Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
565/14.0T8VCT-B.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
SEGURANÇA SOCIAL
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/31/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora, gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se nos termos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil, mas, com a declaração de insolvência do devedor, tais privilégios extinguem-se quando constituídos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência ( cfr. artº 97º,nº1, do Cire).
II – Os créditos da segurança social por contribuições indicadas em I, quando beneficiem de privilégio mobiliário geral, prevalecem face ao crédito garantido por penhor, ainda que anteriormente constituído e, bem assim, perante o crédito do trabalhador que, nos termos do artº 333º, nº1, alínea a) e nº2, alínea a), do Cód. do Trabalho, goza também de privilégio mobiliário geral.
III - O privilégio mobiliário geral da Segurança Social indicado em I não prevalece sobre o penhor apenas e tão só quando ambos os referidos créditos são os únicos que estão em concurso, ou seja, quando se verifique um conflito graduativo exclusivo das duas referidas causas de preferência – a do privilégio mobiliário geral dos créditos do ISS e o penhor.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de Guimarães
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1.Relatório.
No seguimento da propositura de acção com processo especial de declaração de INSOLVÊNCIA , veio o Tribunal judicial de Viana do Castelo, em 12/11/2014, por sentença já transitada em julgado, a declarar a insolvência de Jorge, Ldª, fixando-se na competente sentença o prazo para os credores deduzirem a reclamação de créditos.
1.1.- Deduzidas diversas reclamações, seguiu-se então a apresentação pelo administrador da insolvência da lista dos credores por si reconhecidos e, seguidamente , tendo sido apresentada concreta impugnação (pelo credor Heitor L), em sede de tentativa de conciliação (cfr. artº 136º, do CIRE) designada logrou-se que o crédito objecto de impugnação viesse a ser reconhecido pelo valor reclamado, razão porque , oportunamente, foi então proferida pela Exmª Juiz titular dos autos a sentença a que alude o artº 130º, nº3, do CIRE.
1.2.- Em sede da sentença indicada em 1.1., e após homologação da lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência , e , bem assim, do crédito do impugnante Heitor L, procedeu-se de seguida à graduação dos créditos verificados (art. 136º, nº 6, do CIRE), tendo em conta os bens que integram a massa insolvente, sendo que, do respectivo excerto decisório, ficou a constar que ( SIC):
“(…)
No presente processo importa ter em conta:
- os privilégios dos créditos reclamados pelo Instituto, I.P., os privilégios creditórios (mobiliários gerais) do trabalhador, as garantias constituídas a favor do crédito do Banco, S.A. (apenso D – verbas nºs 10 e 11 – fl. 14 do apenso A) e o privilégio do credor requerente da insolvência.
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Uma vez que não foi apreendido nenhum veículo o crédito da Fazenda Nacional será considerado, todo ele, com a natureza de comum.
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Pelo exposto, tendo por referência a lista de créditos reconhecidos constante de fls. 10 e 11, o crédito reconhecido ao credor Heitor L e a decisão proferida no âmbito do apenso D, a graduação dos créditos deverá efectuar-se da seguinte forma:
verbas nºs 1 a 9 (auto de apreensão de fls. 3 e seguintes do apenso A):
1. Os créditos do trabalhador;
2. Os créditos do Instituto, I.P. (nº 1);
3. O crédito do credor nº 3 (requerente da insolvência), com o limite previsto no artigo 98º, do C.I.R.E.;
4. Todos os outros créditos, em posição de igualdade, com excepção dos créditos subordinados.
5. Os créditos subordinados.
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verbas nºs 10 e 11 (auto de apreensão de fl. 14 do apenso A):
1- O crédito do Banco, S.A. garantido por penhor (apenso D);
2- Os créditos do trabalhador;
3- O crédito do Instituto, I.P. (nº 1);
4- O crédito do credor nº 3 (requerente da insolvência), com o limite previsto no artigo 98º, do C.I.R.E.;
5- Todos os outros créditos, em posição de igualdade, com excepção dos créditos subordinados.
6- Os créditos subordinados.
IV. Pelo exposto:
A. Julgo verificados os créditos reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência, dando-se aqui por reproduzida a lista de créditos reconhecidos e constante de fls. 10 e 11 dos presentes autos e, bem assim, o crédito do impugnante Heitor L nos termos constantes de fls. 13 e seguintes;
B. Graduo os créditos em concurso pela seguinte forma:
verbas nºs 1 a 9 (auto de apreensão de fls. 3 e seguintes do apenso A):
- Os créditos do trabalhador;
- Os créditos do Instituto, I.P. (nº 1);
- O crédito do credor nº 3 (requerente da insolvência), com o limite previsto no artigo 98º, do C.I.R.E.;
- Todos os outros créditos, em posição de igualdade, com excepção dos créditos subordinados.
- Os créditos subordinados.
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verbas nºs 10 e 11 (auto de apreensão de fl. 14 do apenso A):
- O crédito do Banco, S.A. garantido por penhor (apenso D);
- Os créditos do trabalhador;
- O crédito do Instituto, I.P. (nº 1);
- O crédito do credor nº 3 (requerente da insolvência), com o limite previsto no artigo 98º, do C.I.R.E.;
- Todos os outros créditos, em posição de igualdade, com excepção dos créditos subordinados.
- Os créditos subordinados.
As custas saem precípuas do produto da massa insolvente.
Registe e notifique.”
1.3 - Inconformada com a sentença referida em 1.2., da mesma recorreu então para este Tribunal da Relação de Guimarães o credor reclamante INSTITUTO, I.P., sendo que, nas respectivas alegações , formulou as seguintes conclusões:
1. O presente recurso de apelação é interposto apenas quanto à graduação dos créditos das verbas n.º 10 e 11, ou seja, a questão recursiva coloca-se apenas relativamente à graduação dos créditos atinentes às verbas n.º 10 e 11 porquanto existe garantia de penhor.
2. Os créditos da Segurança Social foram correctamente reconhecidos pela sentença em apreço, quer no montante, quer quanto à natureza privilegiada, tendo sido, contudo incorrectamente graduados quanto às verbas n.º 10 e 11.
3. Porquanto, a douta sentença recorrida, quanto à graduação dos créditos das verbas n.º 10 e 11, está ferida de ilegalidade, por violação do disposto no artigo 204.º n.º 2 do Código dos Regimes contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS), nos termos do qual o privilégio mobiliário concedido pelo legislador à Segurança Social “prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior”.
Assim e concretamente,
4. O aqui Credor/Recorrente, Instituto IP, apresentou, junto do Administrador de Insolvência (AI), a reclamação dos seus créditos.
5. O aqui Recorrente reclamou o montante de € 21.480,93 (vinte e um mil, quatrocentos e oitenta euros e noventa e três cêntimos), sendo: Contribuições: € 19.704,16 (dezanove mil setecentos e quatro euros e dezasseis cêntimos) de contribuições referentes aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2011; Janeiro a Abril de 2012; Julho a Dezembro de 2012; Janeiro, Março, Abril, Maio a Dezembro de 2013; Janeiro a Maio de 2014; Juros de mora: € 1.776,77 (mil, setecentos e setenta e seis euros e setenta e sete cêntimos), calculados até Novembro de 2014.
6. Reclamou ainda €512,58 (quinhentos e doze euros e cinquenta e oito cêntimos) de custas processuais, devidas por força dos processos executivos fiscais a correr termos na Secção de Processo Executivo de Viana do Castelo do IGFSS, IP.
Pelo que,
7. No total reclamou o montante total de € 21.993,51 (vinte e um mil, novecentos e noventa e três euros e cinquenta e um cêntimos).
8. Sendo que € 7.393,57 têm natureza Privilegiada porquanto dizem respeito a contribuições e juros de mora constituídos/vencidos no ano anterior ao da propositura do processo de insolvência (artigo 97.º, n.º 1 e 4.º, n.º 2 do CIRE), sendo: €7.078,51 a título de contribuições e €315,06 a título de juros de mora vencidos; e € 14.599,94 Comum no restante período (cfr. Al. c) do referido artigo).
9. Porquanto, com a declaração de insolvência, as instituições da Segurança Social passam a manter os privilégios creditórios gerais relativamente aos créditos constituídos há menos de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência.
10. O mesmo sucedendo relativamente aos privilégios creditórios especiais de que são titulares as instituições da Segurança Social, mantêm-se, desde que os respectivos créditos não estejam vencidos há mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência.
11. Tudo nos termos do artigo 97.º, n.º 1 al. a) e b) do CIRE.
12. O Sr. AI juntou aos presentes autos a lista dos credores reconhecidos, nos termos previstos pelo artigo 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
13. Nessa lista o crédito do aqui Credor/Recorrente encontra-se indicado sob a referência número 1, nos precisos termos em que foi reclamado, quer no montante, quer na natureza.
14. Sendo certo que, não lhe foi deduzida qualquer impugnação.
Quanto à verificação dos créditos:
15. “(…) nos termos do artigo 130.º, n.º 3 do CIRE, se não houver impugnações é de imediato proferida sentença de verificação e graduação de créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador de insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista. (…) e
16. têm-se por verificados os créditos reconhecidos pelo Sr. Administrador de Insolvência, dando-se aqui por reproduzida a lista de créditos reconhecidos constantes de fls. 10 e 11, assim se homologando a lista de credores reconhecidos (…)” – conforme douta sentença recorrida.
17. Pelo que, o crédito do aqui recorrente foi (e bem!) verificado nos precisos termos em que foi reclamado.
Mais,
18. Em sede de graduação, o Tribunal a quo atendeu (e bem!) aos “(…) privilégios dos créditos reclamados pelo Instituto, I.P., os privilégios creditórios (mobiliários gerais) do trabalhador, as garantias constituídas a favor do crédito do Novo banco, S. A. (apenso D – Verbas nºs 10 e 11 – fl. 14 do apenso A) e o privilégio do credor requerente da insolvência. (…)”
19. Também nada a apontar – bem andou o Tribunal a quo.
Contudo,
20. O aqui recorrente não pode conformar-se com a graduação dos créditos quanto às verbas n.º 10 e 11, sobre as quais índice penhor a favor do Credor Banco, S. A.
21. O Tribunal a quo graduou, quanto às verbas n.º 10 e 11 (auto de apreensão de fl. 14 do apenso A) com a seguinte preferência:
“ - O crédito do Banco, S. A. garantido por penhor (apenso D);
- Os créditos do trabalhador;
- O crédito do Instituto, I.P. (n.º 1);
- O crédito do credor n.º 3 (requerente da insolvência), com o limite previsto no artigo 98.º do CIRE;
- Todos os outros créditos, em posição de igualdade, com excepção dos créditos subordinados.
- Os créditos subordinados.”
22. Ou seja, os créditos privilegiados da Segurança Social foram graduados após os créditos garantidos por penhor e após os créditos do trabalhador que apenas gozam de privilégio mobiliário geral, face a este último.
23. Ora, é com esta graduação quanto às verbas n.º 10 e 11 que o aqui recorrente não se pode conformar.
Assim e concretamente,
24. Do acervo dos créditos reclamados pelo aqui Credor/Recorrente € 7.393,57 tem natureza Privilegiada, qual foi reconhecido pelo AI e verificado pela sentença in casu.
25. Com efeito, os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora gozam de privilégio mobiliário geral – como é o caso - graduando-se nos termos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil – artigo 204.º, n.º 1 do CRCSPSS.
Acresce que,
26. Dispõe o artigo 204.º n.º 2 do CRCSPSS, que o privilégio mobiliário concedido pelo legislador à Segurança Social, “prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior”.
27. A norma do artigo 204.º do CRCSPSS é em tudo idêntica à do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 5 de Maio.
28. E não foi acompanhada pela revogação ou alteração do princípio ínsito no artigo 749.º, n.º 1, do Código Civil (CC), à luz do qual se proclamava que o privilégio geral não vale contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente.
29. Mais, trata-se de uma regra especial e, como tal, impõe-se relativamente à regra geral do artigo 749.º do CC.
30. Isto é, quanto a todos os outros créditos com privilégio mobiliário geral, nomeadamente os elencados no art.º 747, nº 1, do CC, mantém-se o mesmo princípio, ou seja, não valem contra o penhor e seguem a hierarquia resultante do Código, que é a do mencionado art.º 747, n.º 1 do CC.
31. “não se deve perder de vista, desde logo, a circunstância de, já depois da publicação do actual Código do Trabalho, em 27 de Agosto de 2003, o legislador do CRCSPSS de 2009 ter conservado a precedência do privilégio mobiliário dos créditos da Segurança Social sobre o penhor anteriormente constituído” - Ac. do TRC de 11.12.2012 ( processo n.º 241/11.5TBNLS-B.C1, www.dgsi.pt.
32. Pelo que, pelo produto das verbas n.º 10 e 11, dever-se-á graduar em primeiro lugar o crédito da Segurança Social – por este prevalecer sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior.
33. E, consequentemente, com preferência ao crédito do trabalhador, que apenas goza de privilégio mobiliário geral
Com efeito,
34. O artigo 333.º do Código do Trabalho estabelece que os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam: de privilégio creditório mobiliário geral, graduado antes dos créditos referidos no n.º 1, do artigo 747.º, do Código Civil.
35. E, de privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade, sendo graduados antes dos créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à segurança social.
36. É jurisprudência pacífica de que concorrendo créditos garantidos por penhor com créditos de trabalhadores beneficiados com privilégio creditório mobiliário geral (como sucede in casu), aqueles primeiros (penhor) têm, na pertinente graduação, preferência no pagamento pelo valor dos bens empenhados – cfr. Ac. do TRG de 13.02.2014, processo n.º 1216/13.5TBBCL-A.G1, in www.dgsi.pt.
37. Retomando o Ac. do TRC de 11.12.2012 (processo n.º 241/11.5TBNLS-B.C1) (…) não nos repugna admitir que, ao atribuir-se aos créditos laborais com privilégio mobiliário geral a prioridade aludida no art.º 377, nº 2, al.ª a) do CT na graduação diante “dos créditos referidos no nº 1 do artigo 747 do Código Civil”, não se tenha querido dizer mais do que isso mesmo, isto é, que há uma preferência quanto aos créditos ali concretamente elencados, e não quanto a quaisquer outros, nomeadamente aos que a eles são de algum modo equiparados
E continua,
38. Ora o art.º 204, nº 1, do CRCSPSS só determina que a graduação dos créditos da Segurança Social se faça “nos termos referidos na alínea a)” do mesmo número. Por conseguinte, da conjugação deste preceito com o acima referido – o do art.º 377, nº 2, al.ª a) do CT - não se pode retirar a vontade do legislador em remeter estes créditos para uma posição subalterna face aos créditos laborais.
39. Em consequência, podemos concluir que não há afinal verdadeira colisão entre estas normas, a obstar a que os créditos da Segurança Social, por preferirem ao crédito com penhor anterior, e por força dessa prevalência, sejam pagos antes dos créditos laborais.” (sublinhado nosso).
40. No mesmo sentido o Ac. do TRC de 10.03.2015 (processo n.º 2558/12.2TLRA-C. C1 -www.dgsi.pt).
41. Acresce que, o Tribunal Constitucional já decidiu que a norma prevista no artigo 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio (idêntica, como vimos à prevista no artigo 204.º, n.º 2, da Lei 110/2009, de 16 de Setembro) “…não viola o princípio da confiança, ínsito na ideia do Estado de direito democrático (artigo 2º da Constituição da República Portuguesa), enquanto faz prevalecer sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior, o privilégio mobiliário geral de que gozam os créditos da Segurança Social por contribuições e os respectivos juros de mora – privilégio creditório com justificação constitucional por referência ao artigo 63º da CRP.” – cfr. Acs. n.º 64/09, de 10.02.2009 e 108/09, de 10.03.2009, ambos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
42. Acresce ainda que, a tensão decorrente do privilégio mobiliário geral que de beneficia o trabalhador concomitantemente com o penhor, deve ser resolvida a favor deste.
43. Os privilégios mobiliários gerais não constituem verdadeiros direitos reais de garantia.
44. Assumem-se, outrossim, como meros direitos de prioridade que apenas têm algo de parecido com a eficácia própria dos direitos reais na medida em que prevalecem contra os credores comuns da execução do património do devedor – Citando o AC TRC 854/TBTMR-D.C1 DE 18.05.2010.
45. Se constituído validamente o penhor, o crédito assim garantido prefere aos que apenas estejam acobertados por aquele privilégio vg. os créditos laborais em processo de insolvência, devendo pois ser graduado antes destes – artºs 666º e 749º do CC.
Resulta, por tanto claro que,
46. Pelas verbas n.º 10 e 11 – sobre as quais está constituído Penhor - deverão ser pagos em primeiro lugar os créditos privilegiados do aqui recorrente - Instituto IP, no montante de € 7.393,57.
47. Caso contrário está a sentença recorrida quanto à graduação dos créditos face às verbas n.º 10 e 11, ferida de ilegalidade, por violação do disposto no artigo 204.º n.º 2 do CRCSPSS, nos termos do qual o privilégio mobiliário concedido pelo legislador à Segurança Social “prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior” - a qual se trata de uma regra especial e que, como tal, se impõe relativamente à regra geral do artigo 749.º do CC
48. E, graduado em primeiro o crédito privilegiado do aqui recorrente, face às verbas 10 e 11, deverão ser seguidos dos créditos do credor pignoratício - Banco, S. A. e, só depois, os créditos do trabalhador, mantendo-se a demais graduação.
49. Assim, deverá a sentença de verificação e graduação de créditos ser revogada e substituída por outra que, quanto às verbas n.º 10 e 11, gradue em primeiro lugar os créditos privilegiados do aqui recorrente – Instituto, IP, no montante de €7.393,57, seguindo-se o crédito do credor pignoratício - Banco, S. A. e, só depois, os créditos do trabalhador, mantendo-se a demais graduação.
TERMOS EM QUE
Deve do presente recurso ser julgado totalmente procedente proferindo-se Douto Acórdão que esteja em conformidade com as conclusões acima formuladas e a final, ser a sentença de verificação e graduação dos créditos REVOGADA, parcialmente e em concreto quanto à graduação do créditos pelo produto das verbas n.ºs 10 e 11 porquanto a mesma fez nesta graduação, conforme conclusões, uma incorrecta interpretação e aplicação da lei, violando o disposto no artigo 204.º n.º 2 do CRCSPSS, nos termos do qual o privilégio mobiliário concedido pelo legislador à Segurança Social “prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior” e os artigos 686.º e 749.º do CC,
E, substituída por outra que, quanto às verbas n.º 10 e 11, gradue em primeiro lugar os créditos privilegiados do aqui recorrente – Instituto, IP, no montante de € 7.393,57. Com o que se fará a acostumada justiça!
1.4.- Com referência à apelação identificada em 1.3 não resulta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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Thema decidendum
1.5. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso ] das alegações dos recorrentes (cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, a questão a apreciar e a decidir é tão só a seguinte:
a) Aferir se a decisão recorrida, ao graduar o crédito do apelante Instituto, I.P., com referência às verbas nºs 10 e 11 e no montante de € 7.393,57, após os créditos do Banco, S.A. garantido por penhor, e os créditos de trabalhador, incorre in error in judicando.
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2. - Motivação de Facto.
Não tendo o tribunal a quo fixado, como se impunha que o tivesse feito [cfr. artºs 17º e 136º, nº 6, ambos do CIRE , e artºs 154º, nºs 1 e 2 , 607º, nº3, 613º,nº3 e 615º, nº1, alínea b), todos eles do CPC ] , quais os fundamentos de facto da decisão apelada [maxime a identificação concreta de quais os créditos reconhecidos, respectivo valor, natureza e garantias/privilégios de que beneficiam] o que em rigor integra vício adjectivo que o legislador fulmina com a nulidade de sentença, e não obstante não arguido o mesmo, resta e impõe-se ainda assim a este Tribunal suprir - para efeitos de decisão da apelação - a referida omissão, sendo que ,para tanto, constam dos autos os necessários elementos ( cfr. artºs 663º, nº2 e 665º, ambos do CPC ).
Ora, atendendo ao que resulta do processado nos autos do qual emerge a instância recursória da apelação, os fundamentos de facto a considerar/atender em sede de prolação de Acórdão pelo ad quem são os seguintes :
2.1. - Em sede de sentença proferida em 12/11/2014, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de Jorge, Ldª;
2.2. - Dentro do prazo fixado para o efeito, veio o Banco, S.A, na qualidade de credor reclamante, reclamar o crédito global de €17.954,68, sendo 17.895,12 referente a capital, e € 59,56 referente a juros vencidos até à data da declaração de insolvência de Jorge, Ldª;
2.3. - O crédito identificado em 2.2. encontra-se garantido por penhor ;
2.4.- Também dentro do prazo fixado para o efeito, veio Heitor L, na qualidade de credor reclamante, reclamar o crédito global de €.5.905,24, sendo o montante em causa referente a retribuições que lhe são decidas (como trabalhador da insolvente) e não pagas;
2.5.- Ainda no decurso do prazo fixado para o efeito, veio o Instituto, I.P., na qualidade de credor reclamante, reclamar o crédito global de €7.393,57, sendo o montante em causa referente a contribuições devidas para a Segurança Social no valor de €7.078,51, vencidas no período de Outubro de 2013 a Outubro de 2014, acrescido dos juros de mora vencidos no valor de €315,06 ;
2.6.- O Instituto, I.P., na qualidade de credor reclamante, reclamou também o crédito global de €14.599,94, sendo o montante em causa reportado a contribuições devidas para a Segurança Social vencidas há mais de 12 meses com referência à data de propositura da acção de insolvência;
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3. - Motivação de direito.
3.1.-Da apelação do credor reclamante INSTITUTO - I.P..
Como resulta do relatório do presente Ac., o objecto da apelação incide sobre questão que se reveste de alguma simplicidade, pois que, em causa está tão só a graduação do crédito da recorrente no lugar que lhe compete, insurgindo-se o apelante contra a circunstância de a sentença do tribunal a quo ter graduado o crédito do INSTITUTO-I.P. e identificado no item 2.5. do presente Acórdão, e tendo por objecto as verbas nºs 10 e 11, após os créditos dos credores Banco, SA e de Heitor L (trabalhador).
É que para o apelante, e tendo presente tudo o que fez constar da reclamação de créditos que apresentou, cindindo o crédito reclamado em duas partes/parcelas, e beneficiando uma (a do valor de €7.393,57) de especifico privilégio mobiliário, forçoso é que o tribunal a quo tivesse – o que não sucedeu – graduado o referido crédito, no valor de €7.393,57 , em lugar privilegiado em relação dos créditos do Banco, SA e de Heitor L (trabalhador).
Vejamos, de imediato, da pertinência dos considerandos do apelante.
É inquestionável que em sede de reclamação de créditos peticiona o apelante o reconhecimento e graduação de um crédito global no montante de €21.993,51, alegando que uma sua parcela, no valor de €7.393,57, tem natureza Privilegiada, por se reportar a período compreendido entre Outubro de 2013 e Outubro de 2014, e, uma outra, remanescente e de €14.599,94, tem já natureza comum, porque vencido nos dozes meses anteriores à propositura do processo de insolvência e para além desse período.
Tal diferenciação/separação, não foi porém atendida pelo tribunal a quo, pois que o crédito do INSTITUTO - I.P. mostra-se graduado em termos de valor único (prima facie o de €21.993,51) e indiferenciado, quer no tocante ao seu montante, quer em sede de respectiva natureza e tendo por referência a/s subjacente/s garantia/s.
Ora, com pertinência para o objecto da presente apelação, importa começar por recordar que, nos termos do artº 47º, do Cire (1), sob a epígrafe de “Conceito de credores da insolvência e classes de créditos sobre a insolvência “ ) , refere o seu nº 1 que “ Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio”, logo acrescentando o nº2 do mesmo dispositivo que “ Os créditos referidos no número anterior, bem como os que lhes sejam equiparados, e as dívidas que lhes correspondem, são neste Código denominados, respectivamente, créditos sobre a insolvência e dívidas da insolvência “.
De seguida, ainda no Cire e no respectivo artº 51º, descrimina o legislador diversas dívidas (nas alíneas a) a j), do nº 1) que são consideradas como sendo da massa insolvente, terminando o nº 2 do mesmo normativo por referir que “Os créditos correspondentes a dívidas da massa insolvente e os titulares desses créditos são neste Código designados, respectivamente, por créditos sobre a massa e credores da massa “.
Dos normativos acabados de enunciar, a primeira conclusão que importa retirar é a de que no âmbito do CIRE, consagrou e tratou o legislador de forma diferenciada duas categorias de dívidas, a saber: as dívidas da insolvência (a que correspondem os denominados créditos sobre a insolvência) e as dívidas da massa insolvente (a que correspondem os créditos sobre a massa insolvente).
As primeiras (às quais se refere o art.º 47º), reportam-se a créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data da declaração de insolvência (2).
Já as segundas, são as enunciadas pelo art.º 51º, além de outras que, como tal, sejam qualificadas pelo mesmo código (cf., v.g. as dos art.ºs 84º, 140º, nº 3 e 142º, nº 2).
No essencial, como que logo a partir da própria redacção e conteúdo dos nºs 1 e 2, do artº 47.º do Cire (acima reproduzido), se impõe concluir que o legislador, ao conceito de “dívidas da insolvência” (artigo 47.º, n.º 2), contrapõe o de “dívidas da massa insolvente” (artigo 51.º), sendo estas últimas as constituídas no decurso do processo de insolvência.
Ou seja, as “dívidas da insolvência” definem-se, desde logo, por força da localização temporal do seu fundamento.
Isto dito, e ainda para efeitos do Cire, o ainda artº 47º, mas agora no nº 4, vem estabelecer que, para efeitos do referido Código, importa distinguir os créditos sobre a insolvência (sendo as dívidas correspondentes, dívidas da insolvência) em:
a) “garantidos” e “privilegiados”, os quais beneficiam, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e os privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao valor correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta eventuais onerações prevalecentes;
b) “subordinados”, os enumerados no artº 48º, excepto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência;
c) “ Comuns”, todos os demais.
Postas estas breves considerações, e incidindo agora a nossa atenção sobre quais as garantias e/ou privilégios de que (com referências às verbas nºs 10 e 11) beneficiam cada um dos créditos reconhecidos pela sentença apelada , vemos que o do Banco, S.A., mostra-se garantido por penhor, garantia esta que, sendo causa legítima de preferência (cfr. artº 604º, nº2, do CC), confere ao credor titular o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro (cfr. artº 666º,nº1,do CC).
Já o crédito reconhecido ao credor Heitor L (trabalhador),em face do disposto no artº 333º, do Código do Trabalho (3), e porque emergente de contrato de trabalho em razão da respectiva cessação, goza de privilégio creditório mobiliário geral.
Por fim, o crédito do apelante INSTITUTO - I.P., tendo presente o disposto no artº 204º, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (4), porque relacionado com créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora, goza também de privilégio mobiliário geral.
No que ao último privilégio mobiliário referido diz respeito, recorda-se que , coincidindo ele com aqueloutro que já consagrava o artº 10º nº 1 e nº 2 , do Decreto-Lei 103/08 de 9 de Maio [diploma este , alterado pelos Decretos-Leis n.os 275/82, de 15 de Julho, 194/83, de 17 de Maio, e 118/84, de 9 de Abril, foi entretanto revogado pelo artº 5º,nº1, alínea b) , da Lei 110/2009, de 16/9], certo é que por diversas vezes foi decidido pelo Tribunal Constitucional que em causa não estava uma disposição legal inconstitucional, tal como decorre designadamente dos acórdãos do TC de 10/02/2009 (5) e de 10/03/2009 (6) .
Importando de seguida aferir quais os benefícios/vantagens que cada um/a das referidas garantias e/ou privilégios conferem ao credor titular em sede – ordem – de Graduação, quando em confronto com outros credores , e começando pelo crédito reconhecido ao BANCO, SA, vimos já que o penhor, constitui uma garantia especial do cumprimento das obrigações, conferindo ao credor titular o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou direitos, não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiros (cfr. artº 666º, nº 1 , do Código Civil).
Por sua vez, o privilégio creditório, consistindo ele na faculdade concedida pela lei a certos credores, em atenção à causa do crédito, de serem pagos , independentemente do registo, com preferência relativamente a outros, (cfr. artº 733º, do Código Civil), podem ser de duas espécies, a saber, mobiliários e imobiliários, consoante incidam sobre bens móveis ou imóveis (cfr. artº 735º, nº1, do CC), sendo que os primeiros podem ser gerais ou especiais (cfr. artº 735º, nº2, do CC).
Analisando-os – os privilégios creditórios -, tem a doutrina vindo a considerar que apenas os privilégios especiais merecem a qualificação de direitos reais (7), pois apenas estes são dotados de sequela, podendo ser opostos a terceiros adquirentes da coisa (cfr. artigos 750.º e 751.º CC), sendo que os gerais, porque falta a determinação da coisa (cfr. Carvalho Fernandes, Direitos Reais, pg. 147), configurados como meras causas de preferência legal de pagamento (8).
Já especificamente em termos de ordem de graduação, diz-nos o artigo 204.º, nºs 1 e 2, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (Lei 110/2009 de 16 de Setembro), que o crédito da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora, e em sede de privilégio mobiliário gradua-se nos termos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil, prevalecendo sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior.
Já o crédito do trabalhador (cfr. artº 333º, nº1, alínea a) e nº2, alínea a), do Cód. do Trabalho) emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, gozando de privilégio mobiliário geral, é graduado antes do crédito referido no nº1, do artigo 747º, do Código Civil.
Da conjugação de tudo o acabado de expor, e tal como já considerou/decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra (9) , “ concorrendo sobre o produto da venda de um bem móvel integrante da massa falida créditos dotados de privilégio mobiliário geral como sucede com os créditos emergentes do contrato de trabalho, sua cessação ou violação – alínea a) do nº 1 do artigo 333º do CT – e um crédito garantido por penhor, deve este último nos termos do disposto no artigo 666º, nº 1 e artigo 749º, nº 1 ambos do CC ser graduado em 1º lugar e consequentemente pago preferentemente relativamente aos demais créditos mobiliários que incidam sobre a coisa que foi objecto de penhor”.
Por sua vez, e como outrossim, e bem, decidiu o mesmo Tribunal da Relação de Coimbra (10) , não mencionando o artº 747º do Código Civil (o qual alude à ordem de graduação dos privilégios mobiliários) os créditos da Segurança Social, inevitável é cair-se na previsão do artº 749º do C.Civil, o qual, sob a epígrafe de “Privilégio geral e direitos de terceiro“, dispõe no seu nº 1, que “O privilégio geral não vale contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente.”
Ou seja, como o sustenta Luís M. Martins (11), “o credor pignoratício tem preferência absoluta nos termos do artigo 666.º do CC, pelo que, no concurso entre créditos laborais garantidos por privilégio mobiliário geral e créditos garantidos por penhor, estes preferem no pagamento por força do disposto no referido artigo”.
Destarte, o crédito do trabalhador Heitor L, com privilégio mobiliário geral, há-de ceder perante o crédito do Banco, S. A., garantido por penhor, sendo que, como bem se chama à atenção em douto Ac. deste mesmo Tribunal da Relação de Guimarães (12), a conjugação dos artºs 666º e 749º, ambos do Cód. Civil, vem sendo resolvida por vasta jurisprudência no sentido de atribuir a prevalência dos créditos garantidos por penhor sobre os créditos beneficiários de privilégio creditórios gerais, e isto em razão da natureza real do penhor e da sequela daí resultante sobre os bens empenhados, que prevalece sobre os privilégios creditórios gerais, os quais não incidem sobre nenhum bem em particular, atribuindo apenas uma prioridade de pagamento em termos gerais e dispondo, a este propósito, o artigo 749.º do Código Civil que o privilégio mobiliário geral não vale contra terceiros titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente.
Com referência ao Ac. proferido por este mesmo tribunal da Relação de Guimarães, e datado de 13/2/2014, apenas não se sufraga o entendimento (13) que preconiza/defende “que o privilégio mobiliário geral da Segurança Social só prevalece sobre o penhor quando concorrem os dois sozinhos, mas, quando concorrem com outros créditos garantidos com privilégios mobiliários, tal prioridade não opera, graduando-se os créditos da Segurança Social depois do penhor e depois dos outros créditos privilegiados, em virtude de a norma do n.º 2 do artigo 10.º do DL 103/80 ter carácter excepcional e dever ser interpretada restritivamente.
É que, para nós, na linha do já defendido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 11/12/2012 (14), e com base nos considerandos que do mesmo constam (e para o qual se remete brevitatis causa e que se subscrevem), não se justifica considerar que existe uma efectiva colisão normativa a obstar que os créditos da Segurança Social, por preferirem ao crédito com penhor anterior, e por força dessa prevalência, sejam pagos antes dos créditos laborais.
É que, para além de a apontada colisão normativa não se adequar ao princípio ínsito no art.º 9º, nº 3, do Cód. Civil, no sentido de que na fixação do sentido e alcance da lei “o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e se exprimiu o seu pensamento em termos adequados”, acresce que, é por todos reconhecida a importância social de que cada vez mais acentuadamente se reveste a garantia mobiliária e imobiliária dos créditos da Segurança Social e que esteve na origem das disposições dos art.ºs 204 do CRCSPSS e do art.º 10 do pretérito DL nº 103/80 de 9/05.
De resto, porque na génese/ratio da justificação de um privilégio creditório está sempre a causa/natureza do crédito (cfr. artº 733º, do CC), difícil é conceber que , o mesmo crédito de idêntica natureza/causa , justifica-se que uma vezes que deva prevalecer sobre o penhor quando só com ele concorre, mas, em outras situações – quando em concurso estão outros créditos garantidos com privilégios mobiliários - , terá já de ceder a prioridade ao mesmo penhor, graduando-se depois dele e após outros créditos privilegiados.
Convenhamos que, tal solução, fazendo depender a ordem de graduação de concreto crédito da circunstância aleatória de o concurso envolver ou não créditos do Estado, e, ademais, deixando outrossim a defesa de interesses prioritários do Estado como o são o da importância social da sustentabilidade da Segurança Social à mercê de factores que escapam ao próprio Estado, conduz-nos a não perfilhar o entendimento [para além de nada consentâneo com o comando do artº 8º, nº3, in fine, do CC, e , bem assim, com uma interpretação racional do artº 204 do CRCSPSS, ou seja, considerando sobretudo a respectiva finalidade que norteou/presidiu à sua criação] sufragado pelo Conselheiro Salvador da Costa.
Por fim, com pertinência ainda para a graduação de créditos após a declaração de insolvência do respectivo devedor, importa ter presente que o artº 97º, nº 1, alínea a), do CIRE, estabelece que se extinguem com a declaração de insolvência os privilégios creditórios gerais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social constituídos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência.
Ou seja, os créditos das instituições de segurança social, apenas gozam/beneficiam da faculdade e preferência de privilégio creditório, desde que referentes a créditos constituídos nos 12 meses anteriores à data do início do processo de insolvência, pois que, todos os demais, mais não são do que créditos de natureza comum ( cfr. artº 47º,nº4, alínea c), do Cire).
Aqui chegados, e apetrechados das considerações acabadas de aduzir, manifesto é que a sentença apelada, no tocante à graduação do crédito da apelante, e relativamente às verbas nºs 10 e 11º, integra duas incorrecções/ erros.
O primeiro, quando não estabelece qualquer diferenciação, relativamente ao crédito reclamando pelo Instituto da Segurança Social, I.P., entre uma sua parcela respeitante ao montante constituído nos 12 meses anteriores à data do início do processo de insolvência, e uma outra parcela respeitante ao montante constituído para além dos 12 meses anteriores à data do início do processo de insolvência,
O segundo, ao graduar o crédito do Instituto da Segurança Social, I.P., na parte/parcela respeitante ao montante constituído nos 12 meses anteriores à data do início do processo de insolvência, após/depois do crédito do Banco, S.A. garantido por penhor , e o crédito do trabalhador Heitor L, ao arrepio portando do disposto no artigo 204.º, nºs 1 e 2, da Lei 110/2009, de 16 de Setembro, disposição especial esta que se impõe à regra geral do art.º 749 do Código Civil.
Na verdade, no tocante às referidas verbas, a graduação deveria ter sido feita nos seguintes termos:
- O crédito do Instituto, I.P., no valor de €7.393,57 ;
- O crédito do Banco, S. A. garantido por penhor (apenso D);
- O crédito do trabalhador;
- O crédito do Instituto da Segurança Social, I.P., no valor de €14.599,94 [tendo presente o disposto no artº 635º, nº5, do CPC] ;
- O crédito do credor n.º 3 (requerente da insolvência), com o limite previsto no artigo 98.º do CIRE;
- Todos os outros créditos, em posição de igualdade, com excepção dos créditos subordinados.
- Os créditos subordinados.”.
3.2.- Em conclusão, a apelação do recorrente Instituto da Segurança Social, I.P.,, procede in totum, devendo a graduação dos créditos reconhecidos e com referências às verbas nºs 10 e 11 ser efectuada nos seguintes termos:
1 - O crédito do Instituto, I.P., no valor de €7.393,57;
2 - O crédito do Banco, S. A. garantido por penhor (apenso D);
3 - O crédito do trabalhador;
4 - O crédito do Instituto, I.P., no valor de €14.599,94 [tendo presente o disposto no artº 635º, nº5, do CPC];
5 - O crédito do credor n.º 3 (requerente da insolvência), com o limite previsto no artigo 98.º do CIRE;
6- Todos os outros créditos, em posição de igualdade, com excepção dos créditos subordinados.
7- Os créditos subordinados.
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4.- Sumariando (cfr. nº 7, do artº 663º, do CPC).
I - Os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora, gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se nos termos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil, mas, com a declaração de insolvência do devedor, tais privilégios extinguem-se quando constituídos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência ( cfr. artº 97º,nº1, do Cire).
II – Os créditos da segurança social por contribuições indicadas em I, quando beneficiem de privilégio mobiliário geral, prevalecem face ao crédito garantido por penhor, ainda que anteriormente constituído e, bem assim, perante o crédito do trabalhador que, nos termos do artº 333º, nº1, alínea a) e nº2, alínea a), do Cód. do Trabalho, goza também de privilégio mobiliário geral.
III - O privilégio mobiliário geral da Segurança Social indicado em I não prevalece sobre o penhor apenas e tão só quando ambos os referidos créditos são os únicos que estão em concurso, ou seja, quando se verifique um conflito graduativo exclusivo das duas referidas causas de preferência – a do privilégio mobiliário geral dos créditos do ISS e o penhor.
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5. Decisão.
Em face de todo o supra exposto,
acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães , em , julgando procedente a apelação do Instituto, I.P., alterar a sentença recorrida, determinando-se:
5.1. - Que o crédito da apelante do Instituto, I.P., seja graduado relativamente às verbas nºs 10 e 11º, nos termos descritos no item 3.2. do presente Acórdão.
5.2. - No mais, a manutenção da sentença apelada .
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Custas da apelação pela massa insolvente.
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(1) Aprovado pelo DL nº 53/2004, de 18 de Março .
(2) Cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Direito da Insolvência, 2103, 5 tª edição, pág. 89.
(3) Aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.
(4) Aprovado pela Lei n.º 110/2009 de 16 de Setembro.
(5) ACÓRDÃO N.º 64/2009, Processo nº 411/08, 1ª Secção, sendo Relatora a Conselheira Maria João Antunes, e in www.tribunalconstitucional.pt
(6) ACÓRDÃO N.º 108/2009, Processo nº 634/08, 1ª Secção, sendo Relatora a Conselheira Maria João Antunes, e in. www.tribunalconstitucional.pt
(7) Cfr. Mário Júlio de Almeida e Costa, in Direito das Obrigações, Almedina, 11.ª edição, pág. 971, e Pires de Lima e Antunes Varela, in CC anotado, II volume , 2 ª edição, pág. 678.
(8) Cfr. Carvalho Fernandes, in Direitos Reais, pág. 147.
(9) Ac. de 21/3/2013, Proc. nº 249/12.3TBGRD.C1 , e Ac. de 25/1/2011, Proc. nº 825/08.9TBMGR-K.C1, ambos in www.dgsi.pt.
(10) Ac. de 10/3/2015, Proc. nº 2558/12.2TLRA-C. C1 , in www.dgsi.pt.
(11) In Processo de Insolvência, 2.dª edição, página 172.
(12) Ac. de 13/2/2014, Proc. nº 1216/13.5TBBCL-A.G1, sendo Relatado pela Exmª 2ª Adjunta do presente Acórdão , e in www.dgsi.pt.
(13) O qual é explanado por Salvador da Costa, in o “Concurso de Credores”, 2.ª edição, págs. 310 a 312, sendo seguido também pelo Tribunal da Relação de Évora, no seu Acórdão de 5/11/2015, Proc. nº 284/14.7TBRMR-A.E1, e in www.dgsi.pt.
(14) Ac. de 11/12/2012, Proc. nº 241/11.5TBNLS-B.C1, e in www.dgsi.pt. Implicitamente alinhando pelo mesmo entendimento, pode ver-se ainda o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 10/3/2015,acima já aludido.
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Guimarães, 31/3/2016
António Manuel Fernandes dos Santos (O Relator)
Maria Amália Pereira dos Santos (1º Adjunto)
Ana Cristina Oliveira Duarte (2º Adjunto)