Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1051/16.9T8GMR.G1
Relator: CRISTINA CERDEIRA
Descritores: PER
CRÉDITO FISCAL
HOMOLOGAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I) - Resulta do disposto nos artºs 30º, nºs 2 e 3 e 36º, nº. 3 da LGT uma absoluta indisponibilidade dos créditos tributários, não sendo possível, nos Planos de Recuperação em processos especiais de revitalização, sem o acordo do Estado, reduzir ou extinguir créditos fiscais e/ou conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias.
II) - Verificando-se que o Plano de Recuperação aprovado pela maioria dos credores comporta um regime prestacional de pagamento das dívidas fiscais e de perdão de 80% dos respectivos juros de mora vencidos, que não respeitou disposições legais tributárias, nomeadamente os artºs 30º, nºs 2 e 3 e 36º, nº. 3 da LGT e artº. 196º do CPPT, que têm carácter público e imperativo, e não obteve concordância do Estado - Autoridade Tributária e Aduaneira, terá de se concluir que tal situação importa a violação não negligenciável de normas aplicáveis ao seu conteúdo, pelo que nos termos do disposto no artº. 215º “ex vi” do artº. 17º-F, nº. 5 ambos do CIRE, o mesmo não deve ser homologado em toda a sua extensão.
III) - O Plano de Recuperação do devedor aprovado pela maioria dos credores, com o voto contra da Autoridade Tributária e Aduaneira por inobservância do regime previsto na LGT e no CPPT relativamente aos créditos tributários, apenas deverá ser ineficaz em relação à Autoridade Tributária e Aduaneira, não produzindo a sua homologação quaisquer efeitos quanto aos respectivos créditos.
IV) - No entanto, tal não significa que o Plano de Recuperação não possa valer perante os demais credores que lhe deram o seu acordo, porquanto a sua ineficácia em relação aos créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira não impede que o mesmo seja homologado mas tão só em relação aos demais credores.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

No âmbito do presente processo especial de revitalização, em que é requerente e devedora C – Indústria de Calçado, S.A., e credores, entre outros, a Autoridade Tributária e Aduaneira, aqui representada pelo Ministério Público, e o Instituto da Segurança Social, I.P., foi apresentado o Plano de Recuperação da empresa devedora constante do documento junto a fls. 278 a 341 destes autos.

Em 30/06/2016 o Sr. Administrador Judicial Provisório juntou a fls. 342 e 343 dos autos o documento a que alude o nº. 4 do artº. 17º-F do CIRE, com o resultado da votação dos credores, no qual consta que o Plano de Recuperação foi aprovado com os votos favoráveis dos credores que representam 77,41% dos créditos e os votos contra de 22,59% (incluindo a credora Autoridade Tributária e Aduaneira, representada pelo Ministério Público), conforme se alcança da “acta de abertura de votos” e dos documentos constantes de fls. 348 a 350, 364 e 377.

Notificado o Sr. Administrador Judicial Provisório (doravante AJP) para se pronunciar sobre o ofício da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT) constante de fls. 364, veio este apresentar resposta no sentido de que tal ofício mais não é do que o voto da AT que lhe foi remetido e que consta como anexo ao documento com o resultado da votação.
Antecipando-se a um eventual requerimento no sentido da não homologação do Plano ou recurso da decisão de eventual homologação, veio referir que poderia consignar-se a ineficácia do Plano de Recuperação aprovado em relação ao credor AT, na esteira da jurisprudência mais recente do STJ (fls. 392).

Em 13/07/2016 foi proferida a decisão constante de fls. 393 que, ao abrigo do disposto no artº. 17º-F, nºs 5 e 6 do CIRE, não homologou o Plano de Revitalização aprovado, nos seguintes termos [transcrição]:
«Como decorre do requerimento que faz ref. 4030322 a A.T. votou contra o plano de revitalização.
Ocorre, assim, e em conclusão, violação não negligenciável de norma aplicável ao conteúdo do plano que impede a sua homologação, a saber dos arts. 30º nº 2, 36º nº 3 da LGT e 196º do CPPT, pelo que, nos termos do art. 215º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa aplicável ex vi art. 17º-F nº 5 in fine do mesmo diploma há que recusar a homologação do plano de recuperação apresentado pela devedora e aprovado pela maioria dos seus credores (cfr. Ac. RG de 15/10/2013, in www.dgsi.pt, proc. 8604/12.2TBBRG.G1).
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Pelo exposto:
Nos termos do 17º-F nºs 5 e 6 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa não homologo o plano de revitalização da devedora Calvaz – Indústria de Calçado, SA.
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Custas pela devedora com taxa de justiça reduzida a ¼ - arts. 17º-F, nº 7 e 302º nº 1, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, este com as devidas adaptações – sendo o valor da acção para efeitos de custas equivalente ao da alçada da Relação, nos termos do art. 301º do CIRE.
Registe, notifique e publicite nos termos dos arts. 37º e 38º, ex vi nº 6 do art. 17º-F, todos do CIRE.»

Inconformada com tal decisão, a requerente devedora C – Indústria de Calçado, S.A. dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:
A) - VEM O PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO DA DOUTA SENTENÇA EXARADA A FLS. … (REFERÊNCIA 148246959), ATENTA A QUAL O TRIBUNAL A QUO ENTENDEU QUE:
“COMO DECORRE DO REQUERIMENTO QUE FAZ RE. 4030322 A A.T. VOTOU CONTRA O PLANO DE REVITALIZAÇÃO. … OCORRE, ASSIM, E EM CONCLUSÃO, VIOLAÇÃO NÃO NEGLIGENCIÁVEL DE NORMA APLICÁVEL AO CONTEÚDO DO PLANO QUE IMPEDE A SUA HOMOLOGAÇÃO, A SABER DOS ARTS. 30º Nº 2, 36º Nº 3 DA LGT E 196º DO CPPT, PELO QUE, NOS TERMOS DO ART. 215º DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESA APLICÁVEL EX VI ART. 17º-F Nº 5 IN FINE DO MESMO DIPLOMA HÁ QUE RECUSAR A HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO APRESENTADO PELA DEVEDORA E APROVADO PELA MAIORIA DOS SEUS CREDORES” (TRANSCREVEMOS SEMPRE COM A DEVIDA VÉNIA);
B) - CONFORME DA ANÁLISE DOS AUTOS MELHOR SE ALCANÇA, O PLANO DE RECUPERAÇÃO DA EMPRESA DEVEDORA, ORA RECORRENTE, ACERTADO E APRESENTADO À VOTAÇÃO DOS SRS. CREDORES FOI VALIDADO - E, POR ISSO, MERECEU VOTO FAVORÁVEL DAQUELES SRS. CREDORES CUJOS VOTOS EXPRESSOS ATINGIRAM A SOMA DE 77,41% - CONFORME MELHOR SE ALCANÇA DA ACTA DE ABERTURA E CONTAGEM DE VOTOS ELABORADA PELO EXMO. SR. ADMINISTRADOR JUDICIAL PROVISÓRIO (AO DEANTE RESPEITOSAMENTE DESIGNADO POR AJP) E APRESENTADA A FLS. 342 E SEGTS. DOS AUTOS;
C) - COMPAGINANDO O QUE FICOU ESTIPULADO NA SUPRA CITADA CLÁUSULA DO PLANO APROVADO, COM O QUE SE ACHA REGULADO NO ARTº 196º DO C.P.P.T. E O DISPOSTO NO DEC.-LEI Nº 73/99 DE 16 DE MARÇO, NÃO PARECE EXISTIR NA MESMA NENHUMA DIVERGÊNCIA SUBSTANCIAL QUE FUNDAMENTE O VOTO DESFAVORÁVEL DA A.T. - AO INVÉS, AQUELA CITADA CLÁUSULA CORRESPONDE E RESPEITA AOS PARÂMETROS HABITUAIS DE TODAS AS CLÁUSULAS DE REGULARIZAÇÃO COM A A.T. EM SEMELHANTES PLANOS DE RECUPERAÇÃO COM QUE É HABITUAL CONCLUIR OS PROCESSOS ESPECIAIS DE REVITALIZAÇÃO;
D) - NO MODESTO MAS CONVICTO ENTENDIMENTO DA REQUERENTE/APELANTE, A ESTIPULAÇÃO DE QUE AS PRESTAÇÕES TENHAM INICIO APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DO PLANO NÃO ACARRETA NENHUMA MORATÓRIA ILEGAL OU ATÉ EXCESSIVA, ANTES PARECENDO UMA POSIÇÃO RAZOÁVEL EM FACE DA ESTABILIZAÇÃO JURÍDICA E ECONÓMICA DA SITUAÇÃO DA SOCIEDADE DEVEDORA;
E) - NÃO HAVENDO IN CASU QUALQUER VIOLAÇÃO DE NORMA IMPERATIVA DA LEI TRIBUTÁRIA NAQUELE CLAUSULADO DA SUPRA CITADA E TRANSCRITA CLÁUSULA, NÃO SE JUSTIFICAVA E NÃO TEM BOM E VÁLIDO FUNDAMENTO - EM FACE DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE A QUE A A.T. DEVE ESTAR SUJEITA E DEVE RESPEITAR, O VOTO DESFAVORÁVEL QUE INFELIZMENTE FOI POR ESTA MESMA CREDORA EXPRESSO,
F) - E, POR MAIORIA DE RAZÃO, NESTE CASO, NUNCA PODERIA O SIMPLES FACTO DA EXISTÊNCIA DO INFELIZ E, AFINAL, INFUNDAMENTADO VOTO DESFAVORÁVEL DA A.T., LEVAR A QUE O TRIBUNAL “A QUO”, SEM QUALQUER MERA FUNDAMENTAÇÃO OU ATÉ ESFORÇO DE DEMONSTRAÇÃO, “SEGUINDO” AQUELE VOTO DESFAVORÁVEL, TENHA DECRETADO, SEM OUTRO QUALQUER FUNDAMENTO, A RECUSA DE HOMOLOGAÇÃO DO PLANO VALIDAMENTE APROVADO POR UMA SIGNIFICATIVA MAIORIA DE VOTOS FAVORÁVEIS DE TODOS OS SRS. CREDORES CORRESPONDENTE A 77,41% DOS CREDORES VOTANTES;

G) – ENTENDE A RECORRENTE SER MANIFESTO QUE A DETERMINAÇÃO DO MOMENTO DO INICIO DO PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES MENSAIS, NO CASO, APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DO PLANO DE RECUPERAÇÃO, OU, APÓS O TERMINUS DO PRAZO PREVISTO NO Nº 5 DO ARTº 17º-D DO CIRE, NÃO PODE SER CONSIDERADO A VIOLAÇÃO DE UMA NORMA TRIBUTÁRIA IMPERATIVA QUE DEVA SER INTEGRADA NA CATEGORIA DE “NÃO NEGLIGENCIÁVEL”;
H) - PELO QUE, SALVO MELHOR E MAIS DOUTA OPINIÃO, E SENDO CERTO QUE A SENTENÇA RECORRIDA NADA A ESSE RESPEITO ADIANTA, É MISTER RECONHECER QUE O PLANO EM APRECIAÇÃO CUMPRE OBJECTIVAMENTE O DISPOSTO NOS ARTºS 36º DA LGT E NOS ARTºS. 85º, 196º E 199º, TODOS DO C.P.P.T., NÃO VIOLANDO NORMA IMPERATIVA DO REGIME DE REGULARIZAÇÃO DE DIVIDAS À A.T. E, COMO TAL, REPETE-SE, NÃO OCORRE “VIOLAÇÃO NÃO NEGLIGENCIÁVEL DE REGRAS PROCEDIMENTAIS OU DAS NORMAS APLICÁVEIS AO SEU CONTEÚDO“ - NESTE SENTIDO O SUPRA CITADO DOUTO ACÓRDÃO DO TRG DE 15.10.2015;
SEM PRESCINDIR E POR MERA CAUTELA DE PATROCINIO,
I) - ERROU AINDA O TRIBUNAL RECORRIDO QUANDO TOMOU A OPÇÃO DE RECUSAR A HOMOLOGAÇÃO DO PLANO MAIORITARIAMENTE APROVADO PELOS CREDORES, MESMO QUE SE TIVESSE COMETIDO A INFRACÇÃO DAS NORMAS TRIBUTÁRIAS REFERENCIADAS NA SENTENÇA.
Senão vejamos:
J) - DESDE LOGO, TAL ERRO RESULTA DO TEXTO DA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA - QUE FAZ EXPRESSA REFERÊNCIA A DOUTO ACÓRDÃO PROFERIDO POR ESTE MESMO VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES EM 15 DE OUTUBRO DE 2013 (PROCESSO Nº 8604/12.2TBBRG.G1) QUE SEGUE LINHA JURISPRUDENCIAL CONSAGRADA OPOSTA À DECISÃO EM CRISE;
K) – COM EFEITO, A DECISÃO AQUI RECORRIDA ESTÁ MANIFESTAMENTE EM OPOSIÇÃO COM O DOUTO ACÓRDÃO EM QUE SE ESTRIBA AQUELA - A PROPÓSITO DA MESMA E FUNDAMENTAL QUESTÃO RELATIVA À HOMOLOGAÇÃO OU RECUSA DE HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE INSOLVÊNCIA PROFERIDA NESSE MESMO CITADO DOUTO ACÓRDÃO, TAL COMO EM MUITOS OUTROS QUE SE LHE SEGUIRAM;
L) - NO CASO EVIDENCIADO NOS AUTOS DEIXA-SE AFIRMADO QUE NA SENDA DA FUNDAMENTAÇÃO CONSTANTE DOS TRANSCRITOS E MUI DOUTOS ACÓRDÃOS DOS NOSSOS TRIBUNAIS SUPERIORES – MORMENTE DESTE VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES E DO VENERANDO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DEVE ENTENDER-SE, CASO TENHA OCORRIDO QUE O CONTIDO NA SUPRA CITADA CLÁUSULA DO PLANO DE REVITALIZAÇÃO ALGUMA PROPOSTA VIOLA O DISPOSTO NOS ARTS. 30º, 36º DA LGT E, OU, NO ART. 196º DO CPPT, TAL NÃO É RAZÃO BASTANTE À PROLACÇÃO DE DECISÃO DE RECUSA DE HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL DO PLANO DE RECUPERAÇÃO APROVADO PELA LARGA MAIORIA DE CREDORES;
M) - SE TAL VICIO OCORRE, O PLANO E ESSA CLÁUSULA ENFERMAM DE MERA INEFICÁCIA RELATIVAMENTE À AT, A QUEM NÃO SERÁ OPONÍVEL, DEVENDO, POR ISSO, SER REVOGADA A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO - A QUAL, SE VÍCIO EXISTIR NA SUPRA CITADA E TRANSCRITA CLÁUSULA (NO QUE SE NÃO CONCEDE), DEVERÁ, ISSO SIM, SER SUBSTITUÍDA POR OUTRA DECISÃO QUE DECRETE A JUSTA HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO DA RECORRENTE, DECLARANDO QUE ESSA CLÁUSULA SERÁ INEFICAZ EM RELAÇÃO À CREDORA A.T.;
N) - PELO QUE, SALVO O DEVIDO E MERECIDO RESPEITO, A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA VIOLOU E OU INTERPRETOU ERRADAMENTE, ENTRE OUTROS, O CONJUGADAMENTE DISPOSTO NOS ARTºS 47º Nº 4 A), 194º E 197º DO C.I.R.E..
NESTES TERMOS E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, VENERANDOS SENHORES JUÍZES DESEMBARGADORES, DEVE SER JULGADO PROCEDENTE O RECURSO, AQUI INTERPOSTO, REVOGANDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA E, DECRETANDO-SE A HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE REVITALIZAÇÃO, MAIORITÁRIAMENTE APROVADO PELOS CREDORES DA RECORRENTE, COM TODAS AS DEVIDAS E LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.
Ou e quando se não entender,
DEVE SER JULGADO PROCEDENTE O RECURSO, AQUI INTERPOSTO, REVOGANDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA E DECRETANDO-SE A HOMOLOGAÇÃO DO PLANO APROVADO PELOS CREDORES, DECLARANDO-SE AINDA QUE O MESMO É INEFICAZ EM RELAÇÃO À CREDORA A.T., SUBSISTINDO NO MAIS, SEMPRE COM TODAS AS DEVIDAS E LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.
POR SER DE INTEIRA,
JUSTIÇA!

O Ministério Público, em representação da credora AT, contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção da sentença recorrida.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 465.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.

Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pela requerente devedora, delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:
- Saber se no Plano de Recuperação aprovado e não homologado pelo Tribunal recorrido se verificou violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis, maxime de normas imperativas do regime tributário;
- Ocorrendo tal vício, saber se poderá ser homologado o Plano de Recuperação aprovado, declarando-se o mesmo ineficaz em relação à credora Autoridade Tributária.

Com relevância para a apreciação e decisão das questões suscitadas no presente recurso, importa ter em consideração a dinâmica processual supra referida, em sede de relatório, sendo ainda de considerar a seguinte factualidade que resulta dos elementos constantes dos autos:
1. A Autoridade Tributária e Aduaneira – Serviço de Finanças de Vizela reclamou créditos sobre a devedora no montante total de € 66 590,54, que se encontram enunciados na lista provisória de créditos e reconhecidos como privilegiados (fls. 165 a 173).
2. Em 23/02/2016, a Autoridade Tributária e Aduaneira remeteu ao Administrador Judicial Provisório, com conhecimento da devedora, uma comunicação na qual manifesta a sua disponibilidade para participar nas negociações a realizar, estabelecendo que, “por imperativo legal, a regularização dos seus créditos tem que ter o seu enquadramento, designadamente nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 30º e nº. 3 do artigo 36º da LGT e artigos 196º e 199º do CPPT.
Face ao regime legal aplicável aos créditos tributários a regularização dos mesmos deve obedecer, cumulativamente:
1 – Regime Legal aplicável aos créditos tributários:
• Pagamento em regime prestacional, nos termos do artº. 196º do do Código de Procedimento e Processo Tribuário (CPPT) ou seja:
a) As prestações são mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao terminus do prazo previsto no n.º 5 do artigo 17-D do CIRE.
b) Número máximo de prestações:
i. Até ao máximo de 36 prestações, não podendo nenhuma delas ser inferior a 1 unidade de conta (actualmente € 102);
ii. Até 150 prestações mensais, não podendo nenhuma delas ser inferior a 10 unidades de conta (actualmente €1020);
• A redução dos créditos fiscais só se dará, por juros de mora vencidos e vincendos, nos termos do DL 73/99, de 16/03, aceitando-se as taxas que vierem a ser acordadas para o conjunto dos restantes credores, face à renúncia dos demais credores e as garantias constituídas e/ou a constituir;
• Não haver lugar à redução de coimas e custas;
• Não haver lugar a qualquer moratória. (…)” (fls. 124 a 126).
3. O Plano de Recuperação da devedora, aprovado pela maioria dos votos dos credores, no que respeita ao Estado - Autoridade Tributária (créditos privilegiados), estabelece o seguinte [transcrição]:
“Plano de regularização:
- Propõe-se o pagamento da totalidade dos créditos em regime prestacional, até 150 prestações mensais, iguais e sucessivas, nos termos e com os fundamentos previstos no artigo 196° do CPPT, vencendo-se a primeira prestação até ao final do segundo mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de recuperação;
A situação económica da devedora não lhe permite solver a dívida de uma só vez, o que se dá por provado pelas razões já enumeradas e que o conteúdo deste plano de recuperação fundamenta.
- A redução dos créditos fiscais só se dará, por juros de mora vencidos, propondo-se o perdão de 80% dos mesmos, e vincendos, nos termos do DL nº 73/99 de 16/03 aceitando-se as taxas que vierem a ser acordadas para o conjunto dos restantes credores, face à renúncia dos demais credores e às garantias constituídas e/ou a constituir;
- Não haverá lugar à redução de coimas e custas;
- Não haverá lugar a qualquer moratória.
- Requer-se a dispensa da obrigação de substituição do administrador dado que a sua manutenção em funções é vital para assegurar a credibilidade da presente recuperação, mormente e no que tange ao relacionamento com fornecedores e clientes, nos termos do nº 3 al. a) do artigo 196º do CPPT;
- A taxa de juros vincendos a aplicar será a que for aceite pela Autoridade Tributária e que se propõe que seja de 3%;
- A devedora compromete-se a constituir garantia idónea e suficiente, sob a forma de penhor mercantil em 1º grau, nos termos do disposto no artigo 199º do CPPT, a prestar no prazo de 30 dias, pelo devedor ou por terceiro, junto do órgão de execução fiscal, a qual será aferida nos termos do nº 1 e 2 do artigo 197º e nº 9 do artigo 199º do CPPT, sobre os bens constantes do anexo I.
- No caso de não-aceitação pelo órgão de execução fiscal da garantia proposta ou de não consideração da sua suficiência, o que poderá implicar a não homologação do plano de recuperação da devedora, causando a si própria, Autoridade Tributária, ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e a todos os demais credores um manifesto prejuízo irreparável, que impede, evidentemente, o seu retorno ao “status quo ante”, desde já se requer, em tal eventualidade, o reforço da garantia prestada;
- Para os efeitos previstos no nº 1 do artigo 17º-E do CIRE, determina-se, nos termos da sua parte final, que a extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do CPPT. A suspensão prevista naquele normativo cessa, conforme o que ocorrer primeiro, com o decurso das negociações ou do prazo previsto na lei para conclusão das mesmas (nº 5 do artigo 17º-D do CIRE)”. (fls. 288 e 289).
4. A Autoridade Tributária, através de ofício datado de 29/06/2016, votou desfavoravelmente tal plano de pagamentos, nomeadamente por: “prever uma moratória ilegal no pagamento ao defender o início do pagamento prestacional no final do segundo mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença homologatória do plano, o que, atento o disposto no nº 5 do artº 14° do CIRE, constitui uma moratória inaceitável.
Refira-se que a redução dos créditos, por juros de mora, fica dependente da redução dos demais credores e termos infra indicados.
Assim, tal sentido de voto, face ao regime legal aplicável aos créditos fiscais, só poderá ser alterado se, relativamente à regularização dos mesmos, o Plano de Pagamentos vier a compreender, cumulativamente:
• Pagamento em regime prestacional, nos termos do artigo 196º do Código de Procedimento e Processo Tribuário (CPPT) ou seja:
a) As prestações são mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao terminus do prazo previsto no n.º 5 do artigo 17-D do CIRE.
b) Número máximo de prestações:
i) Até ao máximo de 36 prestações, não podendo nenhuma delas ser inferior a 1 unidade de conta (actualmente € 102);
ii) Até 150 prestações mensais, não podendo nenhuma delas ser inferior a 10 unidades de conta (actualmente €1020);
• A redução dos créditos fiscais só de dará, por juros de mora vencidos e vincendos, nos termos do Decreto-Lei nº 73/99, de 16 de Março, aceitando-se as taxas que vierem a ser acordadas para o conjunto dos restantes credores, face a renúncia dos demais credores e as garantias constituídas e/ou a constituir;
• Não haver lugar à redução de coimas e custas;

• Não haver lugar a qualquer moratória. (…)” (fls. 364).
5. O Plano de Recuperação foi aprovado com os votos favoráveis dos credores que representam 77,41% dos créditos e os votos contra dos credores que representam 22,59% dos créditos (fls. 342 e 343).
*
Apreciando e decidindo.
Insurge-se a empresa devedora, ora recorrente, contra a sentença recorrida que recusou a homologação do Plano de Recuperação por ocorrer violação não negligenciável dos artºs 30º, nº. 2 e 36º, nº. 3 da LGT e 196º do CPPT, alegando que não existe “in casu” qualquer violação de norma imperativa da lei tributária na cláusula que estipula que as prestações tenham início após o trânsito em julgado da sentença homologatória do Plano, a qual não acarreta nenhuma moratória ilegal ou excessiva.
Defende, ainda, a recorrente que, mesmo que se entenda que tal cláusula do Plano de Recuperação viola as normas tributárias acima indicadas aplicáveis ao seu conteúdo, tal não é razão bastante para o Tribunal “a quo” ter proferido a decisão de recusa de homologação, sendo tal Plano ineficaz relativamente à credora AT, a quem não será oponível.
Vejamos se lhe assiste razão.
O processo especial de revitalização (doravante PER), introduzido no nosso ordenamento jurídico a partir da Lei nº. 16/2012 de 20/4, destina-se a permitir ao devedor em situação económica difícil ou em iminente insolvência, mas ainda susceptível de recuperação, o estabelecimento de negociações com os respectivos credores de modo a obter acordo conducente à sua revitalização.
Nas palavras de Catarina Serra, “o PER é um processo pré-insolvencial, cuja maior vantagem é a possibilidade de o devedor obter um plano de recuperação sem ser declarado insolvente” e através do qual se reserva aos credores um papel fundamental – o de “consentirem (pelo menos momentaneamente) no sacrifício dos seus direitos para viabilizarem o PER ou, então, manterem-se irredutíveis” (in Processo Especial de Revitalização, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 72, II/III, pág. 716).
Concluídas as negociações, o Plano carece, ainda, de homologação judicial (artº. 17º-F, nºs 1 e 2 do CIRE), homologação esta destinada a aferir também da conformidade legal das medidas aprovadas.
À homologação ou não homologação do Plano aplicam-se, com as necessárias adaptações, as regras previstas nos artºs 215º e 216º “ex vi” do artº. 17º-F, nº. 5 todos do CIRE.
De acordo com o disposto no artº. 215º do CIRE a homologação do Plano de Recuperação aprovado pelos credores deve ser recusada quando se verifique violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza.
São normas procedimentais todas aquelas que “regem a actuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram presentes — incluindo, por isso, as relativas à sua própria convocatória e funcionamento — e, bem assim, as relativas ao modo como ele deve ser elaborado e apresentado” (cfr. acórdão da RC de 29/10/2013, proc. nº. 5697/12.6TBLRA, acessível em www.dgsi.pt).
Referem-se ao conteúdo as normas relativas à parte dispositiva do Plano e aquelas que estabelecem os princípios a que ele deve obedecer imperativamente ou que definem o objecto da proposta.
A lei não define o que são vícios não negligenciáveis, Trata-se de um conceito a integrar pelo intérprete, a quem compete identificar eventuais transgressões, da forma ou do conteúdo que, em face dos interesses tutelados ou apesar deles, não possam ser ultrapassadas.
Tem-se entendido que revestem a natureza de “não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são desconsideráveis as infracções que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido” (cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª ed., 2013, Quid Juris, pág. 826; neste sentido vide também acórdãos da RL de 12/12/2013, proc. nº. 1908/12.6TYLSB-A e da RG de 15/10/2015, proc. 1651/14.1TBBCL, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).
Importa, ainda, salientar que compete ao juiz, oficiosamente, aquilatar da violação de normas imperativas.
Ora, estabelece o artº. 30º, nº. 2 da Lei Geral Tributária (doravante LGT) que “O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”, acrescentando o nº. 3, aditado pelo artº. 123º da Lei nº. 55-A/2010 de 31/12 (Lei do Orçamento do Estado para 2011), que “O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial”.
Decorre, ainda, do disposto no artº. 36º, nº. 3 da LGT que a administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei.
Resulta, assim, dos artºs 30º, nºs 2 e 3 e 36º, nº. 3 da LGT uma absoluta indisponibilidade dos créditos tributários, não sendo possível, nos Planos de Recuperação em processos especiais de revitalização, sem o acordo do Estado, reduzir ou extinguir créditos fiscais e/ou conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias. Este é o entendimento que tem sido unanimemente defendido na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, citando-se, a título meramente exemplificativo, os acórdãos do STJ de 15/12/2011, proc. nº. 467/09.1TYVNG, de 10/05/2012, proc. nº. 368/10.0TBPVL-D e de 14/06/2012, proc. nº. 506/10.3TBPNF-E; acórdãos da RG de 23/04/2013, proc. nº. 2848/12.4TBGMR e de 18/06/2013, proc. nº. 4021/12.2TBGMR; acórdãos da RP de 17/06/2013, proc. nº. 2836/12.0TJVNF e de 10/07/2013, proc. nº. 257/12.4TBMCD-C; acórdãos da RC de 28/05/2013, proc. nº. 249/12.3TBGRD-J e de 24/09/2013, proc. nº. 36/13.1TBNLS, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
Ora, o artº. 85º, nº. 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (doravante CPPT) estabelece que os prazos de pagamento voluntário dos tributos são regulados nas leis tributárias.
Por sua vez, nos diversos números do artº 196º do CPPT (com a redacção dada pela Lei nº. 64-B/2011 de 30/12), estabelece-se quais os termos/condições em que as dívidas tributárias podem ser pagas em prestações, referindo o respectivo nº. 6 que “Quando, no âmbito de plano de recuperação económica legalmente previsto, se demonstre a indispensabilidade da medida e, ainda, quando os riscos inerentes à recuperação dos créditos o tornem recomendável, a administração tributária pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado até ao limite máximo de 150 prestações, com a observância das condições previstas na parte final do número anterior”.
Acrescenta o nº. 7 do citado artº. 196º do CPPT que “A importância a dividir em prestações não compreende os juros de mora, que continuam a vencer-se em relação à dívida exequenda incluída em cada prestação e até integral pagamento (...)”.
Decorre da conjugação dos normativos atrás enunciados que o pagamento das dívidas tributárias em prestações obedece a um processado específico e, dentro deste, a um conjunto apertado de requisitos e especificações, com especial relevo para o facto de que a possibilidade de pagamento fraccionado e o estabelecimento de prazos diferenciados de pagamento depende de expressa autorização por parte da Administração Fiscal.
Considerando que as normas de direito tributário têm carácter público e imperativo, vigorando, nesta sede, os princípios da indisponibilidade e da irrenunciabilidade, é ao Estado que compete, de forma soberana, criar e regular a forma de pagamento dos impostos, não podendo os particulares decidir quando, onde e de que forma efectuar tal pagamento.
Neste contexto, e a respeito desta temática, acolhemos a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, designadamente, a posição assumida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 15/11/2012, proferido no processo nº. 86/11.1TYLSB-G (acessível em www.dgsi.pt.), que consignou o seguinte: “Trata-se, com efeito, de normas imperativas, por só ao Estado competir lançar impostos e proceder à sua cobrança, com observância do princípio da legalidade, não sobrando qualquer espaço para a autonomia privada. (...) Consubstanciado, por isso, normas imperativas, a sua derrogação apenas seria permitida com a expressa autorização por parte do Estado …” (neste sentido vide também acórdãos da RP de 28/06/2013, proc. nº. 4944/12.9TBSTS-A e de 30/09/2013, proc. nº. 4819/12.1TBSTS-A e da RG de 15/10/2013, proc. nº. 8604/12.2TBBRG e de 6/03/2014, proc. nº. 643/13.2TBBCL-A, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
Reportando-nos ao caso em apreço, conforme se constata do teor do ofício junto a fls. 125 e 126 dos autos remetido pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao AJP em 23/02/2016, no mesmo aquela entidade do Estado manifesta a sua disponibilidade para participar nas negociações a realizar entre credores e devedora, estabelecendo, por imperativo legal, o enquadramento e os parâmetros pelos quais se deveria reger a regularização dos seus créditos e, consequentemente, a elaboração do Plano de Recuperação, nos termos atrás referidos no ponto 2 da factualidade assente, e fazendo menção expressa às normas tributárias que teriam de ser observadas na elaboração e aprovação do dito Plano.
No entanto, confrontando o Plano de Recuperação aprovado pela maioria dos credores, na parte respeitante aos créditos do Estado – Autoridade Tributária, com o ofício da AT constante de fls. 125 e 126 dos autos e as normas imperativas aplicáveis aos créditos fiscais, verificamos que o Plano prevê um regime de pagamento prestacional dos créditos tributários e um perdão de 80% dos juros de mora vencidos que não respeita o artº. 196º do CPPT, designadamente o disposto na parte final do seu nº. 5 e no nº. 7 e, obviamente, contende com as condições definidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira no citado ofício, que remete para os artºs 30º, nºs 2 e 3 e 36º, nº. 3 da LGT e artº. 196º do CPPT.
Com efeito, no mencionado ofício a AT admite o pagamento dos seus créditos em regime prestacional, desde que seja efectuado nos termos do artº. 196º do CPPT, tendo em atenção designadamente o disposto na parte final do seu nº. 5.
Ora, estabelece o nº. 5 do citado artº. 196º do CPPT que “Nos casos em que se demonstre notória dificuldade financeira e previsíveis consequências económicas para os devedores, poderá ser alargado o número de prestações mensais até 5 anos, se a dívida exequenda exceder 500 unidades de conta no momento da autorização, não podendo então nenhuma delas ser inferior a 10 unidades da conta” (sublinhado e negrito nosso).
Por outro lado, conforme já atrás referimos, o nº. 6 do mesmo artº. 196º admite a possibilidade da Administração Fiscal estabelecer o alargamento do regime prestacional até ao limite máximo de 150 prestações quando, no âmbito de plano de recuperação económica legalmente previsto, se demonstre a indispensabilidade da medida e, ainda, quando os riscos inerentes à recuperação dos créditos o tornem recomendável, mas com a observância das condições previstas na parte final do nº. 5.
Daqui se retira que, em nenhuma das situações supra referidas, o montante de cada prestação poderá ser inferior a € 1 020,00 - condição esta estabelecida pela AT, por imposição legal, para admitir a inclusão do pagamento dos seus créditos em regime prestacional, no Plano de Recuperação da devedora, conforme referido no mencionado ofício de fls. 125 e 126.
Ademais, resulta do ofício da Autoridade Tributária e Aduaneira junto a fls. 364 que aquele credor votou contra a aprovação do Plano de Recuperação, por o mesmo contender com as normas imperativas aplicáveis aos créditos fiscais, dado “prever uma moratória ilegal no pagamento ao defender o início do pagamento prestacional no final do segundo mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença homologatória do plano, o que, atento o disposto no nº 5 do artº 14° do CIRE, constitui uma moratória inaceitável”, estabelecendo, ainda, que a redução dos créditos, por juros de mora, ficaria dependente da redução dos demais credores e termos ali indicados.
Ora, do Plano de Recuperação da empresa devedora consta que os créditos da AT, no montante total de € 66 590,54 (indicados e reconhecidos na lista provisória de créditos) serão liquidados até 150 prestações mensais, iguais e sucessivas, “nos termos e com os fundamentos previstos no artigo 196° do CPPT”, vencendo-se a primeira prestação até ao final do segundo mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença homologatória, prevendo-se, ainda, o perdão de 80% dos juros de mora vencidos (cfr. pontos 1 e 3 da factualidade assente).
Conforme se alcança de ambos os ofícios da AT acima referidos, a administração tributária não manifestou a sua concordância para o pagamento em prestações ter início no final do segundo mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença homologatória do Plano (mas antes, estabeleceu expressamente que a 1ª prestação se venceria até ao final do mês seguinte ao terminus do prazo previsto no nº. 5 do artº. 17º-D do CIRE), nem deu qualquer anuência ao perdão de 80% dos juros vencidos, tal como está previsto no Plano de Recuperação, pelo que sendo os juros de mora uma parte integrante da dívida tributária, o facto de não serem considerados 80% dos juros vencidos, leva a uma redução do crédito tributário. Esta redução não pode ocorrer sem a necessária concordância da administração fiscal, uma vez que as normas de direito tributário têm carácter público e imperativo (vigorando, aqui, os princípios da indisponibilidade e da irrenunciabilidade).
Por outro lado, a ocorrer o pagamento do crédito da AT em 150 prestações mensais, iguais e sucessivas, tal significaria que o montante de cada prestação seria de € 443,94 (€ 66 590,54 : 150), valor largamente inferior ao mínimo imposto na parte final do nº. 5 do artº. 196º do CPPT.
Assim, verificando-se que o Plano de Recuperação aprovado pela maioria dos credores comporta um regime prestacional de pagamento das dívidas fiscais e de perdão de juros de mora que não respeitou disposições legais tributárias, que têm carácter público e imperativo, e não obteve concordância do credor Estado – Autoridade Tributária e Aduaneira, teremos de concluir que tal situação importa a violação não negligenciável de normas aplicáveis ao seu conteúdo, pelo que nos termos do disposto no artº. 215º “ex vi” do artº. 17º-F, nº. 5 ambos do CIRE, o mesmo não poderia ser homologado em toda a sua extensão.
No que concerne às repercussões desta conclusão no caso em apreço, e embora saibamos que se trata de uma questão que não é pacífica na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, aderimos à jurisprudência mais recente maioritariamente emanada do STJ e desta Relação, que entende que, em casos como este, se deverá considerar que o Plano de Recuperação aprovado pela maioria dos credores, com o voto contra da AT por inobservância do regime previsto na LGT e no CPPT relativamente aos créditos tributários, apenas deverá ser ineficaz em relação à Autoridade Tributária e Aduaneira, não produzindo a sua homologação quaisquer efeitos quanto aos respectivos créditos (cfr. acórdãos do STJ de 10/05/2012, relator Cons. Álvaro Rodrigues, proc. nº. 368/10.0TBPVL-D, de 18/02/2014, relator Cons. Fonseca Ramos, proc. nº. 1786/12.5TBTNV, de 1/04/2014, relator Cons. Fernandes do Vale, proc. nº. 185/13.6TBCHV-A e de 24/03/2015, relatora Cons. Ana Paula Boularot, proc. nº. 664/10.7TYVNG; acórdãos da RG de 18/06/2013, relatora Desemb. Rosa Tching, proc. nº. 4021/12.2TBGMR, de 15/10/2013, relatora Desemb. Manuela Fialho, proc. nº. 8604/12.2TBBRG, de 6/03/2014, relator Desemb. José Estelita de Mendonça, proc. nº. 643/13.2TBBCL-A e de 15/10/2015, relatora Desemb. Eva Almeida, proc. nº. 1651/14.1TBBCL, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
No entanto, na senda da jurisprudência acima mencionada que sufragamos, tal não significa que o Plano de Recuperação não possa valer perante os demais credores que lhe deram o seu acordo, porquanto a sua ineficácia em relação aos créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira não impede que o mesmo seja homologado mas tão só em relação aos demais credores.
Afigura-se-nos que este entendimento jurisprudencial, por nós acolhido, para além de parecer o mais favorável e adequado à recuperação do devedor, sem olvidar a prossecução dos interesses dos credores, é o que melhor se coaduna com o actual regime decorrente do CIRE, que privilegia a manutenção do devedor no giro comercial, optando pela respectiva recuperação, sempre que a mesma se mostre viável.
Disto mesmo é expressão o processo especial de revitalização que nos ocupa, de cariz marcadamente voluntário e extrajudicial, no qual se dá primazia à vontade dos intervenientes (devedor e credores), prevendo mecanismos de controle, pelos credores, da conduta do devedor e do administrador e reservando a intervenção jurisdicional à gestão processual com vista à sindicância da justeza da instauração do processo especial de revitalização e da observância dos trâmites a seguir quanto à aprovação do plano de recuperação conducente à revitalização.
Em suma, tendo o Estado - Autoridade Tributária e Aduaneira votado desfavoravelmente o Plano de Recuperação aprovado pela maioria dos credores da devedora, cuja homologação foi recusada na sentença recorrida, e não tendo havido a competente e necessária autorização por parte da administração fiscal para o pagamento prestacional dos respectivos créditos nos termos propostos naquele Plano e para o perdão de juros de mora, o mesmo não deverá produzir efeitos quanto a estes créditos.
Todavia, entendemos que o Plano de Recuperação aprovado, não obstante conter propostas que violam o disposto nos artºs 30º, nº s 2 e 3 e 36º, nº s 2 e 3 da LGT e artº. 196º do CPPT, não deve ser o mesmo objecto de recusa de homologação judicial, porquanto enferma apenas de mera ineficácia em relação à AT, a quem o mesmo não é oponível.
Nestes termos, terá de proceder o recurso interposto pela devedora, com a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que decrete a homologação do Plano de Recuperação da recorrente, declarando o mesmo ineficaz em relação à credora Autoridade Tributária e Aduaneira.
*
SUMÁRIO:
I) - Resulta do disposto nos artºs 30º, nºs 2 e 3 e 36º, nº. 3 da LGT uma absoluta indisponibilidade dos créditos tributários, não sendo possível, nos Planos de Recuperação em processos especiais de revitalização, sem o acordo do Estado, reduzir ou extinguir créditos fiscais e/ou conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias.
II) - Verificando-se que o Plano de Recuperação aprovado pela maioria dos credores comporta um regime prestacional de pagamento das dívidas fiscais e de perdão de 80% dos respectivos juros de mora vencidos, que não respeitou disposições legais tributárias, nomeadamente os artºs 30º, nºs 2 e 3 e 36º, nº. 3 da LGT e artº. 196º do CPPT, que têm carácter público e imperativo, e não obteve concordância do Estado - Autoridade Tributária e Aduaneira, terá de se concluir que tal situação importa a violação não negligenciável de normas aplicáveis ao seu conteúdo, pelo que nos termos do disposto no artº. 215º “ex vi” do artº. 17º-F, nº. 5 ambos do CIRE, o mesmo não deve ser homologado em toda a sua extensão.
III) - O Plano de Recuperação do devedor aprovado pela maioria dos credores, com o voto contra da Autoridade Tributária e Aduaneira por inobservância do regime previsto na LGT e no CPPT relativamente aos créditos tributários, apenas deverá ser ineficaz em relação à Autoridade Tributária e Aduaneira, não produzindo a sua homologação quaisquer efeitos quanto aos respectivos créditos.
IV) - No entanto, tal não significa que o Plano de Recuperação não possa valer perante os demais credores que lhe deram o seu acordo, porquanto a sua ineficácia em relação aos créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira não impede que o mesmo seja homologado mas tão só em relação aos demais credores.

III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela requerente C – Indústria de Calçado, S.A. e, em consequência, revogar a decisão recorrida, homologando-se o Plano de Recuperação conducente à revitalização da devedora/recorrente, aprovado pela maioria dos seus credores, declarando-se o mesmo ineficaz apenas em relação aos créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Sem custas.

Guimarães, 15 de Dezembro de 2016
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)
(Maria Cristina Cerdeira)
(Espinheira Baltar)
(Eva Almeida)