiciais (cfr. artº616º, nº1 do CPCivil) e mostrando-se a conta elaborada de acordo com o que ali foi decidido, a pretensão da reclamante cai por terra, visto que aquelas decisões condenatórias transitaram em julgado.
Na verdade, em presença do mencionado Artº 616º/1 do CPC, em regra, é admissível a reforma da decisão proferida sobre custas, devendo o respetivo pedido dar entrada no prazo geral de 10 dias sobre a notificação da decisão. Ou, cabendo ainda recurso da decisão, o requerimento tendo em vista a reforma em matéria tributária será feito na alegação (Artº 616º/3).
Aquele incidente não se confunde, porém, com o de reforma e reclamação da conta, pressupondo, contrariamente a este, um erro de julgamento.
Na realidade, a reforma da conta constitui um incidente processual cujo escopo visa a alteração do ato de contagem do processo, caso este não tenha sido elaborado de acordo com a lei e/ou com a decisão judicial que o determina.
Todavia, este não é o mecanismo adequado a modificar decisões judiciais.
A modificação de decisões judiciais está reservada aos recursos ou, nos casos excecionais previstos na lei, às reclamações à própria decisão.
Ora, não se vislumbra qualquer erro no ato de contagem – nem ele é alegado-, visto a conta se mostrar elaborada em sintonia com o decidido, não podendo o contador ir contra as decisões judiciais condenatórias em matéria tributária.
Poderá, eventualmente, perspetivar-se um erro de julgamento em matéria de condenação em custas. Contudo, tal erro, só por via de reforma da sentença ou de recurso poderia ter sido reparado. Nunca por efeito de reclamação da conta.
Neste sentido, a vasta jurisprudência citada pelo Recrte. na sua motivação recursória.
Termos em que se conclui não estarmos em presença de incidente de reclamação da conta em sentido próprio e, porque a decisão viola o caso julgado, procede o recurso.

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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar o recurso procedente, revogando, em consequência, o despacho recorrido no segmento relativo à questão abordada aqui e, em consequência, indeferindo a pretensão da Recrdª.
Sem custas, dada a isenção da Recrdª.
Notifique.
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Elabora-se o seguinte sumário, da autoria da relatora:

O incidente de reclamação da conta não é adequado a modificar decisões condenatórias em matéria tributária e relativamente às quais se invoca erro de julgamento.

Guimarães, 12 de Julho de 2016