Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
944/16.8T8BGC.G1
Relator: MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
ADIAMENTO
RENÚNCIA AO MANDATO
FALTA DE ADVOGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A audiência final apenas pode ser adiada nas três situações referidas no nº 1 do art. 603º do C.P.C., a saber, impedimento do tribunal, falta de advogado quando a marcação da audiência pelo juiz não tiver sido efetuada mediante prévio acordo dos advogados e justo impedimento.
II- Não se verifica falta de notificação dos autores para a audiência final quando foi expedida carta de notificação para a morada constante da petição e estes nunca comunicaram aos autos qualquer mudança da sua morada como era seu dever.
III- A advogada estava obrigada a comparecer na audiência final de uma ação em que é obrigatória a constituição de mandatário, não obstante ter apresentado renúncia ao mandato 3 dias antes da mesma, uma vez que esta renúncia apenas produziria efeitos com a constituição de novo mandatário ou com o decurso do prazo de 20 dias.
IV- De modo algum ocorre violação do princípio do contraditório e/ou da igualdade das partes quando a mandatária dos autores esteve ausente da audiência final por facto que lhe é imputável e consequentemente não pôde pronunciar-se acerca da admissibilidade das declarações de parte do réu e acerca do teor destas.
V- A litigância de má-fé abrange a lide dolosa (que corresponde à violação das regras de conduta processuais de forma intencional ou consciente) e a lide temerária (que corresponde à violação das mesmas regras, mas com culpa grave ou erro grosseiro).
VI- Não ocorre litigância de má-fé numa situação em que o alegado na petição inicial possa ser qualificado de “frágil” e “ousado”, mas que, ainda assim, se pode inscrever na defesa de uma posição alicerçada em factos que os autores não lograram provar.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

A. M. e mulher, A. T., residentes na Rua …, nº .., em Vila Real, intentaram a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra E. R., residente na Rua …, Loteamento …, Lote …, Bragança, pedindo a condenação do réu a:

a) Reconhecer os autores como únicos donos e legítimos possuidores do imóvel, com composição, área, e demais elementos identificativos referidos no art. 1º e certidão emanada da C. R. Predial;
b) A abster-se de praticar quaisquer actos que impeçam ou diminuam os autores de exercitar em pleno o seu direito de propriedade sobre o imóvel identificado em 1º desta P.I.
c) A levantar a penhora e o cancelamento dos respectivos registos de penhora efectuada na C.R.Predial ... sob a ap. … de 23.3.2011 que consta do documento 2- sobre a fracção identificada em 1º desta p.i. e todos os ónus ou encargos que sobre aquela incidam, com as legais consequências.

Caso assim se não entenda e subsidiariamente:
d) A restituir aos autores, ou por quem for adjudicado, o valor por estes pago pela aquisição da fracção identificada em 1º desta p.i., tudo como alegado em 1º, 2º e 3º e de 34º a 37º que aqui se deixam por reproduzidos por razões de economia processual
e) Ainda a pagar aos autores a título de danos não patrimoniais o valor de € 5.000,00

Alegam, em síntese, que são proprietários da fracção C correspondente ao Rés-do-chão trás, poente do prédio urbano sito no Bairro de ..., freguesia e concelho de Mogadouro, inscrito na matriz predial sob o art. ...-C, e descrito na C.R.Predial ... sob o nº .../20010508, por o haverem adquirido verbalmente em finais de Agosto de 2002 a A. C. e a M. C., tendo realizado escritura de compra e venda em 26/10/2012. Esta aquisição está registada. Por outro lado, desde Agosto de 2002 que praticam actos próprios de proprietários sobre a referida fracção pelo que a adquiriram por usucapião.
Em meados de Julho de 2009 o réu procedeu ao arresto da fracção em causa. Confrontado pelo autor o réu comprometeu-se a não o prejudicar.
O réu instaurou acção de condenação contra Sociedade - Construções C. F., Lda., A. C., M. C., F. C. e I. F. tendo sido proferida sentença em 24/05/2010 – Proc. nº 271/09.7TBMGD. Esta sentença foi pelo réu dada à execução tendo nestes autos ocorrido a conversão do arresto em penhora. Os autores pretenderam deduzir oposição à execução e disso informaram o réu que para o evitar promoveu uma reunião com vista à obtenção de um acordo, o que aconteceu em 01/05/2011, tendo este se comprometido a suspender a execução, contudo tal acordo não foi reduzido a escrito, e o réu nunca o fez.
O réu sabia que a referida fracção não fazia parte do património dos devedores desde Agosto de 2002 e comprometeu-se em nunca prejudicar os autores, contudo requereu que a fracção lhe fosse adjudicada na execução. Deste modo exerceu abusivamente o seu direito. O pedido de adjudicação levou os autores a instaurar embargos de terceiro.
A petição inicial foi subscrita pelo Dr. J. C..
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O réu contestou dizendo ter, em 19/05/2006, celebrado com Sociedade - Construções C. F., Lda. um “contrato promessa de compra e venda, permuta e empreitada”, através do qual esta se obrigou a construir duas moradias, uma em Bragança, outra em Vila Real, até 19/05/2008.
Como esta obrigação não foi cumprida foi instaurada acção tendo a sociedade e os seus sócios sido condenados a pagar ao réu a quantia de € 300.000,00 acrescida de juros. Não tendo esta quantia sido paga o réu instaurou acção executiva – Proc. 271/09.7TBMGD-B. De facto, os autores deduziram embargos de terceiros, mas vieram a desistir da instância. Nos autos de reclamação de créditos – Apenso C – os autores reclamaram um crédito de € 400.000,00 com base numa escritura de “Confissão de Dívida e Hipoteca” outorgada pela sociedade executada em 08704/2011.
Esta mesma escritura foi apresentada pelos mesmos autores no processo de insolvência nº 54/14.2TBMGD-C, no qual foram declarados insolventes A. C. e M. C..
Esta escritura teve por objectivo evitar que o réu fosse ressarcido e indemnizado sendo que nesta escritura foram dados à hipoteca os mesmos bens penhorados e o valor da dívida é equivalente ao valor da quantia exequenda e juros.
Esta escritura de confissão de dívida é, assim, falsa, tal como a invocada compra e venda. Os AA agiram em conluio com os executados
Os autores litigam de má-fé, pois alegaram dolosamente factos que sabem não corresponder à verdade com a consciência que causavam prejuízos ao réu ao longo de 10 anos, o que quiseram. Mais fizeram um uso reprovável do processo
Termina pedindo a condenação dos autores como litigantes de má-fé no pagamento de multa e de indemnização a favor do réu em valor não inferior a € 5.000,00 decorrente dos danos não patrimoniais sofridos e patrimoniais ainda não contabilizados.
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Foi realizada audiência prévia, onde foi proferido despacho saneador, fixado o valor da acção, identificado o objecto do litígio, foram enunciados os temas de prova, admitidos os requerimentos probatórios e designada data para julgamento.
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Em 04/05/2017 os autores revogaram o mandato conferido ao Dr. J. C..
Em 29/05/2017 os autores juntaram aos autos procuração a favor da Dra. C. A..
Em 05/09/2017 esta advogada substabeleceu no Dra. J. C..
Em 08/03/2018 os autores revogaram, uma vez mais, o mandato conferido ao Dr. J. C..
Por despacho de 22/06/2018 foi declarada suspensa a instância uma vez que os autores não constituíram advogado.
Por despacho de 21/02/2019 verificou-se que os autores não haviam sido notificados da revogação do mandato.
Por despacho de 18/03/2019, face à frustração de notificação dos autores, foi ordenado que se diligenciasse pela obtenção do domicílio dos autores nas bases de dados, mas não chegou a ser tentada a mesma na morada apurada.
Entretanto, em 25/03/2019, a Dra. R. B. juntou aos autos procuração outorgada pelos autores a seu favor.
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Ao longo do processo por várias vezes foi designada data para julgamento, o qual não teve lugar por várias razões.
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Por despacho de 20/11/2019 foi designado o dia 06/01/2020 para audiência de julgamento.
Deste despacho foram notificados os mandatários, sendo que estes nada disseram quanto à data.
Foram igualmente expedidas cartas de notificação das partes, sendo que, no caso dos autores, foram-no para a morada constante da p.i., cartas essas que vieram devolvidas com a menção “Não reclamado”. Desta devolução foi notificada a mandatária dos autores em 18/12/2019 que nada disse.
Em 03/01/2020 a mandatária dos autores, Dra. R. B., apresentou renúncia à procuração alegando motivo de doença. A mesma notificou o mandatário do réu.
No mesmo dia foram os autores notificados da renúncia para a morada constante da p.i..
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No dia 06/01/2020, pelas 09H30, constatou-se que apenas estava presente o réu, i.e., não estavam presentes os mandatários, os autores, nem as testemunhas arroladas por estes (as testemunhas arroladas pelo réu estavam notificadas para as 14H).

No início desta audiência foi proferido o seguinte despacho:

“Impõe-se antes de mais tomar posição acerca do requerimento de renúncia ao mandato por motivo de doença que foi junto aos autos pela Ilustre Mandatária dos Autores. Nos termos do art.º 47º n.º 2 do CPC, os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, ou seja, nos casos em que seja obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias, suspende-se a instância, se a falta for do autor ou do exequente. Significa isto que os efeitos da renúncia só se produzem com a notificação da mesma à parte ao mandante e mantém-se o mandato no prazo de 20 dias previsto no n.º 3 ou pelo menos até a constituição de novo mandatário se essa constituição ocorrer antes desse prazo. No caso dos autos verifica-se que a renúncia ao mandato foi oficiosamente notificada aos mandantes por cartas remetidas em 3 de janeiro de acordo com informação que consta no “citius” pelo que ainda não produziu os seus efeitos ou pelo menos não consta dos autos que essa notificação já tenha ocorrido. Assim sendo não tendo ainda produzido os seus efeitos a renúncia ao mandato este permanece pelo que a Ilustre Mandatária renunciante continua como Mandatária dos Autores nestes autos. Quanto à invocada doença nada se alega a propósito da sua natureza, se foi súbita, se já ocorria, se é impeditiva da comparência em Tribunal, pelo que não é suficiente a mera invocação da doença para fazer operar o instituto do justo impedimento estabelecido no art.º 140º n.ºs 1 e 2 do CPC e com remissão do art.º 603º n.º 1 do CPC. Assim sendo, nem a falta da Ilustre Mandatária dos Autores, nem a falta do Ilustre Mandatário do Réu constituem fundamento para o adiamento da audiência, na medida em que a data da audiência foi agendada com o acordo dos Ilustres Mandatários. Determina-se, pois, o prosseguimento da audiência.
No entanto constatando-se que nenhuma das testemunhas arroladas pelos Autores compareceu, sendo certo de que a sua comparência devia ter sido assegurada pela parte, o Tribunal determina a suspensão da audiência até a sessão da tarde que terá início às 14:00horas, nos termos previstos no despacho que determinou a programação dos atos da audiência.”
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Pelas 11H34m deu entrada um requerimento subscrito pelo mandatário do réu requerendo a prestação de declarações de parte por este. Pelas 12H37m deu entrada novo requerimento subscrito pelo mesmo mandatário indicando a matéria à qual o réu devia prestar declarações.
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Pelas 14H30 apenas se encontrava presente o réu e foi proferido o seguinte despacho:

“Considerando o disposto no art.º 466º do CPC admite-se a prestação de declarações de parte pelo Réu à matéria requerida.”
Após, o réu pediu a palavra e, tendo-lhe sida concedida, no seu uso requereu a ampliação das suas declarações de parte aos art.º 28º a 41º, 44º a 56º da petição inicial.
Foi proferido novo despacho a admitir as declarações a esta matéria.
O réu prestou declarações.
Após, foi proferido despacho a ordenar que os autos fossem conclusos a fim de ser proferida sentença.
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Em 08/01/2020 foram devolvidas as cartas remetidas aos autores com a renúncia de mandato com a menção “Mudou-se”. Dessa devolução foi notificada a Dra. R. B..

Em 09/01/2020 foi proferido o seguinte despacho:

“Em complemento da notificação já efectuada para conhecimento da devolução das cartas remetidas aos AA. para notificação da renúncia ao mandato, notifique-se novamente a ilustre mandatária renunciante para, no prazo de 10 dias, vir aos autos indicar a morada dos seus constituintes.”
Em 20/01/2020 esta veio indicar a seguinte morada dos autores: Rua … nº … Porto.
Na mesma data, e para esta morada, foram os autores notificados da renúncia do mandato. Em 13/02/2020 foram juntos aos autos os avisos de recepção.
Em 19/02/2020 os autores apresentaram procuração a favor do Dr. P. C..
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Em 26/08/2020 (conclusão de 26/02/2020) foi proferida sentença, cuja parte decisória, na parte que interessa, reproduzimos:
“Perante tudo o que exposto fica decide-se:
a) Julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente acção e, em consequência, absolver o R. E. R. dos pedidos, principal e subsidiário, contra si formulados pelos AA. A. M. e A. T.;
b) Julgar improcedente a arguição de litigância de má fé por parte dos AA. A. M. e A. T. e, em consequência, absolvê-los do pedido indemnizatório contra os mesmos formulado pelo R. E. R.. (…)”.
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Não se conformando com esta sentença veio o réu dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1- A douta sentença quando argumenta para decidir pela improcedência da litigância da má-fé com o fundamento de que em tese a pretensão dos autores “era defensável, caso tivessem provado a aquisição verbal do imóvel e os actos de posse invocados. Fica por demonstrar que os autores dolosamente ou com grave negligência, tivessem deturpado ou omitido factos com vista a alcançar uma pretensão ilegítima, contrária ao direito... do exposto se conclui que não evidenciam os autos que os autores tivessem litigado de má-fé, improcedendo nesta parte a pretensão do réu."
2- Olvidou completamente que, no caso sub judice, já não poderia ser apreciada a situação processual dos autores em tese, mas, na realidade processual, que tinha em mãos, que é bem concreta e objectiva e não hipotética.
3- Isto porque, ao decidir-se assim, tal decisão vai contra a prova documental junta pelo réu, que demonstra exactamente o contrário. Ou seja, de que não podia haver compra verbal nem actos de posse.
4- Nos art. 1º, 2°, 3°, 4° da PI alegaram os AA. uma compra verbal em Agosto de 2002.
5- Os AA. sabem que não é verdade.
6- Primeiro, em relação ao alegado pagamento que dizem ter feito por meio de cheque: Ninguém, de normal diligência desembolsa € 60.000,00, sem qualquer tipo de prova desse pagamento.
7 - Agora, o que é lógico, normal e até pertence às regras de experiência comum que não se desembolse tanto dinheiro sem qualquer prova documental idónea.
8- Muito menos, dois Magistrados do MP, ele, com mais de 35 anos de carreira profissional.
9- Pessoas com conhecimentos jurídicos e de diligência acima da média seguramente. Até porque os vendedores entretanto podiam vender a outra pessoa, ou, sofrer um acidente que os impossibilitasse de cumprir, sofrer uma amnésia etc .. etc.
10- Da impossibilidade material e jurídica da alegada compra verbal, admitida como possível em tese pela douta sentença.
11- Existe um documento autentico nos autos (completamente olvidado pela sentença) junto no dia 28/5/2018 pelo de Município de …. Através do qual, podemos ver a trajectória da construção do prédio onde se localiza esta fracção. Ou seja, Os vendedores/construtores/executados/insolventes e amigos dos autores em 11/11/2001 deram entrada do projecto da sua construção; em 14/3/2002 foi indeferido o pedido de aprovação do projecto; em 14/3/2012 foi ordenado o embargo das obras; em 15/3/2002 foi justificado o embargo com base na inexistência de licença das obras; apenas em 13/9/2007 foi aprovado o projecto e levantado o embargo; só em 25/0112008 foi emitido alvará de construção; em 6/5/2008 foi emitida a certidão de constituição de propriedade horizontal; apenas em 4/6/2008 foi emitido alvará de utilização.
12- Este documento demonstra inequivocamente à saciedade da impossibilidade da realização de qualquer compra, mesmo verbal.
13- Daí a mentira que constitui tal alegação. Isto porque não é possível comprar uma coisa que ainda não tem existência física e logo por consequência jurídica.
14- Os autores alegam no art. 2° da sua douta petição que compraram a fracção verbalmente em agosto de 2002. Pois, apenas em 13/9/2007 (como consta do referido doe.) foi aprovado o projecto da construção. Projecto, que tinha dado entrada no Município apenas em 11/11/2001.
15- No fundo os autores compraram a fracção 5 anos antes de ser aprovado o projecto. Por isso, compraram um imóvel sem existência jurídica e tisica.
16- Ora, um imóvel sem existência física é insusceptível de ser coisa, pelo que não pode ser objecto de relações jurídicas, como é o caso da alegada compra.
17 - Tudo isto é do conhecimento dos dois juristas com larga experiência como são seguramente os autores. Por isso a responsabilidade dos seus actos é maior e o dolo é mais intenso.
18- Mas, o mais grave foi alegado nos artigos nº 14° a 25° da douta PJ. Esta alegação é impossível de ter acontecido. Já vimos que a fracção não existia física e por consequência juridicamente. Pois, o que existia era um lote de terreno, o qual nem licenciado se encontrava. E já os autores, digníssimos Magistrados do MP exerciam a posse com todas as características previstas nos artigos 1251° e ss. do C.C. com vista à aquisição por usucapião, imagine-se.
19- Atentemos no teor dos referidos artigos da P.I alegados com vista à aquisição originária da fracção.- art. 14°, "Desde Agosto de 2002, data da aquisição pelos autores, da referida fracção, até ao presente vêm vem praticando actos de verdadeiros proprietários" .
20- A seguir discriminam esses atos: art. 15°- "Pagam as contribuições .. " art, 16°-"providenciam a manutenção e conservação do imóvel… limpam, pintam, reparam e concertam ... "art 24° - "pelo que os autores como os seus antecessores e anteriores proprietários do prédio referido e 1 desta P.I. sempre exerceram uma posse efectiva que é publica, pacífica, contínua e de boa-fé, desde há mais de 20 anos até hoje." Art. 25°-"Razão pela qual sempre radicaria o identificado prédio na totalidade dos autores por via da usucapião, que para os efeitos legais se invoca". Sic. Pagavam as contribuições!!!, de quê? onde estão os documentos? Providenciavam a manutenção e conservação do imóvel, limpam, PINTAM, REPARAM E CONSERTAM o quê? Senhores Desembargadores.
21- Nessa altura só se pintassem um monte de silvas que lá floresciam, do que se recorda o réu que ali passou muitas vezes.
22- O réu não podia deixar de transcrever o que considera de uma gravidade sem paralelo, na prática judiciária de que o réu tem memória, agravada e ampliada porque foi proferida não só por dois juristas, mas fundamentalmente por dois magistrados do M.P. com muita antiguidade, com larga experiência e com acrescidas responsabilidades profissionais.
23- Aliás, o que vêm fazendo em várias acções desde 2013, data da instauração dos embargos de terceiro, reclamação de créditos quer na insolvência, quer na execução, e agora com a presente acção. Vide docs juntos.
24- Isto porque, os executados através das referidas escrituras falsas, transferiram para eles todos os bens que possuíam, com o fito de obstar a que o réu fosse ressarcido pelo produto dos bens penhorados.
25- Isto mesmo, imagine-se depois do réu ter registado a penhora. Não se coibindo de comprar a fracção já penhorada, sem nela alguma vez falar.
26- E, apenas na acção referente á reclamação de créditos na execução, foram condenados como litigantes de má-fé em quantia simbólica é certo, a qual, nem tinha sido pedida pelo réu, embora tivesse pugnado pela sua condenação como litigantes de má-fé, em multa processual.
27- Mas mais, os autores alegam que compraram verbalmente em agosto de 2002. Isto significa que compram os dois. E que, portanto, pretenderam com tal compra uma situação de compropriedade,
28- Mas o que não deixa de ser muito estranho é o seguinte: Os autores apenas casaram um com o outro em 7 de agosto de 2010 vid. Assento de casamento junto como doc. nº 32 e com convenção antenupcial, no regime de separação de bens.
29- Então, os autores estabelecem e realizam negócios em compropriedade, (nem sabemos se já se conheciam) e como casados optam pela incomunicabilidade dos seus patrimónios presente e futuro. Não faz sentido, não é lógico e vai mesmo contra as regras de experiência comum.
30- O teor, dos artigos 29° a 32°, embora não provados são ofensivos. Vide docs juntos.
31- Foi esse conhecimento que levou o réu a confiar no autor marido e a cancelar o arresto de seis frações na dita execução a pedido do A. marido acompanhado dos executados com uma promessa, mais uma, de que cumpririam o contrato que com o réu tinham estabelecido em 2006.
32- Os AA. encetaram contra o réu em substituição dos executados, através da escritura publica desta fracção e de uma outra escritura pública denominada de "confissão de dívida com hipoteca voluntária de € 400.000,00" vide doc. n° 7 e 8, 9, 10, 20, 28, 34, 35, 38 etc ... juntos com a contestação. Ambas as escrituras públicas realizadas depois dos arrestos e da conversão dos arrestos em penhora.
33- Também deveria ter sido considerado pela douta sentença como mentira e alegação com dolo directo e intenso o facto inserto no art. 33° da P:I, de resto até, escrito a negrito,
34- Isto, porque, se encontra provado que, ao contrário do que alegam a negrito, que, efectivamente instauraram uns embargos de terceiro os quais, correram termos apensos à referida execução vide doc. nº 38 junto pelo réu. Dos quais, vieram a desistir (a conselho de alguém) cfr. doc. n° 23.
35- Analisando a PI dos referidos embargos que versam exactamente sobre a mesma situação de facto destes autos, podemos ver a discrepância entre as duas petições sobre a mesma situação de facto e jurídica.
36- Isto, também ajuda a perceber o modo de litigar dos autores em cada momento e em cada circunstância diferentes.
37- Bem como a forma como tratam a Instituição Tribunal, onde trabalham todos os dias exercendo uma função que tem como missão cumprir e fazer cumprir a lei em ordem à defesa do estado de direito.
38- A matéria dos art.°s 34° a 42° também deveria ter sido analisada pela douta sentença com referido fito, uma vez que havia nos autos vasta documentação que prova o contrário do alegado.
39- O doc. n° 7 "Escritura de confissão de dívida com hipoteca voluntária" conforme teor dessa escritura pública podemos verificar que a firma executada através dos seus únicos sócios e também executados confessam-se devedores aos autores de € 400.000,00 €. a pagar em dois anos e sem juros.
40- Ou seja, os autores emprestaram a referida importância a uma firma que passados dois anos foi declarada insolvente. E tal firma deu de garantia todo o património societário e até o património pessoal dos seus sócios e também executados.
41- Patrimónios, esses, que coincidem com os bens que o réu tinha penhorado na execução.
42- Bens, esses, que foram apreendidos para a massa na referida insolvência obrigando o réu a instaurar a ação, vide doc. n° 20 com vista a anular a referida apreensão.
43- Existe vasta documentação nos autos demonstrativa de como os autores se encontram conluiados com os executados com vista a prejudicar o réu.
44- Por isso, o réu alegou com provas credíveis e seguras de que, a escritura desta fracção, bem como, a de confissão de dívida são materialmente falsas.
45- Porque o seu conteúdo não corresponde á verdade. De tal forma isto é verdade, que os autores reclamaram créditos no referido processo executivo estribando a sua pretensão com base na referida escritura vide. Doc. n° 6-A fls. 105.
46- E para não se submeterem a julgamento, pois, não tinham prova da veracidade do conteúdo dessa escritura de que tinham emprestado € 400.000.00 à firma executada pagaram ao réu uma quantia que nem sequer tinha sido peticionada por ele, meramente simbólica de € 1. 500,00, em sede de audiência de julgamento - vide doc. junto a fls. 534.
47- De resto o processo apenas seguiu para julgamento para apurar a litigância de má-fé. De facto, tudo isto não se compadece com a profissão exercida pelos autores. Como é que dois magistrados do M.P. emprestam tanto dinheiro a uma firma sem o provarem.
48- Aliás, um pouco à semelhança de que acontece com os presentes autos. Pensa fundadamente o réu, que só não foi julgada de mérito em sede de audiência prévia devido à alegada litigância de má-fé.
49- Os artigos 44° e ss. também deveriam ter sido considerados para efeito da litigância de má-fé. Isto porque se encontra demonstrado o contrário no teor dos documentos juntos aos autos pelo réu.
50-Da nulidade da decisão:
A decisão objecto do presente recurso (litigância de má-fé) não se encontra fundamentada nem de facto nem de direito em nenhum dos segmentos decisórios. Isto porque, salvo melhor opinião não se referiu, ou, mencionou qualquer dos elementos processuais ou outros, que estiveram na base da douta decisão, não sabendo o recorrente qual o raciocínio lógico, indutivo que levou à absolvição dos autores.
51-Dispõe o art° 154º, nº 1, do CPC, que "as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas".
52-Postula o art° 205, nº 1, da C. Rep. Portuguesa que "as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Pugna pela declaração de nulidade da decisão recorrida e pela substituição por outra que condene os autores como litigantes de má-fé numa indemnização não inferior a € 5.000,00.
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Os autores interpuseram recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1. Foi violado o n.º 1 do art.º 220.º do C.P.C., conjugado com o n.º 2 do art.º 247.º do C.P.C., por o Tribunal não ter, efectivamente, notificado os AA., aqui Apelantes, para a realização da Audiência de Discussão e Julgamento e, ao ter prosseguido com a Audiência de Julgamento o Tribunal omitiu uma formalidade essencial - o dever de notificação às partes para comparecer em diligência processual em que tenham o direito a assistir e intervir, a Meritíssima Juiz deveria ter procedido à notificação dos AA. da data para a realização da Audiência de Discussão e Julgamento.
2. O Tribunal violou o disposto no art.º 3.º do C.P.C., porquanto, ao continuar com a audiência de julgamento sem Mandatários não deu oportunidade aos AA., aqui Apelantes, de se pronunciarem sobre as questões de facto ou de Direito, pelo que deveria, sempre, esta norma ser interpretada e aplicada no sentido de suspender a instância.
3. O Tribunal violou o disposto no art.º 4.º do C.P.C., pois não assegurou o Princípio da Igualdade das Partes, designadamente no exercício de faculdades e no uso de meios de defesa, ao ter admitido a realização da Audiência de Julgamento sem que os Apelantes estivessem presentes, bem como, da presença de Mandatário.
4. Violou o Tribunal o disposto no art.º 40.º, porquanto nestes autos está em causa uma acção declarativa que é susceptível de recurso ordinário, sendo que a representação das partes por mandatário é obrigatória ao longo de todo o processo, ao não ter assim procedido, e prosseguindo com a realização de Julgamento sem Mandatários, violou a citada disposição legal, deveria ter sido agendada nova data.
5. A Meritíssima Juiz fez uma errada interpretação do n.º 2, al. a) do n.º 3 do art.º 47.º do C.P.C., ao não ter suspendido a instância no momento em que ordenou a notificação pessoal da renúncia aos Mandantes, aqui Apelantes.
6. Sendo uma Acção em que é obrigatória a constituição de Mandatário a Meritíssima Juiz deveria ter agendado nova data para a realização do Julgamento e ter em conta, nesse agendamento, o prazo legal para a constituição de mandatário pelos Apelantes.
7. Foi violado o disposto no n.º 1 do art.º 603.º do C.P.C., por não se encontrarem presentes os Mandatários das partes e ser obrigatória a sua constituição, tendo o art.º 40.º do C.P.C. sido erradamente interpretado, pois realizou-se um Julgamento sem que as partes se encontrassem representadas por Mandatário.
8. Foi violado o n.º 2 do art.º 604.º do C.P.C., porquanto, ao não terem sido notificados os AA. da data para a realização da Audiência de Discussão e Julgamento, ficaram estes impedidos da realização da tentativa de conciliação e de mais actos a praticar na Audiência final, nomeadamente podendo pedir as sua Declarações de Parte conforme o previsto no art.º 466.º do C.P.C..
9. O Tribunal violou o disposto no n.º 2 do art.º 466.º e n.º 2 do 452.º, ambos do C.P.C., ao ter admitido as declarações de parte do R. através de requerimento apresentado pelo seu mandatário via Citius, sendo que, entendem os Apelantes que deveria ter sido indeferido o requerimento do R. e a sua ampliação por omissão das formalidades legais a que se encontrava obrigado.
10. O tribunal ao violar todas estas disposições legais e preterindo as formalidades legais nelas contidas, facto que determina a verificação de várias nulidades e irregularidades nos termos do n.º 1 e n.º 2 do art.º 195.º do C.P.C., tratando-se aqui de omissões susceptíveis de influir na boa decisão da causa, nulidade essa que se requer que seja declarada, bem como, a anulação de todo o processado desde a falta de notificação aos Apelantes do dia hora e local para a realização da Audiência de Discussão e Julgamento.
11. O não cumprimento do disposto no art.º 40.º e n.º 2 do art.º 47.º, do C.P.C., no n.º 1 do art.º 220.º e no n.º 2 do art.º 247.º, determinam a verificação de nulidades e irregularidades insanáveis nos termos do n.º 1 e n.º 2 do art.º 195.º do C.P.C., já que se tratam de omissões susceptíveis de influir na boa decisão da causa, nulidades essas que se requer que sejam declaradas, bem como, a anulação de todo o processado, e consequentemente, ser declarada nula toda a prova produzida desde as omissões cometidas e, por fim, ser declarada nula a Sentença e de nenhum efeito.
12. Mesmo admitindo a tramitação processual adoptada pela Meritíssima Juiz, o que com o devido respeito não se concede, no caso aqui em mérito, sempre em obediência ao art.º 6.º e art.º 547.º do C.P.C., tendo em vista o princípio da boa Gestão Processual e Adequação Formal, deveria ter sido adoptada uma tramitação processual que garantisse um processo justo e equitativo, o que nestes autos não se verificou.”
Pugnam pela declaração das nulidades, pela revogação da sentença ordenando a realização de novo julgamento.
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Pelos autores foram apresentadas contra-alegações.
Nestas pronunciaram-se pela inadmissibilidade do recurso porquanto o réu recorrente não indica as normas violadas, o sentido que tais normas devem ser interpretadas e aplicadas (art. 637º, nº 1, 2, 3 e 639º do C.P.C.); não observa o disposto no art. 629º nº 1 do C.P.C. e não observa o disposto no art. 640º nº 1 do C.P.C.. Caso assim não se entenda referem que a decisão recorrida não enferma de falta de fundamentação de facto e de direito.
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O Tribunal pronunciou-se no sentido da decisão não padecer de nulidades.
O recurso do réu foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foi indeferido o efeito suspensivo requerido pelos autores no seu recurso e este foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., as questões a decidir são:

A) No que concerne a apelação dos autores apurar se existe fundamento para anular a sentença recorrida;
B) Quanto à apelação do réu apurar se é de condenar os autores como litigantes de má-fé.
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II – Fundamentação

Foram considerados provados os seguintes factos:

Da petição inicial

1- Encontra-se inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de Mogadouro, desde o ano de 2008, sob o artigo matricial ...-C e descrito na C.R. Predial ..., desde 18/09/2008, sob a descrição nº .../20010508-C, um prédio urbano designado fracção C correspondente à habitação de tipo T2, no rés-do-chão trás, poente, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado no Bairro de ..., freguesia e concelho de Mogadouro, que confronta de Norte com A. S., de Sul, Nascente e Ponte com a Rua Pública, com o valor patrimonial de € 40.260,00 (cf. certidão matricial e certidão da Conservatória do Registo Predial, juntas com a petição inicial como docs. 2 e 3).
2- No dia 26/10/2012, no Cartório Notarial de …, foi celebrada escritura pública de compra e venda, cuja cópia consta de fls. 53 a 55 e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido, mediante a qual A. M., ora autor, outorgando por si e na qualidade de procurador de A. C. e mulher, M. C., declarou que, na indicada qualidade, pelo preço de € 60.000,00, já recebido, vende a si próprio, A. M., a fracção autónoma designada pela letra “C”, correspondente a uma habitação no rés-do-chão trás poente, tipo T-2, um lugar de garagem localizado na cave com acesso directo pela rua pública, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito no Bairro de ..., freguesia e concelho de Mogadouro, descrito na C.R. Predial ..., sob o nº .../Mogadouro, afecto ao regime da propriedade horizontal, pela inscrição Ap. 6 de 2008/09/18, inscrito na respectiva matriz sob o art. ..., inscrita a favor dos vendedores pela inscrição Ap. 3 de 2001/10/10, com o valor patrimonial tributário de € 40.270,00 e sobre a qual incide um arresto registado pela inscrição Ap. 2883 de 2009/07/22 e uma penhora registada pela inscrição Ap. 2925 de 2011/03/29; e acrescentou que para si aceita a presente venda nos termos exarados e que a presente aquisição já se encontra registada provisoriamente em seu favor pela inscrição Ap. 2277 de 2012/04/26 (cf. escritura pública junta como doc. 1 à petição inicial, constante de fls. 53 a 55 dos autos).
3- O prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito no Bairro de ..., freguesia e concelho de Mogadouro, descrito na C.R. Predial ..., sob o nº .../20010508, afecto ao regime da propriedade horizontal pela inscrição Ap. 6 de 2008/09/18, e inscrito na respectiva matriz sob o art. ..., encontrava-se inscrito a favor de A. C. e M. C., por compra a A. A. e M. B., pela inscrição de aquisição Ap. 3 de 2001/10/10 (cf. certidão do registo predial junta como doc. 2 com a petição inicial).
4- A compra e venda referida em 2 foi registada provisoriamente a favor do A. A. M., casado com A. T. no regime de separação de bens, pela inscrição Ap. 2277 de 2012/04/26, convertida em definitiva pela Ap. 3666 de 2012/10/26 (cf. certidão do registo predial junta como doc. 2 à petição inicial).
5- A construção do edifício referido em 3 foi alvo de embargo administrativo determinado pela Câmara Municipal de …, em 15/03/2002, por estar a ser executada sem licença de construção ou autorização, embargo esse que perdurou até 13/09/2007, data em que foi aprovado o projecto de construção do edifício e declarada caducidade do embargo (cf. auto de embargo junto a fls. 425/426 e ofício da Câmara Municipal de … de fls. 372/373).
6- Em 4/6/2008 foi emitido o alvará de licença de utilização nº 37/08 referente ao edifício referido em 5, com as seguintes utilizações: fracção A – comercial; restante fracções B,C,D, E, F, e G - habitação (cf. cópia do alvará de licença de utilização, junto como doc. 39 à contestação, constante de fls. 291).
7- Em Julho de 2009 o réu, arrogando-se ser credor de A. C. e de M. C. e da empresa Construções C. F., de quem aqueles eram seus sócios, e antes da propositura da acção, procedeu ao arresto de bens destes, incluindo a fracção identificada em 1, arresto esse registado na C.R.Predial através da inscrição Ap. 2883 de 2009/07/22 (cf. certidão do registo predial junta como doc. 2 à petição inicial).
8- O réu instaurou acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário a que coube o nº 271/09.7TBMGD contra a Sociedade - Construções C. F. Lda., A. C. e mulher, M. C., e F. C. e mulher, I. F., pedindo a condenação destes a pagarem-lhe, a título de indemnização pelo incumprimento do contrato, a importância de € 300.000,00, acrescida de juros moratórios e compulsórios (cf. cópia parcial da sentença proferida no processo 271/09.7TBBMGD, junta como doc. 1 à contestação e constante de fls. 123 a 125).
9- Na referida acção foi proferida sentença pela qual foram os réus Construções C. F. Lda., A. C. e mulher, M. C., e F. C. e mulher, I. F., condenados solidariamente a pagarem ao ali autor E. R. a quantia de € 300.000,00 (trezentos mil euros), acrescida de juros de mora civis, vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva, desde a citação até integral pagamento, e juros à taxa de 5% ao ano desde o trânsito em julgado, a título de sanção pecuniária compulsória, nos termos do artigo 829º-A nº 4 do Código Civil (idem).
10- O réu veio a dar à execução aquela sentença, convertendo o arresto dos bens em penhora, incluindo a do apartamento identificado em 1, penhora essa registada sob a inscrição nº Ap. 2925 de 2011/03/29 (cf. certidão do registo predial junta como doc. 2 à petição inicial).
11- O réu elaborou pelo seu punho e assinou um documento onde declarou: "E. R., declaro que após o decurso do prazo de contestação da penhora dos bens da firma C. F. e pessoais F. Lda., irei requerer ao tribunal a suspensão da execução porque neste momento ainda se mantém negociações para uma solução amigável da questão. Mogadouro, 1 de Maio de 2011." (cf. cópia da declaração junta como doc. 5 da petição inicial, constante de fls. 56, cuja letra e assinatura não foi impugnada pelo réu).
12- O réu foi ao referido processo de execução requerer a adjudicação dos bens penhorados e também da fracção referida em 1 (cf. cópias de edital de venda e auto de abertura de propostas e adjudicação, juntos como docs. 3 e 4 à contestação, constantes de fls. 130 a 137).
13- Os autores, vieram, na data da adjudicação, deduzir embargos de terceiro, o processo apenso n.º 271/09.7TBMGD-D, mediante articulado cuja cópia consta de fls. 285 a 290 e aqui se considera integralmente reproduzido, o que obstou a que o imóvel escrito em 1 tivesse sido, nessa data, adjudicado ao réu no processo de execução conjuntamente com os outros bens, "Embargos de Terceiro" que, porém, terminaram por desistência da instância (cf. auto de abertura de propostas e adjudicação, a fls. 136, acta da audiência final nos embargos de terceiro contendo a sentença de homologação da desistência da instância junta como doc. 23 à contestação e constante de fls. 240 a 242, e articulado de embargos de terceiro junto como doc. nº 38 à contestação e constante de fls. 285 a 290).

Da contestação

14- O réu estabeleceu com a sociedade "Construções C. F. Lda" um contrato de promessa de compra e venda, permuta e empreitada no dia 19/05/2006 através do qual aquela se comprometeu, além do mais, a construir duas moradias unifamiliares, uma em Bragança e a outra em Vila Real, fixando-se a data limite das construções 19/05/2008 (cf. cópia parcial da sentença proferida no proc. 271/09.7T8TBMGD junta com doc. 1 à contestação e constante de fls. 123 a 125, conjugada com o teor do depoimento/declarações de parte do R., Dr. E. R., que esclareceu os termos do negócio).
15- Como os executados não cumpriram o réu teve necessidade de interpelar os seus sócios, A. C. e F. C., várias vezes e por diversas formas, através de contacto telefónico, pessoalmente, por carta, resultando tais diligências infrutíferas, razão pela qual instaurou a acção referida em 8 (cf. cópia de correspondência registada remetida pelo réu à sociedade Construções C. F., Lda. acerca do incumprimento do negócio celebrado junta como doc. 2 à contestação e constante de fls. 126 a 129, em conjugação com as declarações de parte do R.).
16- Os ora AA vieram aos autos de Reclamação de Créditos apensos à execução, proc. n° 271/09.7TBMGD-C, mediante articulado cuja cópia consta de fls. 143 a 146 destes autos e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido, deduzir reclamação de um crédito no valor de € 400.000,00, com base numa escritura de "Confissão de Dívida e Hipoteca" outorgada em 08/04/2011 pela sociedade executada "Construções C. F. Lda.” representada por A. C. e F. C. e pelos executados A. C., M. C., F. C. e I. F., como primeiros outorgantes e pelos ora autores A. M. e A. T., como segundos outorgantes, escritura essa que consta de fls. 147 a 152 e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido (cf. articulado de reclamação de créditos e escritura de confissão de dívida e constituição de hipoteca, juntos com a contestação como docs. 6-A e 7, e constantes, respectivamente, a fls. 143 a 146 e 147 a 152).
17- Por meio da referida escritura a sociedade "Construções C. F. Lda.”, por intermédio dos seus representantes A. C. e F. C., declarou que se confessava devedora aos segundo outorgantes, da importância de € 400.000,00, que dos mesmos recebeu de empréstimo, sem juros, pelo prazo de dois anos; e declararam todos os primeiros outorgantes que, para garantia daquela quantia, hipotecam a favor dos segundos outorgantes, os seguintes imóveis:
-VERBA UM: Fracção autónoma, designada pela letra "J", correspondente a uma habitação no rés-do-chão direito e arrumo no vão de cobertura, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito no …, Lote nº .., descrito na C.R. Predial de …, sob o nº …/Bragança (…), afecto ao regime da propriedade horizontal, pela inscrição Ap. 3 de 2007/01/03, inscrito na respectiva matriz sob o art. …, inscrita em favor da sociedade pela inscrição AP. 2 de 2005/01/25, sobre a qual incidem duas hipotecas registadas pelas Ap. 19 de 2005/02/23 e Ap. 6 de 2008/01/29, quatro penhoras registadas pelas Ap. 2172 de 2009/05/04; Ap. 4684 de 2009/05/13; Ap. 3013 de 2011/02/10 e Ap. 2925 de 2011/03/29 e um arresto registado pela Ap. 2020 de 2009/07/17.
VERBA DOIS: Metade indivisa do prédio rústico, "…", composto por cultura arvense, descrito na C.R. Predial ..., sob o nº …, inscrita a referida proporção em favor dos primeiros outorgantes identificados na alínea a) pela inscrição AP. 1 de 2008/07/04, inscrito na respectiva matriz sob o art. …, sobre o qual incide um arresto registado pela Ap. 2020 de 2009/07/17 e uma penhora registada pela Ap. 2925 de 2011/03/29.
VERBA TRÊS: Fracção autónoma, designada pela letra "C", correspondente a uma habitação do tipo T-Um, 1° Esqº, composta por uma cozinha, uma lavandaria, um hall, uma sala, uma casa de banho, um quarto de dormir, um terraço e um lugar de garagem localizado na cave, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito no Bairro de ..., descrita na C.R. Predial ..., sob o nº .../Mogadouro, afecto ao regime da propriedade horizontal, pela inscrição Ap. 6 de 2008/09/18, inscrito na respectiva matriz sob o art. …, inscrita em favor dos primeiros outorgantes identificados na alínea a) pela inscrição AP. 3 de 2001/10/10, sobre o qual incide um arresto registado pela Ap. 2883 de 2009/07/22 e uma penhora registada pela Ap. 2925 de 2011/03/29.
VERBA QUATRO: Prédio urbano, composto por lote …, casa de cave, rés-do-chão primeiro andar e logradouro, sito em … - Urbanização de …, descrito na C.R. Predial ..., sob o nº …, inscrito em favor dos primeiros outorgantes identificados na alínea a) pela inscrição AP. 3 de 1997/01/06, inscrito na respectiva matriz sob o art. …, sobre o qual incide um arresto registado pela Ap. 2020 de 2009/07/17 e uma penhora registada pela Ap. 2925 de 2011/03/29.
VERBA CINCO: Prédio urbano, composto por parcela de terreno para construção lote n° .., sito no Cabeço de …, descrito na C.R. Predial ..., sob o nº …, inscrito em favor dos primeiros outorgantes identificados na alínea h) pela inscrição AP. 4 de 2006/09/21, inscrito na respectiva matriz sob o art. .., sobre o qual incide um arresto registado pela Ap. 2020 de 2009/07/17 e uma penhora registada pela Ap. 2925 de 2011/03/29.
VERBA SEIS: Fracção autónoma, designada pela letra "B", correspondente a uma habitação tipo T - três no rés-do-chão, com acesso através da rua a sul, com três quartos, duas casas de banho, cozinha, despensa, sala, hall de distribuição, corredor, hall de acesso e terraço, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, nº .., descrito na C.R. Predial ..., sob o nº …, afecto ao regime da propriedade horizontal, pela inscrição Ap. 2 de 2001/10/25, inscrito na respectiva matriz sob o art. …, inscrita em favor dos outorgantes identificados na alínea b) pela inscrição AP. 1 de 2002/04/17, sobre o qual incide uma hipoteca registada pela Ap. 2 de 2002/04/17. (cf. doc. junto com a contestação, constituído por escritura pública de confissão de dívida e constituição de hipoteca, junta a fls. 147 a 152).
18- As verbas 1 a 5 descritas em 17 correspondem a bens penhorados na execução nº 271/09.7TBMGD-B (cf. auto de penhora junto como doc. 29 à contestação e constante de fls. 271 e cópia de edital de venda junto como doc. 3 à contestação, constante de fls. 130 a 133).
19- Por sentença proferida no proc. nº 54/14.2TBMGD foi declarada a insolvência da sociedade "Construções C. F. Lda.” (cf. doc. 13 junto à contestação, constituído por cópia da parte dispositiva da sentença de insolvência e constante de fls. 199).
20- Por sentença proferida no proc. nº 54/14.2TBMGD-C foi declarada a insolvência de A. C. e mulher M. C. (cf. doc. 12 junto à contestação, constituído por cópia da parte dispositiva da sentença de insolvência e constante fls. 198).
21- No âmbito dessa insolvência dos referidos executados foram apreendidos para a massa insolvente de pessoa singular os bens que o réu tinha penhorado, não obstante existir decisão judicial nos termos da qual tinham sido já adjudicados ao réu, em 17/09/2013 (cf. auto de abertura de propostas e adjudicação junto como doc. 17, com a contestação e constante de fls. 214 a 215V e cópia de despacho proferido no processo de insolvência relativo à situação dos bens apreendidos na insolvência junta como doc. 21 à contestação e constante de fls. 237).
22- Por causa disso teve o réu necessidade de instaurar acção com processo sumário de restituição desses bens nos termos do disposto no art. 141º e ss. do CIRE. (cf. cópia da petição inicial junta como doc. n° 20 à contestação e constante de fls. 233 a 236, bem como cópias de despachos proferidos no processo de insolvência respeitantes à situação dos bens adjudicados ao credor E. R. juntos como docs. 21 e 22 com a contestação e constantes de fls. 237 e 238).
23- Com base na escritura de confissão de dívida e hipoteca voluntária referida em 15, os ora autores reclamaram um crédito no valor global de € 400.000,00 no processo de insolvência referido (cf. cópia de notificação ao exequente E. R. de resposta dos reclamantes A. M. e A. T. a impugnação do crédito reclamado e cópia parcial deste articulado juntas como doc. 6 com a contestação e constantes de fls. 139 a 142).
24- Os autores são Magistrados do Ministério Público e nunca foram colocados pelo Conselho Superior do Ministério Público ao longo da sua carreira na Comarca de Mogadouro, nem foi dada autorização pelo referido Conselho a qualquer pedido de residência fora da Comarca (cf. cópia de ofício da Procuradoria–Geral da República junto como doc. 41 da contestação e constante de fls. 303).
25- O réu é Magistrado Judicial (facto do meu conhecimento oficioso).
26- Os autores contraíram casamento um com o outro em 07/08/2010 sob o regime da separação de bens. (cf. cópia do assento de casamento junto como doc. 32 da contestação e constante de fls. 278).
*
Factos não provados:

- Todos os demais alegados pelas partes que não constam do elenco dos factos provados, designadamente e com relevo para a decisão, segundo o ónus da prova:
.Da petição inicial, os vertidos nos art. 2º, 3º, 10º a 24º, 27º, 29º a 33º, 36º, 37º, 38º, 40º, 44º a 49º, 51º a 54º, 56º, 57º, 62º, 63º, 64º e 66º;
.Da contestação, os vertidos nos art. 26º, 27º, 42º, 44º, 46º, 48º, 66º, 67º, 74º, 77º, 88º, 89º, 121º, 179º, 180º, 208º, 209º, 210º, 211º, 212º, 213º, 214º, 216º, 217º, 218º, 219º, 220º, 222º, 224º, 225º, 232º, 234º, 235º, 242º, 243º, 244º e 246º.
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A) Apelação dos autores

Referem os autores que não foram notificados para a audiência de julgamento, o que consubstancia nulidade susceptível de influir na decisão da causa. Mais alegam que, em face da renúncia da sua mandatária e sua ausência na mesma, bem como a ausência do mandatário do réu, tinha o tribunal recorrido obrigação de adiar o julgamento.
Por fim, defendem que as declarações de parte do réu prestadas no julgamento não eram admissíveis.
Vejamos.
Da evolução legislativa retira-se que o legislador se foi preocupando com a perturbação que os adiamentos do julgamento causavam a todos os intervenientes processuais e daí que presentemente apenas admite tais adiamentos nas três situações referidas no nº 1 do art. 603º do C.P.C., diploma a que pertencerão os preceitos a citar sem menção de origem: impedimento do tribunal, falta de advogado quando a marcação da audiência pelo juiz não tiver sido efectuada mediante prévio acordo dos advogados nos termos do art. 151º nº 1 e 3 e justo impedimento (art. 140º).
A1) 1.
Nos termos do art. 247º nº 2 do C.P.C., na redacção introduzida pelo Dec.-Lei nº 97/2019 de 26 de Julho, aplicável in casu uma vez que entrou em vigor em 16/09/2019 e sendo disposição adjectiva é de aplicação imediata aos processos pendentes, Quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de ato pessoal, além de ser notificado o mandatário, é também notificada a parte, pela via prevista no n.º 5 do artigo 219.º, quando aplicável, ou pela expedição pelo correio de um aviso registado à própria parte, indicando a data, o local e o fim da comparência.

No caso em apreço os autores foram, nos termos deste preceito, notificados para a audiência de julgamento onde tem o juiz a obrigação de tentar a conciliação das partes (art. 604º nº 2). As cartas foram enviadas para a “Rua …, nº … - Vila Real, … Vila Real”, morada constante da p.i. (art. 552º nº 1 a)), tendo as mesma sido devolvidas com a menção “Não reclamado”. Desta devolução foi notificada a sua mandatária que nada disse.
Uma vez que os autores, ao longo do processo, não comunicaram outra morada, como era seu dever, as referidas notificações presumem-se feitas. Como se lê no Ac. desta Relação de 11/10/2018 (Cristina Cerdeira), in www.dgsi.pt, endereço a que pertencerão os arestos a citar sem menção de origem: “Quem é parte num processo judicial e sabe que, por isso, vai receber notificações para a prática de determinados actos, deve providenciar no sentido de haver alguém disponível para receber essas notificações ou, pelo menos, para consultar regularmente a caixa de correio para se inteirar dos avisos de registos que os serviços postais ali depositem e proceder, diligentemente, ao levantamento das cartas.”.

Assim, ainda que os autores não tenham efectivamente tido conhecimento da data de julgamento, não se verifica falta de notificação uma vez que tal facto é-lhes imputável na medida em que não comunicaram aos autos a mudança de morada (art. 188º nº 1 e) ex vi 250º). De modo algum, se pode considerar como “comunicação” a mera junção de procuração com outra morada.
E, ao abrigo do disposto no art. 603º nº 1 e 3 a contrario e 457º, a falta dos autores não constituí fundamento de adiamento da audiência final. Sendo-lhes imputável o eventual desconhecimento da data do julgamento, de modo algum, se pode afirmar ocorrer violação do princípio do contraditório (art. 3º nº 3) e/ou igualdade das partes (art. 4º).

2.
Importa agora apurar se a renúncia do mandato pela mandatária dos autores era fundamento de adiamento da audiência final.
Encontrando-se agendada esta para 06/01/2020 (2ª feira) aquela mandatária deu, em 03/01/2020 (6ª feira), entrada de requerimento em que renunciou ao mandato “por motivo de doença”. Na mesma data foram os autores notificados para a morada constante dos autos.

Dispõe o art. 47º, sob a epígrafe “Revogação e renúncia do mandato”:

1 - A revogação e a renúncia do mandato devem ter lugar no próprio processo e são notificadas tanto ao mandatário ou ao mandante, como à parte contrária.
2 - Os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes; a renúncia é pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no número seguinte.
3 - Nos casos em que seja obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias:
a) Suspende-se a instância, se a falta for do autor ou do exequente; (…)

Do nº 2 e 3 deste preceito retira-se que, em regra, a renúncia do mandato produz efeitos com a notificação pessoal ao mandante, contudo, no caso de ser obrigatória a constituição de advogado, apenas produz efeitos com a constituição de novo mandatário ou com o decurso do prazo de 20 dias sem que o tenha feito.
A este propósito refere Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 4ª ed., Almedina, p. 122: “Estabelece-se um prazo de vinte dias para o mandante constituir novo mandatário, durante o qual se mantém o patrocínio inicial, visto que o processo entretanto prossegue. Logo que, dentro do prazo, a parte constitua novo advogado, a renúncia produz efeitos, o mesmo acontecendo no termo do prazo se não o constituir. Neste caso, deixando a parte de ter mandatário, dá-se a suspensão da instância no caso de faltar advogado ao autor ou exequente, ou extingue-se o incidente (ou o procedimento não incidental, como é o caso dos embargos e do procedimento cautelar prévio) se faltar advogado ao requerente (incluído o opoente) ou embargante; mas prossegue o processo, por não poder ser penalizado o autor, exequente ou requerente, se faltar advogado ao réu, executado ou requerido”.
Neste sentido vide, entre outros, Ac. da R.P de 23/06/2015 (Fernando Samões), da R.C. de 24/01/2017 (António Domingos Pires Robalo), da R.L. de 22/02/2018 (António Valente).

Revertendo ao caso em apreço verificamos que, ainda que o correio tivesse seguido a 03/01/2020, dificilmente os autores poderiam ter sido notificados antes das 09H30m de 06/01/2020, mas, ainda que o tivessem sido, uma vez que tinham 20 dias para constituir novo mandatário, mantinha-se o mandato por eles conferido à Dra. R. B. dado que nos encontramos perante causa em que é obrigatória a constituição de advogado (art. 40º nº 1 a)). Mantendo-se o mandato continuava esta vinculada às obrigações legais e deontológicas resultantes do mesmo (art. 1161º a) e 1178º nº 2 do C.C., 44º nº 1 do C.P.C., 97º nº 2 e 100º, nº 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pelo Lei nº 145/2015 de 9 de Setembro, entretanto alterado pela Lei nº 23/2020, de 06/07). Veja-se que este último preceito dispõe: “Ainda que exista motivo justificado para a cessação do patrocínio, o advogado não deve fazê-lo por forma a impossibilitar o cliente de obter, em tempo útil, a assistência de outro advogado”.
Assim sendo, e uma vez que o julgamento havia sido agendado mediante acordo prévio (art. 151º) bem andou o tribunal recorrido ao considerar que não havia fundamento para adiar o julgamento (art. 603º nº1). Acresce que a renúncia ao mandato não constitui justo impedimento nos termos definidos pelo nº 1 do art.º 140º, nem a mandatária a configurou como tal.
3.
Como bem decidiu o recorrido a simples menção “por motivo de doença” não consubstancia justo impedimento.
Dispõe este preceito: Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato (nº 1) e A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou (nº 2).

In casu, nada mais tendo sido referido, não se pode concluir que se trate de doença súbita que a impossibilite total e absolutamente a estar presente na audiência de julgamento. Acresce que não foi junta a respectiva prova, nem a mandatária se prontificou a apresentá-la noutro momento.
Logo, também não havia fundamento para adiar a audiência.
4.
Referem os apelantes que, não estando presente nenhum mandatário, nem nenhuma testemunha, era obrigação do tribunal adiar a audiência final até porque não é possível o exercício do contraditório e também porque ocorre violação do princípio de igualdade das partes.
Segundo o disposto no artº 3º, nº 3 “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
O princípio do contraditório, decorrente do princípio da igualdade das partes, é um princípio estruturante e basilar no processo civil.
Na verdade, “O processo civil reveste a forma de um debate ou discussão entre as partes (audiatur et altera pars) (…). Esta estruturação dialéctica ou polémica do processo tira partido do contraste dos interesses dos pleiteantes, ou até só do contraste de opiniões (…) para o esclarecimento da verdade. (…) Espera-se que, também para os efeitos do processo, da discussão nasça a luz (…). – Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimp., 1993, Coimbra Ed., p. 379.
Antes do Dec.-Lei nº 329-A/95 de 12 de Dezembro havia uma concepção restrita deste princípio, nos termos da qual o mesmo se desdobrava em dois, a saber, o direito de conhecimento de pretensão contra si formulada e o direito de pronúncia prévia à decisão, que estão actualmente previstos no art. 3º nº 1 segunda parte e nº 2 do C.P.C..
Com o referido Dec.-Lei foram introduzidos os nº 3 e 4 do art. 3º, os quais foram aperfeiçoados pelo Dec.-Lei nº 120/96 de 25 de Setembro e mantidos na Revisão do C.P.C. de 2013, que prevêem o direito de ambas as partes intervirem para influenciar a decisão da causa evitando decisões-surpresa. Esta a concepção ampla do referido princípio.
Assim, “Este direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo é hoje entendido como corolário duma conceção mais geral da contraditoriedade, como garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indirecta, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.” – José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., p. 29.
Estes autores, na mesma obra, p. 30, referem ainda: “No plano da prova, o princípio do contraditório exige: a) que às partes seja, em igualdade, facultada a proposição de todos os elementos probatórios potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos (…); b) que lhes seja consentido fazê-lo até ao momento em que melhor possam decidir da sua conveniência, tidas em conta, porém, as necessidades de andamento do processo; c) que a produção ou admissão da prova tenha lugar em audiência contraditória de ambas as partes; d) que estas possam pronunciar-se sobre a apreciação das provas produzidas, por si, pelo adversário ou pelo tribunal.”
Revertendo ao caso em apreço verificamos que apenas por facto imputável à então mandatária dos autores é que esta não esteve presente na audiência de molde a poder pronunciar-se acerca da admissibilidade e das declarações de parte do réu e acerca do teor das mesmas (art. 415º, 604º nº 3 e), 5). Também é imputável aos autores o eventual desconhecimento da data do julgamento. Deste modo, não se pode afirmar ocorrer violação do princípio do contraditório (art. 3º nº 3) e/ou igualdade das partes (art. 4º).
5.
Mais defendem que “Mesmo admitindo a tramitação processual adoptada pela Meritíssima Juiz, (…) sempre em obediência ao art.º 6.º e art.º 547.º do C.P.C., tendo em vista o princípio da boa Gestão Processual e Adequação Formal, deveria ter sido adoptada uma tramitação processual que garantisse um processo justo e equitativo, o que nestes autos não se verificou”. Mas, não o concretiza.
O dever de gestão processual encontra-se previsto no art. 6º, nos termos do qual incumbe ao juiz, além do mais, dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere.
O princípio da adequação formal está previsto no art. 547º que dispõe: O juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.
Este princípio é expressão do carácter funcional e instrumental da tramitação relativamente à realização do fim essencial do processo - a justa composição do litígio. Não visa a criação de uma espécie de processo alternativo, mas antes possibilitar a ultrapassagem de eventuais desconformidades com as previsões genéricas das normas de direito adjectivo. O mesmo tem, por um lado, que respeitar a estratégia processual livremente delineada pelos litigantes e, por outro, os princípios essenciais estruturantes do processo civil, nomeadamente os da igualdade das partes e do contraditório.

Como bem se refere no Ac. da R.C. de 14/10/2014 (Carvalho Martins) “O princípio da adequação formal (…) não transforma o juiz em legislador (…). Trata-se de uma válvula de escape, e não de um instrumento de utilização corrente, sob pena de subverter os princípios essenciais da certeza e da segurança jurídica.

No caso em apreço, mostra-se respeitado o dever de gestão processual ao promover o andamento do processo com a realização do julgamento, processo este entrado em 2016, e não se vislumbra que adequação processual devia o tribunal recorrido ter efectuado.
Também nesta sede não podem os apelantes dar azo a uma audiência final sem a sua presença, nem a da sua mandatária, e vir posteriormente invocar que assim o processo não é justo nem equitativo.
*
A2)
Damos aqui por reproduzidas as considerações efectuadas aquando do recebimento do recurso acerca da admissibilidade do mesmo nesta parte, bem como as acima referidas considerações acerca da alegada violação do princípio do contraditório e de igualdade das partes.
As declarações de parte são um novo e autónomo meio de prova introduzido pelo Novo Código do Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26, que corresponde ao acolhimento da possibilidade de a parte se pronunciar, a requerimento próprio, sobre factos que lhe são favoráveis, com intencionalidade probatória, restrita porém a factos de directa e pessoal intervenção da parte ou do seu directo conhecimento.
Nos termos do art. 466º nº 2 às mesmas aplica-se o disposto quanto à prova por confissão das partes. Assim, nos termos do art. 452º nº 2, deve o requerente indicar logo, de forma discriminada os factos sobre que há-de recair.

No caso subjudice, face ao requerimento subscrito pelo mandatário do réu e entrado no dia da audiência final pelas 11H34m, que solicitava que fossem prestadas declarações por este, e face ao requerimento subscrito pelo mesmo advogado e entrado no mesmo dia pelas 12H37m, que discrimina a matéria acerca da qual requer a prestação de tais declarações, mostra-se cumprido o disposto no acima referido art. 452º nº 2. O requerimento de “ampliação” das declarações de parte discrimina igualmente a matéria.
*
Pelo exposto, improcede a apelação dos autores.
*
B) Apelação do réu

Insurge-se o réu contra a absolvição dos autores do pedido de condenação como litigantes de má-fé.
Começa por referir que a sentença é nula por falta de fundamentação de facto e de direito e por omissão de pronúncia. O recorrente não percebe qual o raciocínio que levou à absolvição dos autores. Em sede de mérito defende que factos foram mal julgados e vão contra a prova documental junta. Acresce que os autores tinham o ónus da prova e não a lograram fazer.
Os autores pronunciaram-se defendendo que a sentença não é nula, referem que o recorrente não cumpriu o disposto nos art. 639º, nº 1 a 3, 640º nº 1 e, no mais, referem que a decisão se mostra conforme à prova produzida, i.e., à prova documental uma vez que não foram ouvidas testemunhas susceptíveis de poderem provar factos dos quais resultasse a aquisição da propriedade por usucapião. Com a presente acção os autores invocaram e exerceram um direito que entendem pertencer-lhe.

1.
As nulidades da sentença estão típica e taxativamente previstas no art. 615º e reconduzem-se a vícios formais da decisão decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) referente à disciplina legal e que impedem o pronunciamento do mérito.
Situação distinta é o erro de julgamento (error in judicando), quer quanto à apreciação da matéria de facto, quer quanto à determinação e interpretação da norma jurídica aplicável.

Dispõe o referido art. 615º:
É nula a sentença quando: (…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; (…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)

No que concerne a primeira nulidade apontada importa reafirmar que as decisões devem ser fundamentadas (art. 205º nº 1 da C.R.P. e 154º), mas não se pode confundir a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que apenas a primeira corresponde à situação prevista na citada al. b) do acima referido preceito.
A este propósito lê-se no Ac. do S.T.J. de 28/05/2015 (Granja da Fonseca): “A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente: afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser alterada ou revogada em recurso, mas não produz a nulidade.”.
Analisando a sentença recorrida verificamos que se mostram enunciados os factos julgados provados e não provados, constam os meios de prova que foram decisivos para a formação da convicção do juiz a quo e foi feita a subsunção jurídica, quer no que diz respeito aos pedidos dos autores, quer no pedido de condenação destes como litigantes de má-fé formulado pelo réu na contestação.

Assim, não ocorrendo falta absoluta de factos provados e não provados e/ou de fundamentação de facto e de direito, não se mostra verificada esta a causa de nulidade.
*
Os vícios de omissão ou de excesso de pronúncia previstos na al. d) do citado artigo incidem sobre as questões a resolver nos termos e para os efeitos do disposto no art. 608º nº 2 do C.P.C.. Com efeito, nos termos deste preceito O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Questões cuja omissão de pronúncia conduz à nulidade de decisão são “(…) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos pelas partes (…)” (Antunes Varela, in R.L.J., Ano 122, p. 112). São “todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer” (Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, 2º, 2ª ed., p. 704).
As questões não se confundem com argumentos, razões (de facto ou de direito) ou motivos invocados pelas partes em defesa ou reforço das suas posições
Como se lê no Ac. do S.T.J. de 28/02/2013 (João Bernando): “A nulidade duma sentença ou dum acórdão por omissão de pronúncia só tem lugar quando o juiz deixe de conhecer, sem prejudicialidade, de algum dos pedidos deduzidos, de alguma das causas de pedir, de alguma das excepções invocadas ou de alguma das excepções de que oficiosamente lhe cumpra conhecer”.
Por fim, para que a nulidade ocorra é necessário que ocorra omissão absoluta de conhecimento relativamente a cada questão não prejudicada e não uma fundamentação deficiente.

Revertendo ao caso em apreço a questão suscitada pelo réu é a litigância de má-fé dos autos. Ora, este pedido foi objecto de conhecimento na decisão recorrida pelo que, de modo algum, se pode falar em omissão de pronúncia. Saber se o foi correcta ou incorrectamente é questão de mérito a apreciar noutra sede.

2.
Dispõe o art. 639º, sob a epígrafe “ónus de alegar e formular conclusões”:
1 – O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre a matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a)As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; (…).

E o art. 640º, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”:
1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
(…)

O referido art. 639º estabelece um duplo ónus para o recorrente: apresentar alegações (exposição de argumentos pelos quais se sustenta a alteração da decisão) e formular conclusões (proposições claras e sintéticas que condensem o exposto na motivação do recurso e que delimitam o âmbito deste).

No caso em apreço o apelante cumpriu este ónus formalmente (alegações da p. 1 a 9 e conclusões a partir da p. 10), quer substancialmente. Eventualmente as conclusões poderiam ter sido redigidas de forma mais sintética e sem a “síntese” final, mas das mesmas constam as normas jurídicas violadas (art. 342º, nº 1, 202º, 154º, nº 1, 541º, 542º e 543º todos do C.P.C. e art.º 205.º da C.R.P.) e o sentido com que tais normas deviam ter sido interpretadas e aplicadas (a declaração de nulidade da sentença e/ou a condenação dos autores como litigantes de má-fé).
Assim, não é de rejeitar o recurso ou convidar a aperfeiçoar.
No mais, o recorrente parece querer impugnar a matéria de facto ao referir “Factos que deveriam ter sido analisados pela douta sentença face ao teor dos documentos juntos pelo réu (…) e que não fora. E até, para além de mal julgados” e “(…) tal decisão vai contra a prova documental junta pelo réu, que demonstra exactamente o contrário”.

Admitindo que assim é há que rejeitar o recurso nesta parte uma vez que não indica os pontos de facto (provados e/ou não provados) que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impugnam decisão diversa e naturalmente também não refere a decisão que deve ser proferida sobre tais questões de facto (art. 640º nº 1 a), b), c)).

3.
Resta então apurar se a decisão proferida de absolvição dos autores se mostra conforme à lei.
Antes de mais, importa referir que a questão tem que ser apreciada em face dos factos dados como provados (cuja reapreciação foi rejeitada supra) e não em face do alegado nos articulados. Com efeito, incumbia ao réu a alegação de factos susceptíveis de integrar o conceito de litigância de má-fé, os quais, em face da prova produzida, devem constar dos factos provados ou não provados.
Se atentarmos nos factos provados verificamos que os pontos 2, 13 e 16 aludem a documentos – escritura de compra e venda de 26/10/2012; petição dos embargos de terceiros/Proc. nº 271/09.7TBMGD-D; petição da reclamação de créditos apresentada pelos aqui autores no Apenso C do mesmo processo; e escritura de confissão de dívida e hipoteca de 08/04/2011 – juntos aos autos nos locais aí referidos e que os mesmos aí são dados como integralmente reproduzidos. Ora, apesar de, a nosso ver, se tratar de um modo menos correcto de fazer constar factos, entendemos que na apreciação da presente questão podemos e devemos lançar mão do teor de tais documentos. Já os documentos referidos entre aspas na parte final de cada facto provado corresponde apenas a uma forma de facilitar a fundamentação de facto que é depois completada mais abaixo na sentença recorrida.
Feitos estes considerados há que relembrar o alegado pelos autores e réu nos seus articulados.

Assim, lê-se na petição inicial:
- “A referida fracção veio à posse e titularidade dos AA. em finais do mês de Agosto do ano de 2002, por compra verbal (…)” (2º); “Sucede porém, que a escritura não foi logo feita entre os AA e os vendedores, aquando da compra e pagamento porque a construção do edifício onde se situa este apartamento se encontrava embargada em processo administrativo” (8º), “Porém, Desde Agosto de 2002, data da aquisição pelos AA, da referida fracção, até ao presente vêm os AA praticando os actos próprios de verdadeiros proprietários. Assim,” (14º), “Providenciam a manutenção e conservação do imóvel, limpam, pintam, reparam e consertam.” (16º);
- “Após o conhecimento pelos AA do Arresto da fracção, identificada em 1º, o A. e os vendedores dirigiram-se ao Réu comunicando-lhe que, como já era do seu conhecimento, aquela fracção era já propriedade do A.” (29º), “Quando confrontado, o Réu dirigindo-se ao A. disse-lhe peremptoriamente: “ óh pá, fica descansado que eu a ti não te prejudico!” (30º), “Não obstante, no dia 11.11.2009 o Réu instaurou a acção a que coube o n.º 27109.7TBMGD.” (34º), “Os RR naquela referida acção não recorreram pois o ora Réu tinha-lhes garantido que “nunca executaria esta sentença, o processo era para acabar, que não receassem” (40º).

E na contestação:
- “A não serem verdade, como pensa o R que não é, porque, até ao momento nada provaram, litigam seguramente e ostensivamente de má-fé, mesmo, com dolo, ao alegarem factos que bem sabem não corresponderem à verdade, tendo consciência do prejuízo que causam ao R. e assim, terão de ser condenados (…)” (66º);
- “O R. reafirma que os AA. conluiados com os executados/insolventes forjaram as duas referidas escrituras públicas, de confissão de dívida e de compra e venda do imóvel em causa nestes autos apenas e só com o objectivo de impedirem o R. de ser pago pelo produto dos bens penhorados” (89º);
- “Esta ação (…) é quase uma cópia da ação (…) “Embargos de Terceiro” da qual desistiram da instância e que agora classificam de reivindicação (…)” (95º);
- “Com a agravante que de que pagaram € 60.000,00 (…) sem que tivesse exigido qualquer prova desse pagamento (Isto traduz mais um de entre muitos outros aspectos factuais consubstanciadores da má-fé dolosa” (156º);
- “Não é verdade que os AA. tivessem comprado verbalmente o imóvel em 2002 pelo menos na condição de casados” (165º), “Pois os AA. só casaram um com o outro em 7/8/2010 (…)” (166º), “E sob o regime da separação” (167º), “Mais uma vez inventam e mentem dolosamente, mesmo contra documentos autênticos, como é a convenção antenupcial, com o propósito deliberado de entorpecer a ação da justiça, não se eximindo a litigar de má-fé com esse propósito” (169º);
- “O alegado no art. 40º constitui à semelhança dos outros, de pura mentira (247º)
- “(…) a alegada posse com vista à usucapião (…) os próprios AA. constroem uma narrativa inventada (…)” (282º), “(…) alegarem uma posse com início em Agosto de 2002 até ao presente” (289º), “Quando se esqueceram do que tinham, alegado nos Embargos de Terceiro sobre a mesma matéria que iniciaram os atos de posse na data da outorga da escritura pública, 26/10/2010, vide art. 6º, 7º, e 18º da Petição dos referidos embargos. Doc. nº 38” (290º), “Agora, já nem alegam, que exerceram ou, exercem atos de posse (…)” (303º), “E não alegam (…) porque o imóvel só podia ser habitado depois da entidade administrativa-Município lhe emitir o “Alvará de Licença de Utilização” que no caso foi passado em 4/6/2008, Doc. 39” (304º), “Inventam uma posse com 20 anos com acessão dos seus antecessores” (315º), “Aliás, através da certidão emitida pela Procuradoria-Geral da República verificamos que os AA. nunca exerceram funções em Mogadouro, nem consta que tivessem pedido autorização para residirem fora das comarcas onde exerceram funções. Doc. 41” (327º)
*
A reforma levada a cabo pelo Dec.-Lei nº 329-A/95 de 12 de Dezembro introduziu alterações no Código de Processo Civil em sede de litigância de má-fé. Como se lê no preâmbulo deste diploma “Como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagram-se expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má-fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos; (…)”. Assim, ao lado da lide dolosa (que corresponde à violação das regras de conduta processuais de forma intencional ou consciente), passou a ser sancionada a lide temerária (que corresponde à violação das mesmas regras, mas com culpa grave ou erro grosseiro). De fora ficou a lide imprudente (parte excede os limites da prudência normal actuando com culpa leve).
Esta mesma noção de má-fé manteve-se no nº 2 do art. 542º do C.P.C. Revisto.

Refere Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., Vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 457: “É corrente distinguir má-fé material (ou substancial) e má-fé instrumental. A primeira relaciona-se com o mérito da causa: a parte, não tendo razão, actua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objectivo que se afasta da função processual. A segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo. Assim, só a parte vencida pode incorrer em má-fé substancial, mas ambas as partes podem actuar com má-fé instrumental, podendo portanto o vencedor da acção ser condenado como litigante de má-fé.”

No Acórdão desta Relação de 21/01/2016 (Maria Luísa Ramos) lê-se: “No dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida – dolo directo – ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial – dolo indirecto; no dolo instrumental faz-se dos meios e poderes processuais um uso manifestamente reprovável (v. Menezes Cordeiro, obra citada, pg. 380).Verifica-se a negligência grave naquelas situações resultantes da falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das desaconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida (Maia Gonçalves, C.Penal, anotado, pg. 48)”.
A jurisprudência tem entendido que “Não se deve confundir a litigância de má-fé com: (i) a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento; (ii) a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar; (iii) discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos ou (iv) com a defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo a lograr convencer” - Ac. da R.L. de 20/12/2016 (Luís Filipe Pires de Sousa) que cita em parte o Ac. da R.L. de 02/03/2010 (Maria José Simões)).
É inquestionável que a conclusão pela actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alíneas do art.º 542º. E a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável. Tem-se entendido que, para tal condenação, se exige que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte.

Revertendo ao caso em análise verificamos o seguinte:

- há matéria que os autores não lograram provar – designadamente o alegado nos art. 2º, 14º, 16º, 29º, 30º, 40º da p.i. – o que, por si só, não se inscreve na figura em apreço;
- por sua vez, o réu também não logrou provar que as escritura de compra e venda e confissão da dívida tenham sido outorgadas com o objectivo de impedir que ele fosse pago pelo produto dos bens penhorados e que não tenha proferido as afirmações a que os autores aludem, como por exemplo, nos art. 30º, 37º, 40º, 49º, 51º, 54º da p.i. – art. 89º 2ª parte, 247º da cont.;
- muito do alegado pelo réu é matéria conclusiva – ex. art. 156º, 282º da cont.;
- no que diz respeito à alegada compra e venda pelos autores e a data do seu casamento – verifica-se que, em face da escritura de 26/10/2012, apenas o autor marido aí consta como comprador – ocorre uma deficiente e descuidada alegação que também não se inscreve na litigância de má-fé;
- confrontada a p.i. destes autos com a petição dos embargos de terceiro do Proc. 271/09.7TBMGD-D entendemos, contrariamente ao defendido pelo réu, que não são cópia uma da outra e na primeira não foi alegada matéria incompatível com a segunda – nesta tanto se alega a posse desde a data da escritura (18º), como desde há 15, 20 anos (10º), logo em data anterior àquela - pelo que, também com este fundamento, não se pode concluir pela litigância de má-fé dos autores;
- por fim, o alegado pelos autores nos art. 8º a 13º da p.i. é compatível com os factos dados provados no ponto 5 e 6; os actos de posse sobre a fracção referidos no art. 14º a 16º da p.i. podem explicar-se por uma deficiente alegação pelo mandatário sendo que são possíveis actos de posse sobre um prédio rústico e/ou sobre um edifício em construção, ainda que esta tenha sido embargada, e para tal não é necessário que os autores aí habitem, o que não foi sequer alegado por estes.
Em resumo e, em conclusão, acompanhamos a decisão recorrida, pois não ficou demonstrado que os autores, com dolo ou negligência grave, tenham deduzido uma pretensão manifestamente infundada, tenham alterado a verdade dos factos relevantes ou tenham feito um uso reprovável do processo. Mesmo que o alegado na petição fosse “frágil” e “ousado”, como refere a 1ª instância, ainda assim inscreve-se na defesa de uma posição alicerçada em factos que os autores não lograram provar. A lide não pode ser qualificada de temerária. Acresce que o réu também não provou factos por si alegados que se poderiam inscrever na litigância de má-fé.
Por todo o exposto, improcede a apelação do réu.
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As custas das apelações são da responsabilidade dos autores e réu respectivamente atento o seu decaimento (art. 527º nº 1, 2 do C.P.C.).
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Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:

I – A audiência final apenas pode ser adiada nas três situações referidas no nº 1 do art. 603º do C.P.C., a saber, impedimento do tribunal, falta de advogado quando a marcação da audiência pelo juiz não tiver sido efectuada mediante prévio acordo dos advogados e justo impedimento.
II – Não se verifica falta de notificação dos autores para a audiência final quando foi expedida carta de notificação para a morada constante da petição e estes nunca comunicaram aos autos qualquer mudança da sua morada como era seu dever.
III – A advogada estava obrigada a comparecer na audiência final de uma acção em que é obrigatória a constituição de mandatário, não obstante ter apresentado renúncia ao mandato 3 dias antes da mesma, uma vez que esta renúncia apenas produziria efeitos com a constituição de novo mandatário ou com o decurso do prazo de 20 dias.
IV – De modo algum ocorre violação do princípio do contraditório e/ou da igualdade das partes quando a mandatária dos autores esteve ausente da audiência final por facto que lhe é imputável e consequentemente não pôde pronunciar-se acerca da admissibilidade das declarações de parte do réu e acerca do teor destas.
V – A litigância de má-fé abrange a lide dolosa (que corresponde à violação das regras de conduta processuais de forma intencional ou consciente) e a lide temerária (que corresponde à violação das mesmas regras, mas com culpa grave ou erro grosseiro).
VI – Não ocorre litigância de má-fé numa situação em que o alegado na petição inicial possa ser qualificado de “frágil” e “ousado”, mas que, ainda assim, se pode inscrever na defesa de uma posição alicerçada em factos que os autores não lograram provar.
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III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em:

- Julgar improcedente a apelação dos autores,
- Julgar improcedente a apelação dos réus,
E, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
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Guimarães, 25/02/2021

Relatora: Margarida Almeida Fernandes
Adjuntos: Margarida Sousa
Afonso Cabral de Andrade