Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2330/11.7TBVCT-A.G1
Relator: MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DE UM DOS CÔNJUGUES
CONVOLAÇÃO
DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/13/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. A Lei nº 61/2008 veio consagrar uma nova modalidade de divórcio, a par do divórcio por mútuo consentimento: o «divórcio sem consentimento de um dos cônjuges» (cfr. artº 1773º, nº 1, do C.Civil).
2. Este novo divórcio sem consentimento de um dos cônjuges pode ser objecto de convolação («conversão», no dizer do legislador) em divórcio por mútuo consentimento: «Se a tentativa de conciliação não resultar, o juiz procurará obter o acordo dos cônjuges para o divórcio por mútuo consentimento; obtido o acordo ou tendo os cônjuges, em qualquer altura do processo, optado por essa modalidade do divórcio, seguir-se-ão os termos do processo de divórcio por mútuo consentimento, com as necessárias adaptações» (artº 1779º, nº 2, do C.Civil).
Decisão Texto Integral: TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

Relator: Purificação Carvalho
Adjuntos: Eduardo José Oliveira Azevedo
Maria Rosa Tching

RELATÓRIO
F… intentou contra J… acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge.
Pede que seja decretado o divórcio entre os cônjuges e a regulação provisória das questões a que alude o artº 1407 nº7 do CPC pela forma articulada e requerida na petição inicial.
A fundamentar este pedido de divórcio alega a violação por parte do réu dos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência a que estava adstrito.
Realizada conferência de cônjuges (após uma anterior marcação na qual foi pedida e deferida a suspensão da instância) o Senhor Juiz tentou obter o acordo dos cônjuges para o divórcio por mutuo consentimento, tendo as partes declarado que se pretendem divorciar, mas não estão acordados quanto aos acordos complementares do divórcio.
Pelo Sr Juiz foi então afirmado que nos termos da Lei nº 61/2008 para os cônjuges se divorciarem não necessitam de apresentar todos ou alguns dos acordos complementares, sendo único requisito a vontade de ambos os cônjuges em se divorciarem .
Pelas partes depois de inquiridas pelo Sr Juiz foi reafirmada a vontade de se divorciarem
Seguidamente foi proferida sentença que decretou o divórcio do casal, dissolvendo o casamento nos termos dos arts 1775º, 1779º nº2 do C. Civil 1421º e 1423-A do CPC .
Pela autora foram invocadas nulidades processuais e substanciais da dita sentença que foram indeferidas.
O Sr Juiz mandou abrir conclusão nos autos na qual determinou a notificação da autora para apresentar prova quanto ao pedido de fixação das consequências do divórcio formulado na p.t e o réu para se pronunciar sobre tal matéria..

Inconformada com a decisão apelou a recorrente, rematando as alegações com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença de 25.10.2011, que decretou o divórcio de Autora e Réu, e também da douta decisão imediatamente subsequente, que indeferiu a arguição de nulidade processual, e de nulidade daquela mesma sentença – decisões que têm um sentido uno,pelo que aqui se visa a revogação de ambas.
2. A presente acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge vem interposta pela Autora com os fundamentos, de facto e de Direito, pela mesma alegados na respectiva petição inicial – sendo que, nessa peça, a Autora requereu ao Tribunal a regulação provisória das matérias a que alude o nº 7 do art. 1407º do C.P.C., para vigorarem na pendência do processo.
3. Na tentativa de conciliação a que alude o art. 1407º do C.P.C. não se logrou qualquer acordo dos cônjuges no sentido da convolação da acção em divórcio por mútuo consentimento, nem sobre os factos alegados pela Autora na petição inicial.
4. Apenas com base em declaração do Réu, no sentido de também pretender o seu divórcio da Autora, inopinadamente, o Digno. Magistrado “a quo” confrontou as partes com o seu entendimento que consta da acta da diligência, qual seja o de “que nos termos da Lei nº 61/2008, para os cônjuges se divorciarem não necessitam de apresentar todos ou alguns dos acordos complementares, sendo único requisito a vontade de ambos os cônjuges em se divorciarem”.
5. E, face à manutenção do pedido de divórcio formulado pela Autora na sua petição inicial, e à oportunista afirmação do Réu de que se queria divorciar daquela, partiu para o “salto lógico” em que, depois de finda a diligência, em composição da douta sentença, para efeitos de redacção da acta daquela, conclui que Autora e Réu “acordaram em convolar os presentes autos de divórcio sem consentimento do outro cônjuge em divórcio por mútuo consentimento, tendo ambos declarado a vontade de se divorciarem”.
6. Essa conclusão do Digmo. Magistrado “a quo” é ilógica, e desconforme com a realidade dos factos, em função das circunstâncias factuais descritas na acta imediatamente antes da prolacção da sentença e do requerimento da Autora que se lhe seguiu.
7. Como bem decorre do requerimento imediatamente apresentado pela Autora, ditado para a acta da diligência de 25.10.2011 – requerimento que aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os devidos e legais efeitos – aquela jamais deu acordo algum à convolação do divórcio destes autos para mútuo consentimento, nem o Réu declarou algo de parecido, tendo apenas manifestado a sua vontade de se divorciar da Autora.
8. Pelo que não há, nem foi manifestada nos autos, qualquer vontade da Autora em convolar o pedido inicialmente formulado nesta acção para um divórcio por mútuo consentimento – como resulta claro da imediata reacção da Autora ao teor, sentido e fundamentação daquela sentença, logo após ser proferida.
9. Houve, no caso, um erro notório do Digmo. Magistrado “a quo” sobre o enquadramento processual da situação dos autos, e do sentido correcto da prossecução dos ulteriores termos desses.
10. Preceitua o art. 1773º, nºs. 1 e 3, do Cód. Civil, que o divórcio pode ser por mútuo consentimento, ou sem consentimento de um dos cônjuges – sendo que este último é requerido no Tribunal por um dos cônjuges contra o outro, com algum dos fundamentos previstos no art. 1781º do mesmo Código.
11. E foi esse pedido que a Autora formulou e fundamentou no petitório - e que integralmente mantém.
12. Marcada que foi nos autos a tentativa de conciliação prevista no nº1 do art. 1407º do C.P.C. – é óbvio que, caso as partes tivessem logrado acordo para a convolação do divórcio por mútuo consentimento, seguir-se-iam, no próprio processo, e como previsto no nº 4 daquele art. 1407º, os termos dos arts. 1419º e ss. do C.P.C., com as necessárias adaptações,
13. Ou seja, os cônjuges teriam de requerer conjuntamente ao Tribunal a junção aos autos e ulterior homologação dos acordos e documentos a que alude o art. 1419º, nº1, do C.P.C., para que assim se tivessem efectivamente por verificadas todas as condições, e o mútuo acordo sobre todas as matérias e documentos a que alude e que impõe o art. 1775º do Código Civil, que caracterizam um verdadeiro e efectivo divórcio por mútuo consentimento, nomeadamente Relação especificada dos bens comuns, Acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais (a submeter à sindicância prévia do Ministério Público, nos termos do art. 1776º A do Cód.Civil), Acordo sobre a prestação de alimentos entre conjuges, e Acordo sobre o destino da casa de morada de família.
14. Nada disto foi feito nos autos, como imediatamente – em sede de arguição de nulidades processual e substantiva subjacentes à douta sentença recorrida– foi invocado expressamente pela Autora, e consta da acta da diligência de 25.10.2011.
15. Fazendo tábua rasa deste cristalino enquadramento legal e processual, entendeu o Digmo. Magistrado “a quo” extrair da singela afirmação do Réu, de que também pretendia divorciar-se da Autora, uma absurda e inexistente conjugação de vontades, para “convolar” o divórcio sem consentimento requerido pela mesma Autora, num suposto divórcio por mútuo consentimento – que nenhuma das partes requereu, e que não tinha, nem tem, condições fácticas ou legais para ser decretado.
16. A ter-se como correcto ou processualmente admissível o “entendimento” e o procedimento subjacentes à douta sentença recorrida, teríamos admitido, ou querido pela lei substantiva e adjectiva, e assim tutelado pela “ratio legis” de toda a disciplina jurídica do divórcio, uma situação absurda e kafkiana,
17. Qual seja a de um dos cônjuges requer o divórcio sem consentimento do outro, invocando fundadamente factos e circunstâncias enquadráveis no art. 1781º do Cód. Civil, expressamente enunciando que pretende extrair desses factos e circunstâncias, por violadores dos direitos /deveres enunciados no art. 1672º desse diploma legal, as consequências legalmente previstas nos arts. 1792º, 1676º, nºs 2 e 3, e 2016º desse mesmo Código;
18. E tudo isso pode ser prejudicado mediante a singela afirmação, do cônjuge contra quem se apresenta judicialmente a exercer esses direitos, que também ele pretende o divórcio!
19. Deixar-se-ia assim de conhecer, em processo judicial desencadeado segundo os trâmites da lei aplicável, sobre a pretensão legítima da Autora e os respectivos fundamentos, tal como prefigurados e apresentados pela demandante –
20. Para, em virtude de exercício meramente interpretativo (dir-se-ia que imbuído de uma inspiração “simplex” transposta para o domínio judicial, fazendo tábua rasa da substantiva essência do art. 2º do C.P.C....), se passar a navegar numa deriva processual sem sentido e já sem verdadeiro objecto.
21. Ao contrário do que vem sustentado no douto despacho recorrido que indeferiu as nulidades substantivas e processuais desde logo apontadas à douta sentença também aqui recorrida, os arts. 1773º,nº 2, 1778º-A e 1794º do Código Civil não têm qualquer aplicação à situação concreta destes autos.
22. E a citação que é feita nesse douto despacho, que expressamente se louva na obra de Tomé d’Almeida Ramião que se identifica ”ab initio” desta alegação, está, salvo o devido respeito, completamente descontextualizada.
23. Quando o art. 1773º, nº 2, e o art. 1778º-A do Cód. Civil prevêem o divórcio por mútuo consentimento requerido por ambos os cônjuges no Tribunal está a dirigir-se a situações em que os cônjuges - ambos os cônjuges – originariamente entendidos sobre o divórcio, recorrem, conjuntamente, ao Tribunal, pedindo que seja judicialmente suprida a falta de acordo sobre algum dos assuntos referidos no art. 1755º do Cód. Civil.
24. Nada disso sucede no caso vertente – em que a Autora formula uma pretensão contra o Réu, e pede a regulação provisória, para a pendência da acção, das matérias a que alude o dito art. 1775º do Cód. Civil, nos termos do art.1407, nº 7, do C.P.C..
25. Todo este entendimento sobre o direito adjectivo aplicável à situação dos autos encontra suporte doutrinário na própria obra citada de Tomé d’Almeida Ramião – cujo enquadramento e doutrina, sobre o âmbito, circunstâncias e modo de aplicação do disposto no art. 1778º-A não é dirigido a situações como a dos presentes autos.
26. Bastará ver o enquadramento daquele preceito na sistematização do Código Civil: estamos no quadro do divórcio por mútuo consentimento, como tal requerido “ab initio” por ambos os conjuges – ou no âmbito do processo remetido ao Tribunal pela Conservatória, nos termos do art. 1778º!
27. De resto, a interpretação e os comentários doutrinais que o mesmo Autor professa na obra aqui profusamente citada bem ditam qual deverá ser o correcto e subsequente tratamento processual da pretensão aqui formulada pela Autora, tal como configurada no petitório.
28. Aliás, não pode olvidar-se que a tramitação da presente acção – não obstante a sua natureza especial, está sujeita ao princípio da estabilidade da instância, consagrado nos arts. 268º e 273º do C.P.C..
29. Por todo o exposto, é patente que a douta sentença aqui recorrida, na qual deve entender-se como integrado o douto despacho que conheceu da arguição de nulidade imediatamente exercitada pela Autora no próprio acto / diligência em que a mesma foi proferida, enferma das nulidades a que aludem as als. d) e e) do nº1 do art. 668º, do C.P.C.,
30. Incorrendo também, face ao sentido do decidido, em flagrante violação, ou errada interpretação e aplicação, para além do mais, do disposto nos arts. 1773º, 1775º, 1778º-A, 1779º, 1781º e 1785º todos do Código Civil, e dos arts. 2º, 268º,e 273º e 1407º do Cód. Proc. Civil.
31. Por tal motivo, deve aquela ser revogada para, em seu lugar – e atento o processado útil anterior - ser ordenado o prosseguimento dos autos, mediante notificação do Réu para contestar, como estipulado no nº 5 do art.1407º C.P.C., seguindo-se os ulteriores termos da acção.
Assim decidindo farão V. Exas., em Alto Critério – e aliás como sempre e em qualquer caso – cabal e inteira JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra alegações
***
Como é sabido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr. Artº 684º, nº 3, e 685º, do CPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (cf. artos 660º, nº 2, e 664º, ex vi do artº 713º, nº 2, do CPC).
Do teor das alegações do apelante extraem-se as seguintes questões essenciais a discutir (por ordem de precedência):
1) nulidade da sentença (artº 668º, nº 1, al. d e e), do CPC)
2) Violação de normas legais invocadas pela recorrida

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTAÇÃO
De facto
Os elementos de facto e incidências processuais relevantes para a decisão são os constantes do antecedente relatório que aqui se dá por reproduzido e os seguintes
Na sentença proferida o Sr Juiz considerou que a autora e o réu acordaram em convolar os presentes autos de divórcio sem consentimento de outro cônjuge em divórcio por mutuo consentimento, tendo ambos declarado a vontade de se divorciarem.
Os cônjuges contraíram entre si casamento católico em 24 de Março de 1984.
As partes não acordaram nos acordos complementares do divórcio a saber: sobre a matéria de alimentos, entre eles, sobre o destino da casa de morada de família, da relação dos bens comuns do casal e da regulação das responsabilidades parentais da filha menor do casal, M….
Não se perspectiva a possibilidade de reconciliação dos cônjuges.

Do Direito
A apreciação deste recurso exige um melhor conhecimento da nova arquitectura legal do regime do divórcio, trazida Lei nº 61/2008 (limitado à sua relevância para a resolução do presente caso) – e que, como é reconhecido na doutrina, suscita muitas dúvidas e perplexidades - cfr. Rita Lobo Xavier, "Recentes alterações ao regime jurídico do divórcio e das responsabilidades parentais", Almedina, Coimbra, 2009, passim.
O novo regime veio consagrar uma nova modalidade de divórcio, a par do divórcio por mútuo consentimento: o «divórcio sem consentimento de um dos cônjuges» (cfr. artº 1773º, nº 1, do C.Civil), que exclui do sistema o anterior «divórcio litigioso» (não obstante se manter essa designação na epígrafe da Subsecção III do Capítulo XII do Título II do Livro IV do C.Civil, que, no entanto, foi eliminada do CPC pelo artº 4º, nº 1, da Lei nº 61/2008, e substituída pela designação «divórcio sem consentimento do outro cônjuge»).
Este novo divórcio sem consentimento de um dos cônjuges pode ser objecto de convolação («conversão», no dizer do legislador) em divórcio por mútuo consentimento: «Se a tentativa de conciliação não resultar, o juiz procurará obter o acordo dos cônjuges para o divórcio por mútuo consentimento; obtido o acordo ou tendo os cônjuges, em qualquer altura do processo, optado por essa modalidade do divórcio, seguir-se-ão os termos do processo de divórcio por mútuo consentimento, com as necessárias adaptações» (artº 1779º, nº 2, do C.Civil). Ou seja, o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges - aquilo que RITA LOBO XAVIER denomina de «divórcio contencioso judicial» convola-se em «divórcio por mútuo consentimento judicial» (assim designado por essa autora, em oposição àquilo que classifica como «divórcio por mútuo consentimento administrativo», tramitado nas conservatórias do registo civil).
Há aqui uma remissão para o regime do divórcio por mútuo consentimento, em que, por sua vez, passou a haver a possibilidade de ocorrer acordo dos cônjuges apenas quanto ao divórcio, mas não quanto às consequências do divórcio, em que o processo prosseguirá sem o acordo dos cônjuges nas respectivas questões - as que se referem no artº 1775º, nº 1, o que inclui, pelo menos, os acordos respeitantes a alimentos, exercício de responsabilidades parentais e destino da casa de morada de família e para que o tribunal possa decidir quanto a essas consequências do divórcio.
Note-se que essa falta de acordo dos cônjuges quanto às consequências do divórcio não converte o processo de divórcio num de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges - continua a ser processo de divórcio por mútuo consentimento, por haver acordo dos cônjuges quanto à dissolução do casamento, mas sem prejuízo de o tribunal dever proceder como se estivesse perante um divórcio sem consentimento do outro cônjuge. Parece confuso, mas é o legislador que o diz no artº 1778º-A do C.Civil, integrado na Subsecção II, com a epígrafe «Divórcio por mútuo consentimento»: «O juiz fixa as consequências do divórcio nas questões referidas no n.º 1 do artigo 1775.º sobre que os cônjuges não tenham apresentado acordo, como se se tratasse de um divórcio sem consentimento de um dos cônjuges» (nº 3). Ou seja: a lei cria uma figura híbrida, que é o «divórcio por mútuo consentimento judicial» que segue o regime do divórcio sem consentimento do outro cônjuge.
Segundo o nº 4 do mencionado artº 1778º-A, o juiz, a fim de fixar as consequências do divórcio, «pode determinar a prática de actos e a produção de prova eventualmente necessária» – mas, atento o segmento final do citado nº 3, sem prejuízo do reenvio para o regime normativo do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges.
Posto isto, vejamos que ilações poderemos extrair destas considerações doutrinárias para o presente caso.
Parece não haver dúvidas que a lei concebe um divórcio por mútuo consentimento judicial em que haja acordo dos cônjuges quanto à dissolução do casamento, mas não quanto às consequências do divórcio – entenda-se, quanto às questões referidas no artº 1775º, nº 1, do C.Civil, caso em que cumprirá ao tribunal fixar essas consequências. E, por maioria de razão, pode haver acordo quanto ao divórcio e algumas dessas questões, mas não quanto a todas – como poderá ser a questão da atribuição da casa de morada de família.
É esta a situação do presente processo: houve acordo das partes quanto ao divórcio propriamente dito – as partes declararam que se pretendem divorciar ( ver acta de fls 56), pelas partes depois de inquiridas pelo Sr Juiz foi reafirmada a vontade de se divorciarem (ver a mesma acta) pelo que se converteu – como devia ser o processo de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges em processo de divórcio por mútuo consentimento judicial; em seguida, não foi obtido acordo quanto ás demais questões pedidas na p.i – regime provisório quanto a alimentos, regulação do poder paternal e utilização da casa de morada de família. E estas questões teriam de ser dirimidas pelo tribunal «como se se tratasse de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges» (artº 1778º-A, nº 3), como está a acontecer pela tramitação que se seguiu e segue nos autos.
E perante a verificação que ambas as partes se querem divorciar o julgador aplicou o direito e concluiu que este “querer” igual das partes permite “convolar” o divórcio sem consentimento em divórcio por mutuo consentimento, o que determinou, conforme lhe competia – aplicar o direito ( artº 664º do CPC).
Foi esta interpretação que permitiu- cremos, a afirmação constante da acta de que F… e J… acordaram em convolar os presentes autos de divórcio sem consentimento do outro cônjuge em divórcio por mútuo …
O que distingue o divórcio por mutuo consentimento do divórcio sem consentimento é que no primeiro os cônjuges estão de acordo no divórcio, no segundo só um deles se pretende divorciar. O objecto principal da acção de divórcio, em qualquer uma das modalidades é justamente o divórcio, a dissolução ou o fim da relação matrimonial - Neste sentido Tomé d' Almeida Ramião em "Divórcio e Questões Conexas", pp 61.
… os cônjuges não terão de alcançar acordos complementares como requisito do divórcio: a dissolução do casamento depende apenas do mútuo acordo sobre o próprio divórcio - ver Cristina M. Araújo Dias in "Uma Análise do Novo Regime Jurídico do Divórcio Lei 61/2008 de 31 de Outubro", pp 26.
… a acção judicial de divórcio por mútuo consentimento poderá ser apresentada sem a junção de nenhum dos referidos acordos, bastando, para o efeito, que os cônjuges aleguem apenas e tão somente a sua vontade de se divorciarem - ver "Novo Regime do Divórcio" de Amadeu Colaço, pp 55.
Verifica-se pois que não existem na decisão recorrida os apontados “erros, saltos, desconformidades, absurdos e as demais afirmações feitas nas alegações de recurso que se podem classificar no mínimo como deselegantes e inúteis face à tramitação prevista na Lei nº 61/2008 , essa sim aplicável a este processo e não a tramitação antiga como pretende a recorrente.
Bem andou o Sr Juiz na afirmação que faz no despacho que profere em apreciação das nulidades invocadas, segundo o qual O raciocínio da autora assenta em conclusões e interpretações de regime que apenas seriam admissíveis antes da entrada em vigor da Lei nº 61/2008.
Sendo assim, também não se reconhece a existências das invocadas nulidade da sentença recorrida, uma vez que a decisão recorrida pronunciou-se sobre as questões que devia conhecer e conheceu de questões de que podia e não decidiu em contrário do pedido.

Sumário
. A Lei nº 61/2008 veio consagrar uma nova modalidade de divórcio, a par do divórcio por mútuo consentimento: o «divórcio sem consentimento de um dos cônjuges» (cfr. artº 1773º, nº 1, do C.Civil).
. Este novo divórcio sem consentimento de um dos cônjuges pode ser objecto de convolação («conversão», no dizer do legislador) em divórcio por mútuo consentimento: «Se a tentativa de conciliação não resultar, o juiz procurará obter o acordo dos cônjuges para o divórcio por mútuo consentimento; obtido o acordo ou tendo os cônjuges, em qualquer altura do processo, optado por essa modalidade do divórcio, seguir-se-ão os termos do processo de divórcio por mútuo consentimento, com as necessárias adaptações» (artº 1779º, nº 2, do C.Civil).
DECISÃO:
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a presente apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante (artº 446º do CPC).
Guimarães, 13 de Março de 2012