Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
330/16.0T8BCL.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
DENÚNCIA
ABANDONO DE TRABALHO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: I – A denúncia (expressa) do contrato de trabalho pelo trabalhador não necessita de ser efectuada de forma escrita, mas tem de existir manifestação do trabalhador que revele de forma concludente, que ele quis cessar o contrato.
II - O abandono do trabalho corresponde à denúncia (tácita) do contrato por banda do trabalhador, cuja eficácia extintiva só opera, depois de o empregador o invocar em comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de recepção.
III – O empregador que pretenda ver reconhecida a denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador com fundamento na situação prevista no artigo 403º do CT compete-lhe alegar e provar a verificação do facto indiciário do abandono do trabalho.
IV – O abandono do trabalho pressupõe a intenção do trabalhador não retomar o trabalho, intenção essa que deverá ser revelada por factos que, com toda a probabilidade, o demonstrem, o que não ocorre se da matéria de facto provada decorre que o Autor estava suspenso das suas funções na sequência da instauração de procedimento disciplinar instaurado pela ré, ainda que no período de tal suspensão o trabalhador possa ter prestado trabalho por conta de terceiro.
Decisão Texto Integral: PROC. N.º 330/16.0T8BCL.G1

APELANTE: AA, S.A.
APELADO: BB
Tribunal da Comarca de Barga, Instância Central Barcelos. 2ª Secção do Trabalho, J2

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO
BB, residente na Av. das Pontes, n.º …, 4750-754 Tamel S. Veríssimo, Barcelos, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra BB, S.A., com sede na Rua do Rio, n.º …, 4750-558 Manhente, Barcelos, pedindo:
a) a declaração de ilicitude do despedimento de que foi alvo;
b) a condenação da ré a pagar-lhe a quantia global de 19.000,00€ (dezanove mil euros), relativa às retribuições correspondentes aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2015 e Janeiro de 2016, acrescida das que se vieram a vencer até ao trânsito em julgado da sentença a proferir nestes autos e dos respetivos juros moratórios, à taxa legal em vigor, contabilizados desde a citação até efetivo e integral pagamento;
c) a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 1.108,33€ (mil cento e oito euros e trinta e três cêntimos), a título do direito a férias vencidas e não gozadas relativas ao ano civil de 2014;
d) a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 7.808,20€ (sete mil oitocentos e oito euros e vinte cêntimos), relativos a proporcionais de férias e de subsídio de férias referente ao ano da cessação do contrato de trabalho;
e) a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 3.904,10€ (três mil, novecentos e quatro euros e dez cêntimos), relativos a proporcionais de subsídio de natal referente ao ano da cessação do contrato de trabalho;
f) a condenação da ré a pagar-lhe a quantia global de 123.500,00€ (cento e vinte e três mil e quinhentos euros), a título de indemnização por antiguidade, nos termos dos n.º 1 e 3 do art.º 391º do Código do Trabalho;
g) a condenação da ré no pagamento de quantia nunca inferior a 20.000,00€ (vinte mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Tal como alega a sentença recorrida, foi admitido pela Ré em 02/11/1989 para prestar o seu trabalho de diretor comercial mediante o pagamento da retribuição mensal que à data da cessação do contrato era de 4.750,00€. Sendo filho do atual presidente do conselho de administração da Ré, foi administrador desta entre 22/11/2004 e 31/07/2015, data em que retomou as funções de diretor comercial. Em 04/09/2015 recebeu uma carta da ré, datada de 03/09/2015, dando conta da instauração de um processo disciplinar com intenção de despedimento e a comunicar-lhe a sua suspensão preventiva a partir dessa data, estando proibido de entrar nas instalações da ré. Apesar de ter respondido à nota de culpa e de o processo disciplinar ter seguido os seus termos, ainda antes de proferida qualquer decisão, com data de 26/10/2015, a ré enviou-lhe uma carta na qual lhe comunica que por estar sem comparecer ao serviço desde 18/09/2015 e tendo tido conhecimento de que exerceria atividade numa empresa concorrente, a ré considerava denunciado o contrato de trabalho, pelo que o mesmo teria cessado. Entende que esta comunicação configura um despedimento ilícito, pelo que pede a sua declaração como tal e a condenação da ré no pagamento de uma indemnização em substituição da reintegração e das retribuições intercalares, para além de outros créditos laborais que alega estarem em falta e de uma compensação pelos danos não patrimoniais que invoca ter sofrido com o despedimento.
A Ré contestou, alegando em resumo que comunicou ao autor a cessação do contrato por denúncia, afirmando serem verdadeiros os factos que fez constar de tal carta, pelo que entende ser válida a cessação do contrato por essa forma. Por esse motivo, deduz reconvenção, pedindo a condenação do autor no pagamento da quantia de 9.500,00€ (nove mil e quinhentos euros), correspondente à retribuição do período de aviso prévio em falta.
O autor apresentou resposta, reafirmando o alegado na petição inicial quanto à ilicitude do despedimento e impugnando os factos alegados pela ré na carta enviada e peticiona a improcedência do pedido reconvencional.
Foi admitido o pedido reconvencional e foi proferido despacho saneador no âmbito do qual se apreciou parcialmente o mérito da acção e se julgou:
A- a ação parcialmente procedente por provada e, consequentemente:
a) declarou ilícito o despedimento do autor AA, levado a cabo pela ré BB S.A. por carta datada de 26/10/2015;
b) condenou a ré BB S.A. no pagamento ao autor AA das seguintes quantias:
i. 123.500,00€ (cento e vinte e três mil e quinhentos euros) a título de indemnização em substituição da reintegração;
ii. as retribuições vencidas e vincendas desde 11/01/2016 até à data de trânsito em julgado da sentença, no valor de 4.750,00€ (quatro mil, setecentos e cinquenta euros) mensais, sendo as já vencidas em 15/07/2016 no valor de 28.500,00€ (vinte e oito mil e quinhentos euros);
iii. 1.108,33€ (mil, cento e oito euros e trinta e três cêntimos) a título da parte não gozada das férias vencidas em 01/01/2015; sendo todas as quantias acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal de 4% desde as respetivas datas de vencimento até efetivo e integral pagamento;
B) a reconvenção totalmente improcedente por não provada e, consequentemente, absolveu o autor AA do pedido contra si deduzido pela ré BB S.A.
Os autos prosseguiram a sua normal tramitação, designadamente para produção de prova relativamente aos demais pedidos que ficaram por apreciar e por fim foi proferida sentença pelo Mmo. Juiz, que terminou com o seguinte dispositivo:
“Assim e nos termos expostos, julgo a ação parcialmente procedente por provada e, consequentemente, condeno a ré BB S.A. (para além da condenação já proferida a fls. 98 e ss.) no pagamento ao autor AA das seguintes quantias:
a) 11.712,33€ (onze mil, setecentos e doze euros e trinta e três cêntimos) a título de proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal do ano de 2015;
b) 4.000,00€ (quatro mil euros) a título de compensação por danos não patrimoniais sofridos com o despedimento.
sendo todas as quantias acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal de 4% desde a data de cessação do contrato (a da alínea a) ) e desde a citação (a da alínea b) ) até efetivo e integral pagamento.
Custas da ação (na parte decidida nesta sentença, correspondente a 31.712,30€) pelo autor e pela ré, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 50,45% para o primeiro e 49,55% para a segunda, nos termos do disposto no art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.”
*
Inconformada com o despacho saneador sentença e com esta sentença, dela veio a Ré interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões:
”1 – A relação laboral entre ré e o autor cessou por iniciativa deste.
2 – A qual aconteceu em 18 de setembro de 2015, como anuncia a nova entidade patronal do autor – CC, Lda. – através do email enviado aos seus clientes a 21 de Setembro de 2015, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
3 – A vontade do autor em denunciar o contrato de trabalho que o vinculava à Ré está inequivocamente expressa no referido email que a ré recepcinou em 23 de Outubro de 2015.
4 – O qual é divulgado e publicitado, obviamente, com o consentimento do autor.
5 – A ré envia ao autor, em 26 de Outubro de 2015, a carta constante da alínea “O” dos factos provados após ter recepcionado em 23 de Outubro o mencionado email.
6 – À qual o autor não manifestou qualquer oposição, sendo certo que impendia sobre si p ónus de o fazer. O que não fez.
7 – Daí que com a emissão do referido email o autor permite expressamente a divulgação e consequentemente a transmissão da sua vontade à ré de fazer cessar o seu contrato de trabalho.
8 – Por isso, dúvidas não há, que o autor denunciou o contrato de trabalho que o vinculava à ré.
9 – Pois, não só se presume, como inequívoca e clara a sua intenção de não mais se apresentar ao serviço da ré.
10 – Pelo que o contrato de trabalho cessou por iniciativa do autor a 16 de Setembro de 2015.
11 – Consequentemente os créditos devidos ao autor a título de proporcionais de férias, subsídios de férias e de natal do ano de 2015 devem ser reduzidos à quantia de €10.687,50.
12 – Tendo terminado a relação laboral por denúncia do autor, não se verificam quaisquer danos patrimoniais, designadamente os invocados na petição inicial.
13 – Além de que os danos não patrimoniais considerados provados na douta sentença recorrida decorrem de “toda uma situação de conflito familiar e empresarial que envolve a situação aqui em apreço e que contribui para o estado de espirito do autor, mas a mesma não decorre do despedimento que aqui está a ser analisado “como expressamente consta da sua fundamentação.
14 – Não havendo danos patrimoniais não há que indemnizar ou compensar o autor.
15 – Pelo que o auto não tem direito à quantia de 4.000,00 fixada na douta sentença recorrida.
16 – Os doutos despachos saneador sentença e sentença recorridos violam o disposto nos artigos 400º, 401º e 403º do Código do Trabalho, e os artigos 494º e 496º n.º 4 do Código Civil”
Termina pugnando pela revogação do despacho saneador sentença, com a sua substituição por outro que declare a cessação do contrato de trabalho entre autor e ré, por iniciativa do autor em 16 de Setembro de 2015, corrigindo-se em conformidade os créditos devidos ao autor a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal do ano de 2015, revogando-se ainda a sentença recorrida relativamente à condenação da ré no pagamento de €4.000,00 ao autor a título de danos não patrimoniais. Caso assim não se entenda que seja revogado o despacho saneador sentença e proferido acórdão que ordene o prosseguimento dos autos para averiguar a veracidade da factualidade vertida no email emitido em 18 de Setembro de 2015 pela sociedade denominada CC, Lda. junto aos autos.
Respondeu o Recorrido/Apelado defendendo a manutenção do despacho saneador sentença e sentença recorridos nos seus exactos termos.
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito suspensivo em face da prestação de caução, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer de fls.207 a 210, no sentido da improcedência do recurso.
Recorrente e recorrido não responderam a tal parecer.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II – OBJECTO DO RECURSO
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, no recurso interposto pela Ré/Apelante sobre o despacho saneador sentença e sentença recorrida, coloca-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:
- erro de julgamento quanto à subsunção jurídica dos factos ao direito, uma vez que o contrato de trabalho cessou por denuncia da iniciativa do autor;
- Das consequências jurídicas da cessação do contrato de trabalho por iniciativa do autor.
- Da reparação do dano não patrimonial.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Em 1ª instância deram-se os seguintes factos como provados:
a) Por contrato verbal celebrado no dia 02 de novembro de 1989, a ré admitiu ao serviço o autor;
b) Para sob as suas ordens, direção e fiscalização exercer as funções inerentes à categoria profissional de diretor comercial;
c) No que auferia, ultimamente, um vencimento base de 4.750,00€ (quatro mil setecentos e cinquenta euros);
d) Cumprindo um horário de trabalho sempre superior a 40 horas semanais;
e) O autor é filho do atual presidente do conselho de administração e acionista da ré;
f) No dia 22 de novembro de 2004 o autor foi empossado no cargo de administrador da ré, cargo esse que manteve até ao dia 31 de Julho de 2015, data a partir da qual produziu efeitos a respetiva renúncia ao mesmo;
g) Nada se tendo alterado quanto à retribuição, que se manteve em 4.750,00€ (quatro mil setecentos e cinquenta euros) mensais;
h) As instalações da ré encerraram para férias no período compreendido entre o dia 15 de Agosto e 6 de Setembro de 2015;
i) Logo após o período de férias, no dia 04 de setembro de 2015, o autor recebeu da ré uma carta registada com aviso de receção, datada de 03/09/2015, a comunicar-lhe a instauração de um processo disciplinar, no âmbito do qual lhe comunicou a sua intenção de o despedir;
j) Que estava suspenso, proibido de entrar nas instalações da empresa até à conclusão daquele processo;
k) Tudo sem perda de retribuição;
l) O autor respondeu nos termos e com os fundamentos constantes da resposta à nota de culpa datada de 17 de setembro de 2015, que a ré recebeu em 21 de setembro de 2015, onde requereu diligências probatórias;
m) No dia 22 de Outubro de 2015 foram inquiridas nove testemunhas;
n) Desde a data em que foi suspenso do exercício das suas funções, no âmbito do identificado processo disciplinar, nunca mais foi permitido o acesso do autor às instalações da ré, estando o autor impedido de ali entrar;
o) Com data de 26 de Outubro de 2015, a ré enviou ao autor a carta junta a fls. 33, com o seguinte teor:
“(...)
Assunto: Denúncia do contrato de trabalho
Exmo. Senhor
Informamos que temos conhecimento que está a trabalhar, pelo menos desde o passado dia 18 de Setembro de 2015, na sociedade comercial denominada CC, Lda., com sede na Rua do Souto, freguesia de Vila Frescainha S. Pedro, concelho de Barcelos.
A qual exerce atividade concorrencial à exercida por esta sociedade.
O descrito comportamento de V. Ex.ª consubstancia a denúncia, sem aviso prévio, de contrato de trabalho que o vinculava a esta sociedade.
Pelo que, o contrato de trabalho cessou por iniciativa de V. Exa, e de imediato será comunicado às entidades competentes. (...)”
p) No dia 03 de Dezembro de 2015, a ré fez chegar ao autor o modelo oficial da “Declaração de Situação de Desemprego”, datado de 25/11/2015, cujo motivo de cessação do contrato de trabalho nela assinalado atribui a iniciativa ao trabalhador, como “denúncia do contrato de trabalho/demissão”, correspondente à quadrícula n.º 9 ali assinalada;
q) Onde consta que a cessação do contrato de trabalho entre autor e ré data de 30/09/2015;
r) Com data de 16 de dezembro de 2015 o autor endereçou à administração da ré, que recebeu, carta na qual solicita seja proferida decisão disciplinar relativa ao processo que lhe havia sido instaurado por carta de 03 de setembro de 2015, à qual a ré não respondeu;
s) Com referência ao ano civil de 2014, à data da comunicação da cessação do contrato de trabalho o autor ainda não tinha gozado, na totalidade, o direito a férias vencidas no dia 01 de janeiro de 2015, a que tinha direito, relativo a um período de 7 dias;
t) A ré não pagou ao autor qualquer quantia a título de proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal relativos ao tempo de trabalho prestado em 2015;
u) O autor sempre demonstrou dedicação e interesse no desempenho das suas tarefas;
v) O conflito familiar que culminou na cessação do contrato causou ao autor desgosto, sendo certo que é muito conhecido no meio têxtil e foi muito divulgado;
w) O que causou ao autor vergonha e tristeza;
x) Tal foi motivo de conversa no meio empresarial;
y) O autor tem a seu cargo filho menor e mulher que não exerce qualquer atividade;
z) O autor faz-se transportar diariamente num Porsche Panamera;
aa) O filho do autor estuda num colégio privado no Porto;
bb) O autor, para além de sócio da ré, é sócio da DD, Lda., é sócio-gerente da EE, Lda. e da FF Unipessoal, Lda..
*
IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO
- Erro de julgamento quanto à subsunção jurídica dos factos ao direito, uma vez que o contrato de trabalho cessou por denuncia da iniciativa do autor
Insurge-se a Recorrente quanto ao facto do tribunal a quo não ter considerado que o contrato de trabalho vigente entre as partes cessou por denúncia presumida da iniciativa do autor, resultando tal denúncia do facto do autor não ter manifestado qualquer oposição à carta envidada pela Ré datada de 26 de outubro de 2015, cujo teor consta do ponto O) dos factos provados, considerando assim que está demonstrada a real vontade do autor em por termo à relação laboral que mantinha com a Ré.
Ao caso em apreço, aplica-se o Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro.
A extinção de um vínculo contratual decorre sempre da verificação ou ocorrência de determinados actos ou factos a que a lei confere a virtualidade de operar aquele efeito jurídico.
Relativamente à cessação do vínculo laboral por iniciativa do trabalhador, a lei distingue entre a sua resolução e a sua denúncia – arts. 394º a 403º do Código do Trabalho, em cujo domínio alega a recorrente que ocorreram os factos.
No primeiro caso, exige-se que a desvinculação seja operada através de documento escrito, com a indicação sucinta dos factos que a justificam e nos 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos – art. 395º. No caso da denúncia exige comunicação ao empregador que, constituindo em ambas as situações uma declaração negocial receptícia – art. 400º do CT
Tal já não sucede, porém, no chamado “abandono de trabalho” – art. 403º do CT - que, constituindo uma modalidade de denúncia tácita, pressupõe, ao invés, a omissão do acto de comunicação.
A denúncia ou demissão constitui uma forma de extinção do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador e estruturalmente é um negócio jurídico unilateral receptício, através do qual o trabalhador revela a vontade, séria e inequívoca de fazer cessar o contrato de trabalho, que tem necessariamente de ser comunicada ao empregador.
Como refere Leal Amado, in “Contrato de Trabalho, 4ª ed., pág. 437 e 438, a propósito do artigo 400º do CT que tem como epígrafe “denúncia com aviso prévio”: “Consagra este preceito o princípio basilar da demissão ad nutum: num ordenamento jurídico em que a liberdade de trabalho e profissão é constitucionalmente reconhecida (art. 47º. Da CRP) e perante um contrato em que o devedor-trabalhador compromete tão intensamente a sua própria pessoa na execução da respectiva prestação, compreende-se que ao trabalhador seja reconhecida a faculdade de fazer cessar o vínculo por sua iniciativa unilateral, sem necessidade de para o efeito invocar qualquer causa ou motivo. E este princípio da livre demissão vigora, entre nós, quer relativamente aos contratos de trabalho de duração indeterminada (onde não suscita quaisquer objecções), quer mesmo no tocante aos contratos a termo (onde a sua vigência poderia ser contestada, tendo em conta a velha regra segundo a qual pacta sunt servanda). Em qualquer dos casos, a lei assegura que o trabalhador não fique refém do contrato, prevalecendo, pois, o princípio da demissão ad nutum – o que bem se percebe tendo presente que, como alguém escreveu, o direito de o trabalhador se demitir constitui a antítese da escratura, garantindo a sua dignidade como pessoa e a sua liberdade profissional”.
A denúncia do contrato é também uma declaração formal, sendo certo que quanto a este ponto tem-se gerado alguma controvérsia e não falta quem considere que, em rigor, é o aviso prévio da denúncia que se sujeita à exigência de forma escrita e não a própria denúncia. Neste sentido, ver entre outros Albino Mendes Batista, “A cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador no Código do Trabalho” em Estudos sobre o Código do Trabalho, pág. 54-56. Na jurisprudência tem-se considerado que a comunicação escrita é uma formalidade ad probationem, não produzindo a sua falta a invalidade da denúncia, já que em bom rigor é o aviso prévio da denúncia que se sujeita à exigência da forma escrita e não a própria denúncia. Assim a inobservância da forma escrita não determina a invalidade da denúncia, o que significa que o efeito desvinculatório unilateral do trabalhador produz-se, ainda que não tenha utilizado a forma escrita - cfr, Ac. STJ de 15/09/2010 (relator Vasques Dinis) e Ac. RL de 28/01/2004, in CJ, 2004, Tº 1, pág. 149. Por fim, na doutrina defende considera ainda Pedro Pinto Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho”, pág. 546-547 que a forma escrita da denúncia não é condição de validade e eficácia da declaração extintiva, mas apenas da sua regularidade.
Sufragando também este entendimento consideramos que a lei permite a cessação do contrato por iniciativa do trabalhador, ainda que não haja declaração escrita de rescisão, pois o incumprimento de tal formalismo, torna, sem dúvida mais difícil a prova, mas não a inviabiliza, sendo por isso relevante e eficaz qualquer manifestação da vontade inequívoca assumida pelo trabalhador declarando a sua intenção de rescindir o contrato de trabalho, mesmo que tal manifestação de vontade assuma a forma meramente verbal.
Sabe-se assim que “A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade; é tácita quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam” – art. 217º n.º 1 do Cod. Civil.
Essencial, para a relevância da declaração tácita, é a inequivocidade dos chamados “facta concludentia”.
Podemos dizer que ela tem lugar sempre que a um comportamento seja atribuído um significado legal tipificado, sem admissão de prova em contrário.
Não se confundindo com a declaração tácita temos também a declaração presumida, que ocorre sempre que a lei liga a determinado comportamento o significado de exprimir uma vontade negocial em certo sentido, podendo ilidir-se tal presunção mediante prova em contrário.
Como quer que seja, a manifestação negocial do trabalhador só se torna eficaz se for levada ao alcance da outra parte, por forma a que esta tome conhecimento da respectiva declaração de vontade – artigo 224º do Cod. Civil. Essa declaração, por sua vez, há-de ser interpretada segundo os critérios enunciados nos artigos 236º e segs. do mesmo Código: por isso, se não for expressa, a denúncia terá de ser extraída de factos que, perante o homem médio, revelem inequivocamente a vontade do trabalhador de fazer cessar o contrato.
No domínio da demissão promovida pelo trabalhador ter-se-á de entender que a vontade de pôr termo ao contrato há-de ser “inequívoca”, razão por que não é de admitir a demissão presumida, nem é de admitir a demissão tácita, com a amplitude que é conferido às declarações negociais tácitas pelo falado artigo 217º do C.C, com excepção do abandono do trabalho que surge como uma hipótese de ruptura ilícita/irregular do contrato por iniciativa do trabalhador e que se traduz numa rescisão contratual tácita da iniciativa do trabalhador, o qual promove a dissolução do vínculo, sem invocação de justa causa para o efeito e sem respeitar o aviso prévio.
Neste particular, apenas são de admitir demissões de facto, corporizadas numa atitude inequívoca do trabalhador, de onde decorre necessariamente a manifestação de uma vontade de fazer cessar a relação laboral, que se encontra consagrada na figura do abandono do trabalho, na qual se enquadram as situações em que não há uma declaração expressa do trabalhador no sentido da cessação do contrato (designadamente uma declaração expressa de denúncia, com respeito pelo aviso prévio ou não), mas em que o trabalhador se ausenta e do seu comportamento se pode deduzir claramente a sua intenção de fazer cessar o contrato.
Com a ausência prolongada ou seja com o abandono, o trabalhador assume um comportamento concludente no sentido de evidenciar que realmente quis pôr termo ao contrato.
O “abandono do trabalho” é a única modalidade de desvinculação contratual que pressupõe a ausência de comunicação, estabelecendo nº1 do artigo 403º do CT que se considera “abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não o retomar”.
Por sua vez, o nº2 do preceito dispõe o seguinte: Presume-se o abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência”
De harmonia com o disposto no nº 3 do mesmo artigo, O abandono do trabalho vale como denúncia do contrato, só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de receção para a última morada conhecida deste”.
Como refere Maria do Rosário Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais”, 5ª edição revista e actualizada, pág. 1106. “Até ao surgimento desta figura este tipo de situações apenas podia ser enquadrado pelo despedimento disciplinar, devendo o empregador recorrer à situação de justa causa atinente às faltas injustificadas (actualmente prevista no artigo 351º n.º 2 g), 2ª parte do CT), cabendo-lhe promover o competente processo disciplinar e, no final, emitir a competente decisão de despedimento. Ora, a inadequação deste processo a uma situação em que já se sabe, de antemão, que é o trabalhador que não quer retomar o serviço, justifica amplamente o seu enquadramento em moldes diferentes.
Foi este enquadramento que foi fornecido pela figura do abandono do trabalho.”
Finalmente importará referir que cabe ao trabalhador, alegar e provar a existência de um contrato de trabalho e a sua cessação através de despedimento promovido pelo seu empregador – artigo 342º n.º 1 do Cod. Civil.
Analisemos o caso em apreço.
Começamos desde já por afirmar que em concordância com o defendido pelo juiz a quo não partiu do trabalhador a iniciativa de pôr termo ao contrato de trabalho, uma vez que este não dirigiu à Ré qualquer comunicação escrita ou oral da qual resultasse a sua vontade inequívoca de fazer cessar o contrato.
Da factualidade apurada resulta que havia sido instaurado um procedimento disciplinar ao Autor, com intenção de o despedir, estando suspenso do exercício das suas funções e proibido de entrar nas instalações da empresa até à conclusão daquele processo (pontos I) e J) dos factos provados). Daqui resulta evidente que foi por determinação da ré que o autor deixou de comparecer ao trabalho, estando aquela bem ciente de tal facto.
Resulta ainda apurado que foi a ré que enviou e fez constar da carta datada de 26/10/2015 que ao ter tido conhecimento que o autor estaria a trabalhar para uma outra empresa, que exerce uma actividade concorrencial com a ré, concluiu que tal comportamento do autor consubstancia a denúncia, sem aviso prévio do contrato de trabalho que o vinculava à sociedade, logo contrato cessou por iniciativa do autor – cfr. pontos O), P) e Q) dos pontos de facto provados.
Atenta a posição por nós acima assumida no que respeita à denúncia do contrato de trabalho e salvo o devido respeito por posição contrária, facilmente se conclui que o Autor não denunciou o contrato sem aviso prévio, nem o teor da carta enviada pela ré ao autor configura uma situação de abandono do trabalho, que pudesse ser invocada pelo empregador, valendo como denúncia tácita do trabalhador, nem os factos revelam com toda a probabilidade a intenção do trabalhador de não retornar ao trabalho.
Na verdade, o autor não enviou, nem emitiu qualquer comunicação à Ré do tipo denunciativo ou resolutivo, pois não prestou qualquer declaração junto do seu empregador, nem se ausentou voluntariamente do serviço de forma a que a Ré pudesse suspeitar e concluir que a intenção do autor de não retornar ao trabalho, nem teve qualquer comportamento que revelasse de forma concludente, que quis cessar o contrato.
Ora, não tendo o Autor efectuado qualquer comunicação escrita ou oral à Ré de tipo resolutivo ou denunciativo e não se inserindo o caso dos autos no quadro de uma desvinculação tácita do autor, ou seja no abandono do trabalho, por não se verificarem os requisitos para o efeito, designadamente a ausência/não comparência voluntária e prolongada do trabalhador ao serviço, teremos de concluir que a relação contratual não cessou por denúncia de contrato de trabalho pelo trabalhador.
Como refere o Mmº Juiz a quo na decisão recorrida “… ainda que sejam verdade os factos que a ré alega na carta ter tido conhecimento (estar o autor a trabalhar desde o dia 18/09/2015 para uma empresa concorrente), nunca com base nos mesmos poderia a ré vir invocar a denúncia do contrato de trabalho, por falta do primeiro dos requisitos exigidos no artigo 403º n.º 1 do Código do Trabalho. A serem verdadeiros aqueles factos poderia a ré fazer um aditamento à nota de culpa do processo disciplinar que estava em curso e tomá-la em consideração na decisão que viesse posteriormente a proferir no final daquele, por poderem constituir violação por parte do autor dos seus deveres laborais. O que não podia era presumir a existência de uma denúncia do contrato de trabalho, pois não havia ausência injustificada do autor do serviço que, aliada àqueles factos, lhe permitisse concluir pelo abandono do trabalho.”
Em suma, não se verificando a denúncia do contrato, a carta enviada pelo empregador ao trabalhador configura, sem margem para qualquer dúvida a vontade do empregador de por sua iniciativa por termo à relação laboral, configurando por isso uma declaração de despedimento ilícito da iniciativa do empregador, porque sem procedimento disciplinar e sem invocação de justa causa, nos termos do art. 381º, alíneas b) e c) do CT.
Relativamente ao facto da Recorrente pretender caso que seja indagada a veracidade dos factos constantes do email de 21/09/2015, junto aos autos, para que daí extrair a conclusão de que estando o autor a trabalhar para uma outa empresa resulta a inequívoca sua intenção de não mais se apresentar ao serviço da Ré, devendo por isso os autos prosseguirem para apreciação de tal questão, afigura-se-nos dizer que não se alcança como possa da referida factualidade extrair-se a conclusão de que de tal facto resulta que o autor manifestou a sua intenção de não retomar o trabalho, desconhecendo o empregador o motivo da sua ausência.
Ainda que se apurasse que o autor no período da suspensão do seu contrato prestou trabalho para terceiro, tal facto sempre seria de considerar de irrelevante, uma vez que não nos permitiria concluir, quer pela verificação da manifestação/vontade expressa do autor em por termo ao contrato (denúncia), quer pela verificação do abandono do trabalho (denúncia tácita).
Na verdade, tal matéria poderia ter interesse, nomeadamente em sede de procedimento disciplinar, caso a Ré tivesse optado por essa via e instaurado procedimento disciplinar com base nestes factos ou tivesse aditado tais factos ao procedimento disciplinar já instaurado tendo em vista a aplicação de sanção disciplinar, designadamente o despedimento, por tais factos configurarem e indiciarem infracção disciplinar. Mas tal não foi o caminho seguido pela Ré, já que de forma ilícita e de sua iniciativa pôs termo ao contrato.
Corroboramos, no essencial, este juízo efectuado pelo tribunal a quo, razão pela qual concluímos que a citada factualidade é de todo irrelevante para a específica questão – e só esta releva – de saber se o Autor denunciou tacitamente o contrato de trabalho que mantinha com a Ré, sendo por isso desnecessário e até dilatório o prosseguimento dos autos.
Em suma consideramos que o tribunal a quo fez uma correcta subsunção jurídica dos factos, pelo que a decisão proferida em sede de saneador sentença que entendeu que a relação laboral cessou por iniciativa do empregador e de forma ilícita nenhuma censura merece, ficando desde já prejudicado o conhecimento da questão relativa ao acerto final de contas decorrente da cessão do contrato por iniciativa do autor.
Improcedem assim as conclusões de recurso enumeradas de 1 a 11.
- Dos danos não patrimoniais
Insurge-se a Recorrente relativamente aos danos não patrimoniais dizendo que a sentença recorrida considerou que os mesmos decorrem de “toda uma situação de conflito familiar e empresarial que envolve a situação aqui em apreço e que contribui para o estado de espirito do autor, mas a mesma não decorre do despedimento que aqui está a ser analisado“, razão pela qual inexiste fundamento legal para a sua condenação a título de dano não patrimonial no montante de €4.000,00.
Dos factos provados com relevo para apreciação desta questão resulta que o conflito familiar que culminou na cessação do contrato causou ao autor desgosto, sendo certo que é muito conhecido no meio têxtil e foi muito divulgado; o que causou ao autor vergonha e tristeza; tendo tal sido motivo de conversa no meio empresarial – cfr. alíneas V), W e X, dos pontos de facto provados.
Tendo presente o princípio segundo o qual os danos não patrimoniais só são indemnizáveis quando a sua gravidade o justifique (cfr. artigo 496º do Código Civil), a factualidade apurada permite-nos afirmar que o autor sofreu danos não patrimoniais merecedores de reparação, tendo em consideração o desgosto, vergonha e tristeza por si sofridos, bem como o facto de o autor ser muito conhecido no meio empresarial e terem sido muito divulgados os factos decorrentes do despedimento, sendo certo como assertivamente se fez constar na sentença recorrida tais danos não resultam apenas do despedimento, mas sim da situação de conflito familiar e empresarial vivida pelo autor, a justificar que o valor da indemnização por dano moral, tivesse ficado muito aquém do peticionado, pelo que de forma alguma se pode concluir, como pretende a Recorrente pela inexistência dos mesmos.
Em face do exposto e porque no caso em apreço se mostram provados factos suficientes que permitem justificar a condenação da Ré, considerarmos ser de manter nesta parte a sentença recorrida, improcedendo assim as conclusões de recurso enumeradas de 12 a 15.
V - DECISÃO
Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87º do C.P.T. e 663º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por BB, S.A., confirmando-se na íntegra as decisões recorridas.
Custas a cargo da Recorrente.
Guimarães, 16 de Fevereiro de 2017


Vera Maria Sottomayor
Antero Veiga
Alda Martins

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Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C.
I – A denúncia (expressa) do contrato de trabalho pelo trabalhador não necessita de ser efectuada de forma escrita, mas tem de existir manifestação do trabalhador que revele de forma concludente, que ele quis cessar o contrato.
II - O abandono do trabalho corresponde à denúncia (tácita) do contrato por banda do trabalhador, cuja eficácia extintiva só opera, depois de o empregador o invocar em comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de recepção.
III – O empregador que pretenda ver reconhecida a denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador com fundamento na situação prevista no artigo 403º do CT compete-lhe alegar e provar a verificação do facto indiciário do abandono do trabalho.
IV – O abandono do trabalho pressupõe a intenção do trabalhador não retomar o trabalho, intenção essa que deverá ser revelada por factos que, com toda a probabilidade, o demonstrem, o que não ocorre se da matéria de facto provada decorre que o Autor estava suspenso das suas funções na sequência da instauração de procedimento disciplinar instaurado pela ré, ainda que no período de tal suspensão o trabalhador possa ter prestado trabalho por conta de terceiro.
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Vera Sottomayor