Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2509/22.6T8GMR-E.G1
Relator: ROSÁLIA CUNHA
Descritores: ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
REMUNERAÇÃO VARIÁVEL
MAJORAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - No cálculo da majoração (de 5%) a que se refere o n.º 7 do art.º 23º do Estatuto do Administrador Judicial deve atender-se ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos e, assim, o valor da majoração deve ser encontrado mediante a aplicação do elemento de cálculo previsto na lei (5%) à percentagem dos créditos reclamados e admitidos que foi satisfeita.
II – Concretamente, “o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, é encontrado dividindo o montante correspondente aos créditos satisfeitos pelo valor correspondente aos créditos admitidos e, a seguir, multiplica-se o grau/percentagem assim obtido pelo montante correspondente ao valor dos créditos satisfeitos; ao resultado alcançado aplica-se a percentagem de 5% correspondente à majoração prevista no referido número 7 do art.º 23.º”.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

RELATÓRIO

Na sentença que declarou a insolvência de AA e BB, foi nomeado para exercer as funções de administrador da insolvência (doravante AI) o Dr. CC.
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Foram reconhecidos créditos no valor global de € 205 231,87.
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O montante dos créditos satisfeitos corresponde à quantia de € 109 778,10.
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Em 30.10.2023, o AI apresentou requerimento com o qual procedeu à junção de dois documentos relativos a:

“1. Cálculo da Remuneração Variável do Administrador Judicial, nos termos do artigo 23º do EAJ (Doc. ...1);
2. Mapa de rateio elaborado de acordo com o nº 3 do artigo 182º do CIRE (Doc. ...2)”,

cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, onde consta que a majoração da remuneração variável (5% – art. 23º, nº 7, do EAJ) tem o valor de € 5 479,33.
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Em 10.11.2023, a secção procedeu ao cálculo da remuneração variável do AI, cálculo esse cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, constando que a remuneração variável com majoração tem o valor de € 2 936,00 acrescido de € 675,28 de IVA.
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Em 14.11.2023 foi proferido despacho (ref. Citius ...85) que determinou a audição do A.I sobre o cálculo efetuado pela secção relativamente à sua remuneração variável.
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Em 30.11.2023, o AI pronunciou-se referindo que a majoração da remuneração variável (5% – art. 23º, nº 7, do EAJ) tem o valor de € 5 488,91.

Explicou esta conclusão referindo, nomeadamente, que:

“v) (…) a base de cálculo para a majoração da remuneração variável é igual à Receita da liquidação (122.350,00 euros) - Despesas de liquidação (1.722,53 euros) - Remuneração fixa adiantada pela massa insolvente (1.230,00 euros) - custas judicias (2.264,40 euros) + o calculado no nº 4 quanto à remuneração variável (5.979,65 euros) e respectivo IVA (1.375,32 euros);
w) O que resulta numa base de cálculo para a majoração da remuneração variável de 109.778, 10 euros;
x) Ao qual, aplicando a majoração prevista na lei em vigor (referida no nº 7 do referido artigo 23º), 5% de 109.778,10 euros corresponde a 5.488,91 euros”.

Juntou mapa de cálculo da remuneração variável e mapa de rateio corrigidos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
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Em 11.12.2023 foi proferido despacho (ref. Citius ...16) com o seguinte teor:

“Visto o novo cálculo efectuado pelo senhor A.I, somos a explicar o valor alcançado pela secção (2.963,00€ + IVA) resulta da majoração obtida em função do grau de satisfação dos créditos reconhecidos ({109.778,10€ / 205.231,87€ = 0.53} - [109.778,10€ x 0,53 x 5% =2.936,00€]), uma vez que é este o entendimento que está determinado por este Tribunal, e que é seguido por estes juízos de comércio.
Assim o mapa de rateio, deverá ser alterado, partindo da premissa que o Tribunal fixa como remuneração variável devida, aquela que foi devidamente calculada pela secção, de acordo com as nossas determinações.
Notifique o senhor A.I, concedendo-se 10 dias para a apresentação de mapa de rateio ratificado.”
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O AI não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho judicial que fixou a remuneração do administrador de insolvência, ora recorrente, referente à componente variável, na quantia total de €10.998,23, incluída de IVA à taxa legal de 23%, respeitando às quantias líquidas de €5.979,65, pela remuneração devida nos termos da al. b) do n.º 4 do art.º 23.º do EAJ, e de uma majoração de €2.963,00, imputável ao n.º 7 desta regra e diploma legal.
2. Salvo o devido respeito, discorda-se da decisão proferida, por se entender que os cálculos enunciados no Douto Despacho recorrido radicam numa interpretação desconforme às regras legais do seu cômputo.
3. De mais a mais, o despacho recorrido, na nossa modesta opinião, carece em absoluto de fundamentação de direito.
4. Na verdade, o Tribunal a quo limitou-se ao seguinte na motivação do despacho: «Assim o mapa de rateio, deverá ser alterado, partindo da premissa que o Tribunal fixa como remuneração variável devida, aquela que foi devidamente calculada pela secção, de acordo com as nossas determinações.»
5. De modo que, afigura-se-nos que a decisão é nula devido à ausência absoluta de fundamentação de direito, ao abrigo do disposto no art.º 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC (aplicável aos despachos por força do estatuído no art.º 613.º, n.º 3 do CPC), bem como ao abrigo do disposto no art.º 195.º, n.º 1 do mesmo Código.
6. No que respeita ao apuramento da componente variável da remuneração da A. I. nos termos da al. b) do n.º 4 do art.º 23.º do EAJ, não existe qualquer divergência quanto ao critério da sua fixação, que se afigura unânime na Doutrina e Jurisprudência.
7. Porém, mesmo não sucede relativamente à interpretação do n.º 7 desta regra do art.º 23.º do EAJ, residindo o objecto do presente recurso na opção por uma de duas (melhor, três) formas distintas de interpretação do n.º 7 do art.º 23.º do EAJ, que indica o critério de apuramento do valor correspondente à majoração da citada remuneração variável.
8. No caso dos autos, o despacho recorrido louvou-se na corrente da Jurisprudência que opta pela interpretação mais conservadora, porque baseada na lei antiga, do n.º 7 do art.º 23.º do EAJ.
9. Salvo o devido respeito, o Despacho a quo e todas as decisões que vogam no mesmo sentido, entram em flagrante contradição nos seus próprios termos, e dão origem a decisões violadoras das normas que às mesmas presidem.
10. Na verdade, por um lado não se poderá olvidar que o diploma em que se sustentam a sua interpretação (criativa e restritiva) se encontra expressamente revogado e «não é mais aplicável» [cf. art.º 20.º da Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho (estatuto do administrador da insolvência revogado pela Lei n.º 22/2013) e a Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro];
11. Contudo, na humilde opinião do recorrente, a interpretação que se acolhe no douto Despacho a quo, verdadeiramente, não respeita integralmente o próprio regime anteriormente vigente, uma vez que a lei nova, mantendo a expressão anteriormente constante do n.º 5, «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos», apenas lhe acrescenta o segmento «em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos»;
12. Sendo que, a parte inicial da referida norma que poderia introduzir alguma discussão, ou seja, a expressão «O valor alcançado por aplicação das tabelas referidas nos n.os 2 e 3 é majorado …», foi substítuída pela expressão «O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 5 e 6 é majorado …».
13. Na Douta opinião de Nuno Freitas Araújo (in, A remuneração do Administrador Judicial depois das alterações da Lei n.º 9/2022, de 11-01, in Datavenia ano 11, n.º 14 – revista digital), que secundamos, esta técnica legislativa «(…) é usada, pelo menos, desde o art. 20.º/4 do primitivo Estatuto do Administrador da Insolvência (Lei nº32/2004, de
22-7), nos termos do qual, a remuneração era majorada, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos factores constantes na Portaria nº5/2005, de 20-1. Pois bem: com a Lei nº9/2022, de 11-1, passou o legislador a referir que, em função do mesmo critério, a remuneração é já majorada por outro factor ou bitola: 5% dos créditos a satisfazer.
Sendo por isso esta interpretação que parece claramente aquela que melhor corresponde ao propósito da alteração da lei, pois esta manteve a referência ao grau de satisfação dos créditos (como motivo da majoração), mas alterou o factor a considerar (no cálculo da majoração).
14. Deixando cair qualquer menção, no cálculo da majoração, a uma proporção em face da totalidade dos créditos reconhecidos.
15. E determinando que esse cálculo é agora baseado simplesmente em 5% dos créditos satisfeitos.»
16. Com bastante frontalidade, este Autor, na obra citada, salienta que «o que se nota aqui, a nosso ver, é simplesmente, tendo em conta a manifesta falta de clareza do legislador na fixação das novas soluções legais, a existência de uma tendência na jurisprudência para reduzir o valor da remuneração variável, também na liquidação, face aos valores considerados excessivos que aparentemente resultam da nova lei, sobretudo quando comparados com os montantes resultantes do regime anterior.» (ob. cit. pág. 47)
17. Cremos, no entanto, que os montantes a que se chega pela aplicação do novo regime não serão excessivos, especialmente se tivermos em conta os seguintes factores:
- A natureza, grande abrangência e diversidade de matérias incluídas nas funções dos administradores judiciais em processo de insolvência (veja- se o número de incidentes e apensos de que são, via de regra, constituídos);
- A organização e alocação de meios materiais e humanos à boa execução das tarefas inerentes a um processo judicial de carácter urgente sujeito ao permanente escrutínio de credores, Ministério Público e Magistrados Judiciais;
- O não despiciendo regime da responsabilidade civil que decorre das mesmas;
- A necessidade de dignificar a função de um técnico que lida, a mais das vezes, com interesses de grande relevância social e económica que tem que actuar acima de qualquer suspeita ou suspeição no que concerne à integridade e probidade no exercício de tais funções;
- A existência de “normas travão” (n.º 8 a 10 do art.º 23.º do EAJ) impositivas de limites máximos legais a tal remuneração (a qual, ainda assim, é passível de reapreciação pela via recursiva perante Tribunal Superior);
- A comparação com os honorários praticados por outros profissionais forenses também intervenientes nas insolvências – vide, v. g., advogados e peritos - para os quais a sua quantificação nem sequer é imputada à obtenção de qualquer resultado proveitoso para os credores;
- A, na maior parte das ocasiões, longa espera no recebimento da remuneração.
18. Donde se conclui ser ilegítimo, apenas para reduzir montantes de honorários (que, como dissemos e reafirmamos, jamais poderão ser considerados excessivos) ir colher argumentos a um quadro normativo hoje expressa e intencionalmente revogado.
19. Neste mesmo sentido foi produzida a Jurisprudência mais avisada na interpretação e aplicação das regras decorrentes da nova redação dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, ao art.º 23º do Estatuto do Administrador Judicial, até porque a mesma tinha o mérito de ser prévia ao aparecimento da controvérsia hoje existente e apenas a latere se pronunciou acerca da questão da quantificação da remuneração variável, (cf. neste sentido o Ac. da Relação de Lisboa de 20/09/2022, proferido no Proc. 9849/14.6T8LSB-E.L1-1- Secção de Comércio) ou seja, imune a contágios opinativos.
20. Naquele inovador aresto da Relação de Lisboa e para o caso sub iudice, as Venerandas Desembargadoras Fátima Reis Silva, Amélia Sofia Rebelo e Manuela Espadaneira Lopes, nos cálculos que com base nestas regras efectuaram, de forma simples mas Douta, foram unanimes em afirmar que, «Foi apurado o valor total de receitas de € 436.175,47.
Deste valor deduzem-se as dívidas da massa insolvente, tal como validadas em sede de prestação de contas que no caso concreto somam €4.179,26, correspondentes a custas do processo de insolvência de € 4.172,00 (conta de 06/05/2022 e art. 51º, nº1, al. a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) e despesas da massa insolvente de € 7,26;
O resultado da liquidação é de € 431.996,21.
A remuneração corresponde a 5% deste valor, ou seja, € 21.599,81.
Passando ao cálculo da majoração prevista no n.º 7 do art.º 23º, deduzem-se do resultado da liquidação a remuneração fixa e a remuneração variável achada - € 431.996,21 – (2.460,00 + 21.599,81+IVA de € 4.967,95) – achando-se o montante a distribuir pelos credores, ou seja o que vai constituir o valor dos créditos satisfeitos, que é de € 402.968,45.
5% deste montante corresponde a € 20.148,42.
Assim, fixa-se em € 41.748,23 a remuneração variável do Sr. Administrador da Insolvência.» (fim de citação)
21. Cabe referir, também, que apesar de a alçada o permitir, não foi interposta Revista do Acórdão proferido, que transitou em julgado, fazendo com que não se perspectivasse a controvérsia que a posteriori se instalou, e que até levou à inversão da Doutrina subscrita pelas próprias signatárias do Aresto em causa.
22. É notório que a interpretação da norma do n.º 7 do art.º 23.º do EAJ se encontra influenciada, por um lado, pelo texto equívoco da Lei e, por outro, pela lei antiga, já revogada e substituída por uma opção nova do legislador a este respeito.
23. Este regime superado, na nossa humilde opinião, não poderá hoje ter campo de aplicação ou constituir critério de interpretação da que expressamente a revogou.
24. Com efeito, é entendimento do recorrente, no que respeita ao cálculo da majoração prevista no n.º 7 do art.º 23º do EAJ, seguindo a Jurisprudência e a Doutrina mais acertadas, que «o n.º 1 do art. 23º deixou de remeter para qualquer Portaria, passando a regular, ele próprio, o modo de cálculo. No que aqui nos releva, foi completamente eliminada qualquer referência à percentagem de créditos satisfeitos que nos permita continuar a entender que o grau de satisfação dos créditos referido ainda no n.º 7 do art. 23º é a percentagem de satisfação dos créditos e não apenas um maior grau de satisfação de créditos não relacional.»
25. «O que a lei prevê é, apenas que se aplique 5% ao montante dos créditos satisfeitos – sendo este montante, como já vimos, um grau de satisfação de créditos. Entendemos, assim, que a letra da lei não é mais favorável à interpretação que implica o achamento da percentagem de créditos satisfeitos, nem indica que não se pretendeu alterar o modo de cálculo anteriormente previsto.»
26. Neste conspecto, seguimos de muito perto e com a devida vénia, o Acórdão prolatado pelo Tribunal da Relação do Porto, do punho da Ilustre Desembargadora Alexandra Pelayo, no processo: 1208/21.0T8AMT-E.P1, ainda não publicado, abundantemente citado na motivação do presente, onde se refere que: «Perante a atual redação do n.º 7, do artigo 23.º, do EAJ, não vislumbramos qualquer fundamento legal para se fazer apelo ao valor percentual dos créditos satisfeitos e, muito menos, para o fazer incidir sobre os “5% do montante dos créditos satisfeitos” a que aquela norma alude ou, o que é a mesma coisa, fazer incidir este valor de 5% apenas sobre aquela percentagem dos créditos satisfeitos, assim reduzindo a majoração a 5% desta percentagem.
27. Com efeito, tendo presentes os critérios legais de interpretação das leis contidos no art.º 9º do C.Civil, constata-se, quanto ao argumento literal, que para além da percentagem de “5% dos do montante dos créditos satisfeitos”, não há na letra da lei qualquer referência a qualquer outra percentagem, para cálculo prévio do “montante dos créditos satisfeitos”.
28. Sendo certo que, se o recurso à aludida Portaria se justificava em face da anterior redação do art.º 23º do EAJ, deixou de o ser á luz da atual redação desta norma, que fornece ela própria os critérios para o cálculo a efetuar.
29. Não sendo, no nosso humilde entendimento e salvo o muito respeito que é devido, legítimo afirmar, como no muito recente Ac. do STJ de 18/04/2023, prolatado no processo n.º 3947/08.2TJCBR-AY.C1.S1, relatado pela muito nossa estimada Prof. Dra. Maria Olinda Garcia (publicado em www.dgsi.pt), que a “tese defendida pelo recorrente (e com respaldo no acórdão fundamento) implica desconsiderar um segmento literal do n.7 do art.23º; precisamente aquele onde se lê: «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos».
30. Com efeito, permitimo-nos discordar deste entendimento, pois, não obstante se concordar tanto com o “princípio do aproveitamento das leis” e da “presunção de racionalidade da legislação”, como com a fatalidade de «que o legislador se pode expressar de modo imperfeito, mas que não cria disposições inócuas», bem como com a necessidade de ”o intérprete encontrar um sentido normativamente útil” para a norma em questão, se assim fosse, ou seja, se o legislador tivesse pretendido fazer corresponder a expressão “grau de satisfação” a “percentagem dos créditos satisfeitos”, teria facilmente repetido o termo no segmento inicial da norma.
31. Porém, não o fez, pelo que não poderá o Julgador substituir-se-lhe nessa tarefa.
32. Também o Insigne Prof. Alexandre Soveral Martins, in Revista Legislação Jurisprudência, ano 152.º, pág. 273 e ss., n.º 4039, em anotação a este acórdão do STJ de 18/04/2023 defende que «(…) a majoração a efectuar nos termos do art.º 23.º, 7, do EAJ deve ser calculada a partir do montante dos créditos satisfeitos, aplicando-se a esse montante a percentagem de 5%», pois, segundo o mesmo, é esta a forma de cálculo da majoração mais conforme aos elementos literal, histórico, sistemático e teleológico da interpretação.
33. Deve dizer-se, ainda, o que constitui conhecimento generalizado, que o termo “grau” não é sinónimo de “percentagem”.
34. Ousamos mesmo dizer que a interpretação proposta pela decisão recorrida olvida que, logicamente, qualquer montante de pagamento da majoração, mesmo que não o referisse, sempre seria realizado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pelo que não se poderá colher desta expressão qualquer elemento diferenciador para aferir do critério de quantificação da remuneração majorada.
35. Por isso, vale, também neste sentido por que propugnamos no presente recurso, um argumento decisivo, e que respeita à insuperável injustiça que resulta do critério ora em crise para a fixação da majoração da remuneração variável.
36. Com efeito, tome-se o seguinte exemplo comparativo quanto à fixação da majoração em dois hipotéticos processos de insolvência, o processo (A) e o processo (B):
Processo A:
- Montante dos Créditos reclamados e admitidos (300 credores):
€5.000.000,00 (cinco milhões de euros),
- Valor pronto para distribuição: €500.000,00 (quinhentos mil euros)
Processo B:
- Montante dos Créditos reclamados e admitidos (20 credores):
€1.000.000,00 (um milhão de euros),
- Valor pronto para distribuição: €500.000,00 (quinhentos mil euros)
37. Segundo o critério defendido no despacho a quo, o AI no processo (A) receberia da majoração do n.º 7 o valor de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), enquanto que o AI no processo (B) receberia a quantia de €12.500,00 (doze mil e quinhentos euros).
38. Com efeito, pode dar-se o caso que o AI que realiza efectivamente um muito maior volume de trabalho e o desempenha com mais mérito, venha a ser remunerado em muito menor “grau” (que aqui significa “quantia remuneratória”) do que um outro, quando a Lei quis certamente definir um critério, por um lado, tanto justo quanto objectivo, e, por outro, que premiasse a “diligência” empregue no exercício de funções de administrador judicial.
39. Ora, salvo o devido respeito, nada disso se consegue aplicando o n.º 7, do art.º 23.º do EAJ com a interpretação que lhe empresta o despacho recorrido em clara violação tanto da letra como do espírito desta norma, pois o resultado de tal prática pode degenerar na maior das subjectividades e iniquidades.
40. Cremos, portanto, que a única interpretação admissível deste normativo é a que estabelece como critério de apuramento da majoração a simples aplicação da percentagem de 5% sobre o valor pronto para distribuir aos credores;
41. Por outro lado, a opção por este critério de fixação dos honorários poderá levar a que os A. I. passem a adoptar métodos muito mais restritivos quanto ao reconhecimento de créditos aos credores, com claros prejuízos para estes, pois, desde logo, é mais vantajoso à remuneração que a diferença entre o valor dos créditos reconhecidos e os créditos satisfeitos seja menor.
42. Acresce finalmente, que em cobertura do acerto da interpretação que vimos defendendo, por ser esta a que corresponde a letra e o espírito da Lei, esta fornece também ao Julgador os meios necessários à limitação de quaisquer excessos na quantificação da remuneração variável (normal e majorada), através das normas travão dos n.ºs 8 a 10 do art.º 23.º do EAJ, que permitem ao aplicador a razoabilização do montante final dos honorários, que sempre poderá ser reduzido ao máximo de €50.000,00, independentemente do valor dos créditos satisfeitos.
43. Com efeito, dispõe o n.º 8 do art.º 23.º do EAJ que «Se, por aplicação do disposto nos números anteriores relativamente a processos em que haja liquidação da massa insolvente, a remuneração exceder o montante de (euro) 50 000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue pelo administrador judicial no exercício das suas funções.»
44. Visto o que antecede, fazendo as operações de cálculo da remuneração variável, à receita da liquidação (€122.350,00) subtraem-se a conta de custas (€2.264,40) e as despesas da liquidação (€1.722,53) menos a remuneração fixa adiantada (€1.230,00), e a remuneração variável apurada nos termos da al. b) do n.º 4 (€5.979,65, mais IVA de €1.375,32),
45. Achando-se o montante a distribuir pelos credores, ou seja, o que vai constituir o valor dos créditos satisfeitos, que é de €109.778,10.
46. Ora, 5% deste montante constituirá a receita variável nos termos do n.º 7 do citado normativo, que corresponde a €5.488,91 a que acrescerá IVA.
47. De tudo resulta que a remuneração variável do Sr. Administrador da Insolvência, ora recorrente, deve fixar-se no total de €14.106,33;
48. E não no montante de €5.979,65, acrescida de uma majoração de €2.963,00, acrescidos de IVA, como o Douto Tribunal a quo, com os contestados fundamentos decidiu.
49. Pelo que deverá ser revogada a substituída por outra que atribua ao recorrente a quantia de €14.106,33 correspondente ao montante de €11.468,56, acrescido de IVA à taxa de 23%, a título de remuneração variável pela função desempenhada nos autos.”

Terminou pedindo a revogação do despacho recorrido, substituindo-o por acórdão que reconheça o direito do apelante à atribuição de remuneração variável no total de €14.106,33, com IVA incluído.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido na 1ª instância como de apelação, a subir imediatamente em separado, com efeito devolutivo, não tendo sido objeto de alteração neste Tribunal da Relação.
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Apesar de o tribunal a quo não ter proferido o despacho referido no art. 617º, nº 1, não tendo apreciado a nulidade da decisão invocada no recurso, por se ter entendido que não se verificava a situação de indispensabilidade referida no nº 5, do art. 617º, ambos do CPC, não se determinou a baixa à 1ª instância para tal efeito.
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Foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DO RECURSO

Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações do recorrente, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, as questões relevantes a decidir, elencadas por ordem de precedência lógico-jurídica, são as seguintes:

I - saber se a decisão é nula por falta de fundamentação;
II - saber como deve ser efetuado o cálculo da remuneração variável majorada do Administrador da Insolvência prevista no art. 23º, nº 7 do EAJ.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos relevantes para a decisão do recurso são os que se encontram elencados no relatório e resultam do iter processual do processo principal e apensos.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

I – Nulidade da decisão por falta de fundamentação

O recorrente invoca a nulidade da decisão por falta de fundamentação de direito.

Dispõe o art. 615º, nº 1, do CPC que é nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Por força do disposto no art. 613º, nº 3, do CPC, esta norma é igualmente aplicável aos despachos.

As nulidades da decisão são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal supra citado.
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da decisão.
As nulidades da decisão, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cf. Acórdão desta Relação de 4.10.2018, Relatora Eugénia Cunha, in www.dgsi.pt).

O vício da sentença decorrente da não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, abreviadamente designado como vício de falta de fundamentação, e previsto na al. b), encontra-se diretamente relacionado com a obrigação de o juiz fundamentar as suas decisões que não sejam de mero expediente, obrigação essa que lhe é imposta pelos arts. 154º e 607º, nºs 3 e 4, do CPC, e pelo art. 205º, nº 1, da CRP.
A exigência de fundamentação exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao ato jurisdicional (José Lebre de Freitas, in A Ação Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, pág. 317).
Impõe-se ao juiz não só que explicite o que decidiu, mas também que indique os motivos que determinaram tal decisão, esclarecendo porque assim decidiu.
Na verdade, só sabendo os concretos fundamentos que justificaram a prolação da decisão as partes terão a possibilidade real e efetiva de proceder à sua impugnação e suscitar a sua sindicância por um tribunal superior. E o tribunal superior só pode sindicar a decisão se conhecer os fundamentos de facto e de direito que subjazem à decisão proferida.
Todavia, é entendimento pacífico e consolidado quer da doutrina, quer da jurisprudência, que só a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto ou de direito será geradora da nulidade em causa, não ocorrendo tal vício nas situações de mera deficiência, insuficiência ou mediocridade de fundamentação.
Assim, como já afirmava o Prof. Alberto dos Reis, (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 140) “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade”.
Em idêntico sentido, referem Antunes Varela e outros (in Manual de Processo Civil, 2ª edição, p. 687), que, “para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.

No caso em apreço, não se pode considerar que a decisão contém falta absoluta de fundamentação de direito, como invoca o recorrente.

Desde logo, embora o recorrente afirme que o despacho se limita a dizer:

“Assim o mapa de rateio, deverá ser alterado, partindo da premissa que o Tribunal fixa como remuneração variável devida, aquela que foi devidamente calculada pela secção, de acordo com as nossas determinações”

tal não é exato, como resulta da transcrição integral que supra foi efetuada do despacho recorrido.

Por outro lado, embora o despacho não contenha expressamente a invocação de qualquer norma jurídica, nem por isso se pode considerar que o mesmo não contém a fundamentação de direito.

O despacho em apreço tem que ser lido e interpretado em conjugação com os atos anteriormente praticados no processo.
Com efeito, o AI apresentou, em 30.10.2023, um primeiro cálculo relativo à majoração da remuneração variável no valor de € 5 479,33.

Posteriormente, a secção, em 10.11.2023, efetuou o cálculo dessa mesma remuneração e considerou que o valor correto da mesma era de € 2 936,00 acrescido de € 675,28 de IVA.

Notificado para se pronunciar sobre este cálculo, o AI, em 30.11.2023, veio referir que a majoração da remuneração variável tem o valor de € 5 488,91, tendo explicado como efetuou os cálculos para alcançar tal valor, referindo nomeadamente que o fez utilizando a “base de cálculo para a majoração da remuneração variável de 109.778, 10 euros” e que, por isso, “aplicando a majoração prevista na lei em vigor (referida no nº 7 do referido artigo 23º), 5% de 109.778,10 euros corresponde a 5.488,91 euros”.

Nesta sequência, o despacho recorrido explicou como foi feito o cálculo da majoração da remuneração variável dizendo que “o valor alcançado pela secção (2.963,00€ + IVA) resulta da majoração obtida em função do grau de satisfação dos créditos reconhecidos ({109.778,10€ / 205.231,87€ = 0.53} - [109.778,10€ x 0,53 x 5% =2.936,00€]), uma vez que é este o entendimento que está determinado por este Tribunal, e que é seguido por estes juízos de comércio.”
E só depois concluiu, nos termos transcritos pelo recorrente, que “o mapa de rateio, deverá ser alterado, partindo da premissa que o Tribunal fixa como remuneração variável devida, aquela que foi devidamente calculada pela secção, de acordo com as nossas determinações”

Ou seja, embora não o refira expressamente, o despacho recorrido está a aplicar o art. 23º, nº 7, do EAJ, que havia sido invocado pelo AI no requerimento de 30.11.2023 em que se pronunciou sobre o cálculo feito pela secção, e a explicar como, à luz desse artigo, deve ser efetuado o cálculo.
E, por assim ser, tem que se concluir que a decisão recorrida contém a fundamentação de direito, embora a mesma seja muitíssimo sucinta.

Por conseguinte, considera-se que a decisão recorrida não padece do vício de nulidade previsto na al. b), do nº 1, do art. 615º do CPC, porquanto não existe falta absoluta de fundamentação, improcedendo este fundamento de recurso.

II - Cálculo da remuneração variável majorada do Administrador da Insolvência prevista no art. 23º, nº 7 do EAJ.

Conforme decorre do disposto no art. 60º, nº 1, do CIRE, o administrador da insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis.

Essa remuneração encontra-se prevista no art. 23º do EAJ (diploma ao qual pertencem todas as normas subsequentemente citadas sem menção de diferente origem) e é integrada:
a) por uma componente fixa, no valor de € 2.000,00, paga em duas prestações (arts. 23º, nº 1 e 29º, nº 2);
b) por uma componente variável, a qual se decompõe em duas subcomponentes:

i) a remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente (art. 23º, n.ºs 4, 5, 6 e 10);
ii) a remuneração variável majorada (art. 23º, nº 7).

Dispõe o art. 23º, nº 7 que o valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.

Tem sido alvo de controvérsia na jurisprudência qual a forma de cálculo da remuneração variável majorada prevista neste normativo.
Sobre esta matéria existem duas posições jurisprudenciais:
- uma corrente defende que a remuneração variável majorada se obtém mediante mera multiplicação do valor líquido que irá ser distribuído pelos credores (correspondente ao montante dos créditos satisfeitos), por 5%;
- outra corrente defende que há que atender ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos o qual se obtém dividindo o montante correspondente aos créditos satisfeitos pelo valor correspondente aos créditos admitidos, multiplicando-se o grau/percentagem obtido desta forma pelo montante correspondente ao valor dos créditos satisfeitos e é ao resultado alcançado que se aplica aquela percentagem de 5%.

Atualmente, a primeira corrente é minoritária e a segunda prevalece na jurisprudência nacional, sendo seguida nomeadamente pelo Supremo Tribunal de Justiça.

A 1ª seção cível deste Tribunal, a qual é especializada em matéria de comércio, já decidiu a presente questão recursória em vários acórdãos, tendo sempre sufragado a segunda corrente, a qual atende ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos.
Inclusivamente, quer a relatora, quer os adjuntos que integram este coletivo já integraram outros coletivos nos quais se decidiu nesse mesmo sentido e se adotou essa corrente jurisprudencial.

Nesse sentido, vejam-se os seguintes acórdãos desta Relação de Guimarães (todos disponíveis em www.dgsi.pt):

- Acórdão de 25.5.2023, P 3465/20.0T8VIS-G.G1;
- Acórdão de 10.7.2023, P 690/14.7TBVVD-I.G1;
- Acórdão de 7.12.2023, P 2898/14.6TBBTG-W.G;
- Acórdão de 19.12.2023, P 26/14.7T8ALJ-R.G1.

O acórdão de 25.5.2023 atrás referido, relatado pelo aqui 2º adjunto, contém ainda o elenco de vária jurisprudência de outros Tribunais da Relação que decidiram no mesmo sentido, designadamente, os acórdãos:

 “- da RC de 22/09/2022, processo 2495/20.7T8ACB.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc;
- da RE de 29/09/2022, processo 260/14.0TBTVR.E1, consultável in www.dgsi.pt/jtre;
- da RC de 11/10/2022, processo 3947/08.2TJCBR-AY.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc, em que se seguiu o entendimento expresso no Ac. da RC de 22/09/2022, processo 2495/20.7T8ACB.C1, já referido.
- da RP de 11/10/2022, processo 2631/20.3T8OAZ-E.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp;
- da RC de 25/10/2022, processo 318/12.0TBCNT-V.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc; (...)
- da RL de 02/05/2023, processo 29823/11.3T2SNT-L.L1-1, consultável in www.dgsi.pt/jtrl.”

Acresce que esta questão tem também sido apreciada e julgada de forma constante pela 6ª secção do STJ, com competência especializada em matéria de insolvência, sendo de referir, os seguintes acórdãos (todos disponíveis em www.dgsi.pt):

- Acórdão do STJ, de 18.4.2023, P 3947/08.2TJCBR-AY.C1.S1, em cujo sumário se lê que:

“I- No cálculo da majoração da remuneração do administrador de insolvência, o valor de 5% referido no n.7 do art.23º do EAJ, com a redação dada pela Lei n.9/2022, não tem como objeto o montante total apurado para satisfação dos créditos (ou seja, o apurado depois de extraída a parcela correspondente à percentagem da remuneração variável prevista nos números 4 e 6 do art.23º).
II- Essa percentagem de 5% incide sobre o resultado de uma operação aritmética prévia destinada a apurar o “grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”;

- Acórdão do STJ, de 16.5.2023, P 453/11.1TBCDN-M.C1.S1, sumariado em termos idênticos ao acórdão anterior;

- Acórdão do STJ, de 2.11.2023, P 476/12.3TYLSB-K.L1.S1, em cujo sumário consta que:

No cálculo da majoração da remuneração variável do administrador de insolvência, o valor de 5% a que alude o n.º 7 do art. 23º do EAJ, na redacção atribuída pela Lei 9/2022, de 11 de Janeiro, incide sobre o resultado de uma operação aritmética prévia destinada ao apuramento do «grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos», em detrimento de ter como objecto o montante total apurado para satisfação dos créditos.”

Pelas razões e argumentos já sobejamente aduzidos e analisados de forma aprofundada e exaustiva nos acórdãos citados, também nós adotamos ser essa a forma de cálculo da remuneração variável majorada prevista no art. 23º, nº 7, do EAJ, pelo que sufragamos o entendimento maioritário de que no cálculo da majoração (de 5%) deve atender-se ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos e, assim, o valor da majoração deve ser encontrado mediante a aplicação do elemento de cálculo previsto na lei (5%) à percentagem dos créditos reclamados e admitidos que foi satisfeita.

Não se tratando de uma questão nova, mas antes de matéria em que a jurisprudência, inclusive a do STJ, já aponta uma linha de decisão maioritária e segura e uma vez que, no caso concreto, não existe qualquer razão argumentativa válida para divergir dessa solução, consideramos que se justifica aplicar o disposto no art. 663º, nº 5, 2ª parte, do CPC, e remeter para a fundamentação constante do Acórdão de 25.5.2023, P 3465/20.0T8VIS-G.G1 (relatado pelo aqui 2º adjunto e em que a 1ª adjunta interveio nessa mesma qualidade e sendo, no final, ordenado que se junte aos autos cópia de tal acórdão)  no que toca aos motivos pelos quais se deve sufragar a referida forma de cálculo da majoração da remuneração variável do AI.
*
Como deixámos antedito, a controvérsia no presente recurso consiste em saber como se deve efetuar o cálculo da majoração da remuneração variável do AI prevista no art. 23º, nº 7 do EAJ, sendo que o recorrente perfilha a posição minoritária, ao passo que a decisão recorrida adotou a posição dominante, a qual é também por nós sufragada.

Estando incontroverso que o montante dos créditos satisfeitos corresponde à quantia de € 109 778,10 e que os créditos reconhecidos têm o valor de € 205 231,87, a percentagem relativa ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos é de 53%, a qual se obtém pela divisão dos créditos satisfeitos pelo valor dos créditos reconhecidos (109.778,10€ : 205.231,87€ = 0.53). Assim, haverá que aplicar tal percentagem ao valor dos créditos satisfeitos e ao resultado obtido aplicar de seguida a percentagem de 5%, tal como consta da decisão recorrida.

Tendo a decisão recorrida aplicado a forma de cálculo correta à luz do art. 23º, nº 7, do EAJ, conclui-se que tem que ser confirmada e, consequentemente, improcede o recurso.
*
Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Tendo o recurso sido julgado improcedente na totalidade, é o recorrente responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação pelo recorrente.
Nos termos do art. 663º, nº 5, 2ª parte, do CPC, deverá ser junta cópia do acórdão de 25.5.2023, P 3465/20.0T8VIS-G.G1.
Notifique, com cópia deste acórdão e do proferido no P 3465/20.0T8VIS-G.G1.
*
Sumário (da responsabilidade da relatora, conforme art. 663º, nº 7, mas reproduzindo o sumário do acórdão para o qual se remeteu, nos termos do art. 663º, nº 5, 2ª parte, ambos do CPC):

I - No cálculo da majoração (de 5%) a que se refere o n.º 7 do art.º 23º do Estatuto do Administrador Judicial deve atender-se ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos e, assim, o valor da majoração deve ser encontrado mediante a aplicação do elemento de cálculo previsto na lei (5%) à percentagem dos créditos reclamados e admitidos que foi satisfeita.
II – Concretamente, “o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, é encontrado dividindo o montante correspondente aos créditos satisfeitos pelo valor correspondente aos créditos admitidos e, a seguir, multiplica-se o grau/percentagem assim obtido pelo montante correspondente ao valor dos créditos satisfeitos; ao resultado alcançado aplica-se a percentagem de 5% correspondente à majoração prevista no referido número 7 do art.º 23.º”.
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Guimarães, 29 de fevereiro de 2024

(Relatora) Rosália Cunha
(1º/ª Adjunto/a) Maria Gorete Morais
(2º/ª Adjunto/a) José Carlos Pereira Duarte